Language of document : ECLI:EU:C:2018:25

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

23 de janeiro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.o TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Medicamentos — Diretiva 2001/83/CE — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Alegações relativas aos riscos ligados à utilização de um medicamento para um tratamento não abrangido pela sua autorização de introdução no mercado (sem AIM) — Definição do mercado relevante — Restrição acessória — Restrição da concorrência por objetivo — Isenção»

No processo C‑179/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 3 de dezembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de março de 2016, no processo

F. HoffmannLa Roche Ltd,

Roche SpA,

Novartis AG,

Novartis Farma SpA

contra

Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato,

sendo intervenientes:

Associazione Italiana delle Unità Dedicate Autonome Private di Day Surgery e dei Centri di Chirurgia Ambulatoriale (Aiudapds),

Società Oftalmologica Italiana (SOI) — Associazione Medici Oculisti Italiani (AMOI),

Regione EmiliaRomagna,

Altroconsumo,

Regione Lombardia,

Coordinamento delle associazioni per la tutela dell’ambiente e dei diritti degli utenti e consumatori (Codacons),

Agenzia Italiana del Farmaco (AIFA),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, J. Malenovský, C. G. Fernlund (relator) e C. Vajda, presidentes de secção, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de maio de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da F. Hoffmann‑La Roche Ltd, por M. Siragusa, P. Merlino e G. Faella, avvocati,

–        em representação da Roche SpA, por E. Raffaelli, P. Todaro, A. Raffaelli e E. Teti, avvocati,

–        em representação da Novartis AG e da Novartis Farma SpA, por G. B. Origoni della Croce, A. Lirosi, P. Fattori, L. D’Amario e S. Di Stefano, avvocati,

–        em representação da Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação da Associazione Italiana delle Unità Dedicate Autonome Private di Day Surgery e dei Centri di Chirurgia Ambulatoriale (Aiudapds), por G. Muccio e G. Zaccanti, avvocati,

–        em representação da Società Oftalmologica Italiana (SOI) — Associazione Medici Oculisti Italiani (AMOI), por R. La Placa e V. Vulpetti, avvocati,

–        em representação da Altroconsumo, por F. Paoletti, A. Mozzati e L. Schiano di Pepe, avvocati,

–        em representação da Coordinamento delle associazioni per la tutela dell’ambiente e dei diritti degli utenti e consumatori (Codacons), por C. Rienzi, G. Giuliano e S. D’Ercole, avvocati,

–        em representação da Regione Emilia‑Romagna, por M. R. Russo Valentini e R. Bonatti, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação da Irlanda, por E. Creedon, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por M. Gray, barrister,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Segoin e J. Bousin, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por T. Vecchi, F. Castilla Contreras, G. Conte e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de setembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre, por um lado, a F. Hoffmann‑La Roche Ltd (a seguir «Roche»), a Roche SpA (a seguir «Roche Italia»), a Novartis AG e a Novartis Farma SpA (a seguir «Novartis Italia») e, por outro, a Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Autoridade de Garantia da Concorrência e do Mercado, Itália, a seguir «AGCM») a propósito dos processos intentados e das sanções pecuniárias aplicadas por esta última em razão de um acordo contrário ao artigo 101.o TFUE.

 Quadro jurídico

3        As empresas em causa no processo principal foram sancionadas pela AGCM por terem cometido uma infração ao direito da concorrência da União durante o período compreendido entre 1 de junho de 2011 e 27 de fevereiro de 2014.

 Diretiva 2001/83/CE

4        Tendo em conta o período de infração em causa, o processo principal é regido pelas disposições da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (JO 2007, L 324, p. 121) (a seguir «Diretiva 2001/83»), bem como, a partir de 21 de julho de 2012, pelas disposições da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2010/84/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010 (JO 2010, L 348, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83 alterada»).

5        O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 prevê:

«De acordo com a legislação em vigor e a fim de responder a necessidades especiais, um Estado‑Membro pode excluir das disposições da presente diretiva os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa‑fé não solicitado (“pedido de uso compassivo”), elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados a um doente determinado sob a sua responsabilidade pessoal direta.»

6        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva:

«Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado [(a seguir “AIM”)], em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004, em conjugação com o Regulamento (CE) n.o 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativo a medicamentos para uso pediátrico [(JO 2006, L 378, p. 1)] e com o Regulamento (CE) n.o 1394/2007.

Sempre que um medicamento tiver obtido uma [AIM] inicial nos termos do primeiro parágrafo, quaisquer dosagens, formas farmacêuticas, vias de administração e apresentações adicionais, bem como quaisquer alterações e extensões, devem também receber uma autorização nos termos do primeiro parágrafo ou ser incluídas na [AIM] inicial. Considera‑se que todas estas autorizações de introdução no mercado fazem parte da mesma autorização de introdução no mercado global […]»

7        O artigo 40.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para que o fabrico dos medicamentos no seu território esteja dependente da titularidade de uma autorização. Exige‑se igualmente a autorização de fabrico quando os medicamentos sejam fabricados para a exportação.

2.      A autorização referida no n.o 1 é exigida tanto para o fabrico total ou parcial como para as operações de divisão, acondicionamento ou apresentação.

Todavia, a autorização não é exigida para as preparações, divisões, alterações de acondicionamento ou apresentação, quando tais operações forem executadas, unicamente tendo em vista a distribuição a retalho, por farmacêuticos numa farmácia ou por outras pessoas legalmente habilitadas nos Estados‑Membros a efetuar as ditas operações.»

8        O artigo 101.o da Diretiva 2001/83 alterada dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros criam um sistema de farmacovigilância para executarem as funções que lhes incumbem em matéria de farmacovigilância e de participação nas atividades de farmacovigilância da União.

O sistema de farmacovigilância é utilizado para recolher informações sobre os riscos dos medicamentos para os doentes ou para a saúde pública. Estas informações dizem sobretudo respeito a reações adversas no ser humano derivados da utilização do medicamento nos termos da [AIM] ou fora dos termos da mesma, e a reações adversas ligadas a exposição profissional.»

9        O artigo 106.o‑A da Diretiva 2001/83 alterada prevê:

«1.      Assim que o titular da [AIM] decidir divulgar ao grande público informações sobre questões de farmacovigilância relativas à utilização de um medicamento e, em qualquer caso, antes de fazer essa divulgação ou em simultâneo com ela, deve avisar as autoridades nacionais competentes, a [Agência Europeia de Medicamentos (EMA)] e a Comissão.

O titular da [AIM] deve assegurar que as informações destinadas ao público sejam apresentadas de forma objetiva e não sejam enganosas.

2.      Com exceção dos casos em que a proteção da saúde pública exija uma informação pública urgente, os Estados‑Membros, a [EMA] e a Comissão informam‑se mutuamente com pelo menos 24 horas de antecedência antes de divulgarem informações sobre questões de farmacovigilância ao público.

3.      No que se refere a substâncias ativas contidas em medicamentos autorizados em mais de um Estado‑Membro, a [EMA] é responsável pela coordenação das atividades das autoridades nacionais competentes em matéria de comunicados de segurança e dos respetivos calendários de difusão.

Sob a coordenação da [EMA] os Estados‑Membros envidam os seus melhores esforços para chegarem a acordo sobre comunicados conjuntos relacionados com a segurança do medicamento em causa e sobre os respetivos calendários de difusão. A pedido da [EMA] o Comité de Avaliação do Risco de Farmacovigilância presta aconselhamento sobre os comunicados de segurança em causa.

[…]»

 Regulamento (CE) n.o 726/2004

10      Tendo em conta o período de infração em causa, o processo principal é regido pelas disposições do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 219/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009 (JO 2009, L 87, p. 109) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004»), e, a partir de 2 de julho de 2012, pelas disposições do Regulamento n.o 726/2004, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1235/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010 (JO 2010, L 348, p. 1, e retificação no JO 2012, L 201, p. 138) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004 alterado»).

11      Nos termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 726/2004:

«1.      Após a concessão de uma autorização em conformidade com o presente regulamento, o titular da [AIM] do medicamento para uso humano deve, no que respeita aos métodos de fabrico e controlo previstos nas alíneas d) e h) do n.o 3 do artigo 8.o da Diretiva 2001/83/CE, atender aos progressos técnicos e científicos e introduzir todas as alterações necessárias para que o medicamento seja fabricado e controlado segundo métodos científicos geralmente aceites. Deve solicitar uma autorização para estas alterações em conformidade com o presente regulamento.

2.      O titular da [AIM] deve fornecer imediatamente à [EMA], à Comissão e aos Estados‑Membros quaisquer novas informações que possam implicar a alteração das informações ou dos documentos referidos no n.o 3 do artigo 8.o, nos artigos 10.o, 10.o‑A, 10.o‑B e 11.o e no anexo I da Diretiva 2001/83/CE, ou no n.o 4 do artigo 9.o do presente regulamento.

Nomeadamente, deve comunicar imediatamente à [EMA], à Comissão e aos Estados‑Membros quaisquer proibições ou restrições impostas pelas autoridades competentes de qualquer país em que o medicamento para uso humano seja comercializado e quaisquer outras novas informações que possam influenciar a avaliação dos benefícios e dos riscos do medicamento para uso humano em questão.

A fim de se poder avaliar continuamente a relação risco‑benefício, a [EMA] pode, em qualquer altura, pedir ao titular da [AIM] o envio de dados que demonstrem que essa relação se mantém favorável.

3.      Caso o titular da autorização de introdução no mercado do medicamento para uso humano pretenda alterar as informações e os documentos referidos no n.o 2, deverá apresentar um pedido nesse sentido à [EMA].

4.      A Comissão, após consulta à [EMA] aprova as disposições adequadas para a análise das alterações introduzidas nas [AIM], sob a forma de regulamento. Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, completando‑o, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2‑A do artigo 87.o»

12      O artigo 16.o do Regulamento n.o 726/2004 alterado dispõe:

«1.      Após a concessão de uma [AIM] em conformidade com o presente regulamento, o titular da autorização de introdução no mercado deve, no que respeita aos métodos de fabrico e de controlo previstos nas alíneas d) e h) do n.o 3 do artigo 8.o da Diretiva 2001/83/CE, ter em conta os progressos técnicos e científicos e introduzir todas as alterações necessárias para que o medicamento seja fabricado e controlado segundo métodos científicos geralmente aceites. Deve solicitar uma autorização para as alterações correspondentes em conformidade com o presente regulamento.

2.      O titular da [AIM] deve fornecer imediatamente à [EMA], à Comissão e aos Estados‑Membros quaisquer novas informações que possam implicar a alteração das informações ou dos documentos referidos no n.o 3 do artigo 8.o, nos artigos 10.o, 10.o‑A, 10.o‑B e 11.o, ou no n.o 5 do artigo 32.o e no anexo I da Diretiva 2001/83/CE, ou no n.o 4 do artigo 9.o do presente regulamento.

Nomeadamente, o titular da [AIM] deve comunicar de imediato à [EMA] e à Comissão todas as proibições ou restrições impostas pelas autoridades competentes de qualquer país em que o medicamento seja comercializado e quaisquer outras novas informações que possam influenciar a avaliação dos benefícios e dos riscos do medicamento em questão. As informações incluem os resultados positivos e negativos dos ensaios clínicos ou de outros estudos relativos a todas as indicações e populações, independentemente da sua inclusão na [AIM], bem como dados de utilização do medicamento, quando essa utilização estiver fora dos termos da [AIM].

3.      O titular da [AIM] deve assegurar que as informações do medicamento se mantenham atualizadas em relação aos conhecimentos científicos mais recentes e incluam as conclusões da avaliação e as recomendações publicadas no portal europeu sobre medicamentos, criado na web nos termos do artigo 26.o

3 A.      A fim de poder avaliar continuamente a relação risco‑benefício, a [EMA] pode pedir em qualquer altura ao titular da [AIM] para enviar dados que demonstrem que essa relação se mantém favorável. O titular da [AIM] deve responder cabal e prontamente a esses pedidos.

[A EMA] pode pedir em qualquer altura ao titular da [AIM] que apresente uma cópia do dossiê principal do sistema de farmacovigilância. O titular da [AIM] deve apresentar a referida cópia no prazo máximo de sete dias a contar da receção do pedido.

4.      A Comissão, após consulta à [EMA,] aprova as disposições adequadas para a análise das alterações introduzidas nas [AIM], sob a forma de regulamento. Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, completando‑o, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2‑A do artigo 87.o»

13      O artigo 17.o do Regulamento n.o 726/2004 prevê:

«O requerente ou o titular da [AIM] é responsável pela exatidão dos documentos e dos dados que apresentar.»

14      O artigo 22.o deste regulamento enunciava:

A [EMA] em estreita cooperação com os sistemas nacionais de farmacovigilância criados em conformidade com o artigo 102.o da Diretiva 2001/83/CE, recebe todas as informações pertinentes relativas a suspeitas de reações adversas aos medicamentos para uso humano autorizados pela Comunidade nos termos do presente regulamento. Se necessário, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano emite pareceres sobre as medidas necessárias, em conformidade com o artigo 5.o do presente regulamento. Tais pareceres serão tornados públicos.

[…]

O titular da [AIM] e as entidades competentes dos Estados‑Membros asseguram que sejam comunicadas à [EMA] em conformidade com o disposto no presente regulamento, todas as informações pertinentes relativas a suspeitas de efeitos indesejáveis de medicamentos de uso humano autorizados nos termos do presente regulamento. Os doentes devem ser incentivados a comunicar qualquer reação adversa aos profissionais de saúde.»

15      O artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 726/2004 previa:

«O titular de uma [AIM] não pode comunicar ao público em geral informações sobre questões de farmacovigilância relativas ao seu medicamento autorizado sem que haja prévia ou simultaneamente notificado a [EMA].

Em qualquer dos casos, o titular de uma [AIM] deve assegurar que essas informações são apresentadas de forma objetiva e não são enganosas.

Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que o titular de uma [AIM] que não cumpra estas obrigações seja passível de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

16      Nos termos do Regulamento n.o 1235/2010, o capítulo 3, que figura sob o título II do Regulamento n.o 726/2004, intitulado «Farmacovigilência», que inclui os artigos 21.o a 29.o desse regulamento, foi substituído. O artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 726/2004 alterado tem a seguinte redação:

«Caso um relatório de avaliação recomende medidas relativas à [AIM], o Comité dos Medicamentos para Uso Humano estuda, no prazo de 30 dias após a receção do relatório do Comité de Avaliação do Risco de Farmacovigilância, o relatório e aprova um parecer sobre a manutenção, a alteração, a suspensão ou a revogação da [AIM] em causa, incluindo um calendário para a execução do parecer. Caso este parecer do Comité dos Medicamentos para Uso Humano divirja da recomendação do Comité de Avaliação do Risco de Farmacovigilância, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano anexa ao seu parecer uma explicação detalhada das razões científicas que explicam as diferenças, juntamente com a recomendação.

Caso o parecer determine que são necessárias medidas reguladoras da [AIM], a Comissão aprova a decisão de alterar, suspender ou revogar a [AIM]. Para efeitos da aprovação dessa decisão, aplica‑se o artigo 10.o do presente regulamento. Ao aprovar essa decisão, a Comissão pode aprovar também uma decisão dirigida aos Estados‑Membros nos termos do artigo 127.o‑A da Diretiva 2001/83/CE.»

17      O artigo 84.o deste regulamento enuncia:

«1.      Sem prejuízo do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, cada Estado‑Membro determina as sanções a aplicar em caso de infração ao disposto no presente regulamento ou nos regulamentos aprovados ao abrigo deste último e toma todas as medidas necessárias para garantir a aplicação dessas sanções.

[…]

2.      Os Estados‑Membros informam imediatamente a Comissão do início de qualquer processo contencioso relativo a infrações ao presente regulamento.

3.      A pedido da [EMA], a Comissão pode aplicar aos titulares de autorizações de introdução no mercado concedidas ao abrigo do presente regulamento sanções pecuniárias em caso de incumprimento de certas obrigações previstas no quadro dessas autorizações. Os montantes máximos, as condições e as formas de cumprimento dessas sanções são fixados pela Comissão. Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, completando‑o, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2‑A do artigo 87.o

A Comissão publica os nomes dos titulares de autorizações de introdução no mercado envolvidos, bem como o montante e o motivo das sanções financeiras aplicadas.»

 Regulamento (CE) n.o 658/2007

18      Tendo em conta o período de infração em causa, o processo principal é regido pelas disposições do Regulamento (CE) n.o 658/2007 da Comissão, de 14 de junho de 2007, relativo às sanções financeiras por infração de determinadas obrigações relacionadas com as autorizações de introdução no mercado concedidas ao abrigo do Regulamento n.o 726/2004 (JO 2007, L 155, p. 10), e, a partir de 2 de julho de 2012, pelas disposições deste regulamento, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 488/2012 da Comissão, de 8 de junho de 2012 (JO 2012, L 150, p. 68) (a seguir «Regulamento n.o 658/2007 alterado»).

19      O artigo 1.o, ponto 1, do Regulamento n.o 658/2007 previa:

«O presente regulamento estabelece as normas relativas à imposição de sanções financeiras aos titulares de [AIM], concedidas ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 726/2004, por infração às obrigações a seguir indicadas, no caso de a infração poder refletir‑se significativamente na saúde pública da Comunidade, ou poder revestir‑se de uma dimensão comunitária tendo lugar ou produzindo efeitos em mais do que um Estado‑Membro, ou estarem envolvidos interesses da Comunidade:

1)      A completude e exatidão das informações e dos documentos incluídos no pedido de [AIM] ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 726/2004, ou de quaisquer outros documentos e dados submetidos à [EMA], em conformidade com as obrigações nele previstas.»

20      O artigo 1.o, ponto 1, do Regulamento n.o 658/2007 alterado tem a seguinte redação:

«Fornecer informações e documentação completas e exatas no pedido de [AIM], nos termos do Regulamento (CE) n.o 726/2004, à [EMA], ou em resposta às obrigações estabelecidas no referido regulamento e no Regulamento (CE) n.o 1901/2006, na medida em que a infração diga respeito a um aspeto específico».

21      O artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 658/2007 enuncia:

«Sempre que, na sequência do procedimento referido na subsecção 1, a Comissão entender que o titular da [AIM] praticou com dolo ou negligência uma infração nos termos do artigo 1.o, pode aplicar uma sanção pecuniária não superior a 5% do volume de negócios realizado pelo titular na Comunidade durante o exercício precedente.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22      A AGCM, por decisão de 27 de fevereiro de 2014 (a seguir «decisão da AGCM»), aplicou duas coimas, uma à Roche e à sua filial Roche Italia, no montante de cerca de 90,6 milhões de euros, e outra à Novartis e à sua filial Novartis Italia, no montante de cerca de 92 milhões de euros, por estas empresas terem celebrado um acordo contrário ao artigo 101.o TFUE, que visava obter uma diferenciação artificial entre os medicamentos Avastin e Lucentis, manipulando a perceção dos riscos da utilização do Avastin em oftalmologia.

23      Os dois medicamentos em causa foram desenvolvidos pela Genentech, uma sociedade com sede nos Estados Unidos, cuja atividade é limitada ao território deste país. A Geventech confiou a exploração comercial do Avastin fora do território dos Estados Unidos à Roche, sua sociedade‑mãe. Uma vez que esta última não atuava no domínio da oftalmologia, a Genetech encarregou igualmente o grupo Novartis de assegurar a exploração comercial do Lucentis fora do território dos Estados Unidos, através de um acordo de licença celebrado em junho de 2003.

24      A AIM destes medicamentos na União Europeia está sujeita, devido às características biotecnológicas destes, ao procedimento centralizado previsto pelo Regulamento n.o 726/2004.

25      Em 12 de janeiro de 2005, a Comissão emitiu uma AIM ao Avastin para o tratamento de certas patologias oncológicas. Em 26 de setembro de 2005, a Agenzia italiana del farmaco (AIFA) (Agência italiana do medicamento) inscreveu o Avastin entre os medicamentos integralmente reembolsados pelo sistema do serviço nacional de saúde.

26      Em 22 de janeiro de 2007, a Comissão concedeu igualmente uma AIM ao Lucentis para o tratamento de patologias oculares. Em 31 de maio de 2007, a AIFA inscreveu o Lucentis na lista dos medicamentos não reembolsáveis.

27      Antes da introdução do Lucentis no mercado, alguns médicos tinham começado a prescrever o Avastin aos seus pacientes que sofriam de doenças oculares. Esta prescrição do Avastin para indicações que não correspondem às mencionadas na AIM deste (a seguir «sem AIM») para o tratamento de tais doenças começou a difundir‑se ao nível mundial. Devido ao preço unitário inferior do Avastin, a sua utilização para essas patologias continuou depois da introdução do Lucentis no mercado.

28      Em conformidade com a regulamentação italiana, que permitia o reembolso de uma utilização sem AIM de um medicamento na falta de uma alternativa terapêutica válida autorizada para o tratamento da patologia em causa, a AIFA, em maio de 2007, inscreveu na lista dos medicamentos reembolsáveis a utilização do Avastin no que respeita ao tratamento das maculopatias exsudativas.

29      Na sequência da inscrição, em 4 de dezembro de 2008, na lista de medicamentos reembolsáveis em Itália do Lucentis e de outros medicamentos autorizados para o tratamento das patologias oculares em causa, a AIFA excluiu progressivamente o caráter reembolsável do Avastin sem AIM para essas patologias.

30      Por decisão de 30 de agosto de 2012, a Comissão, depois de ter obtido um parecer favorável da EMA, alterou o resumo das características do Avastin, a fim de mencionar certas consequências indesejáveis ligadas à utilização desse medicamento para o tratamento de patologias oculares não abrangidas pela AIM deste.

31      Na sequência desta alteração do resumo das características do Avastin, a AIFA, em 18 de outubro de 2012, retirou da lista dos medicamentos reembolsáveis o Avastin utilizado para as indicações terapêuticas não abrangidas pela sua AIM.

32      Segundo a decisão da AGCM, os grupos Roche e Novartis celebraram um acordo de repartição de mercado, constitutivo de uma restrição da concorrência por objetivo. Nos termos, designadamente, do ponto 177 dessa decisão, o Avastin e o Lucentis são, em todos os aspetos, equivalentes para o tratamento de doenças oculares. O acordo visava produzir e difundir pareceres de modo a suscitar preocupações no público quanto à segurança das utilizações oftálmicas do Avastin e a depreciar os pareceres científicos contrários. Este acordo incidiu igualmente sobre o procedimento de alteração do resumo das características do Avastin em curso perante a EMA e o envio subsequente de uma comunicação formal aos profissionais de saúde, desencadeados pela Roche.

33      Segundo a referida decisão, designadamente o seu ponto 88, o Avastin tornou‑se, devido à sua utilização sem AIM amplamente difundida em Itália, em oftalmologia, o principal concorrente do Lucentis. A AGCM concluiu, nos n.os 82 a 88 da mesma decisão, que o acordo resultou numa redução das vendas do Avastin e provocou uma deslocação da procura para o Lucentis. Este efeito, nos termos do ponto 229 da decisão da AGCM, gerou um sobrecusto para o serviço nacional de saúde, avaliado, só no que respeita ao ano de 2012, em cerca de 45 milhões de euros.

34      Tendo o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional de Lácio, Itália) negado provimento aos recursos que interpuseram da referida decisão, a Roche, a Novartis e as suas filiais italianas interpuseram recurso no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

35      As recorrentes no processo principal alegam que, sem o acordo de licença entre a Genentech e a Novartis, está última não teria podido entrar no mercado relevante a curto prazo. Nestas condições, as empresas Roche e Novartis não podem ser consideradas concorrentes, nem mesmo potencialmente. As recorrentes no processo principal consideram que as partes no acordo de licença poderiam ter legitimamente previsto contratualmente que a Roche não faria concorrência à Novartis, beneficiária da licença, no mercado relevante. Tal restrição escapa, em seu entender, inteiramente à proibição referida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

36      O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 101.o TFUE, corretamente interpretado, permite que se considerem concorrentes as partes num contrato de licença quando a empresa [licenciante] opera no mercado relevante apenas ao abrigo desse contrato? Nessa situação, e eventualmente dentro de que limites, as eventuais restrições à concorrência do [licenciante] relativamente ao licenciado estão excluídas do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE ou são abrangidas pelo âmbito de aplicação [da exceção legal] do artigo 101.o, n.o 3, TFUE?

2)      O artigo 101.o TFUE permite à Autoridade nacional da concorrência definir o mercado relevante de forma autónoma relativamente ao conteúdo das [AIM] dos medicamentos emitidas pelas competentes autoridades de regulação farmacêutica [AIFA e EMA] [ou], pelo contrário, para os medicamentos autorizados, [deve considerar‑se] o mercado juridicamente relevante, para efeitos do artigo 101.o TFUE, definido e configurado em primeiro lugar pela competente autoridade de regulação de forma vinculativa também para a Autoridade nacional da concorrência?

3)      [I]gualmente à luz das disposições previstas na Diretiva [2001/83] e, em especial, do artigo 5.o relativo à [AIM] dos medicamentos, o artigo 101.o TFUE permite considerar substituíveis e incluir, por isso, no âmbito do mesmo mercado relevante um medicamento utilizado [sem AIM] e um medicamento com [AIM] com as mesmas indicações terapêuticas [e utilizado em conformidade com esta]?

4)      Nos termos do artigo 101.o TFUE, para efeitos da delimitação do mercado relevante, [é importante] apurar, além da substituibilidade [substancial] dos medicamentos [do lado da procura], se a oferta dos mesmos no mercado foi feita em conformidade com o quadro regulamentar que tem por objeto a comercialização de medicamentos?

5)      Pode ser considerada restritiva da concorrência [pelo objetivo] a prática concertada destinada a enfatizar a menor segurança ou a menor eficácia de um medicamento, quando essa menor eficácia ou segurança, apesar de não sustentada [por provas científic[a]s [seguras], não pode, ainda assim, à luz do atual estado do[s] conhecimento[s] científico[s] disponíveis, ser [incontestavel]mente excluída?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

37      Por carta de 14 de novembro de 2017, a Roche Italia pediu a reabertura da fase oral.

38      Em apoio do seu pedido, alegou que a atividade que consistia em oferecer um novo medicamento elaborado a partir do Avastin foi qualificada de reacondicionamento nos n.os 68 e 82 das conclusões do advogado‑geral, quando essa atividade implica uma operação mais complexa. Além disso, considera que o acórdão de 7 de fevereiro de 2013, Slovenská sporiteľňa (C‑68/12, EU:C:2013:71), a que é feita referência nos n.os 89 e 166 das conclusões, não é pertinente para a resolução do presente processo.

39      Resulta de jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou sob proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, ao abrigo do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 19 e jurisprudência referida). Em contrapartida, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (acórdão de 16 de dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑266/09, EU:C:2010:779, n.o 28 e jurisprudência referida).

40      As observações da Roche Italia destinam‑se a responder a certos pontos das conclusões do advogado‑geral. Ora, decorre da jurisprudência referida no número anterior que a apresentação de tais observações não está prevista nos diplomas que regulam o processo perante o Tribunal de Justiça.

41      Além disso, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que está suficientemente esclarecido para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que todos os argumentos necessários para decidir o processo em causa foram debatidos pelas partes.

42      Por conseguinte, é indeferido o pedido de reabertura da fase oral do processo.

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

43      A AGCM, a Associazione Italiana delle Unità Dedicate Autonome Private di Day Surgery e dei Centri di Chirurgia Ambulatoriale (Aiudapds) e a Regione Emilia‑Romagna (Região de Emília‑Romanha) alegam que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível por não conter uma descrição adequada dos factos do litígio no processo principal e da argumentação das partes.

44      A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 19 e jurisprudência referida).

45      Daqui resulta que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual por ele definido sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 26 de julho de 2017, Persidera, C‑112/16, EU:C:2017:597, n.o 24 e jurisprudência referida).

46      Ora, no presente processo, o pedido de decisão prejudicial contém uma descrição dos elementos de direito e de facto na origem do processo principal suficiente para permitir ao Tribunal de Justiça responder de forma útil às questões submetidas. Estas questões, que respeitam à interpretação do artigo 101.o TFUE, inserem‑se no âmbito de um litígio relativo à validade de uma decisão através da qual a AGCM aplicou este artigo. Apresentam, portanto, uma relação direta com o objeto do processo principal e não são hipotéticas. Tanto a AGCM como a Aiudapds, a Região de Emília‑Romanha e todas as partes que participaram no processo puderam, de resto, apresentar as suas observações sobre as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

47      Resulta das considerações precedentes que as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda a quarta questões

48      Com a segunda a quarta questões, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste, uma autoridade nacional da concorrência pode incluir no mercado relevante, além dos medicamentos autorizados para o tratamento das patologias em causa, um outro medicamento cuja AIM não abrange esse tratamento, mas que é utilizado para esse fim. Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, além disso, se essa autoridade deve ter em conta a conformidade dessa utilização sem AIM com a regulamentação farmacêutica da União.

49      Para responder a estas questões, há que recordar que a definição do mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, tem por único objetivo determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado interno (acórdão de 11 de julho de 2013, Gosselin Group/Comissão, C‑429/11 P, não publicado, EU:C:2013:463, n.o 75 e jurisprudência referida).

50      O mercado de produtos a tomar em consideração compreende todos os produtos e/ou serviços que o consumidor considere sucedâneos ou permutáveis em razão das suas características, do seu preço e da utilização à qual são destinados (v. acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 77).

51      O conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos ou os serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para efeitos da mesma utilização entre todos os produtos ou todos os serviços que façam parte de um mesmo mercado (acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 28). A permutabilidade ou a substituibilidade não se aprecia apenas tendo em conta as características objetivas dos produtos ou dos serviços em questão. Há igualmente que tomar em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (v., relativamente ao artigo 102.o TFUE, acórdão de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 37).

52      A este respeito, há que sublinhar que a circunstância de os produtos farmacêuticos serem fabricados ou vendidos de maneira ilícita impede, em princípio, de considerar como substituíveis ou permutáveis esses produtos, tanto do lado da oferta, em razão dos riscos jurídicos, económicos, técnicos ou de prejuízo para a sua reputação a que são expostos os fabricantes e os distribuidores dos referidos produtos, como do lado da procura, tendo em conta, nomeadamente, os riscos para a saúde pública que suscitam junto dos profissionais de saúde e dos pacientes.

53      Com efeito, resulta do artigo 6.o da Diretiva 2001/83 que nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado de um Estado‑Membro sem que uma AIM tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro, em conformidade com esta diretiva, ou sem que uma autorização tenha sido concedida em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 726/2004.

54      Todavia, no caso em apreço, é pacífico que, durante o período de infração alegado, o Avastin era abrangido por uma AIM validamente emitida pela Comissão, com base no referido regulamento, para o tratamento de patologias oncológicas.

55      O litígio no processo principal respeita à utilização do Avastin para tratar patologias oculares que não eram abrangidas por essa AIM. O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, assim, em substância, sobre se a AGCM pôde incluir no mercado relevante esta utilização sem AIM do Avastin, no caso de esta não respeitar os requisitos enunciados pela regulamentação da União relativa aos produtos farmacêuticos. Com efeito, a Roche alega, quanto a este ponto, que uma grande parte, ou mesmo a maior parte, do Avastin destinado a ser utilizado sem AIM em Itália foi reacondicionada em série, sem autorização de fabrico, e vendida antecipadamente aos prestadores de cuidados de saúde, antes da apresentação de prescrições individuais.

56      A este respeito, há que sublinhar que a Diretiva 2001/83 não proíbe que os medicamentos sejam utilizados para indicações terapêuticas que não são abrangidas pela sua AIM. Com efeito, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 prevê que, a fim de responder a necessidades especiais, um Estado‑Membro pode excluir do âmbito de aplicação desta última os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa‑fé não solicitado, elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados aos seus doentes particulares, sob a sua responsabilidade pessoal direta.

57      Quanto a este ponto, o Tribunal de Justiça considerou que resulta do conjunto das condições enunciadas nessa disposição, lidas à luz dos objetivos essenciais desta diretiva, nomeadamente o relativo à proteção da saúde pública, que a derrogação prevista na referida disposição só pode dizer respeito a situações em que o médico considera que o estado de saúde dos seus doentes particulares requer a administração de um medicamento do qual não existe equivalente autorizado no mercado nacional ou que não está disponível nesse mercado (acórdãos de 29 de março de 2012, Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.o 36, e de 16 de julho de 2015, Abcur, C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 56).

58      Além disso, a regulamentação da União em matéria farmacêutica rege as condições em que um medicamento como o Avastin pode ser objeto de um reacondicionamento para permitir a sua injeção intravítrea. Assim, em conformidade com o artigo 40.o da Diretiva 2001/83, o fabrico de um medicamento está sujeito a um regime de autorização, salvo para as operações de acondicionamento executadas com vista à distribuição a retalho por profissionais de saúde (acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.o 35). Por conseguinte, o reacondicionamento do Avastin com vista à sua utilização em oftalmologia exige, em princípio, uma autorização, salvo se esta operação for executada unicamente tendo em vista a distribuição a retalho por farmacêuticos numa farmácia ou por outras pessoas legalmente autorizadas nos Estados‑Membros (acórdão de 11 de abril de 2013, Novartis Pharma, C‑535/11, EU:C:2013:226, n.o 52).

59      Resulta destes elementos que a regulamentação da União em matéria de produtos farmacêuticos não proíbe a prescrição de um medicamento sem AIM nem o seu reacondicionamento tendo em vista tal utilização, mas sujeita‑os ao respeito de condições definidas por essa regulamentação.

60      Além disso, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, a verificação da conformidade com o direito da União das condições em que um medicamento como o Avastin é, do lado da procura, prescrito pelos médicos e, do lado da oferta, reacondicionado tendo em vista a sua utilização sem AIM não incumbe às autoridades nacionais da concorrência. Com efeito, tal verificação apenas pode ser efetuada de maneira exaustiva pelas autoridades com competência para fiscalizar o respeito da regulamentação farmacêutica ou pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

61      Por conseguinte, para avaliar em que medida um produto farmacêutico cuja AIM não abrange o tratamento de certas patologias é substituível ou permutável com outro, autorizado por seu turno para o tratamento das referidas patologias, e se os referidos produtos pertencem, portanto, ao mesmo mercado relevante na aceção recordada nos n.os 50 e 51 do presente acórdão, a autoridade nacional da concorrência deve, desde que um exame da conformidade do produto em causa com as disposições aplicáveis que regem o seu fabrico ou a sua comercialização tenha sido realizado pelas autoridades ou pelos órgãos jurisdicionais competentes, ter em conta o resultado desse exame, avaliando os seus eventuais efeitos na estrutura da procura e da oferta.

62      Relativamente ao litígio no processo principal, nenhum elemento dos autos sugere, todavia, que o eventual caráter ilícito da condições de reacondicionamento e de prescrição do Avastin destinado a ser utilizado sem AIM, que é alegado pela Roche, tinha, aquando da aplicação do artigo 101.o TFUE pela AGCM, sido verificado pelas autoridades com competência para fiscalizar o respeito da regulamentação farmacêutica ou pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

63      Pelo contrário, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio operar, sendo caso disso, resulta, designadamente dos pontos 70 e 208 da decisão da AGCM, que a EMA e a Comissão não tinham, aquando da adoção dessa decisão, deferido o pedido da Roche destinado a incluir na lista dos «efeitos indesejáveis» que figura no resumo das características do Avastin certas consequências indesejáveis resultantes da utilização intravítrea desse medicamento e consideraram que essas consequências justificavam unicamente uma referência entre as «advertências e precauções especiais de utilização».

64      Nestas circunstâncias, o estado de incerteza que rodeia a licitude das condições de reacondicionamento e de prescrição do Avastin com vista ao tratamento de patologias oculares não se opõe a que a AGCM, para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, conclua que esse produto era abrangido pelo mesmo mercado que outro medicamento cuja AIM abrange especificamente essas indicações terapêuticas.

65      A este respeito, há ainda que sublinhar que, tendo em conta as especificidades que a concorrência no setor farmacêutico apresenta, o mercado relevante para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE é, em princípio, suscetível de incluir os medicamentos que podem servir às mesmas indicações terapêuticas, uma vez que os médicos prescritores são orientados principalmente por considerações de oportunidade terapêutica e de eficácia dos medicamentos.

66      Ora, é pacífico entre as partes no litígio no processo principal que, durante o período de infração referido pela decisão da AGCM, o Avastin era frequentemente prescrito para o tratamento de doenças oculares, e isso apesar do facto de a sua AIM não abranger essas indicações. Por conseguinte, tal circunstância revela a existência de uma relação concreta de substituibilidade entre esse medicamento e os autorizados para essas patologias oculares, entre os quais figura o Lucentis. É tanto mais assim que, estando o Avastin sujeito a prescrição, a procura deste medicamento para o tratamento de doenças oculares não abrangidas pela sua AIM podia ser avaliada de maneira precisa.

67      Tendo em conta estes elementos, há que responder à segunda a quarta questões que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste, uma autoridade nacional da concorrência pode incluir no mercado relevante, além dos medicamentos autorizados para o tratamento das patologias em causa, um outro medicamento cuja AIM não abrange esse tratamento, mas que é utilizado para esse fim e apresenta, assim, uma relação concreta de substituibilidade com os primeiros. Para determinar se tal relação de substituibilidade existe, essa autoridade deve, desde que um exame da conformidade do produto em causa com as disposições aplicáveis que regem o seu fabrico ou a sua comercialização tenha sido efetuado pelas autoridades ou pelos órgãos jurisdicionais para tal competentes, ter em conta o resultado desse exame, avaliando os seus eventuais efeitos na estrutura da procura e da oferta.

 Quanto à primeira parte da primeira questão

68      Com a primeira parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que eventuais restrições da concorrência acordadas entre as partes num acordo de licença escapam à aplicação do n.o 1 desse artigo, mesmo que não estejam previstas nesse acordo por serem acessórias ao referido acordo.

69      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 89 e jurisprudência referida).

70      Com efeito, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e os objetos destas, há que analisar a compatibilidade com o artigo 101.o TFUE desta restrição juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal da qual é acessória, e isso apesar de, tomada isoladamente, se afigurar que essa restrição pode, à primeira vista, ser abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 90).

71      Tratando‑se de determinar se uma restrição pode escapar à proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, por constituir o acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível na falta da restrição em questão. Não se pode considerar que o facto de a referida operação se tornar simplesmente mais difícil de realizar ou até menos rentável sem a restrição em causa confere a esta restrição o caráter objetivamente necessário exigido para poder ser qualificada de acessória. Com efeito, tal interpretação equivaleria a alargar esse conceito a restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Esse resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 91).

72      No caso em apreço, há que salientar que o comportamento descrito na decisão da AGCM, que respeita à difusão de informações alegadamente enganosas quanto aos efeitos indesejáveis do Avastin em caso de administração deste medicamento para o tratamento de patologias oculares, se destinava a limitar, não a autonomia comercial das partes no acordo de licença relativo ao Lucentis, mas os comportamentos de terceiros, designadamente dos profissionais de saúde, de modo a que as utilizações do Avastin para fins desse tipo de tratamento cessem de interferir nas utilizações do Lucentis para esses mesmos fins.

73      Além disso, embora seja certo que os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não incluem nenhum elemento que permita duvidar do caráter favorável ou, pelo menos, neutro para a concorrência do acordo de licença celebrado entre a Genentech e a Novartis, não se pode, em contrapartida, considerar que um comportamento como o descrito no número anterior tenha sido objetivamente necessário à execução desse acordo. Com efeito, esse comportamento foi acordado, não no referido acordo nem mesmo no momento da sua celebração, mas vários anos depois dessa celebração, e tal, para eliminar a substituibilidade criada, designadamente por práticas de prescrição por parte de médicos, entre as utilizações do Avastin e as utilizações do Lucentis tendo em vista o tratamento de patologias oculares.

74      O facto de o comportamento sancionado na decisão da AGCM se ter destinado a reduzir as utilizações do Avastin e a aumentar as utilizações do Lucentis de forma a tornar, assim, mais rentável a exploração pela Novartis dos direitos sobre a tecnologia que lhe tinha sido concedida pela Genentech sobre o Lucentis não pode, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 71 do presente acórdão, levar a considerar que esse comportamento era objetivamente necessário à execução do acordo de licença em causa.

75      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo convencionado entre as partes num acordo de licença relativo à exploração de um medicamento, que, para reduzir a pressão concorrencial sobre a utilização desse medicamento para o tratamento de dadas patologias, visa limitar os comportamentos de terceiros que consistem em encorajar a utilização de um outro medicamento para o tratamento dessas mesmas patologias, não escapa à aplicação dessa disposição pelo facto de esse acordo ser acessório ao referido acordo de licença.

 Quanto à quinta questão

76      Resulta das explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, que a violação do artigo 101.o TFUE apontada às empresas em causa no processo principal apenas respeita à difusão de informações relativas aos efeitos indesejáveis do Avastin utilizado sem AIM.

77      Ainda que esta quinta questão se refira igualmente a informações relativas à eficácia de um medicamento, há que considerar que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção dessa disposição, o acordo entre duas empresas que comercializam dois medicamentes concorrentes, que tem por objeto a difusão, num contexto marcado por uma incerteza dos conhecimentos científicos na matéria, de informações sobre os efeitos indesejáveis da utilização de um desses medicamentos para indicações não abrangidas pela AIM deste, para reduzir a pressão concorrencial resultante dessa utilização noutro medicamento abrangido por uma AIM que visa essas indicações.

78      A este respeito, há que recordar que o conceito de restrição da concorrência «pelo objetivo» deve ser interpretado de forma restritiva e só pode ser aplicado a certos tipos de coordenação entre empresas que revelem suficiente grau de nocividade para a concorrência para se poder considerar que não é necessária a análise dos seus efeitos. Com efeito, certas formas de coordenação entre empresas podem ser consideradas, pela sua própria natureza, nocivas para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência (acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 17, e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 103).

79      Para determinar se um acordo pode ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo, deve atender‑se nomeadamente ao teor das suas disposições, aos objetivos por ele visados, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere (v., neste sentido, acórdãos de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.o 25, e de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53).

80      No âmbito da apreciação do referido contexto, há que tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (acórdão de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 49 e jurisprudência referida). Quando se coloca a questão de saber se está constituído um acordo no setor dos produtos farmacêuticos, importa, consequentemente, tomar em consideração a incidência da regulamentação da União relativa a esses produtos (v., por analogia, acórdão de 16 de setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o., C‑468/06 a C‑478/06, EU:C:2008:504, n.o 58).

81      Esta regulamentação sujeita um medicamento como o Avastin a um sistema de farmacovigilância colocado sob o controlo da EMA, em coordenação com as agências nacionais competentes em matéria farmacêutica. Nos termos do artigo 101.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83 alterada, «[este sistema] é utilizado para recolher informações sobre os riscos dos medicamentos para os doentes ou para a saúde pública. Estas informações dizem sobretudo respeito a reações adversas no ser humano derivados da utilização do medicamento nos termos da [AIM] ou fora dos termos da mesma, e a reações adversas ligadas a exposição profissional».

82      Quanto aos medicamentos autorizados segundo o procedimento centralizado, o artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004 impõe ao titular da AIM a obrigação de transmitir imediatamente à EMA, à Comissão e aos Estados‑Membros quaisquer novas informações suscetíveis de implicar uma alteração das informações exigidas para a emissão da AIM, incluindo as que figuram no resumo das características do produto.

83      Estas obrigações foram reforçadas a contar de 2 de julho de 2012, data a partir da qual é aplicável a alteração introduzida pelo Regulamento n.o 1235/2010 no artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004. O artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004 alterado prevê assim que o titular da AIM «deve comunicar de imediato à [EMA] e à Comissão […] quaisquer outras novas informações que possam influenciar a avaliação dos benefícios e dos riscos do medicamento em questão», incluindo as informações em causa «os resultados positivos e negativos dos ensaios clínicos ou de outros estudos relativos a todas as indicações e populações, independentemente da sua inclusão na [AIM], bem como dados de utilização do medicamento, quando essa utilização estiver fora dos termos da [AIM]».

84      Por outro lado, em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento n.o 726/2004, o titular da AIM é responsável pela exatidão dos documentos e dos dados por ele fornecidos.

85      Além disso, as condições de difusão de informações relativas aos medicamentos destinados a profissionais de saúde e do grande público são enquadradas, designadamente, pelo artigo 106.o‑A da Diretiva 2001/83 alterada, aplicável ao titular de uma AIM emitida em aplicação do procedimento centralizado em conformidade com o artigo 22.o do Regulamento n.o 726/2004 alterado. O referido artigo 106.o‑A exige a esse titular que «as informações destinadas ao público sejam apresentadas de forma objetiva e não sejam enganosas». O artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 726/2004, igualmente aplicável aos factos em causa no processo principal, e revogado a partir de 2 de julho de 2012 pelo Regulamento n.o 1235/2010, estava redigido em termos comparáveis aos deste artigo 106.o‑A.

86      Para garantir a eficácia da execução da regulamentação em matéria farmacêutica, esta foi, de resto, acompanhada de um regime de sanções. No que respeita ao procedimento centralizado, o Regulamento n.o 726/2004 dispõe, no seu artigo 84.o, que os Estados‑Membros determinam o regime das sanções aplicáveis, as quais devem ser «efetivas, proporcionadas e dissuasivas». Este artigo prevê igualmente a faculdade de a Comissão impor sanções em caso de não respeito, pelo titular de uma AIM, das condições por ela previstas.

87      O procedimento e as sanções financeiras foram, em seguida, precisadas pelo Regulamento n.o 658/2007, que prevê, no seu artigo 16.o, n.o 1, que a Comissão pode impor sanções sob a forma de coimas que podem alcançar 5% do volume de negócios anual do titular da AIM no interior da União. Entre as infrações enumeradas no artigo 1.o, ponto 1, deste regulamento, a que a Comissão pode aplicar sanções quando a infração em causa pode ter consequências importantes para a saúde pública ao nível da União, quando reveste uma dimensão europeia porque foi cometida em mais do que um Estado‑Membro ou aí produz os seus efeitos ou quando estão em jogo os interesses da União, figura a violação da obrigação de fornecer informações e documentos exaustivos e exatos num pedido de AIM apresentado nos termos do Regulamento n.o 726/2004 ou de quaisquer outros documentos ou dados fornecidos à EMA em execução das obrigações previstas pelo referido regulamento.

88      Além disso, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 726/2004 alterado, a EMA e a Comissão dispõem de competência exclusiva para examinar os pedidos de alteração de uma AIM ligados à alteração do resumo das características do produto em razão de novos elementos de farmacovigilância e, se for caso disso, adotar uma decisão que altere, suspenda ou revogue a AIM em causa.

89      Relativamente aos factos em causa no processo principal, cuja verificação incumbe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, como resulta dos pontos 177, 189, 193 a 202 e 209 da decisão da AGCM, este considerou que as empresas em causa, ao adotar uma estratégia comum destinada a contrariar a pressão concorrencial exercida sobre as vendas do Lucentis através da utilização do Avastin para o tratamento de patologias oculares que não são visadas pela AIM deste, cometeram uma infração ao artigo 101.o TFUE. Segundo esta decisão, o acordo entre a Roche e a Novartis tem como objetivo criar uma diferenciação artificial entre estes dois medicamentos ao manipular a perceção dos riscos ligados à utilização do Avastin para o tratamento de tais patologias através da produção e da difusão de pareceres, apoiando‑se numa leitura «alarmista» de dados disponíveis, suscetível de gerar preocupações no público quanto à segurança de certas utilizações do Avastin, bem como de influenciar as escolhas terapêuticas dos médicos, e depreciando os conhecimentos científicos em sentido contrário.

90      Este acordo visou igualmente, nos termos do ponto 177 da decisão da AGCM, comunicar à EMA informações suscetíveis de amplificar a perceção dos riscos ligados a essa utilização para obter uma alteração do resumo das características do Avastin, bem como uma autorização para enviar aos profissionais de saúde uma carta com vista a chamar a atenção destes quanto aos efeitos indesejáveis. Segundo os pontos 208, 209 e 215 da decisão da AGCM, esta amplificação artificial dos riscos ligados à utilização sem AIM do Avastin é sustentada, designadamente, pela circunstância, referida no n.o 63 do presente acórdão, de a EMA e a Comissão não terem deferido o pedido da Roche destinado a incluir na lista dos «efeitos indesejáveis» que figura no resumo das características do produto certas consequências indesejáveis resultantes da utilização intravítrea do Avastin e terem considerado que essas consequências justificavam apenas uma menção entre as «advertências e precauções especiais de utilização».

91      A este respeito, importa, em primeiro lugar, salientar, antes mesmo de examinar a pertinência do caráter enganoso das informações transmitidas à EMA e ao público para efeitos da conclusão por uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que as exigências de farmacovigilância que podem implicar diligências tais como a divulgação junto dos profissionais de saúde e do grande público de informações relativas aos riscos ligados à utilização sem AIM de um medicamento, tal como a abertura de um procedimento junto da EMA com vista a incluir tais informações no resumo das características do produto, recaem, como resulta das disposições referidas nos n.os 82 a 87 do presente acórdão, apenas sobre titular da AIM do referido medicamento e não sobre outra empresa que comercialize um medicamento concorrente, abrangido por uma AIM distinta. Por conseguinte, a circunstância de duas empresas que comercializam produtos farmacêuticos concorrentes se concertarem para efeitos da difusão de informações relativas especificamente ao produto comercializado por uma única de entre elas é suscetível de constituir um indício de que essa difusão prossegue objetivos alheios à farmacovigilância.

92      Em segundo lugar, quanto ao caráter enganoso das informações em causa, importa considerar que as informações cuja comunicação à EMA e ao público foi, segundo a decisão da AGCM, objeto de um acordo entre a Roche e a Novartis deveriam, não estando preenchidos os critérios de exaustividade e de exatidão enunciados no artigo 1.o, ponto 1, do Regulamento n.o 658/2007, ser qualificadas de enganosas se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, as referidas informações se destinavam, por um lado, a induzir a EMA e a Comissão em erro e a obter o aditamento da menção de efeitos indesejáveis no resumo das características desse produto, a fim de permitir ao titular da AIM iniciar uma campanha de comunicação junto dos profissionais de saúde, dos pacientes e das outras pessoas em causa com a finalidade de amplificar artificialmente esta perceção e, por outro, a exagerar, num contexto de incerteza científica, a perceção por parte do público dos riscos ligados à utilização sem AIM do Avastin, tendo em conta, designadamente, o facto de que a EMA e a Comissão não alteraram o resumo das características desse medicamento no que respeita aos seus «efeitos indesejáveis», mas limitarem‑se a emitir «advertências e precauções especiais de utilização».

93      Ora, em tal caso, tendo em conta as características do mercado do medicamento, é previsível que a difusão de tais informações incite os médicos a renunciar a prescrever esse medicamento, provocando, assim, a diminuição esperada da procura para este tipo de utilização. A transmissão de informações enganosas à EMA, aos profissionais de saúde e ao grande público constitui, além disso, como resulta dos n.os 84 a 87 do presente acórdão, uma infração à regulamentação farmacêutica da União que dá origem a sanções.

94      Nestas condições, um acordo que prossiga os objetivos descritos no n.o 92 do presente acórdão deve ser considerado como apresentando um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se torne supérfluo o exame dos seus efeitos.

95      Tendo em conta o que precede, há que responder à quinta questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção dessa disposição, o acordo entre duas empresas que comercializem dois medicamentos concorrentes, que tem por objeto, num contexto marcado por uma incerteza científica, a difusão junto da EMA, dos profissionais de saúde e do grande público de informações enganosas quanto aos efeitos indesejáveis da utilização de um desses medicamentos para o tratamento de patologias não abrangidas pela AIM deste, com o intuito de reduzir a pressão concorrencial resultante dessa utilização sobre a utilização do outro medicamento.

 Quanto à segunda parte da primeira questão

96      Com a segunda parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo como o descrito no número anterior pode beneficiar da isenção prevista no n.o 3 desse artigo.

97      A aplicabilidade da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE está sujeita à reunião de quatro requisitos cumulativos, enunciados nessa disposição. Esses requisitos consistem, em primeiro lugar, em que o acordo em causa contribua para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou dos serviços em causa, ou para promover o progresso técnico ou económico, em segundo lugar, em que se reserve aos utilizadores uma parte equitativa do lucro daí resultante, em terceiro lugar, em que não imponha às empresas participantes qualquer restrição não indispensável, e, em quarto lugar, que não lhes dê a possibilidade de eliminar a concorrência para uma parte substancial dos produtos ou serviços em causa.

98      Ora, no caso em apreço, basta salientar que a difusão de informações enganosas relativas a um medicamento não pode ser considerada «indispensável» na aceção do terceiro requisito exigido, para beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

99      Referindo‑se, por várias vezes, ao conceito de acordo de licença e à existência de uma relação de concorrência entre as partes nesse acordo, o órgão jurisdicional de reenvio parece ter pretendido, com a sua primeira questão, referir‑se às condições exigidas ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 772/2004 da Comissão, de 27 de abril de 2004, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado a categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO 2004, L 123, p. 11).

100    Todavia, importa sublinhar que, tendo em conta o exposto nos n.os 97 e 98 do presente acórdão, um acordo como o que está em causa no processo principal não pode, em qualquer caso, beneficiar, em conformidade com o artigo 101.o, n.o 3, TFUE, da isenção prevista no artigo 2.o deste regulamento.

101    Por conseguinte, há que responder à segunda parte da primeira questão que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo, conforme descrito no n.o 95 do presente acórdão, não pode beneficiar da isenção prevista no n.o 3 deste artigo.

 Quanto às despesas

102    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste, uma autoridade nacional da concorrência pode incluir no mercado relevante, além dos medicamentos autorizados para o tratamento das patologias em causa, um outro medicamento cuja autorização de introdução no mercado não abrange esse tratamento, mas que é utilizado para esse fim e apresenta, assim, uma relação concreta de substituibilidade com os primeiros. Para determinar se tal relação de substituibilidade existe, essa autoridade deve, desde que um exame da conformidade do produto em causa com as disposições aplicáveis que regem o seu fabrico ou a sua comercialização tenha sido efetuado pelas autoridades ou pelos órgãos jurisdicionais para tal competentes, ter em conta o resultado desse exame, avaliando os seus eventuais efeitos na estrutura da procura e da oferta.

2)      O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo convencionado entre as partes num acordo de licença relativo à exploração de um medicamento, que, para reduzir a pressão concorrencial sobre a utilização desse medicamento para o tratamento de dadas patologias, visa limitar os comportamentos de terceiros que consistem em encorajar a utilização de um outro medicamento para o tratamento dessas mesmas patologias, não escapa à aplicação dessa disposição pelo facto de esse acordo ser acessório ao referido acordo de licença.

3)      O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção dessa disposição, o acordo entre duas empresas que comercializem dois medicamentos concorrentes, que tem por objeto, num contexto marcado por uma incerteza científica, a difusão junto da Agência Europeia de Medicamentos, dos profissionais de saúde e do grande público de informações enganosas quanto aos efeitos indesejáveis da utilização de um desses medicamentos para o tratamento de patologias não abrangidas pela autorização de introdução no mercado deste, com o fim de reduzir a pressão concorrencial resultante dessa utilização sobre a utilização do outro medicamento.

4)      O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que esse acordo não pode beneficiar da isenção prevista no n.o 3 deste artigo.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.