Language of document : ECLI:EU:C:2014:26

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

23 de janeiro de 2014 (*)

«Seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis — Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 90/232/CEE e 2009/103/CEE — Acidente de circulação — Danos imateriais — Indemnização — Disposições nacionais que instituem modalidades de cálculo próprias para os acidentes de circulação, menos favoráveis às vítimas que as previstas pelo regime comum de responsabilidade civil — Compatibilidade com essas diretivas»

No processo C‑371/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunale di Tivoli (Itália), por decisão de 20 de junho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de agosto de 2012, no processo

Enrico Petillo,

Carlo Petillo

contra

Unipol Assicurazioni SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Unipol Assicurazioni SpA, por A. Frignani e G. Ponzanelli, avvocati,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Kemper e F. Wannek, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo helénico, por L. Pnevmatikou, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Santoro, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e I. Ņesterova, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, R. Janeckaitė e A. Svinkūnaitė, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de outubro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Diretiva»), da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244), conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005 (JO L 149, p. 14, a seguir «Segunda Diretiva»), da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2005/14 (a seguir «Terceira Diretiva»), e da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263, p. 11).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Enrico e Carlo Petillo à Unipol Assocurazioni SpA (a seguir «Unipol»), a respeito da indemnização por parte desta última, a título de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, do prejuízo sofrido por Enrico Petillo decorrente de um acidente de viação.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.° da Primeira Diretiva estabelece:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva entende‑se por:

[...]

2.      Pessoa lesada: qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos;

[...]»

4        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva:

«Cada Estado‑Membro deverá tomar todas as medidas úteis para que a responsabilidade civil relativa à circulação de veículos cujo estacionamento habitual seja no seu território[…] se encontre coberta por um contrato de seguro. Os danos cobertos e as modalidades desse seguro são determinados no âmbito destas medidas.»

5        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva dispõe:

«1.      O seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.

2.      Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados‑Membros, cada Estado‑Membro deve exigir que o seguro seja obrigatório pelo menos no que se refere aos seguintes montantes:  

a)      Relativamente a danos pessoais, um montante mínimo de 1 000 000 de euros por vítima ou de 5 000 000 de euros por sinistro, independentemente do número de vítimas;

b)      Relativamente a danos materiais, 1 000 000 de euros por sinistro, independentemente do número de vítimas.

Se necessário, os Estados‑Membros podem estabelecer um período transitório de cinco anos, no máximo, a contar da data do início da aplicação da Diretiva [2005/14], para adaptar os respetivos montantes mínimos de cobertura aos montantes previstos no presente número.

Os Estados‑Membros que estabelecerem esse período de transição devem informar a Comissão do facto e indicar a duração desse período.

No prazo de 30 meses a contar da data do início da aplicação da [Diretiva 2005/14], os Estados‑Membros deverão elevar os montantes de garantia para pelo menos metade dos níveis previstos no presente número.»

6        O artigo 1.° da Terceira Diretiva prevê, designadamente, que «o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo».

7        O artigo 1.°‑A da Terceira Diretiva dispõe:

«O seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] assegura a cobertura dos danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas que, em consequência de um acidente em que esteja envolvido um veículo a motor, têm direito a indemnização de acordo com o direito civil nacional. O presente artigo não prejudica nem a responsabilidade civil nem o montante das indemnizações.»

8        Segundo o artigo 30.° da Diretiva 2009/103, a mesma entrou em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, no dia 7 de outubro de 2009.

 Direito italiano

9        O artigo 139.° do Decreto Legislativo n.° 209, de 7 de setembro de 2005, que aprovou o Código de Seguros Privados (suplemento ordinário do GURI n.° 239, de 13 de outubro de 2005), conforme alterado pelo Decreto Ministerial de 17 de junho de 2011 (GURI n.° 147, de 27 de junho de 2011, a seguir «Código de Seguros Privados»), prevê:

«1.      A indemnização do dano [pessoal] por lesões pouco significativas, resultantes de sinistros em consequência da circulação de veículos a motor e de embarcações, é efetuada segundo os critérios e os valores seguintes:

a)      a título de dano [pessoal] permanente, pelas sequelas de lesões iguais ou inferiores a [9%] é pago um montante crescente de valor mais que proporcional em relação a cada ponto percentual de invalidez; este montante é calculado com base na aplicação do coeficiente respetivo a cada um dos pontos percentuais de invalidez, de acordo com a correspondência apresentada no n.° 6. O montante assim determinado é reduzido com o aumento da idade do indivíduo, à razão de [0,5%] por cada ano de idade, a partir do décimo primeiro ano de idade. O valor do primeiro ponto é igual a [759,04] euros;

b)      a título de dano [pessoal] temporário, é pago um montante de [44,28 euros] por cada dia de incapacidade absoluta; em caso de incapacidade temporária inferior a [100%], o pagamento é efetuado pelo valor correspondente à percentagem de incapacidade reconhecida para cada um dos dias.

2.      Para efeitos do previsto no n.° 1, entende‑se por dano [pessoal] a lesão temporária ou permanente da integridade física e psíquica da pessoa, suscetível de avaliação médico‑legal, que exerce uma incidência negativa sobre as atividades quotidianas e sobre aspetos dinâmicos e relacionais da vida do lesado, independentemente de eventuais repercussões sobre a sua capacidade de ganho. […]

3.      A soma paga pelo dano [pessoal], nos termos do n.° 1, pode ser aumentada pelo tribunal num valor não superior a um quinto, com base numa apreciação equitativa e fundamentada das condições subjetivas do lesado.

4.      Por decreto do Presidente da República, que seja objeto de deliberação em Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro da Saúde, em concertação com o Ministro do trabalho e das Políticas Sociais, o Ministro da Justiça e o Ministro das Atividades Produtivas, será instituída uma tabela específica das lesões à integridade física e psíquica compreendidas entre um e nove pontos de invalidez.

5.      Os montantes indicados no n.° 1 são atualizados anualmente por decreto do Ministro das Atividades Produtivas, num valor correspondente à variação do índice nacional de preços no consumidor para as famílias de trabalhadores e empregados calculada pelo Istituto nazionale di statistica (ISTAT).

6.      Para efeitos do cálculo do montante previsto no n.° 1, alínea a), para um ponto percentual de invalidez igual a 1 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,0, para um ponto percentual de invalidez igual a 2 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,1, para um ponto percentual de invalidez igual a 3 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,2, para um ponto percentual de invalidez igual a 4 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,3, para um ponto percentual de invalidez igual a 5 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,5, para um ponto percentual de invalidez igual a 6 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,7, para um ponto percentual de invalidez igual a 7 é aplicado um coeficiente multiplicador de 1,9, para um ponto percentual de invalidez igual a 8 é aplicado um coeficiente multiplicador de 2,1, para um ponto percentual de invalidez igual a 9 é aplicado um coeficiente multiplicador de 2,3.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      Decorre da decisão de reenvio que, em 21 de setembro de 2007, o veículo conduzido por Mauro Recchioni embateu, pela traseira, no veículo pertencente a Carlo Petillo, que era conduzido por Enrico Petillo. Daqui resultaram, para este último, lesões corporais.

11      E. e C. Petillo demandaram a Unipol, a seguradora de M. Recchioni, no Tribunale di Tivoli para obter uma declaração no sentido da responsabilidade exclusiva de M. Recchioni na ocorrência do referido acidente e condenar a Unipol no pagamento de um montante de 3 350 euros a título de dano patrimonial sofrido, além do montante de 6 700 euros já pago, bem como uma quantia total de 14 155,37 euros pelos danos não patrimoniais sofridos por Enrico Petillo, em vez do montante de 2 700 euros já pago.

12      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o direito italiano prevê, no artigo 2043.° do Código Civil, para os danos patrimoniais, e no artigo 2059.° do mesmo código, para os danos não patrimoniais, um direito à reparação integral dos danos resultantes de um quase delito.

13      Segundo jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais italianos, o dano não patrimonial é composto por um dano corporal, resultante da lesão da integridade física e/ou psíquica, por um dano moral, resultante de um sofrimento moral causado por essa lesão, e por danos residuais que decorrem, designadamente, de entraves às atividades normais e quotidianas, ou seja, com um impacto pessoal superior à média.

14      A Corte costituzionale declarou, num acórdão de 2003, que o dano não patrimonial apresenta uma estrutura unitária e não se divide em categorias ou rubricas. Todavia, a jurisprudência continua a distinguir as componentes identificadas no número anterior do presente acórdão. Além disso, a ordem jurídica italiana deixa ao juiz a tarefa de avaliar esse dano.

15      Ora, com o objetivo de limitar os custos dos serviços de seguros, o legislador italiano previu, no artigo 139.° do Código de Seguros Privados, um regime específico de determinação das quantias a pagar por danos não patrimoniais sofridos pelas vítimas de acidentes de circulação rodoviária ou de acidentes de navegação. Esse regime prevê restrições relativamente aos critérios de avaliação aplicados a outros litígios e uma limitação da possibilidade de o juiz majorar, em função do caso concreto, o montante da indemnização em um quinto do montante da quantia determinada com base no artigo 139.° do Código de Seguros Privados.

16      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, se os danos não patrimoniais sofridos por Enrico Petillo tivessem tido outra causa que não fosse um acidente de circulação rodoviária, seriam avaliados do seguinte modo, por força da legislação e da jurisprudência italianas aplicáveis:

¾        dano pessoal de 4% causado a uma pessoa com 21 anos no momento do sinistro: 5 407,55 euros;

¾        invalidez temporária total de 10 dias, invalidez temporária parcial de 50% durante 20 dias e de 25% durante 10 dias: 2 250,00 euros; e

¾        danos morais, iguais a um terço do dano pessoal: 2 252,00 euros,

ou seja, um montante total de 10 210,00 euros a título de danos não patrimoniais, além do montante de 445,00 euros devido a título de despesas médicas.

17      Ora, dado que o dano em causa resulta de um acidente de circulação rodoviária, a quantia a pagar em aplicação do artigo 139.° do Código de Seguros Privados deve ser avaliada do seguinte modo:

a)      dano pessoal de 4% causado a uma pessoa com 21 anos no momento do sinistro: 3 729,92 euros; e

b)      invalidez temporária total de 10 dias, invalidez temporária parcial de 50% durante 20 dias e de 25% durante 10 dias: 996,00 euros;

ou seja, um montante total de 4 725,00 euros pelos danos não patrimoniais, além do montante de 445,00 euros devido a título de despesas médicas. Com efeito, a reparação dos danos morais está excluída na medida em que não é prevista pelo Código de Seguros Privados, ainda que, a esse respeito, uma corrente jurisprudencial mais favorável às vítimas esteja em desenvolvimento.

18      Os montantes determinados por aplicação dos diversos modos de cálculo evidenciam, assim, para o mesmo dano, uma diferença de 5 485,00 euros. Além disso, o artigo 139.° do Código de Seguros Privados não confere ao juiz nenhuma possibilidade de adaptar a sua avaliação ao caso concreto, uma vez que seria obrigado a proceder a um simples cálculo que limitaria o seu poder de julgar com equidade.

19      Referindo, designadamente, o acórdão do Tribunal da EFTA de 20 de junho de 2008, Celina Nguyen/The Norwegian State (E‑8/07, EFTA Court Report 2008, p. 224), o Tribunale di Tivoli manifesta dúvidas quanto à compatibilidade com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas, bem como com a Diretiva 2009/103, de uma legislação nacional que, para a reparação de um dano que decorre de um acidente de circulação rodoviária, não exclui o seguro dos danos não patrimoniais, mas não permite a reparação dos danos morais e limita a indemnização da lesão à integridade psíquica e/ou física, relativamente ao que é admitido em matéria de indemnização por força da jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais nacionais.

20      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o artigo 139.° do Código de Seguros Privados não respeita o princípio da reparação integral dos danos não patrimoniais, cuja tomada em consideração não deve de modo algum ser limitada em função da natureza da ocorrência que esteja na origem da lesão à integridade corporal.

21      Nestas circunstâncias, o Tribunale di Tivoli decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«À luz da [Primeira, Segunda e Terceira Diretivas] e [da Diretiva] 2009/103/CE, que regulam o seguro obrigatório respeitante à responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, é permitido que a legislação interna de um Estado‑Membro estabeleça através da quantificação obrigatória por lei apenas para os danos que resultam de acidentes de viação uma limitação de facto (sob o ponto de vista da quantificação) da responsabilidade por danos não patrimoniais a cargo das entidades (as empresas seguradoras) obrigadas, nos termos das mesmas diretivas, a garantir o seguro obrigatório para os danos da circulação dos veículos?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

22      A admissibilidade do pedido de decisão prejudicial é contestada pela Unipol e pelo Governo italiano. Em seu entender, o órgão jurisdicional de reenvio não explica em que medida a interpretação solicitada das regras do direito da União é útil para a resolução do litígio no processo principal. Além disso, a decisão de reenvio não contém explicações quanto à escolha das disposições do direito da União cuja interpretação é pedida nem sobre a ligação existente entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

23      A este respeito, basta constatar que resulta do exposto relativamente ao quadro factual e jurídico que figura na decisão de reenvio, como completado pela resposta ao pedido de esclarecimentos dirigido ao órgão jurisdicional de reenvio pelo Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 101.° do seu Regulamento de Processo, bem como da exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a submeter ao Tribunal de Justiça a presente questão prejudicial, que a resposta a esta questão é útil para a resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio e que, por conseguinte, esta questão é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

24      A título preliminar, importa referir que, tal como acertadamente alegaram os Governos alemão e espanhol, atendendo à data do acidente na origem do litígio no processo principal, a Diretiva 2009/103 não é aplicável ratione temporis aos factos no processo principal. Além disso, a Terceira Diretiva não é aplicável ratione materiae a este litígio, uma vez que E. e C. Petillo não apresentam nenhuma das características das vítimas especialmente vulneráveis visadas por esta. A questão prejudicial deve, por isso, ser entendida no sentido de que visa unicamente a interpretação da Primeira e Segunda Diretivas.

25      Assim, importa considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um regime particular de indemnização dos danos imateriais resultantes de lesões corporais pouco significativas causadas por acidentes de circulação rodoviária, que limita a indemnização desses prejuízos relativamente ao que é admitido em matéria de indemnização de prejuízos idênticos resultantes de outras causas que não sejam esses acidentes.

26      A este propósito, há que recordar que o objetivo da Primeira e Segunda Diretivas, como resulta do seu preâmbulo, é, por um lado, garantir a livre circulação tanto dos veículos que tenham o seu estacionamento habitual no território da União como das pessoas que neles viajam e, por outro, assegurar que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (acórdão de 23 de março de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, n.° 26 e jurisprudência referida).

27      A Primeira Diretiva, conforme precisada e completada, nomeadamente, pela Segunda Diretiva, impõe, pois, aos Estados‑Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos que esse seguro deve cobrir (acórdão de 24 de outubro de 2013, Haasová, C‑22/12, n.° 38).

28      Importa, porém, recordar que a obrigação de cobertura, pelo seguro de responsabilidade civil, dos danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos a título da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (acórdão de 24 de outubro de 2013, Drozdovs, C‑277/12, n.° 30).

29      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, designadamente, que resulta do objeto da Primeira e Segunda Diretivas, bem como da sua redação, que estas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado atual do direito da União, estes são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 29 e jurisprudência referida).

30      Por conseguinte, e tendo em conta, nomeadamente, o artigo 1.°, ponto 2, da Primeira Diretiva, os Estados‑Membros conservam, no atual estado do direito da União, em princípio, a liberdade de determinar, no âmbito dos seus regimes de responsabilidade civil, em particular, os danos causados por veículos automóveis que devem ser indemnizados, o alcance da indemnização desses danos e as pessoas que têm direito à referida indemnização (acórdãos, já referidos, Haasová, n.° 41, e Drozdovs, n.° 32).

31      Todavia, o Tribunal de Justiça sublinhou que os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, aplicável de acordo com o seu direito nacional, esteja coberta por um seguro conforme com as disposições, designadamente, da Primeira e Segunda Diretivas (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 30 e jurisprudência referida).

32      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências neste domínio, no respeito do direito da União, e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar, nomeadamente, a Primeira e Segunda Diretivas do seu efeito útil (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 31 e jurisprudência referida).

33      Daqui decorre que a liberdade de que dispõem os Estados‑Membros para determinarem os danos cobertos assim como as modalidades do seguro obrigatório foi limitada, designadamente, pela Segunda Diretiva, na medida em que esta tornou obrigatória a cobertura de certos danos, tendo estabelecido, em relação a cada um deles, determinados montantes mínimos. Entre esses danos cuja cobertura é obrigatória figuram, nomeadamente, os danos corporais, conforme precisa o artigo 1.°, n.° 1, da Segunda Diretiva (acórdãos, já referidos, Haasová, n.° 46, e Drozdovs, n.° 37).

34      Ora, o conceito de dano corporal abrange qualquer dano, na medida em que a sua indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio, resultante da ofensa à integridade da pessoa, o que abrange tanto os sofrimentos físicos como psicológicos (acórdãos, já referidos, Haasová, n.° 47, e Drozdovs, n.° 38).

35      Por conseguinte, entre os danos que devem ser indemnizados em conformidade, designadamente, com a Primeira e Segunda Diretivas figuram os danos morais cuja indemnização é prevista a título da responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio (acórdãos, já referidos, Haasová, n.° 50, e Drozdovs, n.° 41).

36      No caso em apreço, em primeiro lugar, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, à semelhança das circunstâncias que deram origem ao acórdão Marques Almeida, já referido, a regulamentação nacional em causa no processo principal visa determinar o alcance do direito da vítima a uma indemnização a título de responsabilidade civil do segurado e não limita a cobertura do seguro de responsabilidade civil.

37      Com efeito, segundo a exposição do direito italiano efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio, aquele prevê, por um lado, no artigo 2059.° do Código Civil, o fundamento do direito à reparação dos danos imateriais que resultem dos acidentes de circulação rodoviária e, por outro, no artigo 139.° do Código de Seguros Privados, as modalidades de determinação do alcance do direito à indemnização quanto aos danos corporais que decorram de lesões pouco significativas causadas, designadamente, por esses acidentes.

38      Além disso, em resposta ao pedido de esclarecimentos que lhe foi dirigido pelo Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 101.° do seu Regulamento de Processo, o órgão jurisdicional de reenvio precisou, e o Governo italiano confirmou na audiência no Tribunal de Justiça, que, segundo o direito italiano, a responsabilidade civil do segurado a título de danos imateriais sofridos por pessoas em razão de um acidente de circulação não pode exceder os montantes cobertos, por força do artigo 139.° do Código de Seguros Privados, pelo seguro obrigatório.

39      Assim, importa considerar, por um lado, que essa regulamentação nacional integra o direito material nacional da responsabilidade civil para o qual a Primeira e Segunda Diretivas remetem (v., por analogia, acórdão Haasová, já referido, n.° 58) e, por outro, que não é suscetível de limitar a cobertura do seguro de responsabilidade civil do segurado (v., por analogia, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 35).

40      Importa acrescentar que, quanto à cobertura obrigatória dos danos materiais e corporais pelo seguro referido no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, nenhum elemento dos autos indica que a regulamentação nacional em causa não prevê montantes conformes com o mínimo fixado pelo artigo 1.° da Segunda Diretiva.

41      Em segundo lugar, importa verificar se essa regulamentação nacional tem por efeito excluir oficiosamente ou limitar de forma desproporcionada o direito da vítima a uma indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação dos veículos automóveis.

42      A este respeito, como referiu o advogado‑geral nos n.os 69 a 74 assim como 82 e 83 das suas conclusões, resulta da jurisprudência recordada nos n.os 30 a 32 do presente acórdão que a Primeira e Segunda Diretivas não impõem aos Estados‑Membros a escolha de um regime particular para determinar o alcance do direito da vítima a uma indemnização a título da responsabilidade civil do segurado.

43      Assim, essas diretivas não se opõem, em princípio, a uma legislação nacional que imponha aos órgãos jurisdicionais nacionais critérios vinculativos para a determinação dos danos imateriais a indemnizar nem a regimes específicos adaptados às particularidades dos acidentes de circulação, ainda que tais regimes comportem, para certos danos imateriais, um modo de determinação do alcance do direito à indemnização menos favorável à vítima do que o aplicável ao direito à indemnização das vítimas de acidentes que não sejam os da circulação automóvel.

44      Em particular, a circunstância de, para a avaliação do montante da indemnização dos danos imateriais resultantes de lesões pouco significativas, serem omitidos ou limitados os elementos do cálculo aplicável em matéria de indemnização das vítimas de acidentes que não sejam os da circulação automóvel não afeta a compatibilidade dessa legislação nacional com as diretivas acima mencionadas, desde que aquela não tenha por efeito excluir oficiosamente ou limitar de forma desproporcionada o direito da vítima a beneficiar de uma indemnização (v., neste sentido, acórdãos de 9 de junho de 2011, Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, C‑409/09, Colet., p. I‑4955, n.° 29, e Marques Almeida, já referido, n.° 32).

45      Ora, no caso em apreço, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não incluem nenhum elemento suscetível de revelar a existência de tal exclusão oficiosa ou de tal limitação desproporcionada. Com efeito, resulta dos referidos autos, desde logo, que é atribuída uma indemnização, em seguida, que o modo de cálculo mais restritivo previsto para efeitos dessa indemnização só é aplicável aos danos resultantes de lesões corporais pouco significativas e, por último, que o montante resultante desse cálculo é proporcional, designadamente, à gravidade das lesões sofridas e à duração da invalidez gerada. Além disso, esse regime permite ao juiz adaptar o montante da indemnização a atribuir, acrescentando‑lhe uma majoração que pode atingir um quinto do montante calculado.

46      Em face das considerações precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a garantia, prevista no direito da União, de que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, determinada de acordo com o direito nacional aplicável, seja coberta por um seguro conforme, designadamente, com a Primeira e Segunda Diretivas não é afetada (v., neste sentido, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 38 e jurisprudência referida).

47      Daqui decorre que há que responder à questão submetida que os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um regime especial de indemnização dos danos imateriais resultantes de lesões corporais pouco significativas causadas por acidentes de circulação rodoviária, que limita a indemnização desses danos relativamente ao que é admitido em matéria de reparação de danos idênticos resultantes de outras causas que não sejam esses acidentes.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um regime especial de indemnização dos danos imateriais resultantes de lesões corporais pouco significativas causadas por acidentes de circulação rodoviária, que limita a indemnização desses danos relativamente ao que é admitido em matéria de reparação de danos idênticos resultantes de outras causas que não sejam esses acidentes.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.