Language of document : ECLI:EU:C:2010:4

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de Janeiro de 2010 (*)

«Directiva 2000/78/CE – Artigos 2.°, n.° 5, e 6.°, n.° 1 – Proibição de discriminações em razão da idade – Disposição nacional que fixa em 68 anos a idade máxima para o exercício da profissão de dentista convencionado – Objectivo prosseguido – Conceito de ‘medida necessária para a protecção da saúde’ – Coerência – Carácter apto e apropriado da medida»

No processo C‑341/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Sozialgericht Dortmund (Alemanha), por decisão de 25 de Junho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 24 de Julho de 2008, no processo

Domnica Petersen

contra

Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe,

sendo intervenientes:

AOK Westfalen‑Lippe,

BKK‑Landesverband Nordrhein‑Westfalen,

Vereinigte IKK,

Deutsche Rentenversicherung Knappschaft‑Bahn‑See ‑ Dezernat 0.63,

Landwirtschaftliche Krankenkasse NRW,

Verband der Angestellten‑Krankenkassen eV,

AEV ‑ Arbeiter‑Ersatzkassen‑Verband eV,

Kassenzahnärtzliche Vereinigung Westfalen‑Lippe,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente, E. Levits, P. Lindh (relator), presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, P. Kūris, A. Borg Barthet, A. Ó Caoimh e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Julho de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de D. Petersen, por H.‑J. Brink, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por P. McGarry, BL,

–        em representação do Governo italiano, por I. Bruni, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz, J. Enegren e B. Conte, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de Setembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 6.° da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. Petersen ao Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe (secção de recursos dos dentistas da circunscrição de Vestefália‑Lippe) a propósito da recusa desta comissão em autorizar a interessada a exercer a profissão de dentista convencionado para além da idade de 68 anos.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        A directiva foi adoptada com fundamento no artigo 13.° CE. O nono, décimo primeiro e vigésimo quinto considerandos desta directiva têm a seguinte redacção:

(9)      «O emprego e a actividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal.

[...]

(11)      A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objectivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de protecção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

[...]

(25)      A proibição de discriminações relacionadas com a idade constitui um elemento essencial para atingir os objectivos estabelecidos pelas orientações para o emprego e encorajar a diversidade no emprego. Todavia, em determinadas circunstâncias, podem‑se justificar diferenças de tratamento com base na idade, que implicam a existência de disposições específicas que podem variar consoante a situação dos Estados‑Membros. Urge pois distinguir diferenças de tratamento justificadas, nomeadamente por objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e da formação profissional, de discriminações que devem ser proibidas.»

4        Nos termos do seu artigo 1.°, a directiva tem por objecto «estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

5        O artigo 2.° da directiva enuncia:

«1.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.      Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[...]

5.      A presente directiva não afecta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infracções penais, protecção da saúde e protecção dos direitos e liberdades de terceiros.»

6        O artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e c), da directiva precisa:

«1.      Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)      Às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, incluindo os critérios de selecção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção;

[…]

c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração».

7        O artigo 6.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)      O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;

b)      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

c)      A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.»

8        Em conformidade com o disposto no artigo 18.°, primeiro parágrafo, da directiva, a transposição desta para a ordem jurídica dos Estados‑Membros devia ocorrer, o mais tardar, em 2 de Dezembro de 2003. Todavia, de acordo com o segundo parágrafo do mesmo artigo:

«Para atender a condições particulares, os Estados‑Membros [podiam] dispor, se necessário, de um prazo suplementar de três anos a contar de 2 de Dezembro de 2003, ou seja, de um total de 6 anos, para executar as disposições da presente directiva relativas à discriminação baseada na idade e na deficiência, devendo, nesse caso, informar imediatamente a Comissão. […]»

9        A República Federal da Alemanha fez uso dessa faculdade, de forma que a transposição das disposições da directiva relativas à discriminação em razão da idade e da deficiência devia ser efectuada nesse Estado‑Membro, o mais tardar, em 2 de Dezembro de 2006.

 Legislação nacional

10      A Lei geral sobre a igualdade de tratamento (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz), de 14 de Agosto de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1897, a seguir «AGG»), transpôs a directiva. Esta lei não suprimiu nem modificou o limite de idade aplicável aos dentistas convencionados, que a seguir se expõe.

11      A Lei relativa à garantia e à melhoria das estruturas do regime legal do seguro de doença (Gesetz zur Sicherung und Strukturverbesserung der gesetzlichen Krankenversicherung), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 2266, a seguir «GSG 1993»), introduziu um limite de idade máximo aplicável aos médicos convencionados que figura, desde 14 de Novembro de 2003, no § 95, n.° 7, terceira frase, do livro V do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch, BGBl. 2003 I, p. 2190, a seguir «SGB V»).

12      O referido § 95, n.° 7, terceira frase, prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 1999, a autorização para o exercício da actividade de médico convencionado expira no final do trimestre em que o médico convencionado atinge os 68 anos de idade.

13      Nos termos do § 72, n.° 1, segunda frase, do SGB V, esta disposição é aplicável, por analogia, aos dentistas convencionados.

14      O órgão jurisdicional de reenvio explica que este limite de idade acompanhava o § 102 do SGB V, o qual introduzia um mecanismo de autorização dos médicos (dentistas) em função das necessidades por região, aplicável igualmente desde 1 de Janeiro de 1999.

15      O preâmbulo da GSG 1993 tem a seguinte redacção:

«A expansão do número de médicos convencionados é uma das causas essenciais dos aumentos excessivos das despesas do regime legal de seguro de doença. Tendo em conta o crescimento constante do número de médicos convencionados, afigura‑se necessário limitar o número de médicos convencionados. O excesso da oferta não pode ser controlado apenas através da limitação das autorizações, que penaliza a nova geração de médicos. A introdução de um limite de idade obrigatório para os médicos convencionados é também necessária para esse efeito.»

16      Resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que este limite de idade se aplica sob reserva das quatro excepções seguintes, das quais as três primeiras figuram na legislação em causa e a última decorre desta:

–        o interessado exerça há menos de 20 anos como médico (dentista) convencionado quando atinge os 68 anos e já estivesse autorizado a exercer nessa qualidade antes de 1 de Janeiro de 1993; nesse caso, a autorização é, no máximo, prorrogada até expirar este prazo de 20 anos;

–        se tenha verificado ou esteja iminente um défice de médicos (dentistas) convencionados em certas zonas da região a que se refere a autorização;

–        em caso de doença, férias, licença ou participação do médico (dentista) convencionado numa formação;

–        dado que a regulamentação apenas se aplica aos médicos (dentistas) que exercem em regime convencionado, fora de tal regime os médicos e os dentistas podem exercer a sua profissão sem imposição de limite de idade.

17      Através da Lei que alterou o direito dos médicos convencionados e outras leis (Gesetz zur Änderung des Vertragsarztrechts und anderer Gesetze – Vertragsarztänderungsgesetz), de 22 de Dezembro de 2006 (BGBl. 2006, p. 3439), o legislador revogou o § 102 do SGB V, que previa quotas de médicos (dentistas) em função das necessidades por região, com efeitos a 1 de Janeiro de 2007, mas manteve o limite de idade em causa no processo principal.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      D. Petersen, nascida em 24 de Abril de 1939, atingiu os 68 anos de idade em Abril de 2007. Estava autorizada a prestar cuidados dentários convencionados desde 1 de Abril de 1974.

19      Por decisão de 25 de Abril de 2007, o Zulassungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe (comissão de autorização dos dentistas da circunscrição de Vestefália‑Lippe) constatou que a autorização para prestar cuidados dentários convencionados de D. Petersen expirava em 30 de Junho de 2007.

20      D. Petersen reclamou desta decisão, alegando, nomeadamente, que a mesma era contrária à directiva e à AGG.

21      Tendo a sua reclamação sido indeferida por decisão do Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe, D. Petersen interpôs recurso desta decisão para o Sozialgericht Dortmund.

22      Este órgão jurisdicional explica que o indeferimento da reclamação de D. Petersen é legal à luz do direito nacional. Refere as análises do Bundessozialgericht e do Bundesverfassungsgericht, segundo as quais o limite de idade em causa no processo principal se justifica, embora cada um destes órgãos jurisdicionais se tenha baseado em motivos diferentes. O Bundessozialgericht considerava que este limite de idade tinha permitido assegurar uma repartição equitativa dos ónus geracionais e que continuava a ser útil para manter as possibilidades de emprego dos jovens dentistas convencionados. Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta justificação já não é válida na sequência da supressão das quotas de dentistas convencionados e do desaparecimento do carácter excedentário da oferta de cuidados.

23      Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio considera o objectivo destacado pelo Bundesverfassungsgericht num acórdão de 7 de Agosto de 2007. Segundo esse acórdão, o referido limite de idade justifica‑se pela necessidade de proteger os pacientes beneficiários do regime legal de seguro de doença contra os riscos que representam os dentistas convencionados mais idosos, cujo desempenho já não seja o ideal. O Bundesverfassungsgericht manteve a análise que tinha anteriormente desenvolvido num acórdão de 1998 e considerou que o legislador, atendendo à margem de apreciação de que dispõe, não era obrigado a prever um exame individual do desempenho físico e mental de cada médico convencionado que atingisse a idade de 68 anos. Pelo contrário, o legislador adoptou uma regulamentação genérica baseada nos dados resultantes da experiência. O Bundesverfassungsgericht considerou igualmente que a não indicação da protecção da saúde dos segurados na exposição de motivos da lei não é pertinente e recordou que, na sua apreciação da constitucionalidade de uma disposição legal, tinha em conta todos os aspectos e não estava limitado por essa exposição de motivos.

24      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, no entanto, se esta análise vale também no que respeita à directiva. Em sua opinião, o limite de idade em causa no processo principal não é uma medida na acepção do artigo 2.°, n.° 5, da directiva uma vez que a protecção da saúde não era, segundo o próprio legislador, a razão que o levou a adoptar a disposição em questão. Este limite de idade tão‑pouco constitui um requisito profissional essencial e determinante, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da directiva, tendo em conta as excepções que foram aprovadas. Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade do referido limite de idade com o artigo 6.°, n.° 1, da directiva.

25      Interroga‑se se a protecção da saúde dos segurados, destacada pelo Bundesverfassungsgericht, pode constituir um objectivo legítimo na acepção desta última disposição, sabendo‑se que esse objectivo, na realidade, não correspondia à intenção do legislador.

26      Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o limite de idade em causa no processo principal tem um efeito muito penalizante para os dentistas convencionados que desejam prosseguir a sua actividade para além de tal limite, dado que a população pertence, numa proporção de 90%, ao regime legal de seguro de doença fundado num sistema convencionado. Interroga‑se se uma medida menos restritiva, como a análise caso a caso das situações individuais, seria de considerar.

27      Nestas condições, o Sozialgericht Dortmund decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       A fixação, por lei, de uma idade máxima para o exercício de uma profissão em regime convencionado (neste caso, para a actividade de dentista [convencionado]) pode ser, na acepção do artigo 6.° da directiva […], uma medida objectiva e razoavelmente justificada pela protecção de um objectivo legítimo (neste caso, a saúde dos pacientes inscritos no [regime legal de] seguro de [doença]) e um meio apropriado e necessário para realizar esse objectivo, quando decorre exclusivamente de uma conjectura, assente na ‘experiência geral’, de que, a partir de certa idade, se verifica uma redução geral da capacidade de trabalho, sem que possam ser tomadas em conta as capacidades individuais de cada interessado?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode ser também admitido um objectivo legítimo (da lei), na acepção do artigo 6.° da directiva […] (neste caso, a protecção da saúde dos pacientes inscritos no [regime legal de] seguro de [doença]), quando este objectivo nem sequer foi tido em conta pelo legislador nacional ao exercer a sua competência legislativa?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira ou segunda questões, uma lei anterior à directiva […], que é incompatível com esta última, pode também não ser aplicada, por força do primado do direito comunitário, quando o direito nacional que transpõe a directiva (neste caso, [a AGG]) não prevê esta consequência jurídica caso seja violado o princípio da não discriminação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

28      O Governo alemão considera, nas suas observações escritas, que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, atendendo à alteração iminente da legislação alemã, que terá por consequência suprimir a proibição de exercício da profissão de dentista convencionado para além dos 68 anos.

29      A este respeito, basta observar que, como salientou o advogado‑geral no n.° 32 das suas conclusões, a circunstância de tal alteração se verificar posteriormente não é pertinente. Efectivamente, resulta das informações que figuram no pedido de decisão prejudicial que foi recusada a D. Petersen a autorização para exercer a profissão de dentista convencionado e que a interessada foi privada da faculdade de exercer essa actividade a partir de 30 de Junho de 2007. Daqui resulta que uma resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas é determinante para o desfecho do litígio no processo principal e que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à primeira e segunda questões

30      Através da primeira e segunda questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 6.°, n.° 1, da directiva se opõe a uma medida nacional que fixa uma idade máxima para o exercício da actividade de dentista convencionado, no presente caso, a idade de 68 anos, a fim de proteger a saúde dos pacientes que beneficiam do regime legal de seguro de doença, dado que é suposto o desempenho destes dentistas diminuir a partir dessa idade. Pergunta‑se se a circunstância de este objectivo não ser tomado em conta pelo legislador é pertinente.

31      A fim de responder às referidas questões, importa determinar se a legislação em causa no processo principal se enquadra no âmbito de aplicação da directiva, se introduz uma diferença de tratamento em função da idade e, em caso afirmativo, se a directiva se opõe a tal diferença de tratamento.

32      No que se refere, num primeiro momento, ao âmbito de aplicação da directiva, deve assinalar‑se que decorre do artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e c), da directiva que esta é aplicável, no âmbito das competências atribuídas à Comunidade, a todas as pessoas no que diz respeito às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, bem como às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração (v. acórdãos de 16 de Outubro de 2007, Palacios de la Villa, C‑411/05, Colect., p. I‑8531, n.° 43, e de 5 de Março de 2009, Age Concern England, C‑388/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

33      A medida em causa no processo principal fixa uma idade máxima para o exercício da profissão de dentista no quadro do regime legal de seguro de doença. Ora, como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os pacientes, numa proporção de 90%, pertencem a tal regime. Donde resulta que o facto de um dentista não poder exercer ao abrigo de um regime convencionado é susceptível de limitar a procura dos serviços oferecidos por tal regime. Consequentemente, ao fixar uma idade para além da qual o acesso à actividade de dentista convencionado e o exercício dessa actividade já não são possíveis, o § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V afecta as condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da directiva, e as condições de emprego e de trabalho, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da mesma.

34      No que se refere, num segundo momento, à questão de saber se a legislação em causa no processo principal contém uma diferença de tratamento em razão da idade no que diz respeito ao emprego e à actividade profissional, há que observar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da directiva, para efeitos desta, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.° desta directiva. O seu artigo 2.°, n.° 2, alínea a), precisa que, para efeitos da aplicação do n.° 1, considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável (v. acórdãos, já referidos, Palacios de la Villa, n.° 50, e Age Concern England, n.° 33).

35      A aplicação de uma disposição como o § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V tem por consequência que certas pessoas, neste caso dentistas convencionados, são tratadas de forma menos favorável do que outras pessoas que exercem a mesma profissão, pelo facto de terem ultrapassado a idade de 68 anos. Tal disposição introduz uma diferença de tratamento em razão da idade na acepção da directiva.

36      Cumpre, num terceiro momento, determinar se a diferença de tratamento que resulta da aplicação do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V está ou não em conformidade com a directiva.

37      A este propósito, importa identificar o objectivo prosseguido pela medida em causa no processo principal para determinar as disposições da directiva à luz das quais a análise desta medida deve ser efectuada.

38      O órgão jurisdicional de reenvio mencionou vários objectivos, designadamente, em primeiro lugar, a protecção da saúde dos pacientes que pertencem ao regime legal de seguro de doença, dado que é suposto o desempenho destes dentistas diminuir a partir de uma certa idade, em segundo lugar, a repartição das possibilidades de emprego entre as gerações e, em terceiro lugar, o equilíbrio das finanças do sistema de saúde alemão. No entanto, apenas considerou um desses objectivos, o primeiro, embora tenha sublinhado que tal objectivo não correspondia à intenção do legislador.

39      Importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não fez referência a trabalhos preparatórios, debates parlamentares ou a uma exposição de motivos da lei susceptíveis de explicar as razões pelas quais a disposição que fixa o limite de idade em causa no processo principal era mantida, ao passo que a disposição que a acompanhava e previa quotas de médicos (dentistas) em função das necessidades por região era revogada.

40      Como o Tribunal já sublinhou, na falta de indicações da legislação nacional quanto ao objectivo prosseguido, importa que outros elementos do contexto geral da medida em causa permitam a identificação do objectivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua legitimidade e ao carácter apropriado e necessário dos meios utilizados para a concretização desse objectivo (v. acórdãos, já referidos, Palacios de la Villa, n.° 57, e Age Concern England, n.° 45).

41      A este respeito, o Governo alemão indicou nas observações que apresentou na audiência no Tribunal que o legislador tinha mantido o limite de idade em causa no processo principal durante um período de observação limitado, a fim de verificar que os problemas relacionados com o carácter excedentário da oferta de cuidados prestados por dentistas convencionados tinham efectivamente desaparecido apesar da supressão das quotas. Enquanto aguardava pelos resultados dessa verificação, o legislador considerou ser prudente manter uma medida destinada a limitar o número de dentistas convencionados e, com isso, as despesas de saúde, prevendo que os práticos que atingissem a idade de 68 anos já não poderiam continuar a exercer a sua actividade no quadro do regime convencionado. A manutenção do referido limite de idade prosseguia, assim, segundo este governo, o objectivo inicial da GSG 1993, isto é, em primeira linha conter as despesas de saúde pública.

42      No âmbito do litígio no processo principal, compete em última instância ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido e para interpretar a legislação nacional aplicável, determinar a razão da manutenção da medida em causa e identificar assim o objectivo prosseguido por tal medida.

43      A fim de dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio no processo principal, cumpre apurar se a directiva se opõe a uma diferença de tratamento em razão da idade, como a que está em causa no processo principal, tendo em conta cada um dos três objectivos invocados.

 Quanto ao primeiro e terceiro objectivos invocados

44      Importa examinar em conjunto o primeiro e terceiro objectivos. Com efeito, o primeiro tem directamente a ver com o domínio da saúde dos pacientes, encarado sob a perspectiva da competência dos médicos e dos dentistas. O terceiro, embora relativo ao equilíbrio financeiro do regime legal de seguro de doença, diz igualmente respeito a este domínio, embora encarado sob uma perspectiva diferente.

45      Na verdade, decorre da jurisprudência que os objectivos que consistem em manter um serviço médico de qualidade e evitar um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social se enquadram no objectivo de protecção da saúde pública, na medida em que contribuem ambos para a realização de um nível elevado de protecção da saúde (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Maio de 2006, Watts, C‑372/04, Colect., p. I‑4325, n.os 103 e 104, e de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 46 e 47).

46      Como sublinhou o advogado‑geral no n.° 53 das suas conclusões, caso o limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V seja um instrumento integrado numa política de planificação da oferta de cuidados dentários destinada a conter o aumento das despesas de saúde do regime legal de seguro de doença, tal limite de idade prossegue o objectivo de protecção da saúde pública, na perspectiva da preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

47      Relativamente às disposições pertinentes da directiva, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o exame da conformidade da medida em causa no processo principal com a directiva deve ser efectuado à luz do artigo 6.°, n.° 1, desta.

48      Cabe recordar, porém, que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado a questão prejudicial fazendo referência a determinadas disposições de direito comunitário não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, em particular da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos de direito comunitário que necessitam de interpretação, tendo em conta o objecto do litígio (v. acórdão de 27 de Outubro de 2009, ČEZ, C‑115/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 81).

49      A este propósito, deve recordar‑se que o artigo 2.°, n.° 5, da directiva menciona expressamente a protecção da saúde. Segundo esta disposição, a directiva não afecta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias, designadamente, para efeitos de protecção da saúde.

50      Assim, há que examinar o primeiro e terceiro objectivos à luz do n.° 5 do artigo 2.°

51      Relativamente a uma medida tomada em matéria de saúde, importa recordar que resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como do artigo 152.°, n.° 5, CE que os Estados‑Membros conservam a competência para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adoptarem, em particular, disposições destinadas a organizar e fornecer serviços de saúde e cuidados médicos. Os Estados‑Membros devem exercer essa competência respeitando o direito comunitário, mas, ao apreciar se esta obrigação é respeitada, deve ser tido em conta o facto de que o Estado‑Membro pode decidir o nível a que pretende assegurar a protecção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que esse nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (v. acórdãos Hartlauer, já referido, n.os 29 e 30, e de 19 de Maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o., C‑171/07 e C‑172/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 18 e 19).

52      Tendo em conta a referida margem de apreciação, há que admitir que, no quadro do artigo 2.°, n.° 5, da directiva, um Estado‑Membro pode julgar necessário fixar um limite de idade para o exercício de uma profissão médica como a profissão de dentista, a fim de proteger a saúde dos pacientes. Esta consideração aplica‑se quer o objectivo de protecção da saúde seja analisado sob a perspectiva da competência dos dentistas ou do equilíbrio financeiro do sistema nacional de saúde. No que toca a este último, não se pode excluir, com efeito, que o crescimento do número de dentistas convencionados tenha conduzido a um aumento excessivo da oferta de cuidados, redundando num nível demasiado elevado de despesas a cargo do Estado, e que a aposentação da franja mais idosa desses dentistas permita reduzir as despesas e evitar um risco grave para o equilíbrio do sistema de segurança social. Quanto à fixação do limite de idade em 68 anos, cumpre assinalar que essa idade pode ser considerada suficientemente avançada para servir de termo da autorização para o exercício como dentista convencionado.

53      A apreciação do carácter necessário da medida, relativamente ao objectivo que se procura alcançar, exige ainda que se verifique que as excepções ao limite de idade em causa no processo principal não lesam a coerência da legislação controvertida, conduzindo a um resultado contrário a esse objectivo. Com efeito, deve recordar‑se que uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objectivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (v. acórdão Hartlauer, já referido, n.° 55).

54      Como resulta do n.° 16 do presente acórdão, a regra em causa no processo principal conhece quatro excepções. A segunda e a terceira cobrem a falta de dentistas convencionados em razão de um défice de práticos em certas regiões ou de doença, licenças ou da participação numa formação. Em tais casos, os pacientes que pertencem ao regime legal de seguro de doença podem ser tratados por dentistas de mais de 68 anos.

55      Há que reconhecer que estas excepções não põem em causa o objectivo de protecção da saúde. Pelo contrário, visam garantir que os pacientes em questão sejam apesar de tudo tratados. Além disso, concebidas para situações de penúria de oferta de cuidados dentários, não são, em substância, susceptíveis de originar um excesso da referida oferta que ponha em risco o equilíbrio financeiro do sistema nacional de saúde.

56      A primeira excepção diz respeito aos dentistas convencionados autorizados a exercer em 1 de Janeiro de 1993, mas que, tendo atingido os 68 anos, não acumularam 20 anos de exercício sob o regime convencionado. Resulta das observações apresentadas ao Tribunal que esta excepção tem como finalidade não prejudicar os dentistas que, no momento da entrada em vigor da legislação em causa no processo principal e apesar de já terem uma idade avançada, não tinham exercido por tempo suficiente para constituírem uma pensão de reforma. Esta excepção abrange mais particularmente os dentistas convencionados originários da ex‑República Democrática Alemã. Segundo o Governo alemão, que não foi contraditado quanto a este ponto, os dentistas visados pela referida excepção representam um grupo bem preciso e, por outro lado, esta excepção é transitória, uma vez que deve cessar no termo de um período máximo de 20 anos.

57      Tendo em conta estes elementos, que atenuam o alcance da primeira excepção, há que considerar que a mesma não põe em causa a coerência da legislação em causa no processo principal do ponto de vista do objectivo de protecção da saúde dos pacientes que pertencem ao regime legal de seguro de doença, visto tanto na perspectiva da competência dos dentistas convencionados como do equilíbrio financeiro do regime legal de seguro de doença.

58      A quarta excepção não figura enquanto tal na legislação, mas resulta do âmbito de aplicação desta. Com efeito, o § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V apenas é aplicável aos dentistas que exercem no quadro do regime convencionado. Assim, fora desse quadro, os dentistas podem exercer a sua profissão seja qual for a sua idade e, consequentemente, os pacientes podem ser tratados por dentistas de mais de 68 anos.

59      É certo que o Tribunal admitiu certas excepções a regras adoptadas em nome da protecção da saúde, mas tratava‑se de excepções limitadas em termos de tempo e de alcance (v. acórdão de 19 de Maio de 2009, Comissão/Itália, C‑531/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 73).

60      A fim de apreciar o impacto desta quarta excepção sobre a coerência da medida em causa no processo principal tendo em conta o artigo 2.°, n.° 5, da directiva, importa, além disso, ter em conta a natureza e o teor desta disposição. Tratando‑se de uma derrogação ao princípio da proibição de discriminações, deve ser interpretada restritivamente. Os termos utilizados no referido artigo 2.°, n.° 5, conduzem igualmente a tal leitura.

61      Ora, uma medida que admite uma excepção tão ampla como a relativa aos dentistas que exercem fora do regime convencionado não pode ser considerada essencial à protecção da saúde pública. Na verdade, se o limite de idade em causa no processo principal tem por objectivo a protecção da saúde dos pacientes, vista na perspectiva da competência dos práticos em questão, há que reconhecer que, no quadro desta excepção, os pacientes não são protegidos. Esta excepção parece assim contrariar o objectivo que se pretende alcançar. Além disso, não é limitada no tempo e, embora não tenham sido fornecidos dados numéricos, aplica‑se potencialmente a todos os dentistas e parece susceptível de abranger um número não despiciendo de pacientes.

62      Assim, há que considerar que, se o objectivo pretendido com a medida em causa no processo principal é a protecção da saúde dos pacientes, encarada na perspectiva da competência dos médicos e dos dentistas, esta medida apresenta incoerências em razão da existência da quarta excepção acima mencionada. Neste caso, o limite de idade imposto aos dentistas convencionados não é necessário para a protecção da saúde na acepção do artigo 2.°, n.° 5, da directiva.

63      Se, ao invés, a referida medida tiver por objectivo preservar o equilíbrio financeiro do sistema de saúde público, esta quarta excepção não põe em causa o objectivo pretendido. Na verdade, este sistema pertence a um domínio pelo qual o Estado é financeiramente responsável e, por definição, não é extensivo ao sistema de saúde privado. Consequentemente, a fixação de um limite de idade aplicável unicamente aos dentistas convencionados, a fim de controlar as despesas do sector público de saúde, é compatível com o objectivo prosseguido. A circunstância de os dentistas que desenvolvem a sua actividade fora do regime legal de seguro de doença não serem afectados não põe portanto em causa a coerência da legislação controvertida.

64      Por consequência, destinando‑se a medida que mantém o referido limite de idade a evitar um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social a fim de alcançar um nível elevado de protecção da saúde, o que compete ao juiz nacional verificar, tal medida pode ser considerada compatível com o artigo 2.°, n.° 5, da directiva.

 Quanto ao segundo objectivo invocado

65      Como resulta da decisão de reenvio, o Bundessozialgericht considerou que o limite de idade em causa no processo principal se justificava por um segundo objectivo, que consistia em repartir as possibilidades de emprego entre as gerações na profissão de dentista convencionado. Este objectivo foi igualmente invocado, a título subsidiário, pelo Governo alemão nas suas alegações orais.

66      Tal objectivo não está previsto no artigo 2.°, n.° 5, da directiva. Em contrapartida, há que examinar se poderia constituir um objectivo legítimo na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da directiva.

67      Segundo os termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva, os objectivos que podem ser considerados «legítimos», na acepção da referida disposição, são designadamente objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho ou de formação profissional.

68      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a promoção da contratação de trabalhadores constitui incontestavelmente um objectivo legítimo de política social ou de emprego dos Estados‑Membros e que esta apreciação deve obviamente aplicar‑se aos instrumentos da política do mercado de trabalho nacional destinados a melhorar as hipóteses de inserção na vida activa de certas categorias de trabalhadores (v. acórdão Palacios de la Villa, já referido, n.° 65). Do mesmo modo, uma medida destinada a favorecer o acesso dos jovens ao exercício da profissão de dentista no quadro do regime convencionado pode ser considerada uma medida que se inscreve no domínio da política do emprego.

69      Resta bem entendido verificar, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva, se os meios para realizar esse objectivo são «apropriados e necessários».

70      Neste particular, segundo a evolução da situação do emprego no sector em causa, não se afigura destituído de sentido que as autoridades de um Estado‑Membro considerem que a aplicação de um limite de idade, que conduz à saída do mercado de trabalho dos práticos mais idosos, possa favorecer o emprego dos profissionais mais jovens. Quanto à fixação deste limite de idade em 68 anos, como salientado no n.° 52 do presente acórdão, trata‑se de uma idade suficientemente avançada para servir de termo para a autorização de exercício como dentista convencionado.

71      Coloca‑se, porém, a questão de saber se a aplicação de um limite de idade é apropriada e necessária para alcançar o objectivo pretendido. Com efeito, importa sublinhar que, quando o número de dentistas convencionados presentes no mercado de trabalho em questão não é excedentário relativamente às necessidades dos pacientes, a entrada neste de novos profissionais, designadamente de jovens, é normalmente possível, independentemente da presença dos dentistas que ultrapassaram uma certa idade, neste caso a idade de 68 anos. Nessa situação, a fixação de um limite de idade poderia não ser apropriada nem necessária para alcançar o objectivo pretendido.

72      O Governo alemão indicou na audiência, sem ter sido contraditado, que o limite de idade em causa no processo principal não se aplicava nas regiões em que tivesse sido constatada uma carência de dentistas convencionados. Sustentou igualmente que, no domínio da saúde, é importante que o Estado possa fazer uso do seu poder de apreciação para tomar as medidas necessárias, não só perante um problema actual de sobremedicalização mas igualmente em caso de risco latente de ocorrência de tal problema.

73      A este respeito, tendo em conta o poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros, recordado no n.° 51 do presente acórdão, há que reconhecer que, perante uma situação na qual o número de dentistas convencionados é excedentário ou em que exista um risco latente de que isso venha a acontecer, um Estado‑Membro pode entender ser necessário impor um limite de idade como o que está em causa no processo principal, a fim de facilitar o acesso ao emprego de dentistas mais jovens.

74      No entanto, compete ao juiz nacional verificar a existência de tal situação.

75      Nessa hipótese, seria ainda necessário verificar se a medida em causa no processo principal é coerente tendo em conta as quatro excepções recordadas no n.° 16 do presente acórdão.

76      A este propósito, as três primeiras excepções, concebidas para situações específicas de penúria de dentistas convencionados ou para períodos limitados no tempo, não põem em causa o objectivo que consiste em favorecer a entrada de jovens dentistas convencionados no mercado de trabalho. A quarta excepção, por seu turno, diz respeito ao sector não convencionado e não afecta a entrada no referido mercado de jovens dentistas que exerçam no quadro do regime convencionado.

77      Daqui resulta que, se uma medida, como a que está em causa no processo principal, tiver por objectivo a repartição das possibilidades de emprego entre as gerações no âmbito da profissão de dentista convencionado, a diferença de tratamento em razão da idade resultante dessa medida pode ser considerada objectiva e razoavelmente justificada por esse objectivo e os meios de o realizar apropriados e necessários, desde que exista uma situação em que o número de dentistas convencionados seja excedentário ou um risco latente de que isso possa ocorrer.

78      Assim, há que responder à primeira e segunda questões que:

–        o artigo 2.°, n.° 5, da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que fixa um limite de idade máximo para o exercício da profissão de dentista convencionado, concretamente, 68 anos, quando essa medida tenha como único objectivo proteger a saúde dos pacientes contra a diminuição do desempenho destes dentistas depois dessa idade, se o mesmo limite de idade não for aplicável aos dentistas não convencionados;

–        o artigo 6.°, n.° 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal medida quando esta tenha por objectivo repartir as possibilidades de emprego entre as gerações no âmbito da profissão de dentista convencionado, se, tendo em conta a situação do mercado do emprego em questão, tal medida for apropriada e necessária para alcançar esse objectivo;

–        compete ao juiz nacional identificar o objectivo prosseguido pela medida que fixa tal limite de idade, determinando a razão da manutenção da medida.

 Quanto à terceira questão

79      A terceira questão tem por objecto as consequências que devem ser tiradas da conclusão de que uma regra nacional anterior à directiva é incompatível com esta, quando o direito nacional não prevê a revogação de tal regra.

80      O Tribunal de Justiça já declarou que estão sujeitos à obrigação de respeitar o primado do direito comunitário todos os órgãos da administração (v., designadamente, acórdãos de 22 de Junho de 1989, Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.° 32, e de 29 de Abril de 1999, Ciola, C‑224/97, Colect., p. I‑2517, n.° 30). Esta consideração aplica‑se a um organismo administrativo como o Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe. A circunstância de as disposições nacionais em causa no processo principal já existirem antes da entrada em vigor da directiva não é pertinente. O mesmo se diga em relação à circunstância de essas disposições não preverem a faculdade de o juiz nacional as deixar de aplicar em caso de incompatibilidade com o direito comunitário.

81      Assim, há que responder à terceira questão que, no caso de uma legislação, como a que está em causa no processo principal, ser, tendo em conta o objectivo que prossegue, contrária à directiva, compete ao juiz nacional ao qual seja submetido um litígio entre um particular e um organismo administrativo, como o Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe, não aplicar essa legislação mesmo que esta seja anterior à directiva e mesmo que o direito nacional não preveja a revogação dessa legislação.

 Quanto às despesas

82      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, n.° 5, da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que fixa um limite de idade máximo para o exercício da profissão de dentista convencionado, concretamente, 68 anos, quando essa medida tenha como único objectivo proteger a saúde dos pacientes contra a diminuição do desempenho destes dentistas depois dessa idade, se o mesmo limite de idade não for aplicável aos dentistas não convencionados.

O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal medida quando esta tenha por objectivo repartir as possibilidades de emprego entre as gerações no âmbito da profissão de dentista convencionado, se, tendo em conta a situação do mercado do emprego em questão, tal medida for apropriada e necessária para alcançar esse objectivo.

Compete ao juiz nacional identificar o objectivo prosseguido pela medida que fixa tal limite de idade, determinando a razão da manutenção da medida.

2)      No caso de uma legislação, como a que está em causa no processo principal, ser, tendo em conta o objectivo que prossegue, contrária à Directiva 2000/78, compete ao juiz nacional ao qual seja submetido um litígio entre um particular e um organismo administrativo, como o Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe, não aplicar essa legislação mesmo que esta seja anterior à directiva e mesmo que o direito nacional não preveja a revogação dessa legislação.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.