Language of document : ECLI:EU:C:2010:434

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 15 de Julho de 2010 1(1)

Processo C‑163/09

Repertoire Culinaire Ltd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First‑Tier Tribunal (Tax) (Reino Unido)]

«Impostos indirectos – Imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas – Álcool etílico – Vinho, vinho do Porto e conhaque para uso culinário (bebidas alcoólicas para uso culinário) – Sujeição ao imposto especial de consumo – Isenção do imposto especial de consumo – Procedimento de reembolso do imposto especial de consumo – Directiva 92/12/CEE – Directiva 92/83/CEE – Nomenclatura Combinada – Posições 2103, 2204, 2207 e 2208 da NC»





I –    Introdução

1.        A utilização do vinho para fins culinários tem uma tradição milenar na Europa. Já o gastrónomo romano Marcus Gavius Apicius (2), a quem é atribuído um dos mais antigos livros de cozinha (3), utilizava o vinho na confecção dos seus molhos (4).

2.        No caso vertente, não é tanto a correcta utilização do vinho na cozinha que é objecto de controvérsia. Na verdade, as partes em litígio no processo principal manifestaram expressamente o seu acordo em relação ao facto de, numa utilização apropriada do vinho segundo uma receita tradicional – por exemplo, para a preparação de um Bœuf Bourguignon –, o produto final não conter mais do que 5% vol. de álcool.

3.        Pelo contrário, o objecto deste pedido de decisão prejudicial consiste em saber se um determinado vinho, vinho do Porto ou conhaque destinado exclusivamente ao uso culinário está sujeito ao imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas harmonizado a nível da União e em que condições deve eventualmente ser concedida uma isenção deste imposto especial de consumo. Não se afigura existir, a este respeito, qualquer prática uniforme entre os Estados‑Membros.

4.        O vinho, o vinho do Porto e o conhaque para uso culinário controvertidos são bebidas alcoólicas às quais o produtor adicionou sal e pimenta, pelo que – em conformidade com o fim a que se destinam – apenas podem ser utilizadas para a preparação de alimentos, sendo impróprias para consumo como bebidas. Não obstante, a administração fiscal britânica (5) considera que estes produtos estão sujeitos ao imposto especial sobre o consumo de álcool. Por conseguinte, quando da sua importação da França para o Reino Unido, a administração fiscal britânica apreendeu a carga não tributada de um veículo, composta por vinho, vinho do Porto e conhaque para uso culinário (a seguir também «bebidas alcoólicas para uso culinário») destinada à empresa grossista de produtos alimentares londrina Repertoire Culinaire Ltd. O litígio entre a Repertoire Culinaire e as autoridades britânicas incide agora sobre a restituição desta mercadoria.

5.        Na verdade, a decisão da presente causa afigura‑se, em princípio, evidente, uma vez que, no acórdão Gourmet Classic (6), o Tribunal de Justiça já afirmou que o vinho para uso culinário está sujeito ao imposto especial de consumo. No entanto, no presente processo, o Tribunal de Justiça é expressamente convidado a reconsiderar a sua apreciação jurídica nesse acórdão e a complementá‑la em alguns aspectos.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia

6.        O direito da União que constitui o quadro jurídico do presente processo é definido pela Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (7) e pela Directiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (8). Além disso, para a resolução do caso vertente são relevantes partes da denominada Nomenclatura Combinada.

1.      Directiva 92/12

7.        As disposições gerais da Directiva 92/12 regulam, designadamente, em que Estado‑Membro e em que momento o imposto especial de consumo é exigível sobre as mercadorias sujeitas a este tipo de imposto. A este respeito, o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 92/12 determina o seguinte:

«O imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo […]».

8.        O artigo 7.° da Directiva 92/12 tem o seguinte teor (reproduz‑se um excerto):

«1.      No caso de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro serem detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro, o imposto será cobrado no Estado‑Membro em que os produtos são detidos.

2.      Para tal, e sem prejuízo do disposto no artigo 6.°, sempre que os produtos já introduzidos no consumo num Estado‑Membro, tal como definido no artigo 6.°, sejam entregues ou se destinem a ser entregues ou afectos, noutro Estado‑Membro, às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente ou às necessidades de um organismo de direito público, o imposto torna‑se exigível nesse outro Estado‑Membro.

[…]»

2.      Directiva 92/83

9.        A secção V da Directiva 92/83 contém, nos artigos 19.° a 23.°, disposições relativas à tributação do álcool etílico. O artigo 19.°, n.° 1, da directiva dispõe a este respeito:

«Os Estados‑Membros aplicarão ao álcool etílico um imposto especial de consumo de acordo com as disposições da presente directiva.»

10.      O artigo 20.° da Directiva 92/83 tem a seguinte redacção:

«Para efeitos de aplicação da presente directiva, por ‘álcool etílico’ entendem‑se:

–        os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2% vol. abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada,

–        os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206 de teor alcoólico adquirido superior a 22% vol.,

–        as bebidas espirituosas que contenham produtos em solução ou não.»

11.      O artigo 27.° da Directiva 92/83 figura entre as disposições da secção VII relativa às isenções e tem o seguinte teor:

«1.      Os Estados‑Membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente directiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correcta e directa das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos:

[…]

e)      Sejam utilizados para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2%;

f)      Sejam utilizados directamente ou como componentes de produtos semiacabados destinados à produção de géneros alimentícios, com ou sem recheio, desde que o teor de álcool não exceda 8,5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto, no caso dos chocolates, e 5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto, nos outros casos.

[…]

6.      Os Estados‑Membros poderão aplicar as isenções referidas no n.° 5 por reembolso do imposto especial já pago.»

3.      Nomenclatura Combinada

12.      As posições 2204 a 2208 da Nomenclatura Combinada (NC) (9), às quais é feita referência no artigo 20.° da Directiva 92/83, pertencem ao Capítulo 22 da NC («Bebidas, bebidas espirituosas e vinagres») e têm por objecto os produtos seguintes:

«2204          Vinhos de uvas frescas […]

2204 10 – Vinhos espumantes e vinhos espumosos

[…]

2204 21 – outros vinhos […] em recipientes de capacidade não superior a 2 l

[…]

      – – – – – De teor alcoólico adquirido não superior a 15% vol. […]

[…]

            – – – – – – – Vinhos brancos

[…]

            – – – – – – – Outros […]

[…]

      – – – – – De teor alcoólico adquirido superior a 15% vol. e não superior a 22% vol.:

2204 21 89 – – – – – – – Vinho do Porto

[…]

2205               Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas […]

[…]

2206               Outras bebidas fermentadas (sidra, perada, hidromel, por exemplo); misturas de bebidas fermentadas e misturas de bebidas fermentadas com bebidas não alcoólicas, não especificadas nem compreendidas em outras posições […]

[…]

2207               Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80% vol.; álcool etílico e aguardentes, desnaturados, com qualquer teor alcoólico:

2207 10 00 – Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume igual e ou superior a 80% vol.;

20207 20 00 – Álcool etílico e aguardentes com qualquer teor alcoólico, desnaturados;

2208               Álcool etílico, não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80% vol.; aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas; preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas:

2208 20 – Aguardentes de vinho ou de bagaço de uvas;

            – – em recipientes de capacidade não superior a 2 l

2208 20 12 – – – Conhaque

[...]

            – – Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80% vol., em recipientes de capacidade

2208 90 91 – – – não superior a 2 l.

2209               Vinagres […]

[…]»

13.      Na introdução do Capítulo 22 da NC, sob o título «Notas de capítulo», encontra‑se, entre outras, a seguinte informação:

«1.      O presente capítulo não compreende:

a)      Os produtos deste Capítulo (excepto os da posição 2209) preparados para fins culinários e tornados assim impróprios para consumo como bebida (posição 2103 geralmente) […]»

14.      A título complementar, importa referir a posição 2103 da NC, que faz parte do Capítulo 21 da NC («Preparações alimentícias diversas») e designa os produtos seguintes:

«2103          Preparações para molhos e molhos preparados; condimentos e temperos compostos; farinha de mostarda e mostarda preparada:

[…]

2103 90 – Outros

[…]

2103 90 90 – – Outros

[…]»

B –    Direito nacional

15.      No direito do Reino Unido, é relevante a Section (4) do Capítulo 4 do Finance Act 1995 (a seguir «FA 1995») (10). Esta disposição, adoptada, segundo as indicações fornecidas pelas partes, para transpor a Directiva 92/83, estabelece um mecanismo de reembolso do imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Esta disposição tem a seguinte redacção:

«Isenção para ingredientes alcoólicos

1.      Quem fizer prova, de forma satisfatória perante os Commissioners, de que uma bebida espirituosa sujeita a imposto, em relação à qual tenha sido liquidado o imposto,

a)      foi utilizada como ingrediente na produção ou no fabrico de um produto na acepção do n.° 2 […]

[…]

poderá requerer aos Commissioners o reembolso do imposto pago, nos termos do disposto no presente artigo.

2.      Por produtos na acepção do presente número entendem‑se:

[...]

c)      […] qualquer alimento destinado ao consumo humano que contenha álcool, com um teor alcoólico não superior a 5 litros de álcool por 100 kg de alimento.

3.      Apenas tem direito, nos termos deste artigo, ao reembolso do imposto quem

a)      tiver utilizado o álcool como ingrediente num produto na acepção do n.° 2 ou o tiver transformado em vinagre;

b)      exercer a actividade de fornecedor grossista dos produtos descritos no n.° 2 ou de vinagre;

c)      tiver produzido ou fabricado o produto ou o vinagre para efeitos dessa actividade;

d)      apresentar um pedido de reembolso em conformidade com as disposições seguintes do presente artigo e

e)      fizer prova perante os Commissioners de que estão preenchidas as condições previstas nas alíneas a) a c) e de que o reembolso solicitado não diz respeito a qualquer imposto que tenha sido reembolsado ou restituído antes da apresentação do pedido.

4.      O pedido de reembolso deve, nos termos do presente artigo, respeitar, no que se refere à forma e ao modo da sua apresentação e conteúdo, as instruções gerais ou específicas dadas pelos Commissioners.

5.      Salvo decisão em sentido contrário dos Commissioners, apenas é possível apresentar um pedido de reembolso nos termos do presente artigo quando

a)      o pedido se refira ao imposto pago sobre o álcool que, no decurso de um período de três meses que termina, o mais tardar, um mês antes da apresentação do pedido, tiver sido utilizado como ingrediente ou transformado em vinagre, e

b)      o montante do reembolso solicitado não seja inferior a 250 GBP.

6.      Os Commissioners podem, por despacho, elevar a título provisório o montante referido na alínea b) do n.° 5 […]

[…]»

III – Matéria de facto e processo principal

16.      A empresa Repertoire Culinaire Ltd. dedica‑se à actividade de comerciante grossista de géneros alimentícios em Londres.

17.      Em 10 de Julho de 2002, os funcionários da administração das alfândegas do Reino Unido interceptaram um veículo com reboque na zona de controlo aduaneiro (11) em Coquelles (França). Da inspecção ao veículo concluiu‑se que a sua carga era constituída por várias paletes de vinho branco, vinho tinto, vinho do Porto e conhaque destinadas à Repertoire Culinaire. Em particular, foram encontradas:

–        cinco paletes contendo cada uma 70 caixas de vinho branco (com 11% de vol. álcool), sendo que cada caixa continha oito litros de vinho branco, o que totalizava 2 800 litros de vinho branco,

–        cinco paletes contendo a mesma quantidade de vinho tinto (com 11% de vol. álcool),

–        uma palete com 20 caixas de vinho do Porto (com 19% de vol. álcool), sendo que cada caixa continha oito litros de vinho do Porto, num total de 160 litros, e

–        dez caixas contendo cada uma oito litros de conhaque (40% de vol. álcool) totalizando 80 litros de conhaque.

18.      Com base em investigações complementares concluiu‑se o seguinte: a embalagem do conhaque especificava «não bebível», e indicava 1% de «ingredientes». O vinho tinha 2% de ingredientes. O vinho do Porto não apresentava qualquer rótulo relativo a ingredientes. Além disso, a factura do fornecedor francês dirigida à Repertoire Culinaire continha em relação a cada uma das mercadorias a indicação «salé – poivré» (12) e o código aduaneiro 2103 90 90 89 (13).

19.      É pacífico entre as partes em litígio no processo principal que as mercadorias transportadas consistem nos denominados vinho para uso culinário, vinho do Porto para uso culinário e conhaque para uso culinário, isto é, vinho, vinho do Porto e conhaque aos quais foram acrescentados sal e pimenta quando da sua produção. Os produtos tornaram‑se impróprios para consumo como bebidas (14) através da adição do sal e da pimenta, embora possam ser utilizados para fins culinários. É impossível, a um custo economicamente razoável, reverter a adição de sal e pimenta ou isolar integralmente o conteúdo alcoólico dos produtos.

20.      O vinho para uso culinário é composto por vinho obtido exclusivamente através de um processo de fermentação. A utilização do vinho para uso culinário como ingrediente, em qualquer receita tradicional, dá sempre origem, segundo a opinião comum das partes, a um produto final com um teor alcoólico inferior a 5% vol.

21.      A administração das alfândegas do Reino Unido reteve todas as mercadorias, visto que, em seu entender, não existia um documento administrativo de acompanhamento (15), nem prova de pagamento do imposto especial de consumo do Reino Unido. Em 16 de Julho de 2002, as mercadorias foram apreendidas como sendo passíveis de perda. A restituição das mercadorias solicitada pela Repertoire Culinaire foi indeferida. Na sequência da reclamação apresentada pela Repertoire Culinaire, após revisão da matéria de facto, a decisão de indeferimento foi confirmada por decisão de 17 de Outubro de 2002. Esta decisão baseou‑se no facto de as mercadorias estarem sujeitas, enquanto bebidas alcoólicas, ao imposto especial de consumo do Reino Unido (16).

22.      Por petição de 4 de Novembro de 2002, a Repertoire Culinaire interpôs recurso da decisão proferida sobre a reclamação. O processo encontra‑se agora pendente no First‑Tier Tribunal (Tax) (17), o órgão jurisdicional de reenvio.

IV – Pedido de decisão prejudicial e tramitação no Tribunal de Justiça

23.      Por despacho de 24 de Abril de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Maio de 2009, o First‑Tier Tribunal (Tax) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as quatro questões prejudiciais seguintes:

«1)      O vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário estão sujeitos, no Estado‑Membro importador, a imposto especial de consumo nos termos da Directiva 92/83/CEE, com o fundamento de que se enquadram na definição de «álcool etílico» constante do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83?

2)      É compatível com a obrigação do Estado‑Membro de dar cumprimento à isenção prevista no artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, conjugado com o seu artigo 27.°, n.° 6, e/ou com o artigo 28.° CE, e/ou com o efeito directo dessas obrigações, e/ou com os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, restringir a isenção do vinho para uso culinário, do vinho do Porto para uso culinário e do conhaque para uso culinário aos casos em que as bebidas alcoólicas tenham sido usadas como ingrediente e apenas permitir que requeira a isenção quem tenha utilizado as bebidas alcoólicas como ingrediente em produtos e/ou exerça a actividade de grossista desses produtos e/ou os tenha produzido ou fabricado para essa actividade e sujeitar a isenção às condições adicionais de os pedidos serem efectuados no prazo de quatro meses após o pagamento do imposto e de o montante do reembolso não ser inferior a 250 GBP?

3)      O vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário, se estiverem sujeitos a imposto especial de consumo por força do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, e/ou o conhaque para uso culinário, objecto do presente recurso, devem ser considerados isentos de imposto especial de consumo à data do fabrico, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), ou, alternativamente, do artigo 27.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 92/83?

4)      À luz dos artigos 10.° e 28.° CE, que efeito tem, se o tiver, nas obrigações dos Estados‑Membros previstas nos artigos 20.° e 27.°, n.° 1, alínea f), ou, alternativamente, no artigo 27.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 92/83, o facto de o Estado‑Membro de produção ter excluído o vinho para uso culinário, o vinho do Porto para uso culinário e o conhaque para uso culinário do sistema de circulação dos produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo estabelecido pela Directiva 92/12 e permitido a sua livre circulação dentro da União Europeia?»

24.      No processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas e orais a Repertoire Culinaire e a Comissão Europeia. Além disso, os Governos polaco e português participaram na fase escrita do processo. O Governo francês interveio na audiência de 10 de Junho de 2006 (18).

V –    Apreciação

25.      Enquanto parte do sistema geral dos produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo, como foi estabelecido pela Directiva 92/12, a Directiva 92/83 obriga os Estados‑Membros a cobrar um imposto especial de consumo harmonizado a nível da União sobre o álcool e as bebidas alcoólicas. São objecto de tributação: a cerveja (secção I da Directiva 92/83), os vinhos (secção II da Directiva 92/83), as «bebidas fermentadas com excepção do vinho e da cerveja» (secção III da Directiva 92/83), os «produtos intermédios» (secção IV da Directiva 92/83) e o «álcool etílico» (secção V da Directiva 92/83).

26.      Numa primeira análise, pode ser‑se tentado a admitir que o «vinho para uso culinário», como qualquer outro vinho, está sujeito ao imposto sobre o vinho nos termos da secção II da Directiva 92/83. É também esse o caso quando o produto em questão é um vinho disponível no mercado que, em termos de paladar, não agradou ao consumidor e é, por conseguinte, designado em linguagem corrente por «vinho para uso culinário». Um vinho deste tipo é e continua a ser uma bebida, sendo simplesmente considerado, segundo a apreciação subjectiva do consumidor, de qualidade inferior e, portanto, utilizado para outros fins.

27.      No entanto, isto não é válido relativamente às bebidas alcoólicas para uso culinário aqui controvertidas. De acordo com as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos (19), estas bebidas alcoólicas para uso culinário são, devido à adição de sal e pimenta, impróprias para consumo como bebidas. Na resposta ao pedido de decisão prejudicial deve ter‑se em consideração esta situação, ainda que o Governo polaco entenda que os produtos em causa são bebíveis. É igualmente pacífico entre as partes em litígio no processo principal que as bebidas alcoólicas para uso culinário em causa podem, quando muito, ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da secção V da Directiva 92/83 («álcool etílico») mas não pelo âmbito de aplicação de nenhuma das outras secções desta directiva.

A –    Primeira questão prejudicial: conceito de «álcool etílico» na acepção da Directiva 92/83

28.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário aos quais foram adicionados sal e pimenta, sendo, por conseguinte, impróprios para consumo como bebidas, se podem enquadrar no conceito de álcool etílico na acepção do artigo 20.° da Directiva 92/83 e, consequentemente, estar sujeitos ao imposto especial harmonizado sobre o consumo de álcool. O conhaque para uso culinário não é objecto desta primeira questão prejudicial.

1.      Observação preliminar

29.      Como sinónimos correntes do conceito de álcool etílico são, por vezes, utilizadas as expressões «espírito de vinho», «espirituoso», ou simplesmente «álcool». Porém, a questão de saber se se está na presença de álcool etílico na acepção da legislação relativa ao imposto especial de consumo não depende do significado corrente deste conceito, mas sim apenas da definição estabelecida pelo legislador da União no artigo 20.° da Directiva 92/83, que sujeita precisamente três categorias de produtos, enquanto álcool etílico, ao imposto especial de consumo harmonizado. Esta disposição dedica um travessão a cada uma destas categorias.

30.      As preparações como o vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário aqui controvertidos não podem, a priori, ser enquadradas no conceito de álcool etílico sob a forma de bebidas espirituosas (artigo 20.°, terceiro travessão, da Directiva 92/83), visto que, devido à adição de sal e pimenta, são impróprias para beber.

31.      O vinho para uso culinário ou o vinho do Porto para uso culinário não podem igualmente ser incluídos nos produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206 – por outras palavras: Vinhos de uvas frescas, vermutes e outras bebidas fermentadas – (artigo 20.°, segundo travessão, da Directiva 92/83), visto que estes produtos têm também como característica comum serem bebidas. Independentemente disso, o teor alcoólico do vinho para uso culinário e do vinho do Porto para uso culinário, respectivamente de 11% vol. e 19% vol., é inferior ao teor mínimo de álcool necessário («superior a 22% vol.») para, nos termos do segundo travessão do artigo 20.° da Directiva 92/83, se poder estar perante álcool etílico na acepção da legislação relativa ao imposto especial de consumo.

32.      Resta ainda analisar se o vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário como os apreendidos no caso vertente são, porventura, abrangidos pelo primeiro travessão do artigo 20.° da Directiva 92/83. As considerações que se seguem referem‑se a esta questão.

2.      Álcool etílico na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83

33.      Nos termos do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, a expressão álcool etílico designa «os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2% vol. abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada».

34.      No acórdão Gourmet Classic, o Tribunal de Justiça considerou esta disposição aplicável ao vinho para uso culinário (20). No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça que reconsidere a análise por si feita nesse acórdão. Compartilho desta opinião.

35.      De facto, o vinho para uso culinário com 11% vol. de álcool, bem como o vinho do Porto para uso culinário com 19% vol. de álcool, atingem indubitavelmente o teor mínimo de álcool superior a 1,2% vol. exigido pelo artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83. No entanto, é necessária uma análise mais aprofundada relativamente à questão de saber se estas duas bebidas alcoólicas para uso culinário podem ser classificadas nas posições 2207 ou 2208 da NC às quais o legislador da União se refere.

–       Posição 2207 da NC

36.      A posição 2207 da NC engloba, por um lado, o álcool etílico não desnaturado com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80% (subposição 2207 10 00) e, por outro, o álcool etílico e as aguardentes, desnaturados, com qualquer teor alcoólico (subposição 2207 20 00). As bebidas alcoólicas para uso culinário em questão no caso vertente não podem ser classificadas em nenhuma destas duas subposições.

37.      A subposição 2207 10 00 não é, a priori, aplicável no caso vertente, dado que o teor alcoólico das bebidas alcoólicas para uso culinário apreendidas é bastante inferior ao teor mínimo de álcool de 80% vol. exigido para a sua aplicação.

38.      Não há igualmente lugar à aplicação da subposição 2207 20 00, visto que as bebidas alcoólicas para uso culinário não são compostas por álcool ou por aguardentes desnaturados. A desnaturação do álcool é uma operação que consiste em tornar o álcool tóxico, a fim de que seja impossível absorvê‑lo ou reconvertê‑lo para usos alimentares (21). De facto, no caso vertente, as bebidas alcoólicas para uso culinário tornaram‑se impróprias para consumo como bebidas, continuando, porém, a ser utilizáveis para o fabrico de géneros alimentícios. Além disso, os ingredientes adicionados para este fim, isto é, o sal e a pimenta, não constituem quaisquer dos desnaturantes reconhecidos no seio da União Europeia para desnaturação do álcool (22).

–       Posição 2208 da NC

39.      No que diz respeito, em seguida, à posição 2208 da NC, à data dos factos em causa (23), esta abrangia três tipos de bebidas ou líquidos alcoólicos: «Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80% vol.; aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas; preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas» (24).

40.      No caso das bebidas alcoólicas para uso culinário objecto da primeira questão prejudicial (vinho e vinho do Porto para uso culinário), não se trata de aguardentes (subposição 2208 20 da NC) nem de licores (subposição 2208 70 da NC). O vinho e o vinho do Porto para uso culinário não podem igualmente ser considerados «outras bebidas espirituosas», uma vez que, devido à adição de sal e pimenta, são impróprios para consumo como bebidas.

41.      Do mesmo modo, não é possível enquadrar o vinho e o vinho do Porto para uso culinário na categoria de «preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas». Com efeito, de acordo com o fim claro a que se destinam, estas bebidas alcoólicas para uso culinário não devem entrar na produção de quaisquer bebidas, mas exclusivamente na preparação de alimentos.

42.      Quando muito, poder‑se‑ia ponderar a classificação do vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário controvertidos na subposição 2208 90 91 da NC: «[á]lcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80% vol., em recipientes de capacidade não superior a 2 l».

43.      No entanto, na classificação de mercadorias na NC, não se deve ter apenas em consideração a redacção das diferentes posições da NC. Com efeito, as Notas de Secção e de Capítulo são igualmente relevantes (25).

44.      Da nota n.° 1, alínea a), constante da introdução ao Capítulo 22 resulta que os produtos preparados para fins culinários e, portanto, impróprios para consumo como bebidas, não pertencem ao Capítulo 22 da NC (26), devendo antes ser classificados, em geral, enquanto preparações alimentícias, na posição 2103 da NC (27).

45.      No acórdão Gourmet Classic, o Tribunal de Justiça reconhece igualmente de forma expressa que o vinho para uso culinário constitui uma preparação alimentícia, abrangida, enquanto tal, não pelo Capítulo 22, mas sim pelo Capítulo 21 da NC (28).

46.      Consequentemente, como a Repertoire Culinaire observa com razão, o vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário não podem ser considerados produtos na acepção da posição NC 2207, nem na acepção da posição NC 2208.

–       «Produto contido no produto»

47.      Não obstante, no acórdão Gourmet Classic, o Tribunal de Justiça considerou «não relevante» para a apreciação da obrigação do imposto especial de consumo a circunstância de o vinho para uso culinário ser considerado uma preparação alimentícia na acepção do Capítulo 21 da NC. O Tribunal de Justiça salientou, com efeito, que o artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83 se aplica mesmo quando os produtos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação façam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada.

48.      Baseando‑se nesta consideração, o Tribunal de Justiça afirmou que, «se tiver um teor alcoólico em volume superior a 1,2% vol., o álcool que entra na composição do vinho de cozinha constitui álcool etílico, na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, que está, sem prejuízo da isenção prevista no artigo 27.°, n.° 1, alínea f), dessa directiva, sujeito ao imposto especial sobre o consumo harmonizado» (29).

49.      Por outras palavras, o Tribunal de Justiça trata simplesmente a parte de álcool que entra na composição do vinho para uso culinário como um «produto contido no produto» sujeito ao imposto especial de consumo na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, segundo parágrafo, da Directiva 92/83.

50.      A Comissão adoptou a mesma posição. Afirmou que o artigo 20.° da Directiva 92/83 constitui uma categoria residual geral que sujeita, de forma muito genérica, os produtos que contêm álcool ao imposto especial de consumo harmonizado, sempre que estes não tenham sido já abrangidos de outro modo pela directiva.

51.      Este ponto de vista não me parece convincente. Não encontra apoio na redacção do artigo 20.° nem no contexto global da Directiva 92/83.

52.      Se o legislador da União tivesse pretendido considerar todos os produtos em que seja possível demonstrar a existência de determinadas quantidades de álcool como álcool etílico sujeito ao imposto especial de consumo, o legislador não teria necessidade de um conjunto de regras tão complexo como a Directiva 92/83. Manifestamente, porém, o objectivo consistia em definir apenas determinadas bebidas e produtos que contêm álccol em relação aos quais todos os Estados‑Membros deviam cobrar o imposto especial de consumo harmonizado (30). A Directiva 92/83 não contém em parte alguma qualquer elemento que indique que os produtos que não são abrangidos por qualquer outra disposição da directiva devam em todo o caso ser enquadrados no artigo 20.° Mesmo o próprio artigo 20.° assenta manifestamente na premissa de que nem todo o tipo de álcool deve ser tributado como álcool etílico, mas sim apenas os três grupos de produtos aí especificados que contêm álcool (31).

53.      O simples facto de um produto, como o vinho para uso culinário ou o vinho do Porto para uso culinário, conter álcool é, nos termos do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, uma condição necessária («teor alcoólico adquirido de 1,2% vol.») mas não suficiente para a cobrança do imposto especial de consumo. Acresce que esta disposição exige que o álcool assuma a forma de um determinado produto ou parte de um produto abrangido pelas posições NC 2207 e 2208.

54.      No entanto, a parte de álcool que entra na composição do vinho para uso culinário ou do vinho do Porto para uso culinário não constitui, por si só, um produto (ou parte de um produto) autónomo. De acordo com todas as informações disponíveis, o vinho para uso culinário e o vinho do Porto para uso culinário não são fabricados, em termos sintéticos, segundo a fórmula: «álcool (puro) mais água mais substâncias aromatizantes». Pelo contrário, trata‑se de vinho ou de vinho do Porto normais, resultantes de um processo de fermentação e aos quais foram simplesmente adicionados sal e pimenta. De resto, em resposta a uma pergunta na audiência, todas as partes interessadas confirmaram este facto.

55.      Portanto, o «produto contido no produto» não consiste, caso exista, em álcool tout court, mas sim em vinho ou em vinho do Porto. Estes serviram de base para a produção do vinho ou do vinho do Porto para uso culinário. Consequentemente, só o vinho ou o vinho do Porto podem ser considerados produtos (ou partes de produtos) que, na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, segundo parágrafo, da Directiva 92/83, são «parte de um [outro] produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada», designadamente, o vinho para uso culinário ou o vinho do Porto para uso culinário.

56.      O vinho e o vinho do Porto não são, por seu turno, produtos abrangidos pelas posições 2207 e 2208 da NC. Pelo contrário, ambos devem ser classificados na posição 2204 da NC (32). Assim, ainda que se considerasse o vinho ou o vinho do Porto como «produto contido no produto» (vinho para uso culinário e vinho do Porto para uso culinário), o artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83 não é aplicável, visto não ser possível classificar o «produto contido no produto» nas posições NC 2207 ou 2208 (33), cuja enumeração é taxativa.

57.      A questão de saber se, e em que condições, os produtos da posição 2204 da NC (vinho e vinho do Porto) estão sujeitos, enquanto álcool etílico, ao imposto especial de consumo, resulta unicamente do segundo travessão do artigo 20.° da Directiva 92/83 e não, pelo contrário, do seu primeiro travessão.

58.      É contrário ao princípio da segurança jurídica aplicar o disposto no artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, a despeito da sua redacção, igualmente aos produtos da posição 2204 da NC, como o vinho e o vinho do Porto. O princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípio fundamentais do direito da União (34), exige, por um lado, que as normas de direito sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos. Este imperativo impõe‑se com especial rigor quando se trata de uma regulamentação que acarrete consequências desfavoráveis para os particulares, e sobretudo, quando esta regulamentação seja susceptível de implicar encargos financeiros, para permitir aos interessados conhecer com exactidão a extensão das obrigações que lhes impõe (35).

59.      Em suma, concluo que o Tribunal de Justiça errou ao classificar, no acórdão Gourmet Classic, o «álcool que entra na composição do vinho para cozinha» na categoria de «álcool etílico prevista no artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83» (36). O Tribunal de Justiça não deverá manter a apreciação feita neste acórdão.

60.      De qualquer modo, a relevância do acórdão Gourmet Classic é relativizada pelo facto de, naquela altura, o ponto crucial consistir na admissibilidade da questão prejudicial. Nas suas conclusões, o advogado‑geral debruçou‑se exclusivamente sobre a questão da admissibilidade (37). O mérito de vários argumentos, intensamente debatidos no caso vertente pelo órgão jurisdicional nacional e pelas partes, em particular a Repertoire Culinaire, não foi discutido perante o Tribunal de Justiça nesse processo. Esta circunstância deveria, desde logo, levar a não sobrestimar o acórdão Gourmet Classic (38).

61.      Além disso, no direito da União, os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça não constituem «binding precedents» (39). Ainda que, por natureza, o Tribunal de Justiça hesite em afastar‑se de acórdãos existentes (40), no passado, em vários processos importantes, o Tribunal de Justiça reexaminou a sua jurisprudência anterior, tendo‑a, quando necessário, alterado ou esclarecido expressamente (41). Aconselho que se siga esta direcção igualmente no caso vertente.

62.      Se, no caso vertente, o Tribunal de Justiça decidir, em conformidade com a minha sugestão, afastar‑se do acórdão Gourmet Classic, não considero necessário que limite os efeitos do seu [novo] acórdão para o futuro. Segundo jurisprudência assente, uma limitação neste sentido dos efeitos do acórdão constitui um caso absolutamente excepcional. Esta limitação só se justifica quando, por razões relativas à segurança jurídica e à protecção da confiança legítima, se afigure estritamente necessária (42). Isto não se verifica no caso em apreço. Os eventuais pedidos de restituição relativos ao imposto especial de consumo pagos no passado sobre o vinho ou o vinho do Porto para uso culinário não deverão ultrapassar proporções razoáveis. Além disso, mesmo após o acórdão Gourmet Classic, já era possível solicitar uma isenção ou reembolso do imposto no âmbito do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83. Consequentemente, as administrações fiscais dos Estados‑Membros podiam já esperar, em vários casos, poderem não vir a cobrar, em última análise, o imposto especial de consumo aplicável ao vinho e ao vinho do Porto para uso culinário ou ter de o reembolsar.

3.      Conclusão intercalar

63.      Em resumo, proponho a seguinte resposta à primeira questão prejudicial:

O vinho e o vinho do Porto aos quais, com vista à sua utilização como vinho para uso culinário ou vinho do Porto para uso culinário, foram adicionados sal e pimenta em quantidades tais que estes se tornaram impróprios para consumo como bebidas, não se enquadram no conceito de álcool etílico na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83.

B –    Quanto à segunda, à terceira e à quarta questões prejudiciais: isenções fiscais possíveis relativamente às bebidas alcoólicas para uso culinário e sua configuração

64.      A segunda, a terceira e a quarta questões prejudiciais dizem respeito às isenções fiscais possíveis relativamente às bebidas alcoólicas para uso culinário e à sua configuração.

65.      De acordo com a solução por mim proposta para a primeira questão prejudicial (43), o vinho e o vinho do Porto para uso culinário apreendidos não estão sujeitos ao imposto especial de consumo, pelo que não se coloca, a este respeito, o problema de uma eventual isenção fiscal. Porém, a segunda, a terceira e a quarta questões continuam, em todo o caso, a ser relevantes para o conhaque para uso culinário apreendido, visto que este está, nos termos do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83, sujeito ao imposto especial de consumo (44).

1.      Isenções fiscais possíveis (terceira questão prejudicial)

66.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no quadro da terceira questão prejudicial, sobre qual o fundamento jurídico para isentar as bebidas alcoólicas para uso culinário do imposto especial de consumo harmonizado na acepção da Directiva 92/83 (45).

67.      Existem duas possibilidades de isenção: por um lado, ao abrigo do artigo 27.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 92/83, estão isentos do imposto especial de consumo o álcool e as bebidas alcoólicas utilizados para o fabrico de aromas usados na preparação, designadamente, de géneros alimentícios com um teor alcoólico adquirido não superior a 1,2%. Por outro, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, estão isentos do imposto especial de consumo, designadamente, o álcool ou os produtos alcoólicos utilizados para a produção de géneros alimentícios, desde que o teor alcoólico não exceda 5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto.

68.      No que diz respeito, em seguida, ao artigo 27.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 92/83, não está, de facto, à partida excluído que as bebidas alcoólicas para uso culinário sejam utilizadas para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios. Contudo, segundo toda a informação de que o Tribunal de Justiça dispõe, esta circunstância não constitui, no caso vertente, a finalidade das bebidas alcoólicas para uso culinário ou, em todo o caso, não a sua finalidade primária.

69.      As bebidas alcoólicas para uso culinário controvertidas devem, de facto, ser utilizadas directamente na preparação de géneros alimentícios e não num processo prévio à preparação de alimentos em que sejam simplesmente produzidos aromas. Os molhos preparados com a ajuda de bebidas alcoólicas para uso culinário também não são aromas na acepção do artigo 27.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 92/83. Pelo contrário, estes molhos são, eles próprios, géneros alimentícios consumidos como componentes dos alimentos ou utilizados como acompanhamento dos mesmos.

70.      Por conseguinte, para a isenção fiscal de bebidas alcoólicas para uso culinário como as controvertidas no caso vertente é relevante não a alínea e) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83, mas sim a sua alínea f). Neste sentido aponta também o facto de o vinho, o vinho do Porto e o conhaque não serem utilizados na cozinha unicamente como substância aromatizante, cumprindo antes funções mais amplas, como, por exemplo, na cozedura de carne ou no flamejar dos alimentos. A Comissão salientou com razão esta situação (46).

71.      No acórdão Gourmet Classic, o Tribunal de Justiça reconheceu igualmente que é possível isentar as bebidas alcoólicas para uso culinário do imposto especial de consumo com base no artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83 (47). Esta isenção está sujeita a três condições.

72.      Em primeiro lugar, deve tratar‑se de álcool ou de um produto alcoólico na acepção da Directiva 92/83. Isto aplica‑se, pelo menos, ao conhaque para uso culinário em causa no caso vertente, visto que, como já foi referido, o mesmo deve ser considerado como álcool etílico sujeito ao imposto especial de consumo nos termos do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83 (48).

73.      Em segundo lugar, as bebidas alcoólicas para uso culinário devem ser utilizadas para o fabrico de géneros alimentícios. É o que sucede, de igual modo, indiscutivelmente no caso vertente. O fabrico de géneros alimentícios consiste mesmo no fim exclusivo a que as bebidas alcoólicas para uso culinário apreendidas se destinam, dado que estas são impróprias para consumo como bebidas.

74.      Em terceiro lugar, o teor alcoólico não pode exceder «5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto».

75.      Nesta matéria, a redacção do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83 pode dar origem a equívocos, visto não ser claro se se trata de um limite máximo relativo ao teor alcoólico das bebidas alcoólicas para uso culinário utilizadas ou, porém, ao teor alcoólico dos géneros alimentícios produzidos. Deverá privilegiar‑se esta última hipótese.

76.      O objectivo do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83 não consiste, de facto, em privilegiar determinados métodos de produção de géneros alimentícios, em que apenas os que contêm ingredientes com um teor alcoólico relativamente baixo podem beneficiar da isenção do imposto especial de consumo. Pelo contrário, a incidência do imposto especial de consumo deve ser neutralizada sempre que o álcool seja usado como produto intermédio na preparação de outros produtos comerciais ou industriais (49).

77.      Além disso, deve ser assegurado que é cobrado imposto especial de consumo sobre o consumo efectivo de álcool, independentemente da forma como este se apresenta. Consequentemente, apenas deve ser concedida uma isenção fiscal quando o álcool residual contido nos géneros alimentícios e consumido pelo utilizador final seja inferior a um limiar de mininis fixado pelo legislador da União, nomeadamente 5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto.

78.      Determinante para a isenção fiscal é, portanto, o teor alcoólico do alimento produzido utilizando uma bebida alcoólica para uso culinário, e não o teor alcoólico em si da bebida alcoólica para uso culinário (50).

79.      No caso vertente, é ponto assente entre as partes em litígio no processo principal que a utilização do vinho para uso culinário como ingrediente de acordo com qualquer receita reconhecida dá sempre origem a um produto final com um teor alcoólico inferior a 5% vol., pelo que é possível aplicar o artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83.

80.      Deve, pois, concluir‑se a título intercalar:

As bebidas alcoólicas para uso culinário sujeitas ao imposto especial harmonizado sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas devem, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, ser isentas do referido imposto.

2.      Efeitos da introdução no consumo, no Estado de produção, de uma mercadoria isenta do imposto especial de consumo (quarta questão prejudicial)

81.      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, quais as obrigações para o Estado‑Membro importador que resultam do facto de as bebidas alcoólicas para uso culinário já terem sido introduzidas no consumo no Estado‑Membro da sua produção. De resto, a mesma problemática é já aflorada na terceira questão prejudicial (51).

82.      A fim de debater este tema é necessário distinguir as razões pelas quais uma mercadoria foi introduzida no consumo no Estado‑Membro da sua produção.

83.      Em circunstâncias normais, a introdução de uma mercadoria no consumo ocorre quando é cobrado o imposto especial de consumo aplicável no Estado‑Membro de produção (artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 92/12). Se a mercadoria em causa for em seguida, transportada para fins comerciais para outro Estado‑Membro, o imposto especial de consumo é novamente exigível nesse outro Estado‑Membro (artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 92/12), sendo reembolsado o imposto especial de consumo já pago no Estado‑Membro de origem (52). Assim, assegura‑se que uma mercadoria sujeita ao imposto especial de consumo harmonizado seja sempre tributada no Estado‑Membro em que se verifica efectivamente o seu consumo e, nomeadamente, à taxa de imposto aplicável nesse país (53).

84.      Porém, as bebidas alcoólicas para uso culinário ora controvertidas constituem mercadorias que as autoridades fiscais do Estado‑Membro de produção (França) não consideram, em absoluto, sujeitas ao imposto especial de consumo. Questionados sobre este ponto na audiência no Tribunal de Justiça, a Repertoire Culinaire e o Governo francês confirmaram esta circunstância. Por conseguinte, as bebidas alcoólicas para uso culinário foram introduzidas no consumo no Estado da sua produção desde o início, visto que, segundo as autoridades locais, não era exigível o pagamento de qualquer imposto especial de consumo sobre as mesmas.

85.      Neste caso não existe, como a Comissão sublinha correctamente, qualquer interesse em assegurar que a mercadoria seja tributada no Estado‑Membro do seu consumo (no caso vertente o Reino Unido). Pelo contrário, essa mercadoria não deve, de todo, ser tributada.

86.      Em contrapartida, a nível do direito da União, existe um interesse específico em que a obrigação do imposto especial de consumo e a isenção deste imposto sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas sejam aplicadas uniformemente em todos os Estados‑Membros e, portanto, em todo o mercado interno (54), a fim de garantir o bom funcionamento do mesmo (55).

87.      O funcionamento do mercado interno pressupõe a livre circulação de todas as mercadorias (artigo 26.°, n.° 2, TFUE e artigos 28.° a 37.° TFUE (56)), incluindo das mercadorias sujeitas ao imposto especial de consumo (57). Isto implica, segundo o princípio do reconhecimento mútuo (58), que a administração fiscal do país de destino reconheça a classificação de uma mercadoria efectuada pelas autoridades do país de origem como sujeita ou não ao imposto especial de consumo ou como isenta deste imposto (59). Com efeito, ainda que as taxas de imposto nacionais sobre o álcool e as bebidas alcoólicas possam variar fortemente, a exigibilidade do imposto, enquanto tal, está harmonizada e sujeita às mesmas condições em todos os Estados‑Membros (60).

88.      Dificultar‑se‑ia desnecessariamente a livre circulação de mercadorias no mercado interno se as autoridades do Reino Unido, num caso como o vertente, no quadro do sistema de reembolso por elas praticado [v. Section (4), n.° 1, alínea a), do FA 1995] (61), exigissem, num primeiro momento, a liquidação do imposto especial de consumo relativamente às bebidas alcoólicas para uso culinário importadas de França para, imediatamente a seguir, o reembolsarem.

89.      É certo que os Estados‑Membros estão autorizados a adoptar medidas adequadas para o combate a qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida que possa ocorrer em matéria de isenções (62). No entanto, estas medidas pressupõem a existência de elementos concretos, objectivamente verificáveis, que provem a presença de um risco sério de fraude, evasão ou abuso (63), tanto mais que, no âmbito de aplicação do artigo 27.° da Directiva 92/83, a isenção constitui a regra e a recusa da mesma a excepção (64).

90.      As afirmações gerais sobre um possível risco de fraude, evasão ou utilização abusiva relativamente a um determinado produto não autorizam o Estado‑Membro de importação a recusar, a priori, o reconhecimento de uma isenção do imposto especial de consumo concedida no Estado‑Membro de produção (65). Esta circunstância seria contrária à livre circulação de mercadorias e, além disso, também ao princípio da cooperação leal entre os Estados‑Membros.

91.      No caso vertente, de acordo com os elementos apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que as bebidas alcoólicas para uso culinário apreendidas não são bebíveis devido à adição de sal e pimenta. É impossível, a um custo economicamente razoável, reverter a adição de sal e pimenta ou isolar integralmente o conteúdo alcoólico dos produtos. Além disso, como o órgão jurisdicional de reenvio afirma, não existem quaisquer indícios que apontem para casos de abuso associados a bebidas alcoólicas para uso culinário como as aqui controvertidas. É, portanto, é possível considerar com uma certeza quase absoluta que as bebidas alcoólicas para uso culinário apreendidas são, de igual modo, efectivamente utilizadas para a produção de géneros alimentícios na acepção do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83.

92.      Com efeito, num caso como o presente, não existem indícios concretos e objectivamente verificáveis de que os produtos em questão foram erradamente considerados, no Estado‑Membro de produção, não sujeitos ao imposto especial de consumo ou isentos do pagamento deste imposto, ou que o produto em causa possa ser objecto de uma utilização contrária ao sentido e à finalidade de uma isenção fiscal. Nessas circunstâncias, a insistência da administração fiscal britânica na cobrança do imposto especial de consumo relativamente às bebidas alcoólicas para uso culinário controvertidas afigura‑se um mero formalismo impossível de ser justificado objectivamente.

93.      Assim, no seu conjunto, há que responder à quarta questão prejudicial o seguinte:

Os produtos que, no Estado‑Membro da sua produção, são introduzidos no consumo como não sujeitos ao imposto especial de consumo ou como isentos deste imposto não podem ser sujeitos às disposições relativas ao imposto especial de consumo harmonizado noutro Estado‑Membro para o qual estes produtos foram transportados para fins comerciais, excepto quando existam elementos concretos e objectivamente verificáveis no sentido de que

–        os produtos foram erradamente considerados não sujeitos ou isentos de imposto no Estado‑Membro de produção

ou

–        os produtos, isentos de imposto no Estado‑Membro de produção nos termos do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, possam ser utilizados para fins diferentes dos referidos nessa disposição.

3.      Requisitos do direito da União em matéria de isenção do imposto especial de consumo por via do reembolso (segunda questão prejudicial)

94.      Através da sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, ser esclarecido sobre quais as exigências impostas pelo direito da União em matéria de isenção do imposto especial de consumo a nível da legislação interna, em aplicação do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, quando o Estado‑Membro em causa opte pelo sistema de reembolso na acepção do n.° 6 do mesmo artigo.

95.      Esta questão coloca‑se pelo facto de, nos termos da legislação em vigor no Reino Unido, o reembolso do imposto especial de consumo relativo a bebidas alcoólicas para uso culinário apenas ser possível em condições muito restritivas enunciadas na Section (4) do FA 1995, de entre as quais, na sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta as seguintes:

–        As bebidas alcoólicas para uso culinário devem ter sido efectivamente utilizadas como ingredientes na produção de géneros alimentícios [Section (4), n.° 1, alínea a), em conjugação com o n.° 2, alínea c), do FA 1995].

–        O pedido de reembolso apenas pode ser apresentado por pessoas que tenham elas próprias utilizado as bebidas alcoólicas para uso culinário como ingrediente em produtos alimentares ou exerçam a actividade de grossista desses produtos alimentares [Section (4), n.° 3, alíneas a) e b), do FA 1995].

–        O exercício do direito de reembolso deve verificar‑se no prazo máximo de quatro meses a contar da transformação das bebidas alcoólicas para uso culinário [Section (4), n.° 5, alínea a), do FA 1995].

–        O montante do reembolso não pode ser inferior a 250 GBP [Section (4), n.° 5, alínea b), do FA 1995].

96.      Antes de mais, importa recordar que, de acordo com o artigo 27.°, n.° 6, da Directiva 92/83, os Estados‑Membros poderão aplicar a isenção do imposto especial de consumo harmonizado por reembolso do imposto especial já pago (66).

97.      A determinação das modalidades de reembolso do imposto especial de consumo compete aos Estados‑Membros. Tal resulta, por um lado, do princípio da autonomia processual e, por outro, da formulação introdutória do artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83 «[o]s Estados‑Membros isentarão [...] nas condições por eles estabelecidas [...]». A este respeito devem, todavia, observar‑se, como sempre, os princípios da equivalência e da efectividade (67).

98.      No caso vertente, não existem quaisquer indícios de que o reembolso do imposto especial de consumo, nos casos harmonizados a nível do direito da União, receba um tratamento menos favorável do que o reembolso de outros impostos especiais de consumo regulados a nível puramente interno. Por conseguinte, não se colocam quaisquer problemas relativamente ao princípio da equivalência.

99.      Porém, quanto à questão de saber se as condições relativas ao reembolso estabelecidas na Section (4) do FA 1995 são compatíveis com o princípio da efectividade, é necessária uma discussão mais aprofundada. Este princípio exige que o reembolso do imposto especial de consumo não se torne impossível na prática ou excessivamente difícil (68). Acresce, segundo o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83, que as condições relativas ao reembolso devem destinar‑se a «assegurar a aplicação correcta e directa» das isenções do imposto especial de consumo e «evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida».

100. O facto de, nos termos da Section (4) do FA 1995, as bebidas alcoólicas para uso culinário deverem ter sido efectivamente utilizadas para a produção de géneros alimentícios não viola, por si só, as exigências impostas pelo direito da União. É, alias, da natureza de um sistema de reembolso na acepção do artigo 27.°, n.° 6, da Directiva 92/83 que o imposto especial de consumo a reembolsar diga respeito ao álcool que já tenha sido utilizado como ingrediente para fins culinários.

101. Como foi referido (69), apenas no caso de bebidas alcoólicas para uso culinário importadas as autoridades do Estado de importação devem reconhecer uma isenção fiscal já concedida no Estado de produção. Neste caso, estas autoridades não podem exigir, num primeiro momento, o pagamento do imposto especial de consumo e, em seguida, – após a sua utilização para fins culinários – a apresentação do pedido de reembolso.

102. É, porém, problemático, face a uma regulamentação como a da Section (4) do FA 1995, que esta disposição exclua os reembolsos do imposto especial de consumo sempre que o montante de reembolso seja inferior a 250 GBP. Este montante mínimo pode inclusivamente ser elevado pela administração fiscal [Section (4), n.° 5, alínea b) e n.° 6 do FA 1995].

103. De facto, o direito da União não exclui, em princípio, que um Estado‑Membro possa não reembolsar somas mínimas. Porém, contrariamente ao que sucede com o imposto sobre o valor acrescentado (70), a Directiva 92/83 não prevê qualquer possibilidade nesse sentido. Ainda que se admitisse que, mesmo sem autorização expressa da directiva, é possível introduzir limites mínimos na legislação nacional, o montante de 250 GBP não pode, em caso algum, ser considerado adequado (71). Pelo contrário, trata‑se de um montante claramente superior a qualquer limiar de minimis concebível.

104. A isto acresce que o limite mínimo previsto numa norma como a da Section (4) do FA 1995 está relacionado com a limitação do círculo de pessoas autorizadas a apresentar um pedido bem como com o prazo relativamente curto para a apresentação desse pedido. Estes elementos normativos – montante mínimo, prazo para apresentação do pedido e círculo limitado de pessoas autorizadas a apresentar um pedido – reforçam‑se mutuamente nos seus efeitos.

105. Como a Repertoire Culinaire demonstrou claramente no processo no Tribunal de Justiça, com base na taxa do imposto especial de consumo aplicável em 2002 no Reino Unido (72), teria sido necessário consumir pelo menos 215 garrafas de vinho para uso culinário durante um período de três meses para atingir o montante mínimo de 250 GBP exigido para o reembolso do imposto especial de consumo segundo a Section (4) do FA 1995. Nenhuma das partes do processo contestou estes dados.

106. Sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio da sua exactidão, facilmente se pode concluir com base nestes dados que, no Reino Unido, apenas os grandes consumidores de bebidas alcoólicas para uso culinário poderão beneficiar da isenção do imposto especial de consumo aplicável em virtude do artigo 27.°, n.° 1, alínea f). Um grande número de restaurantes e outras empresas, que apenas ocasionalmente utilizam bebidas alcoólicas para uso culinário e, em todo o caso, numa quantidade reduzida quando da preparação de alimentos, estão praticamente excluídos da possibilidade de beneficiar da isenção do imposto especial de consumo atendendo ao carácter rigoroso do regime britânico de reembolso.

107. Acresce que a Section (4), n.° 3, do FA 1995 confere o direito de apresentar um pedido de reembolso do imposto especial de consumo exclusivamente às pessoas que tenham elas próprias utilizado as bebidas alcoólicas para uso culinário como ingrediente em produtos alimentares ou exerçam a actividade de comércio grossista desses produtos. Por conseguinte, um grossista como a Repertoire Culinaire, que apenas comercializa as bebidas alcoólicas enquanto tais e não produtos alimentares produzidos a partir dessas bebidas, não tem qualquer direito a apresentar um pedido.

108. Em suma, uma norma como a da Section (4) do FA 1995 acaba por tornar praticamente inoperante a isenção do imposto especial de consumo – prevista de forma obrigatória – na acepção do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83. Isto contraria o disposto pelo direito da União, de acordo com o qual as condições estabelecidas pelos Estados‑Membros devem proporcionar uma aplicação correcta e directa das isenções (artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83). De igual modo, o princípio segundo o qual, no âmbito de aplicação do artigo 27.° da Directiva 92/83, a isenção constitui a regra e a recusa a excepção (73), é desta forma subvertido.

109. De facto, é verdade que, na sua legislação nacional relativa à isenção ou ao reembolso do imposto especial de consumo, os Estados‑Membros podem ter igualmente em conta a exigência de evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida (74). No entanto, como atrás se indicou, no caso de recusa de isenção ou de reembolso do imposto especial de consumo, devem existir elementos concretos e objectivamente verificáveis que provem a existência de um abuso. Segundo todas as informações à disposição do Tribunal de Justiça, não é este o caso das bebidas alcoólicas para uso culinário controvertidas. Uma regulamentação que prevê um prazo de caducidade relativamente curto para a apresentação dos pedidos de reembolso, que exclui o reembolso de montantes inferiores a 250 GBP e, além disso, recusa, em geral, aos grossistas de bebidas alcoólicas para uso culinário o direito de apresentar um pedido de reembolso do imposto especial de consumo, ultrapassa claramente o objectivo legítimo de luta contra os abusos.

110. Tudo ponderado, há que responder à segunda questão submetida o seguinte:

Uma regulamentação nacional que prevê, para o reembolso do imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas para uso culinário, um prazo de caducidade de quatro meses e um montante mínimo de reembolso de 250 GBP, e que exclui os grossistas de bebidas alcoólicas para uso culinário do círculo das pessoas autorizadas a apresentar um pedido, viola o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83 e o princípio da efectividade.

VI – Conclusão

111. Atentas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial do First‑Tier Tribunal (Tax) do Reino Unido nos seguintes termos:

1)      O vinho e o vinho do Porto, aos quais, com vista à sua utilização como vinho para uso culinário ou vinho do Porto para uso culinário, foram adicionados sal e pimenta em quantidades tais que estes se tornaram impróprios para consumo como bebidas, não se enquadram no conceito de álcool etílico na acepção do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83.

2)      As bebidas alcoólicas para uso culinário sujeitas ao imposto especial harmonizado sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas devem, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, ser isentas do referido imposto.

3)      Os produtos que, no Estado Membro da sua produção, são introduzidos no consumo como não sujeitos ao imposto especial de consumo ou como isentos deste imposto não podem ser sujeitos às disposições relativas ao imposto especial de consumo harmonizado noutro Estado‑Membro para o qual estes produtos foram transportados para fins comerciais, excepto quando existam elementos concretos e objectivamente verificáveis no sentido de que

–        os produtos foram erradamente considerados não sujeitos ou isentos de imposto no Estado‑Membro de produção

ou

–        os produtos, isentos de imposto no Estado‑Membro de produção nos termos do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83, possam ser utilizados para fins diferentes dos referidos nessa disposição.

4)      Uma regulamentação nacional que prevê, para o reembolso do imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas para uso culinário, um prazo de caducidade de quatro meses e um montante mínimo de reembolso de 250 GBP, e que exclui os grossistas de bebidas alcoólicas para uso culinário do círculo das pessoas autorizadas a apresentar um pedido, viola o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83 e o princípio da efectividade.


1 – Língua original: alemão.


2 – Marcus Gavius Apicius deverá ter vivido no século I d.C. na Roma antiga. Na sua «História Natural», Plínio, o Velho, caracteriza‑o como o maior de todos os esbanjadores e glutões (nepotum omnium altissimus gurges; v. Plin. hist. nat. 10, 133), nascido para todos os tipos de luxo (ad omne luxus ingenium natus; v. Plin. hist. nat. 9, 66).


3 – De re coquinaria (Da arte culinária). A versão deste livro de receitas que chegou até aos dias de hoje data, todavia, dos séculos III e IV d.C., não podendo, portanto, ter sido redigida pelo próprio Apicius.


4 – V., a título de exemplo, a receita de um ius in elixam omnem (molho para todo o tipo de carne cozinhada), atribuída a Apicius, in: De re coquinaria, livro VII, 6.ª secção.


5 – The Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Excise Duties).


6 – Acórdão de 12 de Junho de 2008, Gourmet Classic (C‑458/06, Colect., p. I‑4207).


7 – JO L 76, p. 1.


8 – JO L 316, p. 21.


9 – A NC consta do Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1). A versão da NC pertinente é a aplicável à data da adopção da Directiva 92/83, portanto, em 19 de Outubro de 1992 (v. quarto considerando da Directiva 92/83); esta versão tem por base o Regulamento (CEE) n.° 2587/91 da Comissão, de 26 de Julho de 1991 (JO L 259, p. 1) e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1992.


10 – Lei das finanças de 1995.


11 – United Kingdom Customs Control Zone.


12 – «Com sal e pimenta».


13 – No entanto, um empregado do transportador indicou a referência «2103 90 90 59» como código aduaneiro, devendo, porém, ter‑se tratado de um erro, visto que esse código não existe.


14 – Com base nos documentos apresentados no processo administrativo conclui‑se, de acordo com o despacho de reenvio, que o vinho se tornou não bebível pela adição de 10 gramas de sal e 10 gramas de pimenta por litro.


15 – Accompanying Administrative Document (AAD).


16 – A 18 de Julho de 2002, foram emitidos dois avisos de liquidação de imposto especial de consumo – 53,853 GBP em relação à mercadoria vendida e 5,884 GBP em relação à mercadoria existente. Estes avisos de liquidação foram confirmados pelo London Appeals and Reconsiderations Team em 27 de Setembro de 2002.


17 – Tribunal tributário.


18 – No entanto, o Governo francês limitou‑se a expressar a sua opinião relativamente à primeira questão prejudicial.


19 – Jurisprudência assente; v., entre muitos, acórdãos de 15 de Novembro de 1979, Denkavit Futtermittel (36/79, Recueil, p. 3439, n.° 12), de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich (C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 54), e de 4 de Junho de 2009, Mickelsson e Roos (C‑142/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).


20 – Acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6, n.° 39).


21 – Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Itália/Comissão (C‑482/98, Colect., p. I‑10861, n.os 21 e 22).


22 – V., a este respeito, Regulamento (CE) n.° 3199/93 da Comissão, de 22 de Novembro de 1993, relativo ao reconhecimento mútuo dos processos de desnaturação total do álcool para efeitos de isenção do imposto especial de consumo (JO L 288, p. 12). De acordo com este regulamento, a desnaturação efectuada em França, país de origem das bebidas alcoólicas para uso culinário, pressupõe a adição de metileno e de álcool isopropílico. No Reino Unido, país de destino das bebidas alcoólicas para uso culinário, são utilizadas a denominada «wood naphta» e a piridina em bruto. Segundo este regulamento, o sal e a pimenta não são reconhecidos em nenhuma parta da União Europeia como desnaturantes.


23 – A versão da NC pertinente é a aplicável à data da adopção da Directiva 92/83, ou seja, em 19 de Outubro de 1992 (v. quarto considerando da Directiva 92/83).


24 – A redacção actualmente em vigor da posição 2208 da NC deixou de conter a referência às «preparações alcoólicas compostas, dos tipos utilizados na fabricação de bebidas». Esta alteração da redacção da posição 2208 da NC foi efectuada pelo Regulamento (CE) n.° 2448/95 da Comissão, de 10 de Outubro de 1995 (JO L 259, p. 1); v., por último, a NC na versão do anexo I do Regulamento (CE) n.° 948/2009 da Comissão, de 30 de Setembro de 2009 (JO L 287, p. 1).


25 – V. ponto A, n.° 1, segundo período, das Regras Gerais, que são reproduzidas na Parte I, Título I, da NC.


26 – A única excepção a esta regra consiste, nos termos da nota n.° 1, alínea a), referida, nos vinagres e seus sucedâneos obtidos a partir do ácido acético, em relação aos quais o Capítulo 22 prevê uma posição própria (posição 2209 da NC).


27 – Ainda mais claras são as notas explicativas da Organização Mundial das Alfândegas (a seguir «OMA») a respeito dos Capítulos 21 e 22 do Sistema Harmonizado (SH), que correspondem às seguintes posições da NC: nas notas explicativas da OMA relativas à posição 2103, o vinho para uso culinário e o conhaque para uso culinário são referidos expressamente como exemplos de produtos nela incluídos, ao passo que nas notas explicativas relativas à posição 2208, o vinho para uso culinário e o conhaque para uso culinário são referidos expressamente como exemplos de produtos excluídos dessa posição. Estas notas explicativas encontram‑se disponíveis na Internet, no seguinte endereço < http://harmonizedsystem.wcoomdpublications.org > (consultado por último em 6 de Maio de 2010). Segundo jurisprudência assente, estas notas explicativas contribuem de modo importante para a interpretação do alcance das diferentes posições da NC, sem contudo serem juridicamente vinculativas [acórdão de 20 de Maio de 2010, Data I/O (C‑370/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30, com outras referências)].


28 – Acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6, n.° 35); no mesmo sentido, as orientações da Comissão, aprovadas quase por unanimidade pelo Comité dos Impostos Especiais de Consumo, na sua reunião de 26 e 27 de Novembro de 2001 (documento CED n.° 372 final, de 11 de Novembro de 2002).


29 – Acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6, n.° 39); no mesmo sentido, as orientações da Comissão, aprovadas quase por unanimidade pelo Comité dos Impostos Especiais de Consumo, na sua reunião de 26 e 27 de Novembro de 2001 (documento CED n.° 372 final, de 11 de Novembro de 2002).


30 – V. igualmente o terceiro considerando da Directiva 92/83 («é necessário fixar definições comuns para todos os produtos em causa») e o seu quarto considerando («é necessário que essas definições se baseiem nas estabelecidas na Nomenclatura Combinada»); sublinhado meu.


31 – V., igualmente, décimo quinto considerando da Directiva 92/83 («a todo o álcool etílico na acepção da presente directiva»); sublinhado meu.


32 – O vinho tranquilo, em recipientes de capacidade não superior a 2 l, produzido na União Europeia e com um teor alcoólico não superior a 15% vol., enquadra‑se nas subposições 2204 21 11 a 2204 21 84 da NC; o vinho do Porto com um teor alcoólico adquirido superior a 15% vol. mas inferior ou igual a 22% vol. enquadra‑se na subposição 2204 21 89.


33 – Quando muito, o conhaque que serve de base para a produção do conhaque para uso culinário enquadra‑se, enquanto aguardente, na posição NC 2208 20 12. No entanto, o conhaque para uso culinário, como já foi referido inicialmente, não é objecto desta primeira questão prejudicial.


34 – Acórdãos de 14 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão (C‑110/03, Colect., p. I‑2801, n.° 30), e de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 68).


35 – V., a este propósito e em termos gerais, acórdãos de 18 de Novembro de 2008, Förster (C‑158/07, Colect., p. I‑8507, n.° 67), e de 14 de Janeiro de 2010, Stadt Papenburg (C‑226/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45), e, especificamente em relação a regulamentações que impõem encargos a nível financeiro, acórdãos de 15 de Dezembro de 1987, Países Baixos/Comissão (326/85, Colect., p. 5091, n.° 24); de 16 de Setembro de 2008, Isle of Wight Council e o. (C‑288/07, Colect., p. I‑7203, n.° 47), e de 10 de Setembro de 2009, Plantanol (C‑201/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 46).


36 – Acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6, n.° 39).


37 – Conclusões do advogado‑geral Y. Bot apresentadas em 3 de Abril de 2008 no processo Gourmet Classic (já referido na nota 6).


38 – V., neste sentido, acórdão de 16 de Maio de 2000, Bélgica/Espanha («Rioja», C‑388/95, Colect., p. I‑3123, em especial n.os 51 e 52).


39 – Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak apresentadas em 28 de Março de 2007 no processo Internationaler Hilfsfonds/Comissão (C‑331/05 P, Colect., p. I‑5475, n.° 85).


40 – Conclusões do advogado‑geral M. Lagrange apresentadas em 13 de Março de 1963 no processo Da Costa e o. (28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233, n.° 91) e do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 1 de Fevereiro de 2006 no processo Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.os 28 e 29).


41 – Acórdãos de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097, n.° 14), e de 25 de Julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, Colect., p. I‑6241, n.° 58).


42 – Acórdãos de 2 de Fevereiro de 1988, Blaizot e o. (24/86, Colect., p. 379, n.° 28), de 15 de Março de 2005, Bidar (C‑209/03, Colect., p. I‑2119, n.° 67), e de 13 de Abril de 2010, Bressol e o. e Chaverot e o. (C‑73/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 91).


43 – V., supra, n.° 28 a 63 das presentes conclusões.


44 – O conhaque para uso culinário contém conhaque e, portanto, aguardente na acepção da posição 2208 da NC, pelo que, enquanto álcool etílico, está sujeito ao imposto especial harmonizado sobre o consumo de álcool, nos termos do artigo 20.°, primeiro travessão, da Directiva 92/83.


45 – Na medida em que a terceira questão prejudicial tem em consideração o momento em que se verifica a isenção do imposto especial de consumo («devem ser considerados isentos de imposto especial de consumo à data do fabrico»), esta sobrepõe‑se à quarta questão, pelo que será examinada neste contexto (n.os 81 a 93 destas conclusões).


46 – A Comissão afirma que as bebidas alcoólicas para uso culinário servem para tornar a carne mais tenra («tenderising meat»).


47 – Acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6, n.° 39); o acórdão referia‑se ao vinho de cozinha.


48 – V. supra nota 44. Em contrapartida, esta hipótese apenas se aplica ao vinho para uso culinário e ao vinho do Porto para uso culinário controvertidos se o Tribunal de Justiça, ao contrário do que proponho, mantiver a jurisprudência do acórdão Gourmet Classic (já referido na nota 6).


49 – Acórdão de 19 de Abril de 2007, Profisa (C‑63/06, Colect., p. I‑3239, n.° 17).


50 – O teor alcoólico do ingrediente é apenas relevante enquanto questão prévia no quadro da primeira condição do artigo 27.°, n.° 1, alínea f), da Directiva 92/83 (supra, n.° 72 destas conclusões) e quando for necessário determinar se uma bebida espirituosa está efectivamente sujeita ao imposto especial de consumo (v., por exemplo, artigo 20.°, primeiro ou segundo travessões, da Directiva 92/83).


51 – Com a terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as bebidas alcoólicas para uso culinário sujeitas ao imposto especial de consumo, uma vez que se destinam à preparação de alimentos, «devem ser considerad[a]s isent[a]s de imposto [especial] de consumo [desde logo] à data do [seu] fabrico».


52 – Artigo 22.° em conjugação com o artigo 7.° da Directiva 92/12; v., igualmente, décimo oitavo considerando da referida directiva e acórdão de 23 de Novembro de 2006, Joustra (C‑5/05, Colect., p. I‑11075, n.° 30).


53 – Estas taxas de imposto podem variar consideravelmente de um Estado‑Membro para outro.


54 – Quarto considerando da Directiva 92/12 («para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros.»); v., neste sentido, igualmente acórdãos de 2 de Abril de 1998, EMU Tabac e o. (C‑296/95, Colect., p. I‑1605, n.° 22), de 5 de Abril de 2001, Van de Water (C‑325/99, Colect., p. I‑2729, n.° 39), e Joustra (já referido na nota 52, n.° 27).


55 – Primeiro considerando da Directiva 92/12 e terceiro considerando da Directiva 92/83.


56 – Anteriormente artigo 14.°, n.° 2, CE e artigos 23.° a 31.° CE.


57 – Primeiro considerando da Directiva 92/12.


58 – Este princípio encontra‑se, desde o acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral («Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327, n.° 14), bem consolidado na jurisprudência relativa à livre circulação de mercadorias; v., a título de exemplo, acórdão de 22 de Outubro de 1998, Comissão/França («Foie gras», C‑184/96, Colect., p. I‑6197, n.° 28).


59 – O reconhecimento mútuo esteve igualmente na origem do acórdão Itália/Comissão (já referido na nota 21). Levantava‑se aí a questão de saber em que condições um Estado‑Membro pode excepcionalmente recusar o reconhecimento – em princípio exigido – das isenções fiscais concedidas por outros Estados‑Membros.


60 – V., ainda, quarto considerando da Directiva 92/12.


61 – Este sistema de reembolso baseia‑se na opção consagrada no artigo 27.°, n.° 6, da Directiva 92/83 e prevê que o imposto especial sobre o consumo de álcool seja em primeiro lugar cobrado e, em seguida, em determinadas condições, novamente reembolsado. No caso das bebidas alcoólicas para uso culinário, o reembolso só ocorre quando as bebidas espirituosas tenham sido efectivamente transformadas aquando da preparação de géneros alimentícios.


62 – V., a este respeito, a fórmula introdutória do artigo 27.°, n.° 1, bem como o vigésimo segundo considerando da Directiva 92/83.


63 – Acórdão Itália/Comissão (já referido na nota 21, n.° 52); no mesmo sentido – embora num contexto diferente – acórdãos de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, Colect., p. I‑1609, n.° 75), e de 7 de Julho de 2005, Comissão/Áustria (C‑147/03, Colect., p. I‑5969, n.° 68).


64 – V. neste sentido – no que se refere ao artigo 27.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 92/83 – acórdãos Itália/Comissão (já referido na nota 21, n.° 50) e Profisa (já referido na nota 49, n.° 18).


65 – Segundo jurisprudência assente, o simples recurso a disposições jurídicas ou a possibilidades de configuração fiscal não é suficiente para se concluir pela existência de um abuso; v., por exemplo, acórdãos de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, Colect., p. I‑7995, n.os 36 e 37); de 14 de Setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer (C‑386/04, Colect., p. I‑8203, n.° 61), e de 30 de Janeiro de 2007, Comissão/Dinamarca (C‑150/04, Colect., p. I‑1163, n.° 58).


66 – V., igualmente, décimo oitavo considerando da Directiva 92/83.


67 – Jurisprudência assente; v., entre muitos, acórdãos proferidos em diferentes contextos de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana (61/79, Recueil, p. 1205, n.os 22 a 25); de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n.° 12); de 15 de Setembro de 1998, Edis (C‑231/96, Colect., p. I‑4951, n.° 34); de 6 de Outubro de 2005, MyTravel (C‑291/03, Colect., p. I‑8477, n.° 17), e de 26 de Janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C‑118/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31).


68 – V., ainda, acórdãos, já referidos na nota 67, San Giorgio (n.° 12), Edis (n.° 34) e MyTravel (n.° 17); no mesmo sentido, acórdãos de 15 de Abril de 2008, Impact (C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 46), e de 29 de Outubro de 2009, Pontin (C‑63/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 43).


69 – V. as minhas considerações quanto à quarta questão prejudicial (n.os 81 a 93 das presentes conclusões).


70 – V., artigo 183.°, n.° 2, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), respeitante ao reembolso e ao reporte do imposto pago a montante.


71 – Em 16 de Julho de 2002, data da apreensão das bebidas alcoólicas para uso culinário controvertidas, este montante correspondia aproximadamente a 388 euros; em 10 de Junho de 2010, data da audiência no presente processo prejudicial, correspondia aproximadamente a 302 euros.


72 – A Repertoire Culinaire refere‑se ao período anterior a 27de Abril de 2002, do qual procede, segundo as indicações desta empresa, a maior parte dos seus pedidos de reembolso do imposto especial de consumo.


73 – V. ainda – relativamente ao artigo 27.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 92/83 – acórdãos Itália/Comissão (já referido na nota 21, n.° 50) e Profisa (já referido na nota 49, n.° 18).


74 – V., a este respeito, a fórmula introdutória do artigo 27.°, n.° 1, e o vigésimo segundo considerando da Directiva 92/83.