Language of document : ECLI:EU:C:2014:9

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de janeiro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 28.°, n.° 3, alínea a) — Proteção contra o afastamento — Modo de cálculo do período de dez anos — Tomada em consideração dos períodos de prisão»

No processo C‑400/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London (Reino Unido), por decisão de 24 de agosto de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de agosto de 2012, no processo

Secretary of State for the Home Department

contra

M. G.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de junho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de M. G., por R. Drabble, QC, L. Hirst, barrister, e E. Sibley,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por A. Robinson, na qualidade de agente, assistido por R. Palmer, barrister,

¾        em representação do Governo estónio, por M. Linntam e N. Grünberg, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Irlanda, por E. Creedon, na qualidade de agente, assistida por D. Conlan Smyth, barrister,

¾        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e C. Tufvesson, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior, a seguir «Secretary of State») a M. G., a respeito de uma decisão no sentido do afastamento desta do território do Reino Unido.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 23 e 24 da Diretiva 2004/38:

«(23) O afastamento dos cidadãos da União [Europeia] e dos membros das suas famílias por razões de ordem pública ou de segurança pública constitui uma medida que pode prejudicar seriamente as pessoas que, tendo exercido os direitos e liberdades que lhes foram conferidos pelo Tratado, se integraram verdadeiramente no Estado‑Membro de acolhimento. Assim, há que limitar o alcance de tais medidas em conformidade com o princípio da proporcionalidade, a fim de ter em conta o grau de integração das pessoas em causa, a duração da sua residência no Estado‑Membro de acolhimento, a idade, o estado de saúde e a situação económica e familiar, bem como os laços com o país de origem.

(24)      Assim sendo, quanto maior for a integração dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no Estado‑Membro de acolhimento, maior deverá ser a proteção contra o afastamento. Só em circunstâncias excecionais, quando existam razões imperativas de segurança pública, poderá ser aplicada uma medida de afastamento a cidadãos da União que tenham residido durante muitos anos no território do Estado‑Membro de acolhimento, especialmente se aí tiverem nascido e residido ao longo da vida. Além disso, essas circunstâncias excecionais deverão também aplicar‑se a medidas de afastamento de menores, a fim de proteger os seus laços com a família, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989.»

4        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.° da Diretiva 2004/38 enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      ‘Cidadão da União’: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      ‘Membro da família’:

a)      O cônjuge;

[…]

3)      ‘Estado‑Membro de acolhimento’: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

5        O artigo 3.° desta diretiva, com a epígrafe «Titulares», dispõe:

«1.      A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

[…]»

6        O capítulo III da referida diretiva, intitulado «Direito de residência», inclui os artigos 6.° a 15.° desta. O artigo 6.° é relativo ao «[d]ireito de residência até três meses». O artigo 7.° prevê, sujeito a determinadas condições, um «[d]ireito de residência por mais de três meses».

7        No capítulo IV da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência permanente», o artigo 16.°, intitulado «Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias», enuncia:

«1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III.

2.      O n.° 1 aplica‑se igualmente aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento por um período de cinco anos consecutivos.

3.      A continuidade da residência não é afetada por ausências temporárias que não excedam seis meses por ano, nem por ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, nem por uma ausência de 12 meses consecutivos no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais para outro Estado‑Membro ou país terceiro.

4.      Uma vez adquirido, o direito de residência permanente só se perde devido a ausência do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos consecutivos.»

8        No capítulo VI da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Restrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», o artigo 27.° desta diretiva, intitulado «Princípios gerais», enuncia:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral;

3.      A fim de determinar se a pessoa em causa constitui um perigo para a ordem pública ou para a segurança pública, ao emitir o certificado de registo ou, no caso de não haver sistema de registo, no prazo de três meses a contar da data de entrada da pessoa em questão no seu território ou da data de comunicação da sua presença no território, conforme estabelecido no n.° 5 do artigo 5.°, ou ao emitir o cartão de residência, o Estado‑Membro de acolhimento pode, sempre que o considerar indispensável, solicitar ao Estado‑Membro de origem e, eventualmente, a outros Estados‑Membros informações sobre os antecedentes penais da pessoa em questão. Esta consulta não pode ter caráter de rotina. O Estado‑Membro consultado deve dar a sua resposta no prazo de dois meses.

4.      O Estado‑Membro que tiver emitido o passaporte ou bilhete de identidade deve permitir a reentrada no seu território, sem quaisquer formalidades, do titular do documento que tiver sido afastado por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, mesmo que esse documento tenha caducado ou a nacionalidade do titular seja contestada.»

9        O artigo 28.° da referida diretiva, intitulado «Proteção contra o afastamento» e que também figura no capítulo VI desta, dispõe:

«1.      Antes de tomar uma decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, o Estado‑Membro de acolhimento deve tomar em consideração, nomeadamente, a duração da residência da pessoa em questão no seu território, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no Estado‑Membro de acolhimento e a importância dos laços com o seu país de origem.

2.      O Estado‑Membro de acolhimento não pode decidir o afastamento de cidadãos da União ou de membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, que tenham direito de residência permanente no seu território, exceto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.

3.      Não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União, exceto se a decisão for justificada por razões imperativas de segurança pública, tal como definidas pelos Estados‑Membros, se aqueles cidadãos da União:

a)      Tiverem residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os 10 anos precedentes; ou

b)      Forem menores, exceto se o afastamento for decidido no supremo interesse da criança, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989.»

 Direito do Reino Unido

10      O Regulamento de 2006 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) [Immigration (European Economic Area) Regulations 2006], transpõe as disposições da Diretiva 2004/38 para o direito do Reino Unido.

11      A Regulation 21 do referido regulamento, intitulada «Decisões tomadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública» assegura a transposição dos artigos 27.° e 28.° desta diretiva.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      M. G. é uma cidadã portuguesa. Em 12 de abril de 1998, entrou no Reino Unido com o seu marido, igualmente cidadão português. M. G. manteve um emprego entre maio de 1998 e março de 1999. Durante este último mês, deixou de trabalhar para ter o seu primeiro filho, nascido em junho desse mesmo ano. Entre 2001 e 2004, M. G. e o seu marido tiveram mais dois filhos. Durante o período da sua inatividade e até à separação do casal em dezembro de 2006, M. G. foi sustentada financeiramente pelo seu marido. Apesar desta separação, M. G. e o seu marido continuam casados.

13      Em abril de 2008, os filhos de M. G. foram entregues a uma família de acolhimento na sequência de um relatório do pessoal de um hospital no qual se declarava que as lesões sofridas por um deles não tinham origem acidental. Em 21 de novembro de 2008, o juiz do Tribunal de Família determinou a responsabilidade de M. G. pelas lesões infligidas a um dos seus filhos. M. G. foi declarada culpada de um crime de maus tratos e de três crimes de ofensas corporais a menor de 16 anos e, em 27 de agosto de 2009, foi condenada a uma pena de 21 meses de prisão.

14      Na sequência da condenação de M. G., a guarda das crianças foi atribuída ao marido da interessada. Quando M. G. se encontrava na prisão, foi‑lhe concedido o direito de visita dos seus filhos, sob supervisão e em público. Contudo, em abril de 2010, as autoridades locais interromperam essas visitas e, em agosto seguinte, pediram a suspensão desse direito. Em 5 de julho de 2011, o juiz do Tribunal de Família decidiu manter a supervisão, limitar as visitas a contactos indiretos e proibir determinadas ações, salientando que M. G. devia ainda demonstrar ser capaz de levar uma vida estável, sem consumir drogas.

15      Em 11 de maio de 2010, durante a sua permanência na prisão, M. G. apresentou um pedido de cartão de residência permanente no Reino Unido ao Secretary of State. Em 8 de julho de 2010, o Secretary of State indeferiu esse pedido e ordenou a expulsão de M. G. por razões de ordem pública e de segurança pública, em conformidade com a Regulation 21 do Regulamento de 2006 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu).

16      Em 11 de julho de 2010, M. G., apesar de ter cumprido a sua pena, continuou detida devido à decisão do Secretary of State que ordenou a sua expulsão. Nessa decisão, o Secretary of State considerou, em primeiro lugar, que a proteção reforçada contra o afastamento prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 se baseia na integração do cidadão no Estado‑Membro de acolhimento e que essa integração não se pode verificar durante a sua permanência na prisão. Em segundo lugar, entendeu que M. G. também não podia beneficiar da proteção intermédia contra o afastamento porque, por um lado, não demonstrou ter adquirido um direito de residência permanente e, por outro, havia, em todo o caso, razões graves de ordem pública ou de segurança pública que justificavam a expulsão da interessada. Em terceiro lugar, o Secretary of State constatou que, por maioria de razão, M. G. também não podia beneficiar da proteção básica contra o afastamento.

17      M. G. interpôs recurso no First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber). Em 10 de janeiro de 2011, este deu provimento a esse recurso por considerar que, antes da decisão de expulsão, M. G. tinha residido no Reino Unido por um período superior a 10 anos e que o Secretary of State não tinha demonstrado a existência de razões imperativas de segurança pública. Todavia, o First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) considerou que M. G., na falta de prova que demonstrasse que o seu marido tinha estado empregado ou que tinha exercido de qualquer outro modo os direitos conferidos pelo Tratado FUE, não tinha provado a aquisição de um direito de residência permanente, na aceção da Diretiva 2004/38.

18      O Secretary of State interpôs recurso da decisão do First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) para o órgão jurisdicional de reenvio. Por decisão notificada em 13 de agosto de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio anulou a decisão do First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) por a mesma ser contrária à jurisprudência interna.

19      No âmbito do processo instaurado no órgão jurisdicional de reenvio, o Secretary of State reconheceu que M. G. tinha adquirido o direito de residência permanente, na aceção da Diretiva 2004/38, em maio de 2003 e que não o tinha perdido posteriormente. As posições das partes no processo principal continuam, porém, divergentes no que diz respeito tanto ao modo de cálculo do período de dez anos previsto no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, como à apreciação, no presente caso, das razões ou dos motivos graves de ordem pública ou de segurança pública, na aceção do artigo 28.°, n.os 1 e 2, desta diretiva.

20      Na pendência dos processos no First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) e no órgão jurisdicional de reenvio, foi posto termo aos processos instaurados em matéria de direito de família, na sequência da mudança do marido de M. G. para Manchester (Reino Unido), em setembro de 2011. M. G. continuou presa até 20 de março de 2012.

21      Foi neste contexto que o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um período de prisão de um cidadão da União, na sequência de uma condenação penal pela prática de um crime, interrompe o período de residência no Estado‑Membro de acolhimento exigido para essa pessoa beneficiar do nível mais elevado de proteção contra o afastamento ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE ou de outra forma obsta a que a pessoa beneficie desse nível de proteção?

2)      A referência aos ‘10 anos precedentes’ no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), [da Diretiva 2004/38] significa que a residência tem de ser contínua para que o cidadão da União possa beneficiar do nível mais elevado de proteção contra o afastamento?

3)      Para efeitos do [referido] artigo 28.°, n.° 3, alínea a), o período exigido de 10 anos durante os quais o cidadão da União deve ter residido no Estado‑Membro de acolhimento é calculado:

a)      contando recuando no tempo a partir da decisão de afastamento; ou

b)      contando a partir do início da residência desse cidadão no Estado‑Membro de acolhimento?

4)      Se a resposta à [terceira questão, alínea a),] for de que o período de 10 anos é calculado contando recuando no tempo, é relevante o facto de a pessoa ter dez anos de residência anterior a essa prisão?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda e terceira questões

22      Com a sua segunda e terceira questões, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, por um lado, se o período de residência de dez anos previsto no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser contado recuando no tempo a partir da decisão de afastamento ou se, pelo contrário, se deve contar a partir do início da residência desse cidadão e, por outro lado, se esse período deve ser contínuo.

23      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que é verdade que os considerandos 23 e 24 da Diretiva 2004/38 se referem a uma proteção particular para as pessoas que estão verdadeiramente integradas no Estado‑Membro de acolhimento, designadamente quando nele nasceram e passaram toda a sua vida, mas que não é menos certo que, atendendo à redação do artigo 28.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38, o critério determinante se prende com a questão de saber se o cidadão da União residiu nesse Estado‑Membro durante os dez anos que precederam a decisão de afastamento (acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, Colet., p. I‑11979, n.° 31).

24      Daqui decorre que, ao contrário do período exigido para a aquisição do direito de residência permanente, que começa com a residência legal no Estado‑Membro de acolhimento da pessoa em questão, o período de residência de dez anos exigido para a concessão da proteção reforçada prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser contado recuando no tempo a partir da data da decisão de afastamento dessa pessoa.

25      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça também considerou que o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um cidadão da União residiu no Estado‑Membro de acolhimento durante os dez anos que precederam a decisão de afastamento, critério decisivo para conferir a proteção reforçada que esta disposição garante, importa ter em conta a totalidade dos aspetos pertinentes em cada caso concreto, designadamente a duração de cada uma das ausências do interessado do Estado‑Membro de acolhimento, a duração total e a frequência dessas ausências, bem como as razões que levaram o interessado a sair desse Estado‑Membro e que são suscetíveis de determinar se essas ausências implicam ou não a deslocação do centro dos seus interesses pessoais, familiares ou profissionais para outro Estado (acórdão Tsakouridis, já referido, n.° 38).

26      Estas considerações destinavam‑se a responder à questão de saber em que medida as ausências do território do Estado‑Membro de acolhimento, durante o período referido no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, impedem a pessoa em questão de beneficiar da proteção reforçada prevista nessa disposição e partiam da constatação prévia do facto de a mesma disposição nada referir quanto às circunstâncias que podem implicar a interrupção do período de residência de dez anos para efeitos da aquisição do direito à referida proteção (v., neste sentido, acórdão Tsakouridis, já referido, n.os 22 e 29).

27      Ora, dado que o critério decisivo para a concessão da proteção reforçada prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 é o facto de a pessoa em questão ter residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os dez anos que precederam a decisão de afastamento e que as ausências do território deste Estado podem afetar essa concessão, há que considerar que o período de residência previsto nesta disposição deve, em princípio, ser contínuo.

28      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que o período de residência de dez anos previsto nesta disposição deve, em princípio, ser contínuo e contado recuando no tempo a partir da data da decisão de afastamento da pessoa em questão.

 Quanto à primeira e quarta questões

29      Com a sua primeira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que um período de prisão da pessoa em questão é suscetível de interromper a continuidade da residência, na aceção desta disposição, e, consequentemente, de afetar a concessão da proteção reforçada nela prevista, incluindo no caso de essa pessoa ter residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os dez anos que precederam a sua prisão.

30      A este respeito, importa salientar que o Tribunal de Justiça já considerou que o regime de proteção contra as medidas de afastamento estabelecido pela Diretiva 2004/38 se baseia no grau de integração, no Estado‑Membro de acolhimento, das pessoas em causa, de modo que quanto maior for a integração dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no Estado‑Membro de acolhimento maior deve ser a proteção destes contra o afastamento, atendendo ao facto de que este afastamento pode prejudicar seriamente as pessoas que, tendo exercido os direitos e as liberdades que lhes foram conferidos pelo Tratado FUE, se integraram verdadeiramente no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão Tsakouridis, já referido, n.os 24 e 25).

31      O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de afirmar, na interpretação que fez do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, que a aplicação de uma pena de prisão efetiva pelo juiz nacional é suscetível de demonstrar o desrespeito, por parte da pessoa em questão, pelos valores expressos pela sociedade do Estado‑Membro de acolhimento no seu direito penal, pelo que a tomada em consideração dos períodos de prisão para efeitos da aquisição, pelos membros da família de um cidadão da União que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro, do direito de residência permanente, na aceção do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, iria manifestamente contra o objetivo prosseguido por esta diretiva com a instauração desse direito de residência (acórdão de 16 de janeiro de 2014, Onuekwere, C‑378/12, n.° 26).

32      Na medida em que o grau de integração das pessoas em questão constitui uma base essencial tanto do direito de residência permanente como do regime de proteção contra as medidas de afastamento previstos na Diretiva 2004/38, os motivos que justificam que os períodos de prisão não sejam tomados em consideração para efeitos da aquisição do direito de residência permanente ou que esses períodos interrompam a continuidade da residência para efeitos dessa aquisição também devem ser tidos em conta no âmbito da interpretação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), desta diretiva.

33      Daqui resulta que os períodos de prisão não podem ser tomados em consideração para efeitos da concessão da proteção reforçada prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 e que estes períodos interrompem, em princípio, a continuidade da residência, na aceção desta disposição.

34      No que se refere à continuidade da residência, foi recordado, no n.° 28 do presente acórdão, que o período de residência de dez anos exigido para a concessão da proteção reforçada prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve, em princípio, ser contínuo.

35      Ora, quanto à questão de saber em que medida a descontinuidade da residência durante os dez anos que precederam a decisão de afastamento do interessado impede este último de beneficiar da proteção reforçada, deve ser efetuada uma apreciação global da situação do interessado no momento preciso em que se coloca a questão do afastamento (v., neste sentido, acórdão Tsakouridis, já referido, n.° 32).

36      A este respeito, uma vez que os períodos de prisão interrompem, em princípio, a continuidade da residência, na aceção do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, podem, em conjunto com os outros elementos que representem a totalidade dos aspetos pertinentes em cada caso concreto, ser tomados em consideração, pelas autoridades nacionais responsáveis pela aplicação do artigo 28.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38, no contexto da apreciação global exigida para determinar se foram rompidos os laços de integração anteriormente tecidos com o Estado‑Membro de acolhimento, por forma a conceder ou não a proteção reforçada prevista na referida disposição (v., neste sentido, acórdão Tsakouridis, já referido, n.° 34).

37      Por fim, no que respeita à incidência da circunstância de a pessoa em questão ter residido no Estado‑Membro de acolhimento nos dez anos que precederam a sua prisão, importa recordar que, embora, como referido nos n.os 24 e 25 do presente acórdão, o período de residência de dez anos exigido para a concessão da proteção reforçada prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deva ser contado recuando no tempo a partir da decisão de afastamento dessa pessoa, dado que o cálculo efetuado nos termos desta disposição difere daquele a que se procedeu para efeitos da concessão do direito de residência permanente, tal circunstância pode ser tida em conta aquando da apreciação global mencionada no número anterior.

38      À luz das considerações que precedem, há que responder à primeira e quarta questões que o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que um período de prisão da pessoa em questão é, em princípio, suscetível de interromper tanto a continuidade da residência, na aceção desta disposição, como de afetar a concessão da proteção reforçada nela prevista, incluindo no caso de essa pessoa ter residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os dez anos que precederam a sua prisão. No entanto, esta circunstância pode ser tida em conta no contexto da apreciação global exigida para determinar se os laços de integração anteriormente tecidos com o Estado‑Membro de acolhimento foram ou não rompidos.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que o período de residência de dez anos previsto nesta disposição deve, em princípio, ser contínuo e contado recuando no tempo a partir da data da decisão de afastamento da pessoa em questão.

2)      O artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE deve ser interpretado no sentido de que um período de prisão da pessoa em questão é, em princípio, suscetível de interromper tanto a continuidade da residência, na aceção desta disposição, como de afetar a concessão da proteção reforçada nela prevista, incluindo no caso de essa pessoa ter residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os dez anos que precederam a sua prisão. No entanto, esta circunstância pode ser tida em conta no contexto da apreciação global exigida para determinar se os laços de integração anteriormente tecidos com o Estado‑Membro de acolhimento foram ou não rompidos.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.