Language of document : ECLI:EU:C:2018:662

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL de JUSTIÇA (Grande Secção)

4 de setembro de 2018 (*)

«Recurso de anulação — Decisão (UE) 2017/477 — Posição a adotar, em nome da União Europeia, no Conselho de Cooperação criado no âmbito do Acordo de Parceria e Cooperação Reforçado entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Cazaquistão, por outro, em relação às modalidades de trabalho do Conselho de Cooperação, do Comité de Cooperação, dos subcomités especializados ou de outros organismos — Artigo 218.o, n.o 9, TFUE — Decisão em que se definem as posições a tomar, em nome da União, numa instância criada por um acordo internacional — Acordo que inclui certas disposições que podem estar ligadas à política externa e de segurança comum (PESC) — Regra de votação»

No processo C‑244/17,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, que deu entrada no dia 10 de maio de 2017,

Comissão Europeia, representada inicialmente por L. Havas, L. Gussetti e P. Aalto, na qualidade de agentes, e, em seguida, por L. Havas e L. Gussetti, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop e P. Mahnič Bruni, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL de JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, E. Levits, C. G. Fernlund e C. Vajda, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, E. Jarašiūnas (relator), S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretária: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de abril de 2018,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 31 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação da Decisão (UE) 2017/477 do Conselho, de 3 de março de 2017, relativa à posição a adotar, em nome da União Europeia, no Conselho de Cooperação criado no âmbito do Acordo de Parceria e Cooperação Reforçado entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Cazaquistão, por outro, em relação às modalidades de trabalho do Conselho de Cooperação, do Comité de Cooperação, dos subcomités especializados ou de outros organismos (JO 2017, L 73, p. 15, a seguir «decisão impugnada»).

 Acordo de Parceria e decisão impugnada

2        Em 26 de outubro de 2015, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão (UE) 2016/123, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, e à aplicação provisória do Acordo de Parceria e Cooperação Reforçadas entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Cazaquistão, por outro (JO 2016, L 29, p. 1). Esta decisão foi adotada tendo como base jurídica o artigo 37.o e o artigo 31.o, n.o 1, TUE, bem como o artigo 91.o, o artigo 100.o, n.o 2, e os artigos 207.o e 209.o TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.os 5 e 8, segundo parágrafo, TFUE. O Acordo de Parceria e Cooperação Reforçadas entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Cazaquistão, por outro (a seguir «Acordo de Parceria»), foi assinado em 21 de dezembro de 2015 em Astana (Cazaquistão) e a sua aplicação provisória, prevista no artigo 281.o, n.o 3, do referido acordo, começou em 1 de maio de 2016.

3        O artigo 268.o do Acordo de Parceria cria um Conselho de Cooperação, o qual é assistido no exercício das suas funções por um Comité de Cooperação, criado pelo artigo 269.o deste acordo. Este último artigo prevê, no seu n.o 6, que o Conselho de Cooperação pode decidir criar subcomités especializados ou outros organismos para o assistirem no exercício das suas funções e determina a composição e as atribuições dos mesmos, bem como o seu modo de funcionamento.

4        Além disso, o artigo 268.o do Acordo de Parceria dispõe, no seu n.o 7, que o Conselho de Cooperação adota o seu regulamento interno. Neste último, segundo o artigo 269.o, n.o 7, do referido acordo, o Conselho de Cooperação determina as atribuições e o modo de funcionamento do Comité de Cooperação e de qualquer subcomité ou organismo instituído pelo Conselho de Cooperação.

5        Para aplicar essas disposições, a Comissão, juntamente com a Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, adotou, em 3 de fevereiro de 2017, uma proposta de decisão do Conselho relativa à posição a adotar, em nome da União Europeia, no Conselho de Cooperação instituído pelo Acordo de Parceria, tendo como base jurídica processual o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, em conjugação com o artigo 37.o TUE, e como base jurídica material os artigos 207.o e 209.o TFUE.

6        Em 3 de março de 2017, o Conselho adotou a decisão impugnada, acrescentando às bases jurídicas propostas o artigo 31.o, n.o 1, TUE e os artigos 91.o e 100.o, n.o 2, TFUE. A referida decisão dispõe:

«Artigo 1.o

1.      A posição a tomar, em nome da União, no Conselho de Cooperação criado pelo artigo 268.o, n.o 1, do Acordo de Parceria […], baseia‑se nos projetos de decisões do Conselho de Cooperação que acompanham a presente decisão, em relação ao seguinte:

–        adoção dos regulamentos internos do Conselho de Cooperação e do Comité de Cooperação, dos subcomités especializados ou de outros organismos,

–        criação de um Subcomité “Justiça, Liberdade e Segurança”, de um Subcomité “Energia, Transportes, Ambiente e Alterações Climáticas” e de um Subcomité “Cooperação Aduaneira”.

2.      Os representantes da União no Conselho de Cooperação podem aprovar pequenas correções técnicas dos projetos de decisões do Conselho de Cooperação, sem que seja necessária uma nova decisão do Conselho.

Artigo 2.o

O Conselho de Cooperação é presidido, do lado da União, pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de acordo com as suas responsabilidades previstas nos termos dos Tratados e na sua qualidade de Presidente do Conselho dos Negócios Estrangeiros.

[…]»

 Pedidos das partes

7        A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule a decisão impugnada e condene o Conselho nas despesas.

8        O Conselho pede que seja negado provimento ao recurso e que a Comissão seja condenada nas despesas. A título subsidiário, em caso de anulação da decisão impugnada, pede ao Tribunal de Justiça que mantenha os efeitos desta.

 Quanto ao recurso

 Argumentos das partes

9        Com o seu fundamento único, a Comissão critica o Conselho por ter acrescentado, na base jurídica da decisão impugnada, o artigo 31.o, n.o 1, TUE, o qual dispõe, nomeadamente, que as decisões ao abrigo do capítulo 2 do título V do Tratado UE que contenham disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum (PESC) são tomadas por unanimidade, salvo disposição em contrário desse capítulo.

10      Em apoio deste fundamento, a Comissão afirma que uma decisão adotada nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE deve ser votada por maioria qualificada, em conformidade com as disposições combinadas do artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, e do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 66), mesmo que uma ou mais das suas bases jurídicas materiais exijam a unanimidade para a celebração de um acordo internacional.

11      Segundo a Comissão, o artigo 218.o TFUE prevê, como o Tribunal de Justiça salientou no Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 52), um processo unificado e de alcance geral no que respeita à negociação e à celebração de acordos internacionais que a União é competente para celebrar nos seus domínios de ação, incluindo a PESC, o que foi confirmado pelo Acórdão de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho (C‑263/14, EU:C:2016:435, n.o 55), no qual o Tribunal de Justiça declarou que um acordo abrangido, de maneira preponderante, pela PESC deve ser celebrado em conformidade com o artigo 218.o, n.o 6, TFUE. Tanto a negociação e a celebração de acordos internacionais como a adoção de posições para executar tais acordos são regidas por este processo unificado. O capítulo 2 do título V do Tratado UE não abrange o processo decisório aplicável aos acordos internacionais.

12      As regras de votação para a adoção de qualquer decisão do Conselho ao abrigo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE estão exclusivamente previstas no artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE, o qual constitui uma lex specialis, estabelecendo um processo simplificado que deve ser seguido pelo Conselho ao definir as posições a tomar numa instância criada por um acordo, seja em matérias relativas à PESC seja em matérias não relacionadas com ela. Assim, segundo a Comissão, a regra de votação por maioria qualificada era aplicável à adoção da decisão impugnada, uma vez que ela não tinha por objetivo completar ou alterar o quadro institucional do Acordo de Parceria, mas apenas assegurar a execução eficaz deste acordo, de modo que a decisão impugnada não pode ser equiparada à celebração ou alteração de um acordo internacional.

13      A Comissão observa ainda que a posição do Conselho não está em conformidade com o artigo 40.o, primeiro parágrafo, TUE, uma vez que, ao acrescentar o artigo 31.o, n.o 1, TUE, impõe a votação por unanimidade para tomar qualquer decisão nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, no quadro de um acordo internacional cuja base jurídica compreende uma disposição em matéria de PESC, qualquer que seja o objeto desta decisão. Esta posição conduz à aplicação de processos relativos à PESC para exercer competências da União não apenas no domínio da PESC, mas também para executar outras políticas da União.

14      O Conselho observa que a Decisão 2016/123, que autorizou a assinatura do Acordo de Parceria e a aplicação provisória de certas partes deste, foi adotada tendo como base jurídica o artigo 37.o e o artigo 31.o, n.o 1, TUE, o artigo 91.o, o artigo 100.o, n.o 2, o artigo 207.o e o artigo 209.o TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.os 5 e 8, segundo parágrafo, TFUE, sem que isso seja contestado pela Comissão, e que as medidas previstas pela decisão impugnada visam assegurar o bom funcionamento do quadro institucional criado pelo Acordo de Parceria.

15      O Conselho refere que, segundo jurisprudência constante, a competência da União para assumir compromissos internacionais inclui a competência de lhes associar disposições institucionais, que têm caráter auxiliar e se enquadram, portanto, no mesmo âmbito de competência que as disposições substantivas que acompanham. Daqui resulta que a União só podia adotar a decisão impugnada com base em disposições que a habilitam a adotar as disposições substantivas do Acordo de Parceria.

16      O Conselho sustenta ainda que a Comissão faz uma leitura errada da jurisprudência. Em primeiro lugar, é certo que o Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025), confirma efetivamente que o processo de adoção das decisões que definam as posições a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo deve ser considerado um processo unificado e de alcance geral, aplicável a todos os domínios políticos e de atividade da União. Contudo, este acórdão estabelece, no seu n.o 53, um princípio segundo o qual esse processo deve ter em conta as especificidades previstas nos Tratados para cada domínio de ação da União, nomeadamente no que respeita às atribuições das instituições. Ora, o domínio da PESC apresenta especificidades de ordem processual e material, e estas devem, por isso, ser tomadas em consideração ao aplicar o processo geral referido no artigo 218.o, n.o 9, TFUE. Em particular, no exercício das suas competências neste domínio, o Conselho só está autorizado a deliberar por maioria qualificada nos casos previstos no artigo 31.o, n.os 2 e 3, TUE. Nenhuma outra disposição do Tratado FUE pode ser utilizada para prever outra derrogação; caso contrário seria violado o artigo 40.o, n.o 2, TUE.

17      Em segundo lugar, o Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449), não pode servir de fundamento à posição da Comissão, segundo a qual uma decisão do Conselho ao abrigo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE deve ser tomada por maioria qualificada em qualquer caso, independentemente do domínio da União a que essa decisão se refira. Tal posição é contrária à jurisprudência constante, segundo a qual a base jurídica material de uma medida determina o processo a seguir para adotar esta medida. Ela contraria igualmente a interpretação correta do referido acórdão, que deve ser lido no seu contexto (o processo que lhe deu origem não diz respeito ao exercício de competências da União no domínio da PESC) e tendo em conta que a regra da votação por maioria qualificada, prevista no artigo 16.o, n.o 3, TUE, mencionada nas conclusões da advogada‑geral, às quais esse acórdão se refere, não se aplica à PESC.

18      Segundo o Conselho, sendo certo que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE prevê um processo especial e simplificado para adotar as posições a tomar numa instância criada por um acordo ou para a suspensão da aplicação de um acordo, ele não regula, contudo, todos os aspetos desse processo e, em particular, a regra de votação aplicável. Como se trata de um processo especial, as regras de votação previstas no artigo 218.o, n.o 8, TFUE, que se aplicam ao longo do processo de celebração de um acordo regulado pelas disposições contidas nos números precedentes deste artigo 218.o, não se podem aplicar automaticamente a este processo especial. A regra de votação enunciada no artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE só se aplica a este processo na medida em que reflete as regras de votação aplicáveis nos domínios de ação da União para a adoção de atos internos. Além disso, embora o artigo 218.o, n.o 9, TFUE preveja um processo simplificado, em comparação com o processo mais complexo previsto para a celebração de um acordo, esta simplificação refere‑se exclusivamente à participação limitada do Parlamento Europeu.

19      Por último, o Conselho contesta as alegações segundo as quais teria violado o artigo 40.o TUE, referindo, nomeadamente, que era necessário acrescentar o artigo 31.o, n.o 1, TUE na base jurídica da decisão impugnada para respeitar os processos previstos pelos Tratados para o exercício da competência da União em matéria de PESC, que não foi cometida qualquer infração às competências das instituições e que, de qualquer maneira, o Conselho tinha de deliberar por unanimidade, em conformidade com o artigo 293.o, n.o 1, TFUE.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

20      Para determinar a regra de votação que deve ser aplicada quando o Conselho adota, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, uma decisão em que se definem as posições a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, quando essa instância for chamada a adotar atos que produzam efeitos jurídicos, há que interpretar esta disposição atendendo não apenas aos seus termos mas também aos seus objetivos e ao seu contexto (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 51).

21      O artigo 218.o TFUE, para satisfazer as exigências de clareza, coerência e racionalização, prevê um processo unificado e de alcance geral no que respeita, nomeadamente, à negociação e à celebração de acordos internacionais que a União é competente para celebrar nos seus domínios de ação, incluindo a PESC, exceto quando os Tratados prevejam processos especiais (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 52).

22      O Tribunal de Justiça salientou que esse processo, em virtude precisamente do seu caráter geral, deve ter em conta as especificidades previstas nos Tratados para cada domínio de ação da União, nomeadamente no que respeita às atribuições das instituições, e deve refletir, no plano externo, a repartição dos poderes entre instituições, aplicável no plano interno, em particular ao estabelecer uma simetria entre o processo de adoção das medidas da União no plano interno e o processo de adoção de acordos internacionais, a fim de garantir que, em relação a um determinado domínio, o Parlamento e o Conselho disponham dos mesmos poderes, no respeito do equilíbrio institucional previsto pelos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.os 53, 55 e 56).

23      Este processo compreende diversas regras relativas especificamente à ação da União nos domínios da PESC.

24      Daí resulta que, quanto ao processo de negociação e de celebração de um acordo internacional pela União, as próprias disposições do artigo 218.o TFUE tomam em conta as especificidades de cada domínio de ação da União, em particular as previstas para a PESC, e refletem, a este respeito, o equilíbrio institucional estabelecido pelos Tratados para cada um desses domínios.

25      O artigo 218.o, n.o 9, TFUE prevê um processo simplificado para efeitos, designadamente, da definição das posições a tomar em nome da União no contexto da sua participação na adoção, no âmbito da instância decisória instituída pelo acordo internacional em causa, de atos relativos à aplicação ou execução desse acordo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Conselho/Comissão, C‑73/14, EU:C:2015:663, n.o 65).

26      Como resulta de uma leitura conjunta dos n.os 6, 9 e 10 do artigo 218.o TFUE, esta simplificação, que só se aplica relativamente a atos que não completam nem alteram o quadro institucional do acordo, reside exclusivamente numa limitação da participação do Parlamento.

27      Como o artigo 218.o, n.o 9, TFUE não prevê, contudo, nenhuma regra de votação para a adoção, pelo Conselho, das categorias de decisões que abrange, é por referência ao artigo 218.o, n.o 8, TFUE que a regra de votação aplicável deve, em cada caso, ser determinada. Assim, tratando‑se de uma decisão pela qual o Conselho define a posição a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que, na hipótese de tal decisão não corresponder a nenhum dos casos em que o artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE exige a votação por unanimidade é, em princípio, nos termos das disposições conjugadas do artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, e do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, que o Conselho deve adotar a referida decisão, deliberando por maioria qualificada [Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 51].

28      Note‑se, a este respeito, que a determinação da regra de votação aplicável para adotar tal decisão por referência aos dois parágrafos do artigo 218.o, n.o 8, TFUE contribui, à semelhança do que foi exposto no n.o 24 do presente acórdão no que concerne ao processo de negociação e de celebração de um acordo, para assegurar que o processo unificado visado no artigo 218.o, n.o 9, TFUE toma em conta as especificidades de cada domínio de ação da União.

29      Em particular, o primeiro caso em que o artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE exige que o Conselho delibere por unanimidade concerne à hipótese em que o acordo diz respeito a um domínio para o qual é exigida a unanimidade para adotar um ato da União, estabelecendo assim um nexo entre a base jurídica material de uma decisão adotada ao abrigo desse artigo e a regra de votação aplicável para adotar a decisão. Esse é o caso no que concerne à PESC, dado que o artigo 31.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE prevê, nomeadamente, que as decisões ao abrigo do título V, capítulo 2, do Tratado UE são tomadas por unanimidade, salvo disposição em contrário do referido capítulo.

30      O nexo assim assegurado entre a base jurídica material das decisões adotadas no quadro do processo previsto no artigo 218.o, n.o 9, TFUE e a regra de votação aplicável para a adoção dessas decisões contribui, além disso, para preservar a simetria entre os processos relativos à ação interna da União e os processos relativos à sua ação externa, no respeito do equilíbrio institucional estabelecido pelos autores dos Tratados.

31      Contrariamente ao que defende, em substância, a Comissão, não resulta do n.o 66 do Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449), que qualquer decisão em que se defina a posição a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, deva ser adotada por maioria qualificada, desde que o ato a adotar pela referida instância não complete nem altere o quadro institucional desse acordo.

32      É certo que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, no respeitante a uma decisão num domínio abrangido pelo artigo 48.o TFUE e tomada no contexto de um acordo de associação que não se destina a completar ou alterar o quadro institucional desse acordo, mas apenas a garantir a sua aplicação, o Conselho devia adotar essa decisão, em conformidade com as disposições conjugadas do artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, e do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, deliberando por maioria qualificada e sem aprovação do Parlamento. Portanto, o Tribunal de Justiça não se referiu, neste contexto, ao artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE, apesar de o segundo caso em que esta disposição prevê que o Conselho delibera por unanimidade se referir precisamente aos «acordos de associação», que a União é competente para celebrar em virtude do artigo 217.o TFUE.

33      Todavia, esse caso apresenta a particularidade de ser concernente a tal categoria específica de acordo internacional. Ora, uma decisão destinada a executar um acordo de associação não pode, de maneira geral, ser considerada semelhante a tal acordo e ser, por isso, incluída nessa categoria. Com efeito, só se a decisão destinada a executar o acordo de associação tiver por objeto completar ou alterar o quadro institucional do mesmo é que a referida decisão reveste um alcance tal que deve ser equiparada a uma decisão relativa à celebração de um acordo que altera o acordo de associação. Isto justifica que tal decisão seja sujeita, em aplicação da exceção prevista no artigo 218.o, n.o 9, in fine, TFUE, ao mesmo processo que está previsto para a celebração de um acordo de associação, no qual o Conselho delibera por unanimidade e a aprovação do Parlamento é exigida, por força do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, alínea a), i), TFUE.

34      O primeiro caso em que a unanimidade é exigida pelo artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE tem uma natureza completamente diferente, pois diz respeito ao domínio sobre o qual incide o ato adotado e, portanto, ao conteúdo deste. Nesse caso, a circunstância de uma decisão destinada a executar um acordo internacional da União, através de uma ação a tomar por uma instância decisória criada por esse acordo, não estar abrangida pela exceção prevista no artigo 218.o, n.o 9, in fine, TFUE não permite tirar nenhuma conclusão quanto a saber se tal decisão incide ou não sobre um domínio em que seja exigida a unanimidade para adotar um ato da União e deve, portanto, à luz do primeiro caso referido no artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE, ser adotada por unanimidade.

35      Para determinar, neste contexto, se uma decisão adotada no quadro definido no artigo 218.o, n.o 9, TFUE incide efetivamente sobre tal domínio, é necessário atender à sua base jurídica material.

36      Segundo jurisprudência constante, a escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos, suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, EU:C:1987:163, n.o 11; de 11 de junho de 1991, Comissão/Conselho, C‑300/89, EU:C:1991:244, n.o 10; Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança), de 6 de dezembro de 2001, EU:C:2001:664, n.o 22; e Acórdão de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho, C‑263/14, EU:C:2016:435, n.o 43].

37      Se o exame de um ato da União demonstrar que este prossegue duas finalidades ou que tem duas componentes e se uma dessas finalidades ou dessas componentes for identificável como sendo principal e a outra apenas acessória, o ato deve assentar numa única base jurídica, a saber, a exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante. A título excecional, se estiver assente, pelo contrário, que o ato prossegue simultaneamente vários objetivos ou tem várias componentes que estão indissociavelmente ligadas, sem que uma seja acessória da outra, de modo que diferentes disposições dos Tratados sejam aplicáveis, tal medida deve assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑178/03, EU:C:2006:4, n.os 42 e 43; de 11 de junho de 2014, Comissão/Conselho, C‑377/12, EU:C:2014:1903, n.o 34; e de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho, C‑263/14, EU:C:2016:435, n.o 44).

38      Resulta do que precede que, como no caso da decisão sobre a celebração de um acordo internacional pela União, uma decisão pela qual o Conselho define a posição a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, ao abrigo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, e que incide exclusivamente sobre a PESC deve, em princípio, ser adotada por unanimidade, nos termos do artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE. Ao invés, se essa decisão inclui diversas componentes ou prossegue várias finalidades, algumas das quais se inscrevem no âmbito da PESC, a regra de votação aplicável para a sua adoção deve ser determinada à luz da sua finalidade ou componente principal ou preponderante. Logo, se a finalidade ou a componente principal ou preponderante da decisão diz respeito a um domínio em que a unanimidade não é exigida para adotar um ato da União, essa decisão deve, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE, ser adotada por maioria qualificada.

39      No caso em apreço, a decisão impugnada define a posição a tomar, em nome da União, no Conselho de Cooperação instituído pelo Acordo de Parceria sobre, por um lado, uma decisão do referido Conselho relativa à adoção do seu regulamento interno, assim como o do Comité de Cooperação, dos subcomités especializados ou de qualquer outro organismo especializado e, por outro, uma decisão deste mesmo Conselho que estabelece três subcomités especializados.

40      Como a advogada‑geral observou, no essencial, no n.o 54 das suas conclusões, os atos cuja adoção estava assim prevista dizem respeito, em geral, ao funcionamento das instâncias internacionais criadas ao abrigo do Acordo de Parceria. Daqui decorre que o domínio abrangido pela decisão impugnada deve ser apreciado à luz do Acordo de Parceria no seu conjunto [v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (Acordo de Lisboa revisto), C‑389/15, EU:C:2017:798, n.o 64, e, por analogia, Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 276 e jurisprudência referida].

41      A este respeito, o Conselho defendeu que os laços que o Acordo de Parceria apresenta com a PESC são suficientemente importantes para justificar que a base jurídica da decisão impugnada inclua, tal como a relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do próprio Acordo de Parceria, o artigo 37.o TUE, nos termos do qual a União pode celebrar acordos com um ou mais Estados ou organizações internacionais nos domínios da PESC.

42      Note‑se que, como foi salientado pela advogada‑geral nos n.os 64 a 68 das suas conclusões, o Acordo de Parceria apresenta certos laços com a PESC. Assim, o artigo 6.o deste acordo, que figura no título II «Diálogo político, cooperação em matéria de política externa e de segurança», é especificamente consagrado a esta política, e o seu primeiro parágrafo prevê que as partes intensificarão o diálogo e a cooperação no domínio da política externa e de segurança, abordando, em especial, questões relacionadas com a prevenção de conflitos e a gestão de crises, a estabilidade regional, a não proliferação, o desarmamento e o controlo de armas, a segurança nuclear e o controlo das exportações de armas e bens de dupla utilização. Além disso, os artigos 9.o a 12.o do Acordo de Parceria, que definem o quadro da cooperação entre as partes em matéria de prevenção de conflitos e de gestão de crises, de estabilidade regional, de luta contra a proliferação de armas de destruição maciça e de luta contra o comércio ilícito de armas ligeiras e de pequeno calibre, podem igualmente estar relacionados com a PESC.

43      Todavia, é claro que, como a advogada‑geral indicou, no essencial, no n.o 69 das suas conclusões, estes laços entre o Acordo de Parceria e a PESC não são suficientes para considerar que a base jurídica da decisão relativa à sua assinatura, em nome da União Europeia, e à sua aplicação provisória, devia incluir o artigo 37.o TUE.

44      Com efeito, por um lado, a maior parte das disposições deste acordo, que compreende 287 artigos, diz respeito quer à política comercial comum da União, quer à política de cooperação para o desenvolvimento desta última.

45      Por outro lado, as disposições do Acordo de Parceria que apresentam um nexo com a PESC e são referidas no n.o 42 do presente acórdão, além de serem pouco numerosas em comparação com o total das disposições deste acordo, limitam‑se a declarações das partes contratantes sobre os objetivos que a sua cooperação deve prosseguir e os temas que deverá abranger, sem determinar as modalidades concretas de execução dessa cooperação (v., por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2014, Comissão/Conselho, C‑377/12, EU:C:2014:1903, n.o 56).

46      As referidas disposições, que se inscrevem plenamente no objetivo do Acordo de Parceria, enunciado no seu artigo 2.o, n.o 2, de contribuir para a paz e a estabilidade internacionais e regionais, bem como para o desenvolvimento económico, não têm por isso um alcance suficiente para considerar que constituem uma componente distinta deste acordo. Pelo contrário, tais disposições apresentam um caráter acessório em relação às duas componentes do referido acordo, que são a política comercial comum e a cooperação para o desenvolvimento.

47      Atendendo a todas estas considerações, o Conselho cometeu um erro ao incluir o artigo 31.o, n.o 1, TUE na base jurídica da decisão impugnada, e ao adotar esta decisão seguindo a regra da votação por unanimidade.

48      Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento único da Comissão e anular a decisão impugnada.

 Quanto à manutenção dos efeitos da decisão impugnada

49      O Conselho solicita ao Tribunal de Justiça que, se decidir anular a decisão impugnada, mantenha os seus efeitos. Em apoio deste pedido, indica que a posição da União definida nessa decisão já foi comunicada, em conformidade com esta, e já produziu efeitos, uma vez que os regulamentos internos do Conselho de Cooperação, do Comité de Cooperação e dos subcomités ou de outros organismos, tal como a decisão relativa à criação de três subcomités especializados foram adotados e entraram em vigor em 28 de março de 2017. Seria desproporcionado, segundo o Conselho, exigir a adoção de uma nova decisão, cujo conteúdo ficaria inalterado, dado que o acórdão do Tribunal de Justiça permitiria alcançar o mesmo objetivo.

50      Nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes.

51      No caso em apreço, resulta dos elementos à disposição do Tribunal de Justiça que a posição da União definida pela decisão impugnada foi expressa no Conselho de Cooperação no mês de março de 2017 e que o referido Conselho adotou os atos previstos por essa decisão nesse mesmo mês. Por conseguinte, a anulação da decisão impugnada sem que os seus efeitos sejam mantidos pode perturbar o funcionamento dos organismos criados pelo Acordo de Parceria, pôr em dúvida o empenho da União relativamente aos atos jurídicos adotados por esses organismos e, desta maneira, dificultar a boa execução do referido acordo (v., por analogia, Acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 65).

52      Assim, por motivos de segurança jurídica, devem ser mantidos os efeitos da decisão impugnada, que é anulada pelo presente acórdão.

 Quanto às despesas

53      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Anular a Decisão (UE) 2017/477 do Conselho, de 3 de março de 2017, relativa à posição a adotar, em nome da União Europeia, no Conselho de Cooperação criado no âmbito do Acordo de Parceria e Cooperação Reforçado entre a União Europeia e os seus EstadosMembros, por um lado, e a República do Cazaquistão, por outro, em relação às modalidades de trabalho do Conselho de Cooperação, do Comité de Cooperação, dos subcomités especializados ou de outros organismos.

2)      Manter em vigor os efeitos da Decisão 2017/477.

3)      Condenar o Conselho da União Europeia nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.