Language of document : ECLI:EU:C:2009:41

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de Janeiro de 2009 (*)

«Direito de asilo – Regulamento (CE) n.° 343/2003 – Situação em que um Estado‑Membro retoma a seu cargo um requerente de asilo cujo pedido foi indeferido e que se encontra noutro Estado‑Membro em que apresentou um novo pedido de asilo – Início do cômputo do prazo de execução da transferência do requerente de asilo – Procedimento de transferência objecto de um recurso que pode ter efeitos suspensivos»

No processo C‑19/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.°, n.° 1, CE e 234.° CE, apresentado pelo Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen (Suécia), por decisão de 17 de Janeiro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de Janeiro de 2008, no processo

Migrationsverket

contra

Edgar Petrosian,

Nelli Petrosian,

Svetlana Petrosian,

David Petrosian,

Maxime Petrosian,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, G. Arestis e J. Malenovský (relator), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo grego, por M. Michelogiannaki, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo húngaro, por R. Somssich, J. Fazekas e K. Borvölgyi, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo norueguês, por M. Emberland e S. Gudbrandsen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Condou‑Durande e J. Enegren, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise [d]e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o casal Petrosian e os seus três filhos (a seguir, em conjunto, «membros da família Petrosian»), cidadãos de nacionalidade arménia (excepto N. Petrosian, que é de nacionalidade ucraniana), ao Migrationsverket (Serviço de Estrangeiros sueco), responsável pelas questões relativas à imigração e encarregado de instruir o pedido de asilo dos interessados, a respeito da decisão desta autoridade que ordenou a sua transferência para outro Estado‑Membro, no qual já lhe tinha sido negado um primeiro pedido de asilo.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        O quarto considerando do Regulamento n.° 343/2003 dispõe:

«Este [método claro e operacional para determinar o Estado responsável pela análise de um pedido de asilo] deve basear‑se em critérios objectivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deve, nomeadamente, permitir uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efectivo aos procedimentos de determinação do estatuto de refugiado e a não comprometer o objectivo de celeridade no tratamento dos pedidos de asilo.»

4        O décimo quinto considerando deste regulamento tem a seguinte redacção:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1)]. Em particular, visa assegurar o pleno respeito do direito de asilo garantido pelo seu artigo 18.°»

5        O artigo 1.° do Regulamento n.° 343/2003 dispõe:

«O presente regulamento estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro.»

6        O artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento prevê:

«Os Estados‑Membros analisarão todo o pedido de asilo apresentado por um nacional de um país terceiro a qualquer dos Estados‑Membros, quer na fronteira, quer no território do Estado‑Membro em causa. O pedido de asilo é analisado por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.»

7        O artigo 4.° do referido regulamento dispõe:

«1.      O processo de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do presente regulamento tem início a partir do momento em que um pedido de asilo é apresentado pela primeira vez a um Estado‑Membro.

[...]

5.      O Estado‑Membro a que tiver sido apresentado o pedido de asilo é obrigado, nas condições previstas no artigo 20.° e a fim de concluir o processo de determinação do Estado responsável pela análise do pedido, a retomar a cargo o candidato que se encontre presente noutro Estado‑Membro e aí tenha formulado um novo pedido de asilo, após ter retirado o seu pedido durante o processo de determinação do Estado responsável.

[...]»

8        O artigo 16.° do Regulamento n.° 343/2003, inserido no capítulo V desse regulamento, consagrado à tomada e retomada a cargo do requerente de asilo, tem a seguinte redacção:

«1.      O Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo por força do presente regulamento é obrigado a:

[…]

e)      Retomar a cargo, nas condições previstas no artigo 20.°, o nacional de um país terceiro cujo pedido tenha rejeitado e que se encontre, sem para tal ter recebido autorização, no território de outro Estado‑Membro.

[...]»

9        O artigo 20.° do Regulamento n.° 343/2003 prevê:

«1.      A retomada a cargo de um requerente de asilo em conformidade com o disposto no n.° 5 do artigo 4.° e nas alíneas c), d) e e) do artigo 16.° obedece às seguintes regras:

a)      O pedido de retomada a cargo deve conter indicações que permitam ao Estado‑Membro requerido certificar‑se de que é responsável;

b)      O Estado‑Membro ao qual é requerida a retomada a cargo é obrigado a proceder às verificações necessárias e a responder ao pedido que lhe é dirigido o mais rapidamente possível e sempre dentro do prazo de um mês a contar do momento em que a matéria lhe for apresentada. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo será reduzido a duas semanas;

c)      Se o Estado‑Membro requerido não der a conhecer a sua decisão no prazo de um mês ou de duas semanas referido na alínea b), considera‑se que aceita a retomada a cargo do candidato a asilo;

d)      O Estado‑Membro que aceita retomar [a cargo] um candidato a asilo é obrigado a readmitir essa pessoa no seu território. A transferência efectua‑se em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses após a aceitação do pedido de retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou após a decisão tomada em recurso ou revisão com efeitos suspensivos;

e)      O Estado‑Membro requerente notificará o candidato a asilo da decisão relativa à sua retomada a cargo pelo Estado‑Membro responsável. Esta decisão deverá ser fundamentada e acompanhada das indicações de prazo relativas à execução da transferência, incluindo, se necessário, informações relativas ao local e à data em que o requerente deve apresentar‑se, no caso de se dirigir para o Estado‑Membro responsável pelos seus próprios meios. A decisão é susceptível de recurso ou de revisão. Este recurso ou revisão da decisão não tem efeito suspensivo sobre a execução da transferência, a não ser que os tribunais ou as autoridades competentes assim o decidam, especificamente, e a legislação nacional o permita.

Se necessário, o Estado‑Membro requerente fornecerá ao candidato a asilo um salvo‑conduto em conformidade com o modelo adoptado, segundo o procedimento referido no n.° 2 do artigo 27.°

O Estado‑Membro responsável informará o Estado‑Membro requerente, consoante o caso, da chegada do candidato a asilo ao destino, ou de que este não se apresentou no prazo prescrito.

2.      Se a transferência não for executada no prazo de seis meses, a responsabilidade caberá ao Estado‑Membro da apresentação do pedido. Este prazo poderá ser alargado até, no máximo, um ano se a transferência ou a análise do pedido se não tiver efectuado devido a detenção do candidato a asilo, ou 18 meses, em caso de ausência deste.

[...]»

 Legislação nacional

10      O § 9 do capítulo 1 da Lei 2005:716 sobre os estrangeiros [utlänningslagen (2005:716)] estabelece que as disposições relativas à expulsão dos requerentes de asilo previstas nessa lei também se aplicam, mutatis mutandis, às decisões de transferência tomadas nos termos do Regulamento n.° 343/2003.

11      O § 6 do capítulo 4 bem como os §§ 4 e 7 do capítulo 8 desta lei dispõem que as decisões relativas ao reconhecimento do estatuto de refugiado político e à expulsão dos requerentes de asilo são tomadas pelo Migrationsverket.

12      Segundo o § 3 do capítulo 14 da referida lei, a decisão do Migrationsverket pode ser objecto de recurso em primeira instância para o migrationsdomstol (tribunal administrativo departamental competente em matéria de imigração), nomeadamente se essa decisão determinar a expulsão do requerente de asilo.

13      O § 9, n.os 1 e 3, do capítulo 16 da mesma lei dispõe que das decisões dos migrationsdomstol cabe recurso para o Migrationsöverdomstol (tribunal administrativo de recurso competente em matéria de imigração), cujas decisões não são recorríveis.

14      O § 28 da Lei 1971:291 relativa ao processo administrativo [förvaltningsprocesslagen (1971:291)] dispõe que o tribunal que conheça de um recurso pode, por um lado, ordenar que a decisão recorrida, se for imediatamente executória, não seja aplicada até novas ordens e, por outro, ordenar outras medidas provisória relativas ao processo.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      Em 22 de Março de 2006, os membros da família Petrosian apresentaram pedidos de asilo na Suécia, onde então se encontravam.

16      A análise desses pedidos revelou que os interessados já tinham apresentado outros pedidos, nomeadamente em França. Assim, o Migrationsverket pediu às autoridades francesas, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 343/2003, que retomassem a seu cargo os membros da família Petrosian.

17      As referidas autoridades não responderam ao Migrationsverket no prazo previsto no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 343/2003. O Migrationsverket informou‑as então de que, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, alínea c), desse regulamento, se considerava que a República Francesa tinha consentido retomar a seu cargo os membros da família Petrosian.

18      Posteriormente, as autoridades francesas confirmaram ao Migrationsverket que aceitavam retomar a seu cargo os interessados. Nestas condições, o Migrationsverket ordenou, em 1 de Agosto de 2006, a transferência dos membros da família Petrosian para França, com base no artigo 20.°, n.° 1, alíneas d) e e), do Regulamento n.° 343/2003.

19      Os membros da família Petrosian interpuseram recurso da decisão de 1 de Agosto de 2006 que ordenou a referida transferência para o länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen (tribunal administrativo departamental de Skåne competente em matéria de imigração), e pediram que os seus pedidos de asilo fossem analisados na Suécia.

20      Em 23 de Agosto de 2006, esse tribunal decidiu suspender a execução da transferência dos membros da família Petrosian para França enquanto não fosse proferida uma decisão final de mérito ou até que decidisse noutro sentido. Em 8 de Maio de 2007, o referido tribunal proferiu uma decisão de mérito, através da qual negou provimento ao recurso interposto pelos membros da família Petrosian e, assim, pôs termo à suspensão da transferência destes últimos para França.

21      Os membros da família Petrosian interpuseram recuso da decisão do länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, para o Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen (tribunal administrativo de recurso de Estocolmo competente em matéria de imigração), por vício processual, e pediram a anulação da decisão que ordenou a sua transferência para França e, a título subsidiário, a remessa do processo ao länsrätten i Skåne län.

22      Em 10 de Maio de 2007, o Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen, decidiu suspender a transferência dos membros da família Petrosian para França, enquanto não fosse proferida uma decisão final de mérito ou até que decidisse noutro sentido.

23      Em 16 de Maio de 2007, esse tribunal proferiu um acórdão definitivo, tendo anulado a sentença do länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, e remeteu o processo a este último tribunal, tendo julgado procedente um fundamento processual relativo à irregularidade da composição da formação de julgamento que se pronunciou sobre o processo. O Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen, ordenou também a suspensão da execução da decisão que tinha ordenado a transferência da família Petrosian para França enquanto o länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, não proferisse uma decisão final de mérito ou decidisse noutro sentido.

24      Este último tribunal proferiu uma nova decisão no processo em 29 de Junho de 2007, pela qual anulou a decisão do Migrationsverket que tinha ordenado a transferência dos membros da família Petrosian para França. Remeteu o processo ao Migrationsverket para reexame. Nos fundamentos da sua decisão, o länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, invocou uma decisão vinculativa do Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen, de 14 de Maio de 2007, em que este último declarou que o artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, por força do qual a transferência deve ser realizada, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido para efeitos de retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou da decisão do recurso ou da revisão em caso de efeito suspensivo, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de execução da transferência deve correr a partir do dia da decisão provisória de suspensão da execução da transferência.

25      Uma vez que a decisão de suspensão da execução do länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, foi proferida em 23 de Agosto de 2006, o prazo de execução da transferência tinha chegado a termo, portanto, segundo esse tribunal, em 24 de Fevereiro de 2007, data a partir da qual, por um lado, a competência para analisar os pedidos de asilo dos membros da família Petrosian era do Reino da Suécia, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 e, por outro, os interessados já não podiam ser transferidos para França.

26      O Migrationsverket interpôs recurso da decisão do länsrätten i Skåne län, migrationsdomstolen, para o Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen, em 9 de Julho de 2007. Sustentou, nesse tribunal, que, depois da prolação de uma decisão de suspensão, o prazo de execução da transferência se interrompia, e o cômputo dos seis meses recomeçava a contar a partir do dia em que a decisão suspensa passava a ser novamente executória.

27      Nestas condições, o Kammarrätten i Stockholm, Migrationsöverdomstolen, decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento [...] n.° 343/2003 [...] deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro em que o pedido de asilo foi apresentado passa a ser responsável pela análise do pedido se a transferência não for executada no prazo de seis meses após a tomada de uma decisão provisória de suspensão da execução da transferência, independentemente do momento em que venha a ser tomada a decisão definitiva relativa à questão de saber se a transferência deve ou não ter lugar?»

 Quanto à questão prejudicial

28      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento n.° 343/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito do procedimento de transferência do requerente de asilo, a legislação do Estado‑Membro requerente prevê o efeito suspensivo de um recurso, o prazo de execução da transferência começa a correr assim que é proferida a decisão judicial provisória que suspende a execução do procedimento de transferência ou apenas quando é proferida a decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito desse procedimento e que já não é susceptível de impedir essa execução.

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

29      Os oito governos que apresentaram observações escritas no presente processo, bem como a Comissão das Comunidades Europeias, consideram que o artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento n.° 343/2003 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o recurso interposto da decisão de transferência ter efeito suspensivo, o prazo de seis meses dentro do qual essa transferência tem que ser executada só corre a partir da decisão de mérito que for proferida no âmbito desse recurso e não a partir da decisão que ordena a suspensão da referida transferência.

30      Segundo esses governos e a Comissão, resulta dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 343/2003 que o legislador comunitário quis instituir um regime nos termos do qual a transferência não deve ser executada antes de ser proferida uma decisão de mérito no recurso. A solução inversa, com efeito, equivaleria a impor aos órgãos jurisdicionais e às autoridades competentes um prazo máximo para se pronunciarem sobre os recursos relativos às decisões de transferência, o que não compete ao legislador comunitário prever, quando a análise das situações individuais às quais esse regulamento se aplica envolvem deliberações complexas que só dificilmente poderiam ser levadas a termo num prazo de seis meses.

31      Além disso, alguns desses governos alegam que, de um ponto de vista pragmático, impor aos órgãos jurisdicionais nacionais que se pronunciassem no prazo de seis meses favoreceria a interposição abusiva de recursos pelos requerentes de asilo, uma vez que, nos Estados‑Membros em que esses órgãos estão sobrecarregados, esse prazo seria muito frequentemente ultrapassado e que, assim, o Estado‑Membro requerente se tornaria sistematicamente o Estado responsável pelo pedido de asilo.

 Resposta do Tribunal de Justiça

32      Nos termos do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro obrigado a retomá‑lo a seu cargo é efectuada logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses após a aceitação do pedido de retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou após a decisão tomada em recurso ou revisão com efeitos suspensivos. Segundo o n.° 2 do mesmo artigo, se a transferência não for executada nesse prazo de seis meses, a responsabilidade cabe ao Estado‑Membro da apresentação do pedido.

33      A redacção destas disposições não permite, por si só, determinar se o prazo de execução da transferência começa a correr assim que é proferida uma decisão judicial provisória que suspende a execução de um procedimento de transferência ou apenas quando é proferida uma decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito do referido procedimento.

34      Todavia, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que atender não apenas aos respectivos termos mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Maio de 2000, KVS International, C‑301/98, Colect., p. I‑3583, n.° 21, e de 23 de Novembro de 2006, ZVK, C‑300/05, Colect., p. I‑11169, n.° 15).

35      Nos termos do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, conjugado com o n.° 1, alínea c), do mesmo artigo, há três situações que podem, consoante as circunstâncias, fazer com que comece a correr o prazo de seis meses de que o Estado‑Membro requerente dispõe para proceder à transferência do requerente de asilo. Pode tratar‑se, em primeiro lugar, da decisão do Estado‑Membro requerido no sentido de aceitar retomar a seu cargo o requerente de asilo, em segundo lugar, da expiração infrutuosa do prazo de um mês fixado ao Estado‑Membro requerido para se pronunciar sobre o pedido do Estado‑Membro requerente no sentido de que o primeiro retome a seu cargo o requerente de asilo e, em terceiro lugar, da decisão tomada em recurso ou revisão com efeitos suspensivos no Estado‑Membro requerente.

36      Estas três situações devem ser analisadas em função da existência ou inexistência, na legislação do Estado‑Membro requerente, de um recurso que possa ter efeitos suspensivos, levando em conta o objectivo para o qual o Regulamento n.° 343/2003 prevê um prazo de execução da transferência.

37      A este respeito, há que distinguir duas possibilidades.

38      Como decorre da redacção do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, num primeiro caso, quando não está previsto nenhum recurso que possa ter efeitos suspensivos, o prazo de execução da transferência corre a partir da decisão, expressa ou tácita, através da qual o Estado‑Membro requerido aceita retomar a seu cargo o interessado, independentemente das vicissitudes a que esteja sujeito o recurso que o requerente de asilo tenha eventualmente interposto da decisão que ordenou a sua transferência nos tribunais do Estado‑Membro requerente.

39      Nesse caso, passa a faltar apenas regular as modalidades da realização da transferência, nomeadamente fixar a respectiva data.

40      É neste contexto que o artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003 concede ao Estado‑Membro requerente um prazo de seis meses para proceder à transferência. Assim, esse prazo tem por finalidade, tendo em conta a complexidade prática e as dificuldades de organização ligadas à execução da transferência, permitir que os dois Estados‑Membros em causa se concertem para a respectiva realização e, mais particularmente, que o Estado‑Membro requerente regule as modalidades da realização da transferência, que é levada a cabo de acordo com a legislação nacional deste último Estado.

41      Resulta, aliás, da exposição de motivos junta à Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro, depositada pela Comissão em 26 de Julho de 2001 [COM(2001) 447 final, pp. 5, 19 e 20], que foi precisamente para ter em conta as dificuldades práticas encontradas pelos Estados‑Membros na execução da transferência que a Comissão propôs prolongar o prazo de execução da transferência. Este prazo, fixado num mês pela Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado‑Membro das Comunidades Europeias, assinada em Dublim em 15 de Junho de 1990 (JO 1997, C 254, p. 1), que foi substituída pelo Regulamento n.° 343/2003, foi alargado, em conformidade com a referida proposta de regulamento, para seis meses, no artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do mesmo regulamento.

42      No segundo caso, quando o Estado‑Membro requerente previr um recurso que possa ter efeitos suspensivos e o tribunal desse Estado‑Membro atribuir esses efeitos à sua decisão, o artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003 dispõe que o prazo de execução da transferência corre a partir da «decisão tomada em recurso ou revisão».

43      Neste segundo caso, embora o início do cômputo do prazo da execução da transferência seja diferente do fixado no primeiro caso evocado, não é menos verdade que ambos os Estados‑Membros em causa se vêem confrontados, para organizar a transferência, com as mesmas dificuldades práticas e, por conseguinte, devem dispor do mesmo prazo de seis meses para proceder a essa transferência. Com efeito, não há nada na redacção do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003 que leve a crer que o legislador comunitário tenha tido a intenção de tratar essas duas situações de modo diferente.

44      Daí decorre que, no segundo caso, tendo em conta o objectivo prosseguido pela fixação aos Estados‑Membros de um prazo, o início do cômputo deste prazo tem que ser determinado de tal forma que os Estados‑Membros disponham, como no primeiro caso, de um prazo de seis meses, que devem utilizar inteiramente para regular as modalidades técnicas da execução da transferência.

45      Assim, o prazo de execução da transferência só pode começar a correr quando a realização futura da transferência estiver, em princípio, acordada e assegurada e só faltar regular as respectivas modalidades. Ora, não se pode considerar que essa execução está assegurada se um tribunal do Estado‑Membro requerente à apreciação do qual tenha sido submetido um recurso não se tiver pronunciado sobre o mérito da questão, tendo‑se limitado a proferir uma decisão sobre um pedido de suspensão da execução da decisão recorrida.

46      Daí resulta que, no segundo caso evocado, para preservar o efeito útil das disposições do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, que fixa o prazo de execução da transferência, esse prazo não deve começar a correr assim que é proferida a decisão judicial provisória que suspende a execução do procedimento de transferência mas apenas quando é proferida a decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito do procedimento e que já não é susceptível de impedir essa execução.

47      Esta conclusão é corroborada por duas outras séries de considerações, sendo as primeiras relativas ao respeito pela protecção jurisdicional garantida por um Estado‑Membro e as segundas ao respeito pelo princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros.

48      Em primeiro lugar, não se pode deixar de considerar que o legislador comunitário não teve intenção de descurar a protecção jurisdicional garantida pelos Estados‑Membros cujos tribunais podem suspender a execução de uma decisão de transferência, permitindo assim ao requerente de asilo contestar utilmente as decisões de que foi objecto, em prol da exigência de celeridade no tratamento dos pedidos de asilo.

49      Com efeito, os Estados‑Membros que quiseram criar mecanismos judiciais susceptíveis de levar à prolação de decisões com efeitos suspensivos no âmbito do procedimento de transferência não podem ser colocados, em nome da observância da exigência de celeridade, numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram os Estados‑Membros que não consideraram que isso fosse necessário.

50      Assim, o Estado‑Membro que, no âmbito do procedimento de transferência, decidiu criar mecanismos judiciais que podem ter efeitos suspensivos e que, por essa razão, veria o prazo de que dispõe para proceder à expulsão do requerente de asilo amputado do tempo necessário para os órgãos jurisdicionais internos se pronunciarem sobre o mérito da causa, seria colocado numa situação desconfortável, na medida em que, se não conseguisse organizar a transferência do requerente de asilo no período muito curto compreendido entre a decisão de mérito e a expiração do prazo de execução da transferência, correria o risco, por força do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, nos termos do qual, quando o prazo de execução da transferência expira, a aceitação da sua responsabilidade por parte do Estado‑Membro requerido fica proscrita, de ser designado, definitivamente, responsável pelo tratamento do pedido de asilo.

51      Daí decorre que a interpretação do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003, que fixa o início do cômputo do prazo imposto ao Estado‑Membro requerente para proceder à transferência do requerente de asilo, não pode levar à conclusão de que, em nome da observância do direito comunitário, o Estado requerente deveria deixar de atribuir efeito suspensivo à decisão judicial provisória proferida no âmbito de um recurso susceptível de ter esse efeito, apesar de ter querido institui‑lo no seu ordenamento interno.

52      No que diz respeito, em segundo lugar, ao respeito pelo princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, há que referir que, se fosse aceite a interpretação do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 343/2003 segundo a qual o prazo de execução da transferência começa correr assim que é proferida a decisão provisória que tem efeitos suspensivos, o tribunal nacional que quisesse conciliar a observância desse prazo com a de uma decisão judicial provisória com efeitos suspensivos seria obrigado a pronunciar‑se sobre o mérito do procedimento de transferência antes do termo do referido prazo, através de uma decisão que, possivelmente por falta do tempo que necessariamente deve ser concedido aos juízes, não poderia levar em conta de modo satisfatório o carácter complexo da causa. Como acertadamente salientam certos governos e a Comissão nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, tal interpretação violaria o referido princípio, consagrado pela jurisprudência comunitária (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Setembro de 2003, Safalero, C‑13/01, Colect., p. I‑8679, n.° 49, e de 13 de Março de 2007, Unibet, C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 39).

53      Face ao exposto, há que responder à questão prejudicial que o artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento n.° 343/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando a legislação do Estado‑Membro requerente prevê que um recurso tem efeitos suspensivos, o prazo de execução da transferência não começa a correr assim que é proferida a decisão judicial provisória que suspende a execução do procedimento de transferência mas apenas quando é proferida a decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito do procedimento e que já não é susceptível de impedir essa execução.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 20.°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise [d]e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro, deve ser interpretado no sentido de que, quando a legislação do Estado‑Membro requerente prevê que um recurso tem efeitos suspensivos, o prazo de execução da transferência não começa a correr assim que é proferida a decisão judicial provisória que suspende a execução do procedimento de transferência mas apenas quando é proferida a decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito do procedimento e que já não é susceptível de impedir essa execução.

Assinaturas


* Língua do processo: sueco.