Language of document : ECLI:EU:C:2011:809

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de Dezembro de 2011 (*)

«Acordo de associação CEE‑Turquia – Livre circulação dos trabalhadores – Artigos 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, e 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação – Directivas 64/221/CEE, 2003/109/CE e 2004/38/CE – Direito de residência de um turco nascido no território do Estado‑Membro de acolhimento e que nele residiu legalmente durante mais de dez anos sem interrupção na qualidade de filho de um trabalhador turco – Condenações penais – Legalidade de uma decisão de expulsão – Requisitos»

No processo C‑371/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Alemanha), por decisão de 22 de Julho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Agosto de 2008, no processo

Nural Ziebell

contra

Land Baden‑Württemberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J.‑J. Kasel (relator) e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Março de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de N. Ziebell, por B. Fresenius e R. Gutmann, Rechtsanwälte,

–        em representação do Land Baden‑Württemberg, por M. Schenk, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Bering Liisberg e R. Holdgaard, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo estónio, por M. Linntam, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo helénico, por G. Karipsiadis e T. Papadopoulou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por I. Rao e C. Murrell, na qualidade de agentes, assistidas por T. Eicke, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Rozet e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Abril de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n.° 1/80»). O Conselho de Associação foi instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir, respectivamente, «acordo de associação» e «associação CEE‑Turquia»). Este pedido tem igualmente por objecto a interpretação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e rectificações no JO L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre N. Ziebell, nacional turco com o nome de «Örnek» antes do seu casamento com uma pessoa de nacionalidade alemã, e o Land Baden‑Württemberg relativo a um processo de expulsão do território alemão de que aquele é objecto.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Associação CEE‑Turquia

–       Acordo de associação

3        Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, o acordo de associação tem por objecto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, incluindo no domínio da mão‑de‑obra, através da realização progressiva da livre circulação dos trabalhadores (artigo 12.° do acordo de associação) e da eliminação das restrições à liberdade de estabelecimento (artigo 13.° do referido acordo) e à livre prestação de serviços (artigo 14.° do mesmo acordo), a fim de melhorar o nível de vida do povo turco e facilitar posteriormente a adesão da República da Turquia à Comunidade (quarto considerando do preâmbulo e artigo 28.° deste acordo).

4        Para este efeito, o acordo de associação inclui uma fase preparatória, destinada a permitir à República da Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da Comunidade (artigo 3.° deste acordo), uma fase transitória, durante a qual são assegurados o estabelecimento progressivo de uma união aduaneira e a aproximação das políticas económicas (artigo 4.° do referido acordo), e uma fase definitiva, que assenta na união aduaneira e implica o reforço e a coordenação das políticas económicas das partes contratantes (artigo 5.° do mesmo acordo).

5        O artigo 6.° do acordo de associação tem a seguinte redacção:

«Para assegurar a aplicação e o desenvolvimento progressivo do regime de associação, as Partes Contratantes reúnem‑se no âmbito de um Conselho de Associação que age nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo [a]cordo [de associação].»

6        Nos termos do artigo 8.° do acordo de associação, inserido no seu título II, sob a epígrafe «Realização da fase transitória»:

«Para a realização dos objectivos enunciados no artigo 4.°, o Conselho de Associação fixará, antes do início da fase transitória, e de acordo com o procedimento previsto no artigo 1.° do Protocolo Provisório, as condições, regras e calendário da aplicação das medidas adequadas aos domínios abrangidos pelo [Tratado CE] que devem ser tomados em consideração, nomeadamente os referidos no presente título, bem como qualquer cláusula de protecção que se revelar útil.»

7        O artigo 12.° do acordo de associação, que figura igualmente no seu título II, capítulo 3, intitulado «Outras disposições de carácter económico», prevê:

«As Partes Contratantes acordam em inspirar‑se nos artigos [39.° CE], [40.° CE] e [41.° CE] na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores.»

8        Nos termos do artigo 22.°, n.° 1, do acordo de associação:

«Para a realização dos objectivos fixados pelo [acordo de associação] e nos casos por ele previstos, o Conselho de Associação dispõe de poder de decisão. Cada uma das Partes deve tomar as medidas necessárias à execução das medidas tomadas. [...]»

–       Protocolo adicional

9        O Protocolo Adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, em Bruxelas, e concluído, aprovado e confirmado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213; a seguir «protocolo adicional»), que, em conformidade com o seu artigo 62.°, faz parte integrante do acordo de associação, aprova, nos termos do seu artigo 1.°, as condições, modalidades e o calendário de realização da fase transitória referida no artigo 4.° do dito acordo.

10      O protocolo adicional contém um título II, sob a epígrafe «Circulação de pessoas e de serviços», cujo capítulo I visa «[o]s trabalhadores», sendo o capítulo II consagrado ao «[d]ireito de estabelecimento, serviços e transportes».

11      O artigo 36.° do protocolo adicional, que faz parte do referido capítulo I, prevê que a livre circulação de trabalhadores entre os Estados‑Membros da Comunidade e a Turquia será realizada gradualmente, em conformidade com os princípios enunciados no artigo 12.° do acordo de associação, entre o final do décimo segundo ano e do vigésimo segundo ano após a entrada em vigor do mesmo, e que o Conselho de Associação decidirá das modalidades necessárias para tal efeito.

–       Decisão n.° 1/80

12      A Decisão n.° 1/80 foi adoptada pelo Conselho de Associação, instituído pelo acordo de associação e composto, por um lado, por membros dos governos dos Estados‑Membros, do Conselho da União Europeia e da Comissão das Comunidades Europeias e, por outro, por membros do Governo turco.

13      Como resulta do seu terceiro considerando, a referida decisão visa melhorar no domínio social o regime de que beneficiam os trabalhadores e os membros da sua família em relação ao regime instituído pela Decisão n.° 2/76, relativa à execução do artigo 12.° do acordo de associação, adoptada em 20 de Dezembro de 1976 pelo Conselho de Associação.

14      O artigo 7.° da Decisão n.° 1/80, que figura no seu capítulo II, sob a epígrafe «Disposições sociais», secção 1, que trata das «[q]uestões relativas ao emprego e à livre circulação dos trabalhadores», dispõe no seu primeiro parágrafo:

«Os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro que tenham sido autorizados a reunir‑se‑lhe:

–        têm o direito de responder – sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade – a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado‑Membro há pelo menos três anos;

–        beneficiam nesse Estado‑Membro do livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.»

15      O artigo 14.° da Decisão n.° 1/80, que figura na mesma secção 1, tem a seguinte redacção:

«1.      As disposições da presente secção são aplicáveis sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas.

2.      Estas disposições não prejudicam os direitos e obrigações que decorrem das legislações nacionais ou dos acordos bilaterais existentes entre a Turquia e os [Estados‑Membros] da Comunidade, quando estes prevejam um regime mais favorável para os seus nacionais.»

 Directiva 2003/109/CE

16      Nos termos do primeiro e segundo considerandos da Directiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44):

«(1)      A fim de criar progressivamente um espaço de liberdade, segurança e justiça, o Tratado que institui a Comunidade Europeia prevê, por um lado, a adopção de medidas com vista a assegurar a livre circulação das pessoas, em ligação com medidas de acompanhamento relativas ao controlo nas fronteiras externas, ao asilo e à imigração e, por outro lado, a adopção de medidas em matéria de asilo, de imigração e de protecção dos direitos dos nacionais de países terceiros.

(2)      Aquando da reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar‑se do estatuto dos nacionais dos Estados‑Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado‑Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.»

17      O sexto considerando da referida directiva precisa:

«O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de longa duração deverá ser a duração da residência no território de um Estado‑Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. […]»

18      O oitavo e décimo sexto considerandos da mesma directiva enunciam:

«(8)      Além disso, os nacionais de países terceiros que pretendam adquirir e manter o estatuto de residente de longa duração não deverão constituir uma ameaça para a ordem pública ou a segurança pública. O conceito de ordem pública poderá abranger uma condenação por prática de crime grave.

(16)      Os residentes de longa duração deverão beneficiar de uma protecção reforçada contra a expulsão. Esta protecção deverá basear‑se nos critérios fixados pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. […]»

19      O artigo 2.° da Directiva 2003/109 dispõe:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

a)      ‘Nacional de um país terceiro’, qualquer pessoa que não seja um cidadão da União na acepção do n.° 1 do artigo 17.° do Tratado;

b)      ‘Residente de longa duração’, qualquer nacional de um país terceiro que seja titular do estatuto de residente de longa duração estabelecido nos artigos 4.° a 7.°;

[…]»

20      Em conformidade com o seu artigo 3.°, n.° 1, a referida directiva «é aplicável aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro».

21      Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo 3.°:

«A presente directiva é aplicável sem prejuízo das disposições mais favoráveis constantes:

a)      Dos acordos bilaterais e multilaterais entre a Comunidade ou entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, por um lado, e países terceiros, por outro;

[…]»

22      Em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2003/109, os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante cinco anos.

23      O artigo 12.° da mesma directiva, intitulado «Protecção contra a expulsão», tem a seguinte redacção:

«1.      Os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

2.      A decisão a que se refere o n.° 1 não deve basear‑se em razões económicas.

3.      Antes de tomarem uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração os seguintes elementos:

a)      A duração da residência no território;

b)      A idade da pessoa em questão;

c)      As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d)      Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

[…]»

 Directiva 2004/38

24      O terceiro considerando da Directiva 2004/38 enuncia:

«A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não activas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.»

25      O vigésimo segundo considerando da referida directiva precisa:

«O Tratado permite restrições ao exercício do direito de livre circulação e residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. A fim de assegurar uma definição mais precisa das condições e das garantias processuais sob as quais pode ser recusada a entrada ou decidido o afastamento dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, a presente directiva deverá substituir a Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública [(JO 56, p. 850; EE 05 F1 p. 56), conforme alterada pela Directiva 75/35/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974 (JO 1975, L 14, p. 14; EE 05 F2 p. 45; a seguir ‘Directiva 64/221’)].»

26      Nos termos do vigésimo terceiro e vigésimo quarto considerandos da Directiva 2004/38:

«(23) O afastamento dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por razões de ordem pública ou de segurança pública constitui uma medida que pode prejudicar seriamente as pessoas que, tendo exercido os direitos e liberdades que lhes foram conferidos pelo Tratado, se integraram verdadeiramente no Estado‑Membro de acolhimento. Assim, há que limitar o alcance de tais medidas em conformidade com o princípio da proporcionalidade, a fim de ter em conta o grau de integração das pessoas em causa, a duração da sua residência no Estado‑Membro de acolhimento, a idade, o estado de saúde e a situação económica e familiar, bem como os laços com o país de origem.

(24)      Assim sendo, quanto maior for a integração dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no Estado‑Membro de acolhimento, maior deverá ser a protecção contra o afastamento. Só em circunstâncias excepcionais, quando existam razões imperativas de segurança pública, poderá ser aplicada uma medida de afastamento a cidadãos da União que tenham residido durante muitos anos no território do Estado‑Membro de acolhimento, especialmente se aí tiverem nascido e residido ao longo da vida. Além disso, essas circunstâncias excepcionais deverão também aplicar‑se a medidas de afastamento de menores, a fim de proteger os seus laços com a família, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989.»

27      O artigo 16.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

«Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento[…] têm direito de residência permanente no mesmo. […]»

28      O artigo 27.°, n.os 1 e 2, da referida directiva enuncia:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

29      Nos termos do artigo 28.° da mesma directiva, intitulado «Protecção contra o afastamento»:

«1.      Antes de tomar uma decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, o Estado‑Membro de acolhimento deve tomar em consideração, nomeadamente, a duração da residência da pessoa em questão no seu território, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no Estado‑Membro de acolhimento e a importância dos laços com o seu país de origem.

2.      O Estado‑Membro de acolhimento não pode decidir o afastamento de cidadãos da União ou de membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, que tenham direito de residência permanente no seu território, excepto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.

3.      Não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União, excepto se a decisão for justificada por razões imperativas de segurança pública, tal como definidas pelos Estados‑Membros, se aqueles cidadãos da União:

a)      Tiverem residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os 10 anos precedentes; ou

b)      Forem menores, excepto se o afastamento for decidido no supremo interesse da criança, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989.»

 Legislação nacional

30      Como resulta da decisão de reenvio, a Lei sobre a residência, a actividade profissional e a integração de estrangeiros no território federal (Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet – Aufenthaltsgesetz), de 30 de Julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1950), na sua versão aplicável à data dos factos no processo principal, contém as seguintes disposições:

«§ 53 – Expulsão obrigatória

Um estrangeiro é alvo de uma medida de expulsão quando:

1.      Tiver sido definitivamente condenado pela prática de um ou mais crimes dolosos, em pena privativa de liberdade ou em pena por delinquência juvenil de, pelo menos, três anos, ou se, pela prática de crimes dolosos cometidos num período de cinco anos, tiver sido definitivamente condenado em várias penas privativas de liberdade ou em penas por delinquência juvenil com a duração total de, pelo menos, três anos, ou se, na última condenação definitiva, lhe tiver sido aplicada medida de segurança.

[…]

§ 55 – Expulsão discricionária

1.      Um estrangeiro pode ser expulso do território nacional quando a sua permanência constituir uma ameaça para a segurança e a ordem públicas ou quando afectar outros interesses relevantes da República Federal da Alemanha.

[…]

§ 56 – Protecção especial contra a expulsão

(1)      Um estrangeiro que

1.      tenha autorização de estabelecimento e tenha residido legalmente durante pelo menos cinco anos na Alemanha

[…]

goza de protecção especial contra a expulsão. Só pode ser expulso por razões imperativas de segurança e ordem públicas. Constituem razões graves de segurança pública e de ordem pública os casos previstos nos §§ 53 e 54, n.os 5a e 7. Quando estiverem reunidos os pressupostos do § 53, o estrangeiro deve, em princípio, ser expulso. Quando estiverem reunidos os pressupostos previstos no § 54, a decisão sobre a sua expulsão é discricionária.

[…]»

31      A Lei sobre a livre circulação dos cidadãos da União (Gesetz über die allgemeine Freizügigkeit von Unionsbürgern – Freizügigkeitsgesetz/EU), de 30 de Julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1950), na sua versão aplicável à data dos factos no processo principal, prevê designadamente:

«§ 1 – Âmbito de aplicação

A presente lei regula a entrada e a residência de nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia (cidadãos da União) e dos membros das suas famílias.

§ 6 – Perda do direito de entrada e residência

(1)      […] a perda do direito previsto no § 2, n.° 1, […] bem como a retirada do certificado relativo ao direito de residência comunitário ou de residência permanente e a revogação do cartão de residência ou do cartão de residência permanente só podem verificar‑se por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (artigos 39.°, n.° 3, e 46.°, n.° 1, do Tratado que institui a Comunidade Europeia).

[…]

(5)      No caso dos cidadãos da União e dos membros da sua família que tenham residido na Alemanha nos dez anos precedentes bem como no caso de menores, uma decisão nos termos do n.° 1 apenas pode ser tomada por razões imperativas de segurança pública. Esta regra não é aplicável aos menores quando a perda do direito de residência for necessária no interesse do menor. Apenas existem razões imperativas de segurança pública se o interessado tiver sido condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de um ou mais crimes dolosos, em pena privativa de liberdade ou em pena de internamento por delito cometido enquanto menor com a duração de, pelo menos, cinco anos ou se contra ele tiver sido decretada, na última condenação definitiva, uma medida de detenção de segurança, quando a segurança da República Federal da Alemanha for afectada ou o interessado representar uma ameaça terrorista.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

32      N. Ziebell nasceu na Alemanha em 18 de Dezembro de 1973 e passou a sua infância nesse país junto dos seus pais.

33      O seu pai, igualmente nacional turco, residiu legalmente no território alemão na qualidade de trabalhador. Após a morte deste em 1991, a mãe de N. Ziebell foi colocada num lar para idosos. Desde então, este último não viveu com nenhum membro da sua família, tendo as suas irmãs e irmãos constituído as suas próprias famílias.

34      N. Ziebell abandonou a escola sem ter obtido um diploma e, em seguida, abandonou um curso de pintor da construção civil. Exerceu ocasionalmente actividades temporárias, interrompidas por períodos de desemprego e de prisão. Entre o mês de Julho de 2000 e a data em que a decisão de reenvio foi adoptada, não exerceu nenhuma actividade profissional.

35      O interessado é titular de uma autorização de residência por tempo ilimitado na Alemanha desde 28 de Janeiro de 1991, que passou a autorização de estabelecimento permanente a partir de 1 de Janeiro de 2005. O pedido de naturalização que apresentou entre essas duas datas foi indeferido com fundamento na prática de diversas infracções.

36      Em 1991, N. Ziebell começou a fumar marijuana. A partir de 1998, consumiu regularmente heroína e cocaína. O programa de tratamento à base de metadona que seguiu em 2001 e a cura de desintoxicação que efectuou num hospital não deram resultados.

37      Desde 1993, N. Ziebell, devido às infracções cometidas, foi condenado nas seguintes penas:

–        em 15 de Abril de 1993, numa pena por delinquência juvenil de dois anos e seis meses por vinte e quatro furtos cometidos em comparticipação;

–        em 17 de Outubro de 1994, numa pena por delinquência juvenil de dois anos e sete meses por ofensas corporais graves, em concurso com a condenação anterior;

–        em 9 de Janeiro de 1997, numa multa por posse intencional de objecto proibido;

–        em 9 de Abril de 1998, numa pena única de dois anos de prisão por três furtos;

–        em 7 de Março de 2002, numa pena de dois anos e seis meses de prisão por falsificação de moeda, quatro furtos qualificados e tentativa de furto qualificado;

–        em 28 de Julho de 2006, numa pena única de três anos e três meses de prisão por oito furtos qualificados.

38      Para cumprir as penas de prisão a que foi condenado, N. Ziebell esteve detido entre Janeiro de 1993 e Dezembro de 1994, entre Agosto de 1997 e Outubro de 1998, entre Julho e Outubro de 2000, entre Setembro de 2001 e Maio de 2002 e entre Novembro de 2005 e Outubro de 2008.

39      Em 28 de Outubro de 2008, N. Ziebell iniciou um novo tratamento terapêutico numa instituição especializada. Segundo as informações fornecidas na audiência no Tribunal de Justiça, os seus problemas relacionados com o consumo de droga parecem estar resolvidos e desde então não voltou a cometer infracções. Por decisão de 16 de Junho de 2009, a execução da pena em que N. Ziebell tinha sido condenado em 28 de Julho de 2006 foi suspensa. O interessado casou‑se em 30 de Dezembro de 2009, foi pai e exerce actualmente uma actividade profissional.

40      Em 28 de Outubro de 1996, N. Ziebell foi advertido pelo Ausländerbehörde (serviço dos estrangeiros), em conformidade com a legislação nacional aplicável aos estrangeiros, devido às infracções penais cometidas até essa data.

41      Por decisão de 6 de Março de 2007, o Regierungspräsidium Stuttgart ordenou a expulsão do recorrente, com efeitos imediatos. No entanto, a execução dessa decisão foi posteriormente suspensa.

42      O Regierungspräsidium Stuttgart fundamentou a sua decisão de expulsão com o facto de o comportamento do interessado ser constitutivo de uma perturbação séria da ordem pública e de, em seu entender, existir um risco concreto e elevado de que N. Ziebell viesse a cometer novas infracções graves.

43      Por sentença de 3 de Julho de 2007, o Verwaltungsgerichtshof Stuttgart negou provimento ao recurso interposto por N. Ziebell contra a referida decisão de expulsão.

44      N. Ziebell interpôs recurso da referida sentença para o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg, pedindo a sua anulação, bem como a anulação da decisão de expulsão. Em apoio do seu recurso, alega que a Directiva 2004/38 restringiu a possibilidade de os Estados‑Membros adoptarem medidas de afastamento contra cidadãos da União. Em seu entender, à luz, por um lado, da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que alarga as garantias conferidas a estes últimos aos nacionais turcos que possam invocar um direito ao abrigo da associação CEE‑Turquia e, por outro, da circunstância de ter residido legalmente no Estado‑Membro de acolhimento durante mais de dez anos consecutivos, a protecção de que beneficia contra a expulsão é actualmente regulada pelo artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da referida directiva. Ora, no presente caso, a condição determinante exigida por essa disposição, a saber, que a expulsão deve ser justificada por razões imperativas de segurança pública, não está preenchida.

45      O Land Baden‑Württemberg sustenta, pelo contrário, que o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38 não é aplicável por analogia aos nacionais turcos que sejam titulares de um direito de residência num Estado‑Membro ao abrigo da Decisão n.° 1/80. Com efeito, diversamente dessa disposição, o artigo 14.°, n.° 1, da mesma decisão, aplicável ao litígio no processo principal, menciona como motivos que permitem pôr termo à residência dos nacionais turcos no território do Estado‑Membro de acolhimento não apenas razões de segurança pública mas também de ordem e de saúde públicas. A associação CEE‑Turquia não implica uma equiparação total aos cidadãos da União dos nacionais turcos que podem invocar um direito ao abrigo dessa associação, mas visa apenas a instauração progressiva da livre circulação desses nacionais.

46      Tendo observado que a determinação do direito da União pertinente como quadro de referência para as necessidades de aplicação do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 ao litígio no processo principal não é clara, na medida em que, por um lado, ainda não existe jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação por analogia da Directiva 2004/38 no contexto da associação CEE‑Turquia e que, por outro, a Directiva 64/221 foi revogada pela Directiva 2004/38, o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A protecção jurídica contra a expulsão, conferida pelo artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 […] a favor de um nacional turco que goze do direito previsto no segundo travessão […] do primeiro parágrafo do artigo 7.° da mesma decisão, e que tenha residido nos dez anos precedentes no Estado‑Membro em que esse direito se constituiu, deve ser aplicada de acordo com o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38 […], tal como [transposta] pelo respectivo Estado‑Membro, com a consequência de que uma medida de expulsão só é admissível se se basear em razões imperativas de segurança pública que tenham sido definidas pelos Estados‑Membros?»

 Quanto à questão prejudicial

47      A título preliminar, há que salientar que o pedido de decisão prejudicial diz respeito à situação de um nacional turco que preenchia todas as condições exigidas para beneficiar legalmente do estatuto jurídico previsto no artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Decisão n.° 1/80 antes de a decisão de afastamento em causa no processo principal ter sido adoptada.

48      Como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, por um lado, o referido artigo 7.°, primeiro parágrafo, produz efeito directo nos Estados‑Membros e, por outro, os direitos em matéria de emprego que essa disposição confere ao nacional turco em causa implicam necessariamente o reconhecimento de um direito correlativo de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento (v., designadamente, acórdãos de 22 de Dezembro de 2010, Bozkurt, C‑303/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 31, 35 e 36, e de 16 de Junho de 2011, Pehlivan, C‑484/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 39 e 43).

49      Segundo jurisprudência igualmente assente, um membro da família de um trabalhador turco que preencha as condições enunciadas no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 só pode perder os direitos que lhe são reconhecidos por esta disposição em duas situações, concretamente, quando a presença do migrante turco no território do Estado‑Membro de acolhimento constitua, em razão do seu comportamento pessoal, um perigo efectivo e grave para a ordem pública, a segurança ou a saúde públicas, na acepção do artigo 14.°, n.° 1, da mesma decisão, ou quando o interessado tenha abandonado o território desse Estado durante um período significativo e sem motivos legítimos (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Bozkurt, n.° 42 e jurisprudência referida, e Pehlivan, n.° 62).

50      O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito à primeira dessas duas circunstâncias que levam à perda dos direitos que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 confere aos nacionais turcos, em particular a determinação do alcance exacto da excepção ao direito de residência baseada em razões de ordem pública, conforme enunciada no artigo 14.°, n.° 1, desta decisão, numa situação como a do processo principal.

51      Com efeito, é incontestável que um nacional turco como N. Ziebell, uma vez que é titular de um direito de residência num Estado‑Membro de acolhimento em aplicação da Decisão n.° 1/80, pode validamente invocar o referido artigo 14.°, n.° 1, nos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro para afastar a aplicação de uma medida nacional contrária a essa disposição.

52      Após ter recordado a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça segundo a qual tanto o próprio conceito de ordem pública na acepção da referida disposição como os critérios pertinentes para esse efeito e as garantias que a pessoa em causa pode invocar neste contexto devem ser interpretados por analogia com os princípios admitidos para os cidadãos da União no âmbito do artigo 48.°, n.° 3, do Tratado CEE (que passou a artigo 48.°, n.° 3, do Tratado CE, que passou, por sua vez, a artigo 39.°, n.° 3, CE), conforme implementado e concretizado pela Directiva 64/221 (v., designadamente, acórdãos de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli, C‑340/97, Colect., p. I‑957, n.os 55, 56 e 63; de 2 de Junho de 2005, Dörr e Ünal, C‑136/03, Colect., p. I‑4759, n.os 62, 63 e jurisprudência referida; e Bozkurt, já referido, n.° 55 e jurisprudência referida), o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg pergunta ao Tribunal de Justiça se, tendo em conta que esta directiva foi revogada pela Directiva 2004/38 e que o prazo de transposição desta última terminou, as regras enunciadas por esta última directiva devem ser aplicadas por analogia aos nacionais turcos.

53      No que diz respeito à situação de um nacional turco como N. Ziebell, que residiu de forma regular e ininterrupta durante mais de dez anos no Estado‑Membro de acolhimento, há em especial que determinar se a protecção contra o afastamento de que o interessado beneficia ao abrigo do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 é regulada pelas mesmas regras de que beneficiam os cidadãos da União ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, da Directiva 2004/83.

54      A este respeito, N. Ziebell alega que há que transpor e aplicar por analogia as disposições de protecção contra a expulsão enunciadas no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38 a uma situação abrangida pelo artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

55      Os motivos invocados por N. Ziebell em apoio da sua interpretação são relativos, em primeiro lugar, ao facto de um dos objectivos principais do acordo de associação consistir na realização da livre circulação dos trabalhadores, que constitui um dos aspectos essenciais do Tratado CE, em segundo lugar, à circunstância de a jurisprudência do Tribunal de Justiça, recordada no n.° 52 do presente acórdão, ter alargado aos nacionais turcos que beneficiam de um direito ao abrigo de uma disposição desse acordo de associação os princípios aplicáveis neste domínio aos nacionais dos Estados‑Membros e, em terceiro lugar, ao facto de os artigos 27.° e 28.° da Directiva 2004/38 terem substituído, no estado actual do direito da União, as regras previstas pela Directiva 64/221. Em sua opinião, esta analogia justifica‑se tanto mais que a Directiva 2004/38 mais não fez do que precisar a protecção contra as expulsões conferida pelo direito da União conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, ao codificar, mas sem a alargar fundamentalmente, a essência dos direitos individuais em matéria de livre circulação e de residência tal como consagrados pela jurisprudência desde antes da data em que essa directiva se tornou aplicável.

56      Consequentemente, segundo N. Ziebell, uma decisão que decreta a expulsão do recorrente no processo principal do território alemão só poderia ser tomada por «razões imperativas de segurança pública» na acepção do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38. As infracções penais cometidas pelo interessado não podem, evidentemente, constituir essas razões imperativas e, portanto, o afastamento deste último do referido território não pode ser conforme com o direito da União.

57      Todavia, esta interpretação do direito da União defendida por N. Ziebell não pode ser acolhida.

58      É verdade que, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça recordada no n.° 52 do presente acórdão, os princípios admitidos no quadro dos artigos do Tratado relativos à livre circulação dos trabalhadores devem ser alargados, na medida do possível, aos nacionais turcos que beneficiam de direitos ao abrigo da associação CEE‑Turquia. Como o Tribunal de Justiça declarou, essa interpretação por analogia deve valer não apenas para os próprios artigos do Tratado mas também para os actos de direito derivado, adoptados com base nesses artigos, que tenham por objecto executá‑los e concretizá‑los (v., a propósito da Directiva 64/221, designadamente, acórdão Dörr e Ünal, já referido).

59      Assim, o Tribunal de Justiça referiu, para efeitos de determinar o alcance da excepção de ordem pública como enunciada no artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, a interpretação que fez dessa mesma excepção em matéria de livre circulação dos nacionais dos Estados‑Membros prevista no artigo 48.°, n.° 3, do Tratado e na Directiva 64/221 (v., designadamente, acórdão Nazli, já referido).

60      Contudo, como salientou o advogado‑geral nos n.os 42 e seguintes das suas conclusões, não é possível proceder a uma tal transposição do regime de protecção de que beneficiam os cidadãos da União contra o afastamento, conforme previsto no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38, para as garantias contra a expulsão dos nacionais turcos para efeitos da aplicação do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

61      Com efeito, é jurisprudência assente que um tratado internacional deve ser interpretado não apenas em função dos seus termos mas também à luz dos seus objectivos (v., designadamente, parecer 1/91, de 14 de Dezembro de 1991, Colect., p. I‑6079, n.° 14, e acórdão de 2 de Março de 1999, Eddline El‑Yassini, C‑416/96, Colect., p. I‑1209, n.° 47).

62      Para decidir se uma disposição do direito da União se presta a uma aplicação por analogia no âmbito da associação CEE‑Turquia, há consequentemente que comparar a finalidade prosseguida pelo acordo de associação assim como o contexto em que se insere, por um lado, e a finalidade e o contexto em que se insere o instrumento em causa do direito da União, por outro.

63      No que se refere, em primeiro lugar, à associação CEE‑Turquia, há que recordar que o acordo de associação tem por objectivo, em conformidade com o seu artigo 2.°, n.° 1, promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, através, designadamente, da livre circulação dos trabalhadores.

64      Como observou o advogado‑geral nos n.os 45 e 46 das suas conclusões, a associação CEE‑Turquia prossegue uma finalidade exclusivamente económica.

65      Além disso, nos termos do artigo 12.° do acordo de associação, «[a]s Partes Contratantes acordam em inspirar‑se nos artigos [39.° CE], [40.° CE] e [41.° CE] na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores». O protocolo adicional estabelece, no seu artigo 36.°, os prazos da realização gradual da livre circulação dos trabalhadores entre os Estados‑Membros e a República da Turquia e prevê que «[o] Conselho de Associação decidirá as modalidades necessárias para tal efeito». A Decisão n.° 1/80, por sua vez, tem por objectivo, de acordo com o seu terceiro considerando, melhorar, no domínio social, o regime de que beneficiam os trabalhadores turcos e os membros da sua família.

66      Ora, é precisamente da redacção dessas disposições assim como da finalidade prosseguida pelas mesmas que uma jurisprudência constante desde o acórdão de 6 de Junho de 1995, Bozkurt (C‑434/93, Colect., p. I‑1475, n.os 19 e 20), deduziu que os princípios admitidos no âmbito dos artigos 39.° CE a 41.° CE devem, na medida do possível, ser alargados aos nacionais turcos que beneficiam de direitos reconhecidos pela associação CEE‑Turquia (v. n.° 58 do presente acórdão).

67      No que diz mais particularmente respeito ao alcance da excepção de ordem pública prevista no artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, o Tribunal declarou assim que há que ter em conta a interpretação dada à mesma excepção em matéria de livre circulação dos nacionais dos Estados‑Membros. Além disso, o Tribunal precisou que, neste contexto, tal interpretação se justifica tanto mais que a referida disposição da Decisão n.° 1/80 está redigida em termos quase idênticos aos do artigo 39.°, n.° 3, CE (v., designadamente, acórdão de 4 de Outubro de 2007, Polat, C‑349/06, Colect., p. I‑8167, n.° 30 e jurisprudência referida).

68      Daqui resulta que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa transposição dos princípios que estão na base da liberdade fundamental de circulação prevista pelo direito da União só se justifica pelo objectivo, prosseguido pela associação CEE‑Turquia, de realizar gradualmente a livre circulação dos trabalhadores, enunciado no artigo 12.° do acordo de associação (v., designadamente, acórdão Dörr e Ünal, já referido, n.° 66). Ora, esse artigo, ao fazer referência aos artigos do Tratado relativos à livre circulação dos trabalhadores, corrobora o fim exclusivamente económico que constitui o fundamento da referida associação.

69      No que respeita, em segundo lugar, ao direito da União em causa, há que observar antes de mais que a Directiva 2004/38 se baseia nos artigos 12.° CE, 18.° CE, 40.° CE, 44.° CE e 52.° CE. Esta directiva, longe de se limitar a prosseguir um fim puramente económico, tem por objectivo facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros, que o Tratado confere directamente aos cidadãos da União, visando, nomeadamente, reforçar o referido direito (v. acórdão de 23 de Novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 23).

70      Assim, a referida directiva institui um regime de protecção consideravelmente reforçado contra as medidas de afastamento, regime esse que prevê garantias tanto maiores quanto maior for a integração dos cidadãos da União no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Tsakouridis, já referido, n.os 25 a 28 e 40 e 41).

71      Por outro lado, o próprio conceito de «razões imperativas» de segurança pública, que figura no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38, que visa uma ameaça para a segurança pública que apresente um grau de gravidade especialmente elevado e que apenas permite a adopção de uma medida de afastamento em circunstâncias excepcionais, não tem equivalente no artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 (acórdão Tsakouridis, já referido, n.os 40 e 41).

72      Decorre desta comparação que, diversamente do direito da União resultante da Directiva 2004/38, a associação CEE‑Turquia prossegue um fim puramente económico e se limita a realizar progressivamente a livre circulação dos trabalhadores.

73      Em contrapartida, o próprio conceito de cidadania, que resulta do simples facto de uma pessoa possuir a nacionalidade de um Estado‑Membro, com exclusão da qualidade de trabalhador, e que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 17 de Setembro de 2002, Baumbast e R, C‑413/99, Colect., p. I‑7091, n.° 82, e de 8 de Março de 2011, Ruiz Zambrano, C‑34/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41), conforme descrito nos artigos 17.° CE a 21.° CE, é próprio do direito da União no estado actual do seu desenvolvimento e justifica o reconhecimento em benefício apenas dos cidadãos da União de garantias consideravelmente reforçadas no que diz respeito ao afastamento, como as enunciadas no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38.

74      Resulta assim das diferenças substanciais que existem não apenas na sua redacção mas também quanto ao objecto e à finalidade das regras relativas à associação CEE‑Turquia e do direito da União relativo à cidadania que os dois regimes em causa não podem ser considerados equivalentes, pelo que o regime de protecção contra o afastamento de que beneficiam os cidadãos da União ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38 não pode ser aplicado mutatis mutandis para efeitos de determinar o sentido e o alcance do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

75      Dito isto, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há ainda que fornecer‑lhe alguns elementos de interpretação relativos ao alcance concreto do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 no âmbito de um litígio como o que lhe foi submetido.

76      Como já foi dito nos n.os 52, 58 e 59 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça fez tradicionalmente referência, para determinar o sentido e o alcance da referida disposição da Decisão n.° 1/80, aos princípios enunciados pela Directiva 64/221.

77      Ora, esta directiva foi revogada pela Directiva 2004/38 e o artigo 38.°, n.° 3, desta última prevê que se passa a considerar que as referências feitas às directivas revogadas são feitas a esta Directiva 2004/38.

78      Contudo, num caso como o do processo principal, no qual a disposição pertinente da Directiva 2004/38 não deve ser aplicada por analogia (v. n.° 74 do presente acórdão), há que determinar outro quadro de referência abrangido pelo direito da União para efeitos da aplicação do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

79      O referido quadro é constituído, no caso de um estrangeiro como N. Ziebell, que reside legalmente no Estado‑Membro de acolhimento há mais de dez anos sem interrupção, pelo artigo 12.° da Directiva 2003/109, o qual, na falta de regras mais favoráveis no direito da associação CEE‑Turquia, reveste o carácter de regra de protecção mínima contra a expulsão de um nacional de um Estado terceiro que seja titular do estatuto de residente regular de longa duração no território de um Estado‑Membro.

80      Resulta dessa disposição, antes de mais, que o residente de longa duração em causa só pode ser expulso se representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou para a segurança pública. Em seguida, a decisão de expulsão não se pode basear em razões económicas. Por último, antes de tomar essa decisão, as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento devem ter em consideração a duração da residência do interessado no território desse Estado, a sua idade, as consequências de uma expulsão para a pessoa em questão e para os seus familiares, bem como os laços desta última com o Estado de residência ou a inexistência de laços com o Estado de origem.

81      Além disso, resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa à excepção de ordem pública em matéria de livre circulação dos trabalhadores nacionais dos Estados‑Membros da União, conforme prevista pelo Tratado e aplicável por analogia no quadro da associação CEE‑Turquia, que a referida excepção constitui uma derrogação a essa liberdade fundamental, que deve ser objecto de interpretação estrita e cujo âmbito não pode ser unilateralmente determinado pelos Estados‑Membros (v., designadamente, acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Bozkurt, já referido, n.° 56 e jurisprudência referida).

82      Consequentemente, as medidas justificadas por razões de ordem ou de segurança públicas só podem ser tomadas se, após uma apreciação caso a caso por parte das autoridades nacionais competentes, se verificar que o comportamento individual da pessoa em causa representa actualmente um perigo real e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Nessa apreciação, as referidas autoridades devem, além disso, velar pelo respeito do princípio da proporcionalidade, bem como dos direitos fundamentais do interessado, em especial do direito ao respeito da vida privada e familiar (v., neste sentido, acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Bozkurt, já referido, n.os 57 a 60 e jurisprudência referida).

83      Tais medidas não podem por isso ser ordenadas automaticamente após uma condenação penal e com a finalidade de prevenção geral destinada a dissuadir outros estrangeiros de cometer infracções (v. acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Bozkurt, já referido, n.° 58 e jurisprudência referida). Se a existência de diversas condenações penais anteriores não pode, em si mesma, servir para justificar uma expulsão que priva um nacional turco dos direitos que para ele resultam directamente da Decisão n.° 1/80 (v. acórdão Polat, já referido, n.° 36), o mesmo deve acontecer, por maioria de razão, no que respeita a uma justificação atinente à duração da pena de prisão cumprida pela pessoa em causa.

84      No que respeita à data a ter em conta para determinar o carácter actual da ameaça concreta para a ordem ou a segurança públicas, há igualmente que recordar que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar em consideração, ao apreciar a legalidade de uma medida de afastamento ordenada contra um nacional turco, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento ou a diminuição significativa da ameaça actual que constitui, para o interesse fundamental em causa, o comportamento de tal pessoa (v., designadamente, acórdão de 11 de Novembro de 2004, Cetinkaya, C‑467/02, Colect., p. I‑10895, n.° 47).

85      Como observou o advogado‑geral nos n.os 62 a 65 das suas conclusões, é pois à luz da situação presente de N. Ziebell que o órgão jurisdicional de reenvio deve ponderar entre, por um lado, a necessidade da ingerência prevista no direito de residência do mesmo para efeitos da protecção do objectivo legítimo prosseguido pelo Estado‑Membro de acolhimento e, por outro, a realidade dos factores de integração susceptíveis de permitir a reinserção do interessado na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento. Para este efeito, o referido órgão jurisdicional deverá apreciar em especial se o comportamento do nacional turco representa actualmente uma ameaça suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade, tomando devidamente em conta o conjunto das circunstâncias concretas que caracterizam a sua situação, entre as quais figuram não apenas elementos como os apresentados na audiência no Tribunal de Justiça (v. n.° 39 do presente acórdão) mas também os laços particularmente estreitos que o estrangeiro em causa estabeleceu com a sociedade da República Federal da Alemanha, em cujo território nasceu, viveu de forma regular durante um período ininterrupto de mais de 35 anos, casou recentemente com uma nacional desse Estado‑Membro e tem uma relação profissional.

86      Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, deve responder‑se à questão submetida que o artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado nos sentido de que:

–        a protecção contra o afastamento conferida por essa disposição aos nacionais turcos não reveste o mesmo alcance que a conferida aos cidadãos da União pelo artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38, pelo que o regime de protecção contra o afastamento de que beneficiam esses cidadãos não pode ser aplicado mutatis mutandis aos referidos nacionais turcos para efeitos de determinar o sentido e o alcance desse artigo 14.°, n.° 1;

–        esta disposição da Decisão n.° 1/80 não se opõe a que uma medida de afastamento baseada em razões de ordem pública seja tomada contra um nacional turco que é titular dos direitos que lhe são conferidos pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da referida decisão, se o comportamento pessoal do interessado constituir actualmente uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro de acolhimento e se essa medida for indispensável para salvaguardar esse interesse. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz de todos os elementos pertinentes que caracterizam a situação do nacional turco em causa, se tal medida é legalmente justificada no processo principal.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963, deve ser interpretado no sentido de que:

–        a protecção contra o afastamento conferida por essa disposição aos nacionais turcos não reveste o mesmo alcance que a conferida aos cidadãos da União pelo artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, pelo que o regime de protecção contra o afastamento de que beneficiam esses cidadãos não pode ser aplicado mutatis mutandis aos referidos nacionais turcos para efeitos de determinar o sentido e o alcance desse artigo 14.°, n.° 1;

–        esta disposição da Decisão n.° 1/80 não se opõe a que uma medida de afastamento baseada em razões de ordem pública seja tomada contra um nacional turco que é titular dos direitos que lhe são conferidos pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da referida decisão, se o comportamento pessoal do interessado constituir actualmente uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro de acolhimento e se essa medida for indispensável para salvaguardar esse interesse. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz de todos os elementos pertinentes que caracterizam a situação do nacional turco em causa, se tal medida é legalmente justificada no processo principal.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.