Language of document : ECLI:EU:C:2018:497

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

27 de junho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 21.o, n.o 1, TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros — Direito de residência de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União, no Estado‑Membro de que esse cidadão é nacional — Entrada desse membro da família no território do Estado‑Membro em causa posterior ao regresso a esse Estado‑Membro do cidadão da União»

No processo C‑230/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca), por decisão de 21 de abril de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de maio de 2017, no processo

Erdem Deha Altiner,

Isabel Hanna Ravn

contra

Udlændingestyrelsen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de março de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de E. Deha Altiner e I. H. Ravn, por E. O. R. Khawaja, advokat,

–        em representação do Governo dinamarquês, por M. S. Wolff, J. Nymann‑Lindegren e C. Thorning, na qualidade de agentes, assistidos por R. Holdgaard, advokat,

–        em representação do Governo belga, por C. Pochet, L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por A. Joyce e L. Williams, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo norueguês, por I. S. Jansen, na qualidade de agente, assistida por K. B. Moen, advokat,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e M. Wilderspin, na qualidade de agentes, assistidos por H. Peytz, advokat,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 21.o TFUE e da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Erdem Deha Altiner (a seguir «Altiner filho») e Isabel Hanna Ravn ao l’Udlændingestyrelsen (Serviço de Imigração, Dinamarca) a propósito de uma decisão adotada por este último, em 3 de junho de 2016 (a seguir «Decisão de 3 de junho de 2016»), que confirma a decisão anterior da Statsforvaltningen (Administração Regional do Estado, Dinamarca), que indeferiu o pedido de Altiner filho destinado a obter um título de residência na Dinamarca, enquanto membro da família de I. H. Ravn, cidadã da União.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2004/38

3        O artigo 1.o da Diretiva 2004/38, intitulado «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

[…]»

4        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o da referida diretiva enuncia:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro.

2)      “Membro da família”:

a)      O cônjuge;

[…]

c)      Os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro […]

[…]

3)      “Estado‑Membro de acolhimento”: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

5        O artigo 3.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Titulares», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

6        O artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/38 tem a seguinte redação:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento, ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)      —      esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

–        disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.      O direito de residência disposto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1.»

 Direito dinamarquês

7        Nos termos do § 13 do bekendtgørelse nr. 474 om ophold i Danmark for udlændinge, der er omfattet af Den Europæiske Unions regler (Regulamento n.o 474, relativo à residência na Dinamarca para estrangeiros abrangidos pelas normas da União Europeia), de 12 de maio de 2011:

«Na medida em que o direito da União o prevê, os membros da família de um cidadão dinamarquês têm direito de residência na Dinamarca para além dos três meses permitidos ao abrigo do § 2, n.os 1 e 2, da Lei sobre os estrangeiros.»

8        A EU‑orientering nr. 1/14, Orientering til Statsforvaltningen om behandling af ansøgninger om familiesammenføring efter EU‑retten, hvor referencen er dansk statsborger (Orientação UE n.o 1/14 à Administração do Estado sobre o tratamento dos pedidos de reagrupamento familiar ao abrigo do direito da União quando a pessoa de referência é um cidadão dinamarquês), de 10 de dezembro de 2014 (a seguir «Orientação n.o 1/14»), foi decretada pelo Serviço de Imigração.

9        Esta orientação prevê, no ponto 4.1.5., intitulado «Conexão temporal entre o regresso de um cidadão dinamarquês à Dinamarca e o pedido de reagrupamento familiar ao abrigo do direito da União», o seguinte:

«Não se exige que o membro da família estrangeiro entre na Dinamarca ao mesmo tempo que o cidadão dinamarquês.

Se o membro da família de um cidadão dinamarquês, que exerceu o seu direito de livre circulação noutro Estado‑Membro, apresentar o pedido de reagrupamento familiar ao abrigo das normas da União após o regresso do cidadão dinamarquês à Dinamarca, importa proceder a uma apreciação concreta da questão de saber se o pedido do membro da família foi apresentado como uma extensão natural do regresso à Dinamarca do cidadão dinamarquês.

No âmbito dessa apreciação, há que ter em consideração os motivos do tempo decorrido entre o regresso do cidadão dinamarquês à Dinamarca e a apresentação do pedido, nomeadamente se o membro da família adiou a apresentação desse pedido por motivos de trabalho ou de formação, bem como, a duração de tal período de tempo decorrido. O atraso na apresentação do pedido pode, assim, ter sido motivado pela necessidade do requerente de terminar um ciclo de formação, o que pode ser demonstrado, designadamente, mediante a apresentação de diplomas, etc. Esse atraso pode ser igualmente motivado por razões de saúde, por exemplo, uma doença grave do requerente ou de um familiar.

Por outro lado, um atraso de vários meses não pode a priori ser justificado pelo desejo real de prosseguir um trabalho ou de manter vínculos familiares.

Se, pelo contrário, forem considerações particulares relativas a um emprego, designadamente o cumprimento de obrigações contratuais, que motivam o atraso de alguns meses na apresentação do pedido, normalmente, considera‑se que este foi apresentado como uma extensão natural do regresso do cidadão dinamarquês. Isso pode ser demonstrado, designadamente mediante a apresentação de um contrato de trabalho que declare, por exemplo, que o interessado participa num projeto concreto de construção.

[…]

Se o membro da família entrou na Dinamarca ao mesmo tempo que o regresso à Dinamarca do nacional dinamarquês, ou como extensão natural desse regresso, mas só mais tarde apresenta um pedido de reagrupamento familiar em aplicação das normas da União, não se exige que este pedido seja apresentado como uma extensão natural do regresso do nacional dinamarquês, se, por outro lado, o requerente preencher os requisitos exigidos para poder beneficiar do reagrupamento familiar com o cidadão dinamarquês em aplicação das normas da União.

É necessário que o membro da família tenha entrado na Dinamarca com o intuito de prosseguir uma vida familiar com o cidadão dinamarquês e que, além disso, esse membro da família tenha podido beneficiar de um reagrupamento familiar com o cidadão dinamarquês em aplicação das normas da União se o pedido tivesse sido apresentado por ocasião da entrada [no território]. É igualmente necessário que o requerente tenha preenchido esses requisitos ao longo de todo o período que antecedeu a apresentação do pedido.

Para a apreciação de tais situações é, pois, decisivo que o membro da família tenha preenchido, durante todo o período, os requisitos para poder beneficiar do reagrupamento familiar com o cidadão dinamarquês em aplicação das normas da União, mas que não tenha simplesmente apresentado o pedido. Nesse caso, o membro da família tem direito de residência na Dinamarca ao abrigo das normas da União, não obstante o facto de o pedido do título de residência só ter sido apresentado mais tarde.

Se o pedido não for apresentado no âmbito da entrada [no território], o requerente deve demonstrar que a entrada se verificou ao mesmo tempo que o regresso do nacional dinamarquês à Dinamarca ou como uma extensão natural desse regresso e que o requerente preencheu, durante todo o período, os requisitos para poder beneficiar do reagrupamento familiar com o nacional dinamarquês, em aplicação das normas da União, designadamente o requisito de viver na Dinamarca com o cidadão dinamarquês. A prova disso pode ser feita, por exemplo, mediante a apresentação de um título de transporte, a alteração no registo da população, recibos de renda, etc.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      Altiner filho nasceu em 2 de setembro de 2004 na Turquia e é um cidadão turco. O seu pai, Metin Altiner (a seguir «Altiner pai»), que chegou à Dinamarca em 17 de julho de 2008, divorciou‑se da mãe de Altiner filho e, em 26 de outubro de 2010, casou‑se em segundas núpcias com I. H. Ravn, uma cidadã dinamarquesa, que, à época, residia na Dinamarca. A sentença de pronúncia do divórcio de Altiner pai e da mãe de Altiner filho confiou a autoridade parental sobre este último à sua mãe, cidadã turca, e Altiner filho viveu com esta na Turquia.

11      Entre 1 de dezembro de 2012 e 24 de outubro de 2014, I. H. Ravn e Altiner pai residiram na Suécia. Durante os períodos compreendidos entre 1 de agosto de 2013 e 9 de setembro de 2013 e entre 8 de julho de 2014 e 2 de setembro de 2014, Altiner filho deslocou‑se à Suécia, com um visto válido no espaço Schengen, e residiu com eles.

12      Em 24 de outubro de 2014, I. H. Ravn e Altiner pai regressaram à Dinamarca onde residem desde então. Em 25 de junho de 2015, Altiner filho entrou na Dinamarca com um visto válido no espaço Schengen até 30 de setembro de 2015.

13      Após ter obtido, em 15 de julho de 2015, o consentimento escrito da sua mãe, Altiner filho apresentou, dois dias mais tarde, à Administração do Estado dinamarquês, um título de residência da União enquanto membro da família do cônjuge do seu pai, I. H. Ravn.

14      Por Decisão de 9 de março de 2016, a Administração Regional do Estado dinamarquês indeferiu este pedido com o fundamento de que este não constituía uma extensão natural do regresso de I. H. Ravn à Dinamarca. Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sua decisão de indeferimento, a referida Administração precisou que não tomava posição sobre a questão de saber se as estadas de Altiner filho com I. H. Ravn na Suécia lhe tinham permitido desenvolver ou consolidar uma vida de família neste Estado‑Membro. Esta decisão foi objeto de reclamação para o Serviço de Imigração, indeferida por este último através da Decisão de 3 de junho de 2016.

15      Nesta decisão, o Serviço de Imigração indica que Altiner filho não entrou no território dinamarquês ao mesmo tempo que I. H. Ravn e que o seu pedido de título de residência não constitui uma extensão natural do regresso de I. H. Ravn à Dinamarca. Ora, segundo este serviço, o direito de residência derivado na Dinamarca de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão dinamarquês que regressa à Dinamarca após ter residido noutro Estado‑Membro, caduca se esse membro da família não entrar no território dinamarquês ou não apresentar um pedido de título de residência na Dinamarca como uma extensão natural do regresso do cidadão dinamarquês.

16      Em 15 de junho de 2016, Altiner filho e I. H. Ravn interpuseram um recurso contra a Decisão de 3 de junho de 2016 no Københavns byret (Tribunal de Primeira Instância de Copenhaga, Dinamarca), o qual, por Decisão de 18 de outubro de 2016, remeteu o processo para o órgão jurisdicional de reenvio.

17      Este órgão jurisdicional indica que as partes discordam sobre a compatibilidade com o direito da União do requisito previsto pela regulamentação dinamarquesa, segundo a qual o direito de residência de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão dinamarquês que regressa à Dinamarca depois de ter exercido o seu direito de livre circulação, está sujeito à condição de a entrada no território dinamarquês desse membro da família ou da apresentação, por este último, de um pedido de título de residência se verificarem como uma «extensão natural» do regresso do cidadão dinamarquês em causa. Os recorrentes no processo principal consideram que tal requisito é contrário ao direito da União, nomeadamente ao artigo 21.o TFUE.

18      Foi nestas condições que o Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 21.o [TFUE e, por analogia,] a Diretiva 2004/38 [obstam] a que um Estado‑Membro recuse conferir um direito de residência derivado a um nacional de um país terceiro que seja membro da família de um cidadão da União [que é] nacional desse Estado‑Membro e que regressou a esse Estado‑Membro depois de ter exercido o seu direito de livre circulação, quando o referido membro da família não entre no território do Estado‑Membro ou não apresente um pedido de direito de residência como uma extensão natural do regresso do cidadão da União?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

19      A título preliminar, importa salientar que, nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, os Governos belga e norueguês, fazendo referência ao caráter relativamente breve das duas estadas de Altiner filho na Suécia, manifestaram algumas dúvidas quanto à questão de saber se se pode considerar que este beneficiou de uma residência efetiva nesse Estado‑Membro, de modo a permitir o desenvolvimento ou a consolidação de uma vida em família entre este e o cidadão da União em causa, no caso I. H. Ravn, de forma a conferir a Altiner filho um direito de residência derivado na Dinamarca, baseado no direito da União. O Governo norueguês entende que, nestas condições, pode considerar‑se a questão prejudicial como meramente hipotética.

20      É certo que é a residência efetiva no Estado‑Membro de acolhimento do cidadão da União e do membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, que é constitutiva, quando do regresso desse cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional, de um direito de residência derivado, com fundamento no artigo 21.o, n.o 1, TFUE, a favor do nacional de um Estado terceiro com o qual o referido cidadão manteve uma vida de família no Estado‑Membro de acolhimento.

21      No caso em apreço, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, resumidas nos n.os 13 a 15 do presente acórdão, que o pedido de título de residência, com fundamento no direito da União, apresentado por Altiner filho, foi indeferido, em última instância, pelo Serviço de Imigração, não porque as estadas de Altiner filho na Suécia não permitiram o desenvolvimento ou a consolidação de uma vida de família entre este, Altiner pai e I. H. Ravn, mas porque a sua entrada no território dinamarquês e a apresentação do seu pedido do título de residência não se verificaram concomitantemente com o regresso de I. Ravn à Dinamarca como uma extensão natural desse regresso, tal como exige a Orientação n.o 1/14.

22      Ora, em conformidade com jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 19 e 20).

23      Nestas condições, e sem prejuízo da possibilidade de o órgão jurisdicional de reenvio proceder, se for caso disso, à verificação dos pressupostos de facto do ato administrativo nele impugnado, não se pode considerar que a questão prejudicial, que se refere, no essencial, à compatibilidade com o direito da União de uma regulamentação nacional como a Orientação n.o 1/14, não tem relação alguma com o objeto do litígio no processo principal ou diz respeito a um problema de natureza hipotética.

24      Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

25      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 21.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que não prevê a concessão de um direito derivado de residência, ao abrigo do direito da União, a um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União que tenha a nacionalidade desse Estado‑Membro e que aí regressa após ter residido, ao abrigo e no respeito do direito da União, noutro Estado‑Membro, quando o referido membro da família do cidadão da União em causa não entrou no seu território ou aí não introduziu um pedido de título de residência «como uma extensão natural» do regresso a esse Estado‑Membro do cidadão da União em questão.

26      A este respeito, recorde‑se, desde já, que o Tribunal de Justiça já declarou que, quando, por ocasião de uma residência efetiva de um cidadão da União, ao abrigo e no respeito dos requisitos enunciados no artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/38, num Estado‑Membro diferente daquele de que esse cidadão é nacional, se tenha desenvolvido ou consolidado uma vida de família neste Estado‑Membro, o efeito útil dos direitos que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE confere ao cidadão da União em causa exige que a vida familiar que esse cidadão manteve no Estado‑Membro de acolhimento possa ser prosseguida quando do seu regresso ao Estado‑Membro da sua nacionalidade, através da concessão de um direito de residência derivado ao membro da família em causa, nacional de um Estado terceiro. Com efeito, na falta desse direito de residência derivado, o cidadão da União em questão seria dissuadido de abandonar o Estado‑Membro da sua nacionalidade, a fim de exercer o seu direito de residência, ao abrigo do artigo 21.o, n.o 1, TFUE, noutro Estado‑Membro, pelo facto de não ter a certeza de poder prosseguir no Estado‑Membro de que é originário uma vida de família com os seus familiares próximos assim desenvolvida ou consolidada no Estado‑Membro de acolhimento (Acórdãos de 12 de março de 2014, O. e B., C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 54, e de 5 de junho de 2018, Coman e o., C‑673/16, EU:C:2018:385, n.o 24).

27      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os requisitos de concessão, por ocasião do regresso de um cidadão da União ao Estado‑Membro da sua nacionalidade, de um direito de residência derivado com fundamento no artigo 21.o, n.o 1, TFUE, a um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse cidadão da União, com o qual este último tenha residido, unicamente na sua qualidade de cidadão da União, no Estado‑Membro de acolhimento, não deveriam, em princípio, ser mais estritos do que os previstos na Diretiva 2004/38 para a concessão desse direito de residência a um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União, que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade. Com efeito, a Diretiva 2004/38, ainda que não abranja um caso de regresso como este, deve ser aplicada por analogia no que respeita aos requisitos de residência do cidadão da União num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade, visto que, em ambos os casos, é o cidadão da União que constitui a pessoa de referência para que um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse cidadão da União, possa obter o direito de residência derivado (Acórdão de 12 de março de 2014, O. e B., C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 50).

28      Ora, há que recordar que o direito de residência derivado, reconhecido, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, aos membros da família de um cidadão da União que se tenha estabelecido no território de um Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade, não está sujeito ao requisito de que estes entrem no território desse Estado‑Membro dentro de um certo prazo após a entrada desse cidadão da União.

29      Com efeito, nos termos desta disposição, numa situação como esta, um direito de residência derivado é reconhecido aos membros da família de um cidadão da União não só quando estes «acompanham» esse cidadão num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade mas igualmente quando a este se «reúnem» nesse Estado‑Membro.

30      Assim sendo, importa recordar que o eventual direito de residência num Estado‑Membro da União de um nacional de um Estado terceiro deriva do exercício da liberdade de circulação por parte de um cidadão da União (v., neste sentido, Acórdão de 12 de março de 2014, O. e B., C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 36 e jurisprudência referida).

31      Dado que a concessão de um direito de residência derivado com fundamento no artigo 21.o, n.o 1, TFUE se destina a permitir dar continuidade, no Estado‑Membro da nacionalidade do cidadão da União em causa, à vida de família que se desenvolveu ou consolidou com um membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, no Estado‑Membro de acolhimento, as autoridades competentes do Estado‑Membro de que o cidadão da União possui a nacionalidade podem verificar, antes de conceder esse direito de residência, que essa vida de família entre o cidadão da União e o nacional de um Estado terceiro, membro da sua família, não foi interrompida antes da entrada do nacional de um Estado terceiro, no Estado‑Membro de que o cidadão da União em causa possui a nacionalidade.

32      Para efeitos dessa verificação, o Estado‑Membro em causa pode ter em conta, como um simples indício, o facto de o nacional de um Estado terceiro, membro da família de um dos seus próprios nacionais, ter entrado no seu território após um período importante subsequente ao regresso deste último a este território.

33      Todavia, não se pode excluir que uma vida de família, desenvolvida ou consolidada entre um cidadão da União e um membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, quando residiam, ao abrigo e no respeito do direito da União, no Estado‑Membro de acolhimento, prossiga apesar de esse cidadão regressar ao Estado‑Membro da sua nacionalidade, sem ser acompanhado pelo membro da sua família em causa, que se vê obrigado, nomeadamente por razões relativas à sua situação pessoal, à sua profissão ou à sua educação, a adiar a sua chegada ao Estado‑Membro de origem do cidadão da União em questão.

34      Portanto, o facto de o pedido de um título de residência não ter sido feito «como extensão natural» do regresso do cidadão da União constitui um elemento pertinente que, sem apresentar por si só um caráter determinante, pode, no âmbito de uma apreciação global, conduzir o Estado de origem do cidadão da União em causa a concluir pela inexistência de um elo de ligação entre este pedido e o exercício prévio, pelo referido cidadão, da sua liberdade de circulação e, consequentemente, pela recusa da emissão desse título de residência.

35      Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que não prevê a concessão de um direito derivado de residência, ao abrigo do direito da União, a um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União que tenha a nacionalidade desse Estado‑Membro e que aí regresse após ter residido, ao abrigo e no respeito do direito da União, noutro Estado‑Membro, quando o referido membro da família do cidadão da União em causa não entrou no território do Estado‑Membro de origem desse cidadão da União ou não introduziu aí um pedido de título de residência «como uma extensão natural» do regresso, a esse Estado‑Membro, do cidadão da União em questão, desde que essa regulamentação exija, no âmbito de uma apreciação global, que sejam igualmente tidos em conta outros elementos pertinentes, em especial os suscetíveis de demonstrar que, apesar do lapso de tempo decorrido entre o regresso do cidadão da União a esse Estado‑Membro e a entrada do membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, no mesmo Estado‑Membro, a vida de família desenvolvida e consolidada no Estado‑Membro de acolhimento não terminou de modo a justificar a concessão, ao membro da família em causa, de um direito de residência derivado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 21.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um EstadoMembro que não prevê a concessão de um direito derivado de residência, ao abrigo do direito da União, a um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União que tenha a nacionalidade desse EstadoMembro e que aí regresse após ter residido, ao abrigo e no respeito do direito da União, noutro EstadoMembro, quando o referido membro da família do cidadão da União em causa não entrou no território do EstadoMembro de origem desse cidadão da União ou não introduziu aí um pedido de título de residência «como uma extensão natural» do regresso, a esse EstadoMembro, do cidadão da União em questão, desde que essa regulamentação exija, no âmbito de uma apreciação global, que sejam igualmente tidos em conta outros elementos pertinentes, em especial os suscetíveis de demonstrar que, apesar do lapso de tempo decorrido entre o regresso do cidadão da União a esse EstadoMembro e a entrada do membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, no mesmo EstadoMembro, a vida de família desenvolvida e consolidada no EstadoMembro de acolhimento não terminou de modo a justificar a concessão, ao membro da família em causa, de um direito de residência derivado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: dinamarquês.