Language of document : ECLI:EU:C:2014:2406

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de dezembro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Artigo 4.° — Apreciação dos factos e das circunstâncias — Modalidades de apreciação — Aceitação de certos elementos de prova — Extensão dos poderes das autoridades nacionais competentes — Receio de perseguição em razão da orientação sexual — Diferenças entre, por um lado, as restrições relativas à verificação das declarações e das provas documentais ou de outra natureza quanto à pretensa orientação sexual de um requerente de asilo e, por outro, as que se aplicam à verificação desses elementos relativamente a outros motivos de perseguição — Diretiva 2005/85/CE — Normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros — Artigo 13.° — Condições aplicáveis à entrevista pessoal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 1.° — Dignidade do ser humano — Artigo 7.° — Respeito pela vida privada e familiar»

Nos processos apensos C‑148/13 a C‑150/13,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Raad van State (Países Baixos), por decisões de 20 de março de 2013, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 25 de março de 2013, nos processos

A (C‑148/13),

B (C‑149/13),

C (C‑150/13)

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie,

sendo interveniente:

United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, L. Bay Larsen (relator), T. von Danwitz, A. Ó Caoimh e J.‑C. Bonichot, presidentes de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, E. Levits, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 25 de fevereiro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de A, por N. C. Blomjous, advocaat,

—        em representação de B, por C. Chen, advocaat,

—        em representação do United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR), por P. Moreau, na qualidade de agente, assistida por M.‑E. Demetriou, QC,

—        em representação do Governo neerlandês, por C. Schillemans, M. Bulterman e B. Koopman, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e C. Pochet, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo helénico, por M. Michelogiannaki, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo francês, por D. Colas e S. Menez, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de julho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 4.° da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO L 304, p. 12; retificações no JO 2005, L 204, p. 24, e no JO 2011, L 278, p. 13), bem como dos artigos 3.° e 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Estes pedidos foram apresentados no quadro de litígios que opõem A, B e C, nacionais de Estados terceiros, ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado do Ministério da Segurança e da Justiça, a seguir «Staatssecretaris»), a respeito do indeferimento dos seus pedidos destinados a obter uma autorização de residência temporária (asilo) nos Países Baixos.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        Por força do artigo 1.°, secção A, n.° 2, primeiro parágrafo, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 e que entrou em vigor em 22 de abril de 1954 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.° 2545 (1954), a seguir «Convenção de Genebra»], conforme complementada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967, o termo «refugiado» aplica‑se a qualquer pessoa que, «receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar».

 Direito da União

 Diretiva 2004/83

4        Nos termos do considerando 3 da Diretiva 2004/83, a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

5        O considerando 10 da referida diretiva enuncia:

«A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos nomeadamente pela [Carta]. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes e dos membros da sua família acompanhante.»

6        O considerando 16 da mesma diretiva dispõe que importa estabelecer normas mínimas relativas à configuração e conteúdo do estatuto de refugiado, a fim de auxiliar as instâncias nacionais competentes dos Estados‑Membros a aplicar a Convenção de Genebra.

7        Segundo o considerando 17 da Diretiva 2004/83, é necessário introduzir critérios comuns de reconhecimento como refugiados de requerentes de asilo, nos termos do artigo 1.° da Convenção de Genebra.

8        Nos termos do artigo 2.° da mesma diretiva, para efeitos dessa diretiva, entende‑se por:

«[…]

c)      ‘Refugiado’, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país […]

[…]»

9        O artigo 4.° da Diretiva 2004/83, incluído no capítulo II da mesma, intitulado «Apreciação do pedido de proteção internacional», define as condições de apreciação dos factos e das circunstâncias e dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.      Os elementos mencionados no n.° 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de identificação e de viagem, e os motivos pelos quais solicita a proteção internacional.

3.      A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)      Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação, assim como a maneira como são aplicadas;

b)      As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)      A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

d)      Se as atividades empreendidas pelo requerente desde que deixou o seu país de origem tinham por fito único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades exporão o interessado a perseguição ou ofensa grave se regressar a esse país;

e)      Se era razoável prever que o requerente podia valer‑se da proteção de outro país do qual pudesse reivindicar a cidadania.

[…]

5.      Sempre que os Estados‑Membros aplicarem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e sempre que houver elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estiverem reunidas as seguintes condições:

a)      For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

b)      Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

c)      As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

d)      O requerente tenha apresentado o seu pedido de proteção internacional com a maior brevidade possível, a menos que possa motivar seriamente por que o não fez;

e)      Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

10      O artigo 10.° da Diretiva 2004/83, sob a epígrafe «Motivos da perseguição», dispõe:

«1.      Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta que:

[…]

d)      Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

–        os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem, e

–        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros. […]

[…]»

 Diretiva 2005/85/CE

11      A Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO L 326, p. 13; retificação no JO 2006, L 236, p. 36), indica, no seu considerando 8, que respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados, em especial, na Carta.

12      O artigo 13.° da Diretiva 2005/85, que precisa as condições aplicáveis à entrevista pessoal, dispõe no n.° 3:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para garantir a realização da entrevista pessoal em condições que permitam aos requerentes expor circunstanciadamente os fundamentos do seu pedido. Para esse efeito, os Estados‑Membros:

a)      Asseguram que a pessoa que conduz a entrevista possua competência suficiente para considerar as circunstâncias de ordem geral ou pessoal do pedido, incluindo, na medida do possível, a origem cultural ou a vulnerabilidade do requerente […]

[…]»

 Direito neerlandês

13      A regulamentação nacional pertinente consta do artigo 31.° da Lei de 2000 relativa aos cidadãos estrangeiros (Vreemdelingenwet 2000), do artigo 3.111 do Decreto de 2000 relativo aos cidadãos estrangeiros (Vreemdelingenbesluit 2000) e do artigo 3.35 do Regulamento de 2000 relativo aos cidadãos estrangeiros (Voorschrift Vreemdelingen 2000).

14      Essas disposições foram clarificadas nos parágrafos C2/2.1, C2/2.1.1 e C14/2.1 a C14/2.4 da Circular de 2000 relativa aos cidadãos estrangeiros (Vreemdelingencirculaire 2000).

15      Nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da Lei de 2000 relativa aos cidadãos estrangeiros, conjugado com o artigo 3.111, n.° 1, do Decreto de 2000 relativo aos cidadãos estrangeiros, cabe ao requerente de asilo demonstrar a verosimilhança dos motivos da concessão de uma autorização de residência temporária (asilo), devendo apresentar, por iniciativa própria, todos os dados pertinentes a fim de que a autoridade se possa pronunciar a respeito do pedido. O Staatssecretaris aprecia se a concessão da referida autorização tem fundamento jurídico.

16      Segundo o artigo 3.111, n.° 1, do Decreto de 2000 relativo aos cidadãos estrangeiros, quando um requerente de asilo pede a emissão de uma autorização de residência, referida no artigo 28.° da Lei de 2000 relativa aos cidadãos estrangeiros, este apresenta todos os elementos, incluindo os documentos pertinentes, com base nos quais o Staatssecretaris pode apreciar, em colaboração com o requerente de asilo, se existe fundamento jurídico para a concessão dessa autorização.

17      Em conformidade com o parágrafo C14/2.1 da Circular de 2000 relativa aos cidadãos estrangeiros, a apreciação da credibilidade das declarações de um requerente de asilo tem por objeto os factos ou as circunstâncias que este expõe. As circunstâncias de facto são os dados que respeitam à pessoa do requerente de asilo, designadamente a orientação sexual.

18      Segundo o parágrafo C14/2.2 dessa circular, um requerente de asilo está obrigado a dizer a verdade e a colaborar plenamente na verificação, tão completa quanto possível, da totalidade dos factos. Deve informar, o mais cedo possível, o serviço de imigração e de naturalização sobre todos os acontecimentos e circunstâncias factuais importantes para a apreciação do pedido.

19      Em conformidade com o parágrafo C14/2.3 da referida circular, não está excluído que a falta de credibilidade de uma parte das declarações de um requerente de asilo afete igualmente a credibilidade de todas as outras partes das declarações deste último.

20      Nos termos do parágrafo C14/2.4 da mesma circular, basta, em princípio, que um requerente de asilo demonstre a plausibilidade das suas declarações. Para esse efeito, deve apresentar documentos em apoio do seu pedido. No entanto, para apreciar a credibilidade das declarações que o requerente de asilo apresentou em apoio do seu pedido, não está em causa saber se, e em que medida, essas declarações podem ser provadas. Com efeito, em muitos casos, os requerentes de asilo demonstraram não estar em condições de provar a veracidade das suas declarações e que não lhes pode ser razoavelmente exigido que apresentem elementos de prova convincentes em apoio do seu relato.

21      O Staatssecretaris pode considerar credíveis as declarações nos termos do artigo 3.35, n.° 3, do Regulamento de 2000 relativo aos cidadãos estrangeiros e, como tal, não exigir a respetiva confirmação se a credibilidade geral do requerente de asilo puder ser demonstrada.

 Litígios nos processos principais e questão prejudicial

22      A, B e C, nacionais de países terceiros, apresentaram, cada um, um pedido de autorização de residência temporária (asilo) nos Países Baixos. Em apoio dos seus pedidos, alegaram que receavam ser perseguidos nos seus respetivos países de origem em razão, designadamente, da sua homossexualidade.

23      O primeiro pedido de asilo apresentado por A foi indeferido pelo Staatssecretaris por não ser credível.

24      A não impugnou esta primeira decisão de indeferimento e apresentou um segundo pedido de asilo, indicando que estava preparado para se submeter a um «teste» que provaria a sua homossexualidade ou a praticar um ato homossexual para demonstrar a realidade da pretensa orientação sexual.

25      Por decisão de 12 de julho de 2011, o Staatssecretaris indeferiu o segundo pedido de A pelo facto de a credibilidade da orientação sexual alegada por este último ainda não estar demonstrada. O Staatssecretaris considerou que não se devia basear unicamente na pretensa orientação sexual do requerente de asilo sem proceder a uma avaliação da credibilidade da mesma.

26      Em 1 de agosto de 2012, o Staatssecretaris indeferiu o pedido de B pelo facto de as declarações relativas à sua homossexualidade serem vagas, sumárias e desprovidas de credibilidade. Por outro lado, segundo o Staatssecretaris, na medida em que B é originário de um país onde a homossexualidade não é aceite, devia poder fornecer mais detalhes quanto aos seus sentimentos e ao processo interior relativo à sua orientação sexual.

27      C apresentou um primeiro pedido de asilo por motivos diferentes da perseguição em razão da sua homossexualidade, que foi indeferido pelo Staatssecretaris.

28      C não impugnou essa primeira decisão e apresentou um segundo pedido de asilo baseado, desta vez, no receio de ser perseguido no seu país de origem devido à sua homossexualidade. No quadro deste segundo pedido, C sustentou que apenas pôde reconhecer a sua atração homossexual quando deixou o seu país de origem. Em apoio do seu pedido, C remeteu igualmente às autoridades responsáveis pela apreciação desse pedido uma gravação de vídeo de atos íntimos com uma pessoa do mesmo sexo.

29      Por decisão de 8 de outubro de 2012, o Staatssecretaris indeferiu o pedido de asilo de C pelo facto de as declarações deste último, relativas à sua homossexualidade, não serem credíveis. O Staatssecretaris considerou que C devia ter dado conhecimento da sua pretensa orientação sexual quando do primeiro pedido de asilo, que este não explicou claramente de que forma tinha tomado consciência da sua homossexualidade e não pôde responder às questões relativas às organizações neerlandesas de defesa dos direitos dos homossexuais.

30      Na sequência do indeferimento dos seus pedidos de autorização de residência temporária (asilo), A, B e C recorreram dessas decisões de indeferimento para o Rechtbank ’s‑Gravenhage.

31      Por sentenças de 9 de setembro de 2011 e 30 de outubro de 2012, o Rechtbank ’s‑Gravenhage negou provimento aos recursos de A e de C, respetivamente. Este órgão jurisdicional considerou que, por um lado, A e C deviam ter, nos seus respetivos recursos, impugnado as primeiras decisões de indeferimento do Staatssecretaris e, por outro, não demonstraram, no quadro do segundo procedimento de pedido de asilo, a credibilidade das suas declarações relativas à sua pretensa homossexualidade.

32      Por sentença de 23 de agosto de 2012, foi igualmente negado provimento ao recurso interposto por B da decisão de indeferimento do Staatssecretaris. O Rechtbank ’s‑Gravenhage considerou que o Staatssecretaris tinha podido razoavelmente concluir que as declarações de B relativas à sua homossexualidade não eram credíveis.

33      A, B, e C recorreram das referidas sentenças para o Raad van State.

34      No quadro desses processos de recurso, A, B e C alegam designadamente que, em razão da impossibilidade de verificar objetivamente a orientação sexual dos requerentes de asilo, as autoridades responsáveis pela apreciação de um pedido de asilo deviam basear as suas decisões apenas na afirmação desses requerentes quanto a essa pretensa orientação.

35      Ora, segundo os recorrentes nos processos principais, no âmbito da avaliação da credibilidade das declarações feitas por um requerente de asilo, as referidas autoridades colocam questões relativas a essa pretensa orientação, as quais podem violar, designadamente, o respeito pela dignidade do requerente e o seu direito ao respeito pela vida privada, não tendo, além do mais, em conta o incómodo que esse requerente possa sentir nas audições nem as barreiras culturais suscetíveis de o impedir de falar abertamente dessa orientação. Por outro lado, o facto de o Staatssecretaris não considerar os relatos dos requerentes de asilo credíveis não devia acarretar a mesma conclusão quanto à credibilidade da própria orientação sexual.

36      O Staatssecretaris observa que não resulta da Diretiva 2004/83 nem da Carta que se deve decidir apenas com base na afirmação dos requerentes de asilo quanto à sua pretensa orientação sexual. No entanto, não importa verificar se os requerentes de asilo possuem efetivamente a orientação sexual que alegam ter, mas se conseguiram tornar plausível o facto de pertencerem a um grupo social, na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, ou ainda se os agentes da perseguição os consideram como tal na aceção do artigo 10.°, n.° 2 dessa diretiva.

37      Por outro lado, segundo o Staatsecretaris, os requerentes de asilo só raramente podem fazer prova da sua homossexualidade por meios diferentes das suas próprias declarações, de modo que, quando essas declarações sejam consideradas coerentes e plausíveis e a credibilidade geral do requerente possa ser demonstrada, deve ser dado a esses requerentes o benefício da dúvida.

38      Segundo o Staatssecretaris, a apreciação que deve efetuar da credibilidade da orientação sexual dos requerentes de asilo não é diferente da relativa a outros motivos de perseguição. Essa autoridade tem, no entanto, em conta problemas específicos ligados às declarações relativas à orientação sexual. É designadamente recomendado aos colaboradores responsáveis pelas audições dos requerentes de asilo que não coloquem questões diretas quanto à forma como esses requerentes de asilo vivem a sua orientação. Por outro lado, não é atribuída nenhuma importância às imagens de atos íntimos apresentadas pelos requerentes de asilo a título de prova, uma vez que as mesmas demonstram apenas a prática de atos sexuais propriamente dita e não a realidade da pretensa orientação sexual.

39      O Raad van State precisa que nem o artigo 4.° da Diretiva 2004/83 nem as disposições invocadas da Carta obrigam o Staatssecretaris a considerar demonstrada a alegada orientação sexual dos requerentes de asilo unicamente com base nas suas declarações. Por outro lado, segundo esse órgão jurisdicional, a verificação da orientação sexual dos requerentes de asilo não é diferente da verificação de outros motivos de perseguição.

40      Todavia, o Raad van State interroga‑se sobre os eventuais limites que as disposições do artigo 4.° da Diretiva 2004/83 e dos artigos 3.° e 7.° da Carta impõem quanto à verificação da orientação sexual dos requerentes de asilo.

41      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o facto de colocar questões ao requerente de asilo pode, em certa medida, violar os direitos garantidos pelas referidas disposições da Carta.

42      Segundo esse órgão jurisdicional, seja qual for o método adotado no Estado‑Membro em causa relativamente ao exame da realidade da orientação sexual alegada, não se pode excluir o risco de violação dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo, conforme consagrados nos artigos 3.° e 7.° da Carta.

43      Foi nestas condições que o Raad van State decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial, que é formulada em termos idênticos em cada um dos processos C‑148/13 a C‑150/13:

«Quais são as restrições que o artigo 4.° da [Diretiva 2004/83] e a [Carta], em especial os seus artigos 3.° e 7.°, impõem à forma de avaliar a credibilidade da orientação sexual alegada, e distinguem‑se essas restrições das impostas à avaliação da credibilidade dos outros motivos de perseguição? Em caso afirmativo, em que medida?»

44      Por decisão do Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2013, os processos C‑148/13 a C‑150/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

45      Resulta dos considerandos 3, 16 e 17 da Diretiva 2004/83 que a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados e que as disposições desta diretiva relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado e ao respetivo conteúdo foram adotadas para auxiliar as autoridades competentes dos Estados‑Membros a aplicar esta Convenção, com base em conceitos e critérios comuns (acórdão N., C‑604/12, EU:C:2014:302, n.° 27).

46      Por conseguinte, a interpretação das disposições da Diretiva 2004/83 deve ser efetuada à luz da sua economia geral e da sua finalidade, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 78.°, n.° 1, TFUE. Esta interpretação deve igualmente ser efetuada, como resulta do considerando 10 da diretiva, no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta (acórdão X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.° 40).

47      Por outro lado, importa recordar que a Diretiva 2004/83 não inclui regras processuais aplicáveis à apreciação de um pedido de proteção internacional nem determina, por conseguinte, as garantias processuais que devem ser concedidas ao requerente de asilo. É a Diretiva 2005/85 que estabelece as normas mínimas relativas aos procedimentos de apreciação dos pedidos e precisa os direitos dos requerentes de asilo, que importa ter em conta no quadro da análise dos litígios dos processos principais.

 Quanto à questão

48      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.° da Diretiva 2004/83, lido à luz das disposições da Carta, deve ser interpretado no sentido de que impõe às autoridades nacionais competentes, que atuam sob o controlo do juiz, certos limites quando apreciam os factos e as circunstâncias relativos à pretensa orientação sexual de um requerente de asilo, cujo pedido se baseia num receio de perseguição em razão dessa orientação.

49      A este respeito, importa antes de mais indicar que, contrariamente às alegações dos recorrentes nos processos principais, segundo as quais as autoridades competentes responsáveis pela apreciação de um pedido de asilo baseado num receio de perseguição em razão da orientação sexual do requerente de asilo deviam considerar a sua pretensa orientação como um facto provado com base apenas nas declarações desse requerente, as referidas declarações só podem constituir, tendo em conta o contexto particular em que se inserem os pedidos de asilo, o ponto de partida no processo de apreciação dos factos e das circunstâncias previsto no artigo 4.° da Diretiva 2004/83.

50      Com efeito, resulta da própria redação do artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva que, no quadro dessa apreciação, os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar, o mais rapidamente possível, todos os elementos necessários para justificar o seu pedido de proteção internacional, e ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com esse requerente, os elementos pertinentes do pedido.

51      Além disso, resulta do artigo 4.°, n.° 5, da Diretiva 2004/83 que, quando as condições enumeradas nas alíneas a) a e) dessa disposição não estão reunidas, as declarações dos requerentes de asilo relativas à sua pretensa orientação sexual podem necessitar de confirmação.

52      Daqui decorre que, ainda que caiba ao requerente de asilo identificar essa orientação, que constitui um elemento relevante da sua esfera pessoal, os pedidos de concessão do estatuto de refugiado motivados por um receio de perseguição em razão dessa orientação, assim como os pedidos baseados noutros motivos de perseguição, podem ser objeto de um processo de apreciação, previsto no artigo 4.° da mesma diretiva.

53      Todavia, as modalidades de apreciação, pelas autoridades competentes, das declarações e dos elementos de prova documentais ou de outra natureza apresentados em apoio desses pedidos devem ser conformes com as disposições das Diretivas 2004/83 e 2005/85 e, como resulta, respetivamente, dos considerandos 10 e 8 dessas diretivas, com os direitos fundamentais garantidos pela Carta, como o direito ao respeito da dignidade do ser humano, consagrado no artigo 1.° da Carta, e o direito ao respeito pela vida privada e familiar, garantido pelo artigo 7.° da mesma.

54      Embora as disposições do artigo 4.° da Diretiva 2004/83 sejam aplicáveis a todos os pedidos de proteção internacional, independentemente dos motivos de perseguição invocados em apoio desses pedidos, não é menos verdade que incumbe às autoridades competentes adaptar as suas modalidades de apreciação das declarações e dos elementos de prova documentais ou de outra natureza em função das características próprias de cada categoria de pedido de asilo, no respeito dos direitos garantidos pela Carta.

55      Relativamente à apreciação dos factos e das circunstâncias prevista no artigo 4.° da Diretiva 2004/83, essa apreciação desenrola‑se, como foi declarado no n.° 64 do acórdão M (C‑277/11, EU:C:2012:744), em duas fases distintas. A primeira diz respeito ao apuramento das circunstâncias factuais suscetíveis de constituir os elementos de prova em apoio do pedido, enquanto a segunda fase é relativa à apreciação jurídica desses elementos, que consiste em decidir se, tendo em conta os factos que caracterizam um caso concreto, estão preenchidos os requisitos materiais previstos nos artigos 9.° e 10.° ou 15.° da Diretiva 2004/83 para a concessão de uma proteção internacional.

56      No quadro dessa primeira fase, na qual se inscrevem precisamente as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio em cada um dos processos principais, embora os Estados‑Membros possam considerar que incumbe normalmente ao requerente apresentar todos os elementos necessários para sustentar o seu pedido, a quem cabe ainda fornecer os elementos suscetíveis de demonstrar a sua própria orientação sexual, também é verdade que incumbe ao Estado‑Membro em causa cooperar com o referido requerente na fase da determinação dos elementos pertinentes desse pedido, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 65).

57      A este respeito, importa observar que, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83, essa apreciação deve ser efetuada a título individual e ter em conta a situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base nessa situação, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave.

58      Por outro lado, como foi recordado no n.° 51 do presente acórdão, no quadro das verificações efetuadas pelas autoridades competentes, por força do artigo 4.° da referida diretiva, sempre que houver elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estiverem reunidas as condições cumulativas fixadas no artigo 4, n.° 5, alíneas a) a e), da mesma diretiva.

59      Quanto às modalidades de apreciação das declarações e das provas documentais ou de outra natureza em causa em cada um dos litígios nos processos principais, importa, tendo em vista dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, limitar a presente análise à conformidade com as disposições das Diretivas 2004/83 e 2005/85 e da Carta, por um lado, das verificações efetuadas pelas autoridades competentes através de interrogatórios baseados, designadamente, em estereótipos a respeito dos homossexuais ou de interrogatórios detalhados relativos às práticas sexuais de um requerente de asilo, bem como da possibilidade de essas autoridades aceitarem que o referido requerente se submeta a «testes» para provar a sua homossexualidade e/ou que produza, por sua própria iniciativa, gravações de vídeo dos seus atos íntimos e, por outro, da possibilidade de as autoridades competentes concluírem pela falta de credibilidade pelo simples facto de a pretensa orientação sexual desse mesmo requerente não ter sido invocada por este na primeira oportunidade que lhe foi dada para expor os motivos de perseguição.

60      No que diz respeito, em primeiro lugar, às análises baseadas em interrogatórios sobre o conhecimento, pelo requerente de asilo em causa, de associações de defesa dos interesses dos homossexuais e de detalhes relativos a essas associações, tais análises implicariam, segundo o recorrente no litígio principal do processo C‑150/13, que as referidas autoridades baseassem as suas apreciações em conceitos estereotipados relativos aos comportamentos dos homossexuais e não na situação concreta de cada requerente de asilo.

61      A este respeito, importa recordar que o artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83, impõe às autoridades competentes que procedam à apreciação tendo em conta a situação e as circunstâncias pessoais do requerente e que o artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85, exige que essas mesmas autoridades conduzam a entrevista tendo em conta as circunstâncias de ordem geral ou pessoal do pedido de asilo.

62      Embora os interrogatórios assentes em conceitos estereotipados possam constituir um elemento útil à disposição das autoridades competentes para efeitos dessa apreciação, a avaliação dos pedidos de concessão do estatuto de refugiado apenas com base em conceitos estereotipados associados aos homossexuais não responde, contudo, às exigências das disposições mencionadas no número anterior, na medida em que não permite às referidas autoridades terem em conta a situação individual e pessoal do requerente de asilo em causa.

63      Por conseguinte, a incapacidade de um requerente de asilo responder a tais questões não pode constituir, por si só, um motivo suficiente para concluir pela falta de credibilidade do requerente, na medida em que essa abordagem seria contrária às exigências do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83 e do artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85.

64      Em segundo lugar, embora as autoridades nacionais possam validamente proceder, se for caso disso, a interrogatórios destinados a apreciar os factos e as circunstâncias relativas à pretensa orientação sexual de um requerente de asilo, os interrogatórios relativos aos detalhes das práticas sexuais desse requerente são contrários aos direitos fundamentais garantidos pela Carta e, designadamente, ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, conforme consagrado no artigo 7.° da mesma.

65      No que respeita, em terceiro lugar, à possibilidade de as autoridades nacionais aceitarem, como propuseram alguns recorrentes nos processos principais, a prática de atos homossexuais, a sua sujeição a eventuais «testes» para demonstrar a sua homossexualidade ou ainda a apresentação, por parte dos referidos requerentes, de provas como gravações de vídeo dos seus atos íntimos, importa sublinhar que, além desses elementos não terem necessariamente valor probatório, seriam de natureza a lesar a dignidade do ser humano, cujo respeito é garantido pelo artigo 1.° da Carta.

66      Acresce que autorizar ou aceitar esse tipo de provas teria um efeito de incentivo relativamente a outros requerentes e equivaleria, na prática, a impor‑lhes tais provas.

67      Em quarto lugar, quanto à possibilidade de as autoridades competentes concluírem pela falta de credibilidade quando, designadamente, a pretensa orientação sexual desse requerente não foi invocada por este na primeira oportunidade que lhe foi dada para expor os motivos de perseguição, importa indicar o seguinte.

68      Resulta do disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2004/83 que os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar «o mais rapidamente possível» todos os elementos necessários para justificar o seu pedido de proteção internacional.

69      Todavia, tendo em conta a natureza sensível das questões relativas à esfera pessoal de uma pessoa e, designadamente, à sua sexualidade, não se pode concluir pela sua falta de credibilidade pelo simples facto de, devido à sua reticência em revelar aspetos íntimos da sua vida, essa pessoa não ter, desde logo, declarado a sua homossexualidade.

70      Por outro lado, importa observar que a obrigação prevista no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2004/83 de apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional «o mais rapidamente possível» é mitigada pela exigência imposta às autoridades competentes, nos termos do artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85 e do artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2004/83, de conduzir a entrevista tendo em conta as circunstâncias de ordem geral ou pessoal do pedido, designadamente a vulnerabilidade do requerente, e proceder a uma apreciação a título individual desse pedido, tendo em conta a situação e as circunstâncias pessoais de cada requerente.

71      Assim, considerar que um requerente de asilo não é credível pelo único motivo de não ter revelado a sua orientação sexual na primeira oportunidade que lhe foi dada para expor os motivos de perseguição conduziria a uma violação da exigência evocada no número anterior.

72      Face ao exposto, há que responder à questão submetida em cada um dos processos C‑148/13 a C‑150/13:

—        O artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83 e o artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no quadro da apreciação, efetuada pelas autoridades nacionais competentes, atuando sob controlo do juiz, dos factos e das circunstâncias relativas à pretensa orientação sexual de um requerente de asilo, cujo pedido se baseia num receio de perseguição em razão dessa orientação, as declarações desse requerente bem com os elementos de prova documentais ou de outra natureza apresentados em apoio do seu pedido sejam objeto de uma apreciação, pelas referidas autoridades, através de interrogatórios baseados apenas em conceitos estereotipados relativos aos homossexuais.

—        O artigo 4.° da Diretiva 2004/83, lido à luz do artigo 7.° da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, no quadro dessa apreciação, as autoridades nacionais competentes procedam a interrogatórios detalhados sobre as práticas sexuais de um requerente de asilo.

—        O artigo 4.° da Diretiva 2004/83, lido à luz do artigo 1.° da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, no quadro da referida apreciação, as autoridades aceitem elementos de prova, como a prática pelo requerente de asilo em causa de atos homossexuais, a sua sujeição a «testes» para provar a sua homossexualidade ou ainda a apresentação por este de gravações de vídeo desses atos.

—        O artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2004/83 e o artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no quadro dessa mesma apreciação, as autoridades nacionais competentes concluam pela falta de credibilidade das declarações do requerente de asilo em causa com o fundamento exclusivo de a sua pretensa orientação sexual não ter sido invocada por esse requerente na primeira oportunidade que lhe foi dada para expor os motivos de perseguição.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, e o artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no quadro da apreciação, efetuada pelas autoridades nacionais competentes, atuando sob controlo do juiz, dos factos e das circunstâncias relativas à pretensa orientação sexual de um requerente de asilo, cujo pedido se baseia num receio de perseguição em razão dessa orientação, as declarações desse requerente bem com os elementos de prova documentais ou de outra natureza apresentados em apoio do seu pedido sejam objeto de uma apreciação, pelas referidas autoridades, através de interrogatórios baseados apenas em conceitos estereotipados relativos aos homossexuais.

O artigo 4.° da Diretiva 2004/83, lido à luz do artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, no quadro dessa apreciação, as autoridades nacionais competentes procedam a interrogatórios detalhados sobre as práticas sexuais de um requerente de asilo.

O artigo 4.° da Diretiva 2004/83, lido à luz do artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, no quadro da referida apreciação, as autoridades aceitem elementos de prova, como a prática pelo requerente de asilo em causa de atos homossexuais, a sua sujeição a «testes» para provar a sua homossexualidade ou ainda a apresentação por este de gravações de vídeo desses atos.

O artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2004/83 e o artigo 13.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2005/85 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no quadro dessa mesma apreciação, as autoridades nacionais competentes concluam pela falta de credibilidade das declarações do requerente de asilo em causa com o fundamento exclusivo de a sua pretensa orientação sexual não ter sido invocada por esse requerente na primeira oportunidade que lhe foi dada para expor os motivos de perseguição.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.