Language of document : ECLI:EU:C:2014:6

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de janeiro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 1346/2000 — Processos de insolvência — Ação resolutória baseada na insolvência — Domicílio do demandado num Estado terceiro — Competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro do centro dos interesses principais do devedor»

No processo C‑328/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 21 de junho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2012, no processo

Ralph Schmid, que age na qualidade de administrador da insolvência no processo de insolvência relativo ao património de Aletta Zimmermann,

contra

Lilly Hertel,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, A. Borg Barthet, E. Levits e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de abril de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de R. Schmid, que age na qualidade de administrador da insolvência no processo de insolvência relativo ao património de A. Zimmermann, por G. S. Mohnfeld, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por W. Bogensberger e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO L 160, p. 1, a seguir «regulamento»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre R. Schmid, que age na qualidade de administrador da insolvência no processo de insolvência relativo ao património de A. Zimmermann (a seguir «devedora»), e L. Hertel, residente na Suíça, relativamente a uma ação resolutória.

 Quadro jurídico

3        Os considerandos 2 a 4, 8, 12 e 14 do referido regulamento enunciam:

«(2)      O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz [...]

(3)       Cada vez mais, as atividades das empresas produzem efeitos transfronteiriços e são, por este motivo, regulamentadas por legislação comunitária. Como a insolvência dessas empresas afeta, nomeadamente, o bom funcionamento do mercado interno, faz‑se sentir a necessidade de um ato da Comunidade que exija a coordenação das medidas a tomar relativamente aos bens de um devedor insolvente.

(4)       Para assegurar o bom funcionamento do mercado interno, há que evitar quaisquer incentivos que levem as partes a transferir bens ou ações judiciais de um Estado‑Membro para outro, no intuito de obter uma posição legal mais favorável (forum shopping).

[...]

(8)      Para alcançar o objetivo de melhorar a eficácia e a eficiência dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços, é necessário e oportuno que as disposições em matéria de competência, reconhecimento e direito aplicável neste domínio constem de um ato normativo da Comunidade, vinculativo e diretamente aplicável nos Estados‑Membros.

[...]

(12)       O presente regulamento permite que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado‑Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor. O processo tem alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor. [...]

[...]

(14)       O presente regulamento aplica‑se exclusivamente aos processos em que o centro dos interesses principais do devedor está situado na Comunidade.»

4        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento:

«O presente regulamento é aplicável aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico.»

5        O artigo 3.° do regulamento, intitulado «Competência internacional», dispõe no seu n.° 1:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. […]»

6        O artigo 5.°, n.° 1, do regulamento prevê:

«A abertura do processo de insolvência não afeta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, quer sejam bens específicos, quer sejam conjuntos de bens indeterminados considerados como um todo, cuja composição pode sofrer alterações ao longo do tempo, pertencentes ao devedor e que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de outro Estado‑Membro.»

7        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do regulamento:

«A abertura do processo de insolvência não afeta o direito de um credor a invocar a compensação do seu crédito com o crédito do devedor, desde que essa compensação seja permitida pela lei aplicável ao crédito do devedor insolvente.»

8        O artigo 14.° do regulamento tem a seguinte redação:

«A validade de um ato celebrado após a abertura do processo de insolvência e pelo qual o devedor disponha, a título oneroso:

¾        de um bem imóvel,

¾        de navio ou de aeronave cuja inscrição num registo público seja obrigatória, ou

¾        de valores mobiliários cuja existência pressuponha a respetiva inscrição num registo previsto pela lei,

rege‑se pela lei do Estado em cujo território está situado o referido bem imóvel ou sob cuja autoridade é mantido esse registo.»

9        O artigo 25.°, n.° 1, do regulamento dispõe:

«As decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.°, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, são igualmente reconhecidos sem mais formalidades. Essas decisões são executadas em conformidade com o disposto nos artigos 31.° a 51.°, com exceção do n.° 2 do artigo 34.°[…] da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, alterada pelas convenções relativas à adesão a essa convenção.

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões diretamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional.

[...]»

10      Por força do artigo 44.°, n.° 3, alínea a), do regulamento, este não é aplicável «[e]m nenhum dos Estados‑Membros, quando incompatível com as obrigações em matéria de falência resultantes de uma convenção concluída por esse Estado com um ou mais países terceiros antes da entrada em vigor do presente regulamento».

11      O Anexo A do regulamento contém uma lista dos processos de insolvência previstos no seu artigo 1.°, n.° 1.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      R. Schmid é o administrador da insolvência designado no processo de insolvência aberto na Alemanha, em 4 de maio de 2007, contra a devedora. A demandada, L. Hertel, reside na Suíça. R. Schmid chamou‑a a juízo nos tribunais alemães, por ação resolutória, requerendo a restituição ao património da devedora de uma quantia de 8 015,08 euros, não incluindo juros. Esta ação foi declarada inadmissível em primeira e segunda instância por falta de competência internacional dos tribunais alemães. R. Schmid interpôs no Bundesgerichtshof recurso de «Revision», prosseguindo o seu pedido resolutório.

13      Este último órgão jurisdicional refere que o litígio no processo principal cai no âmbito de aplicação material do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento. A este propósito, o Bundesgerichtshof remete para o acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Seagon (C‑339/07, Colet., p. I‑767), e recorda que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi dado início ao processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação resolutória baseada na insolvência e proposta contra um demandado cuja sede estatutária se situa noutro Estado‑Membro.

14      Até à data não foi ainda esclarecida a questão de saber se o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento também se aplica quando o processo de insolvência tenha sido instaurado num Estado‑Membro, mas o demandado na ação resolutória tenha o seu domicílio ou sede estatutária não num Estado‑Membro, mas num Estado terceiro.

15      O órgão jurisdicional de reenvio entende que, segundo a redação do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, basta, para efeitos de aplicação desta disposição, que o centro dos interesses principais de devedor se situe num Estado‑Membro. Contudo, a aplicação deste regulamento pressupõe um elemento de estraneidade, não sendo evidente se esse elemento se deve referir a um outro Estado‑Membro ou a um Estado terceiro.

16      Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência relativo ao património do devedor dispõem de competência para conhecer de uma ação [resolutória] no âmbito da insolvência contra um demandado cujo domicílio ou sede estatutária não se situa no território de um Estado‑Membro?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência dispõem de competência para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado cujo domicílio não se situa no território de um Estado‑Membro.

18      Com o objetivo de responder a esta questão, há desde logo que recordar que o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento se limita a prever que são competentes para abrir o processo de insolvência contra um devedor os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais desse devedor. No caso do processo principal, o centro dos interesses principais do devedor situa‑se na Alemanha.

19      Todavia, a título preliminar, importa determinar se, quando o único elemento de estraneidade da situação em causa é a relação entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro, o processo de insolvência é da competência dos tribunais desse Estado‑Membro por força do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento ou se, ao invés, essa questão da competência internacional deve ser resolvida por aplicação do direito nacional desse Estado‑Membro.

20      No caso da questão de saber se a aplicação do regulamento pressupõe, em qualquer caso, a verificação de elementos de estraneidade no sentido de que só são abrangidas por aquele as situações que apresentam elementos de conexão com dois ou mais Estados‑Membros, importa notar que essa condição geral e absoluta não decorre da letra das disposições do regulamento.

21      Com efeito, como recordou a advogada‑geral no n.° 25 das suas conclusões, nem o artigo 1.° do regulamento, que tem por epígrafe «Âmbito de aplicação», nem o seu Anexo A, que inclui uma lista dos processos de insolvência referidos naquela primeira disposição, limitam a aplicação do regulamento aos processos que apresentam um elemento de estraneidade, no sentido evocado no número anterior. O mesmo se diga do considerando 14 do regulamento, segundo o qual a sua aplicação só se exclui no caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar fora da União Europeia.

22      Na verdade, a aplicação de várias disposições do regulamento pressupõe a presença de elementos de conexão com o território ou com a ordem jurídica de pelo menos dois Estados‑Membros, como é o caso do artigo 5.°, n.° 1, do regulamento, o qual prevê uma regra relativa a direitos reais de terceiros sobre bens do devedor que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de «outro Estado‑Membro», ou das disposições do capítulo III do regulamento, relativas aos «processos de insolvência secundários», que só visam os processos secundários que forem abertos noutro Estado‑Membro.

23      Todavia, outras disposições do regulamento, como os seus artigos 6.° e 14.°, não contêm tais restrições expressas. Além disso, o artigo 44.°, n.° 3, alínea a), do regulamento dispõe que este não é aplicável em nenhum dos Estados‑Membros, quando incompatível com as obrigações em matéria de insolvência resultantes de uma convenção concluída antes da sua entrada em vigor por esse Estado com um ou mais Estados terceiros. Ora, esta disposição seria, em princípio, supérflua se o regulamento em causa não se aplicasse às relações entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro.

24      Neste contexto, no tocante às disposições do regulamento que não preveem expressamente um elemento de estraneidade que implique pelo menos dois Estados‑Membros, cumpre concluir que os objetivos prosseguidos pelo regulamento, como os que são indicados nos seus considerandos, também não militam a favor de uma interpretação restrita do âmbito de aplicação do regulamento, que leve a exigir a existência desse elemento.

25      Com efeito, embora resulte dos considerandos 2 a 4 do regulamento que o seu objetivo é assegurar o «bom funcionamento do mercado interno», decorre todavia do referido considerando 4 que esse objetivo exige, em especial, «evitar quaisquer incentivos que levem as partes a transferir bens ou ações judiciais de um Estado‑Membro para outro, no intuito de obter uma posição legal mais favorável (forum shopping)». O considerando 8 do regulamento refere o objetivo de «melhorar a eficácia e a eficiência dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços», e o considerando 12 do regulamento enuncia que os processos de insolvência que são abrangidos pelo âmbito de aplicação do regulamento «[têm] alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor». Estes últimos objetivos podem englobar não só as relações entre os Estados‑Membros mas também, por natureza e de acordo com a sua letra, qualquer situação transfronteiriça.

26      Por último, uma limitação do âmbito de aplicação do regulamento a situações que impliquem necessariamente pelo menos dois Estados‑Membros também não resulta dos objetivos específicos do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento.

27      A este respeito, há que recordar que esta disposição se limita a prever uma regra de competência internacional, segundo a qual «[o]s órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência». Assim, lido à luz do considerando 8 do regulamento, o artigo 3.°, n.° 1, visa incentivar a previsibilidade e, assim, a segurança jurídica no caso das competências jurisdicionais em matéria de insolvência.

28      Ora, o Tribunal de Justiça já decidiu que, para determinar o tribunal competente para abrir um processo de insolvência, o centro dos interesses principais do devedor deve ser determinado no momento da apresentação do requerimento de abertura desse processo (v. acórdão de 17 de janeiro de 2006, Staubitz‑Schreiber, C‑1/04, Colet., p. I‑701, n.° 29). Como salientou a advogada‑geral no n.° 29 das suas conclusões, nessa fase inicial, a existência de qualquer elemento de estraneidade pode ser desconhecida. Contudo, a determinação do órgão jurisdicional competente não pode ser adiada até ao momento em que seja conhecida a localização de diversos aspetos do processo para além do centro dos interesses do devedor, como a residência de potenciais demandados numa ação secundária. Com efeito, aguardar até conhecer esses elementos frustraria os objetivos de eficácia e de eficiência dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços.

29      A aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento não pode, por conseguinte, regra geral, depender da existência de uma conexão de estraneidade que implique outro Estado‑Membro.

30      Quanto ao ponto específico de saber se os tribunais dos Estados‑Membros em cujo território foi instaurado o processo de insolvência são competentes para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado que não tem o seu domicílio no território de um Estado‑Membro, importa recordar que o Tribunal de Justiça, no n.° 21 do acórdão Seagon, já referido, decidiu que o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que atribui aos tribunais do Estado‑Membro competentes para instaurar um processo de insolvência também uma competência internacional para conhecer das ações que decorrem diretamente desse processo e com ele estão estreitamente relacionadas.

31      Na verdade, no n.° 25 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça também decidiu que esses órgãos jurisdicionais são, pois, competentes para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado cuja sede estatutária se situa noutro Estado‑Membro.

32      Contudo, o simples facto de o Tribunal de Justiça, nesse mesmo acórdão, se ter limitado a declarar a competência do órgão jurisdicional que deu início ao processo para conhecer de ações contra os demandados estabelecidos noutro Estado‑Membro não permite concluir que tal competência seja a priori excluída no caso desse demandado estar estabelecido num Estado terceiro, dado que o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre essa questão. Com efeito, a demandada no processo que deu origem ao acórdão Seagon, já referido, estava estabelecida num Estado‑Membro.

33      Além disso, importa concluir que os objetivos prosseguidos pelo artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, que consistem, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, em incentivar a previsibilidade da competência jurisdicional em matéria de insolvência e, portanto, a segurança jurídica, militam a favor de uma interpretação no sentido de que esta disposição cria também uma competência para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado com domicílio num Estado terceiro. Com efeito, uma harmonização, na União, das regras de competência jurisdicional para as ações resolutórias no âmbito da insolvência contribui para a realização desses objetivos, independentemente de saber se o demandado tem o domicílio num Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

34      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto, salientado pelo Governo alemão na audiência, de que o demandado no âmbito de uma tal ação resolutória seria chamado a litigar num tribunal de um Estado que não é o do seu domicílio.

35      Com efeito, impõe‑se concluir que o critério, estabelecido pelo regulamento, para determinar o órgão jurisdicional competente para conhecer desta ação, ou seja, o do centro dos interesses principais do devedor, é normalmente previsível para o demandado que o pode levar em conta quando participa, com o devedor, num ato que pode ser anulado no âmbito de um processo de insolvência. Nestas condições, os objetivos de previsibilidade da competência jurisdicional em matéria de insolvência e de segurança jurídica, que resultam do considerando 8 do regulamento, bem como, eventualmente, o objetivo de evitar que as partes sejam incentivadas a transferir os seus bens de um Estado para outro, ou a escolher um foro particular, no intuito de obter uma posição legal mais favorável, referido no considerando 4 do regulamento, prevalecem sobre a preocupação de evitar que o demandado seja chamado a juízo num tribunal estrangeiro.

36      Também não procede o argumento de que os órgãos jurisdicionais de um Estado terceiro não estão de modo algum obrigados a reconhecer ou a executar uma decisão proferida por um tribunal competente da União, ou, dito por outras palavras, que a aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, no caso de o demandado ter o seu domicílio num Estado terceiro, não tem efeito útil.

37      Com efeito, como salientou a advogada‑geral nos n.os 36 e 38 das suas conclusões, a inoponibilidade a Estados terceiros das disposições do regulamento relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas pelo tribunal em cujo território se iniciou o processo de insolvência não impede a aplicação da regra de competência prevista no artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento. Além disso, mesmo se, num caso concreto, não for possível invocar o próprio regulamento para efeitos de reconhecimento e de execução das decisões do órgão jurisdicional competente, pode ser possível obter o reconhecimento e a execução dessa decisão ao abrigo de uma convenção bilateral.

38      Por outro lado, cumpre constatar que, mesmo na falta de reconhecimento e da execução, invocando uma convenção bilateral, de uma tal decisão pelo Estado em que se situa o domicílio do demandado, esse acórdão pode ser reconhecido e executado pelos outros Estados‑Membros, por força do artigo 25.° do regulamento, designadamente no caso de uma parte do património desse demandado se encontrar no território de um desses Estados.

39      Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado cujo domicílio não se situa no território de um Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado cujo domicílio não se situa no território de um Estado‑Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.