Language of document : ECLI:EU:C:2013:340

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

30 de maio de 2013 (*)

«Diretiva 93/13/CEE ― Cláusulas abusivas que figuram nos contratos celebrados com os consumidores ― Exame oficioso, pelo juiz nacional, do caráter abusivo de uma cláusula contratual ― Consequências a retirar pelo juiz nacional da declaração do caráter abusivo da cláusula»

No processo C‑397/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Fővárosi Bíróság (Hungria), por decisão de 12 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2011, no processo

Erika Jőrös

contra

Aegon Magyarország Hitel Zrt.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, E. Levits, M. Safjan e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Governo húngaro, por K. Szíjjártó e Z. Fehér, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung, M. van Beek e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), em particular, do seu artigo 6.°, n.° 1.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. Jörös à Aegon Magyarország Hitel Zrt. (a seguir «Aegon»), relativamente a montantes devidos em execução de um contrato de crédito celebrado entre essas partes.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 define a cláusula abusiva nestes termos:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

4        O artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva especifica:

«[...] o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

5        Por força do disposto no artigo 5.° da referida diretiva:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. [...]»

6        No que se refere aos efeitos ligados ao reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula, o artigo 6.°, n.° 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

 Direito nacional

 Direito material

7        Nos termos do artigo 209.°, n.° 1, da Lei IV de 1959, relativa ao Código Civil (a Polgári Törvénykönyvről szóló 1959. évi IV. törvény, a seguir «Código Civil»), em vigor à data da celebração do contrato de crédito em causa no processo principal, «as condições gerais de contratos ou as cláusulas de contratos de consumo que não sejam objeto de negociação individual são consideradas abusivas, se, violando a exigência de boa‑fé e lealdade, estipularem unilateral e infundadamente os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, em detrimento da parte contratante que não tiver estipulado as cláusulas».

8        O artigo 209.°/A, n.° 2, do Código Civil previa que tais cláusulas são nulas.

9        De acordo com o artigo 2.°, alínea d), do Decreto Governamental 18/1999 (II. 5.), relativo às cláusulas consideradas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores [a fogyasztóval kötött szerződésben tisztességtelennek minősülő feltételekről szóló 18/1999 (II. 5.) kormányrendelet], de 5 de fevereiro de 1999 (Magyar Közlöny 1999/8), presumem‑se, em particular, abusivas, salvo prova em contrário, as cláusulas que permitam ao cocontratante de um consumidor modificar o contrato de forma unilateral, sem ter de invocar qualquer justificação, e, nomeadamente, aumentar a contrapartida financeira fixada pelo contrato, ou que permitam a esse cocontratante modificar o contrato de forma unilateral por uma justa causa definida no contrato, se, nesse caso, o consumidor não tiver direito a denunciar ou rescindir o contrato com efeitos imediatos.

 Direito processual

10      Segundo o artigo 3.°, n.° 2, da Lei III de 1952, relativa ao Código de Processo Civil (a polgári perrendtartásról szóló 1952. évi III. törveny, a seguir «Código de Processo Civil»), na falta de disposição legal em contrário, o juiz deve cingir‑se às conclusões e aos argumentos jurídicos apresentados pelas partes.

11      Em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 1, alínea k), do Código de Processo Civil, as ações que visem determinar a invalidade de cláusulas contratuais abusivas de harmonia, nomeadamente, com o artigo 209.°/A, n.° 2, do Código Civil são da competência dos tribunais de província.

12      O parecer 2/2010/VI.28./PK da Secção Cível Mista do Legfelsőbb Bíróság (Supremo Tribunal da Hungria), de 28 de junho de 2010, relativo a certas questões de processo respeitantes às ações de declaração de nulidade, introduz as seguintes especificações:

«4.      a) Um órgão jurisdicional só deve ter em conta oficiosamente casos de nulidade manifesta que possam ser claramente apurados com base nos elementos de prova disponíveis. [...]

      b) O conhecimento oficioso de um caso de nulidade em sede de recurso é obrigatório se a existência de uma causa de nulidade decorrer claramente dos elementos do processo de primeira instância [...]

5.      a) [...] Em processo civil, o tribunal deve geralmente cingir‑se à exposição das circunstâncias de facto que figuram na petição, ao objeto desta e, portanto, ao direito que a parte pretende exercer. Em conformidade com o disposto no artigo 121.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a petição deve mencionar o direito invocado, mas não um fundamento jurídico concreto. O facto de ter de se cingir à petição não implica, portanto, que o órgão jurisdicional esteja sujeito ao fundamento jurídico invocado sem razão pela parte. Se os factos expostos pela parte derem outro fundamento à petição ou ao pedido reconvencional, o órgão jurisdicional pode restituir a sua verdadeira qualificação à relação de direito.

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 4 de julho de 2007, E. Jőrös celebrou um contrato de crédito com a Aegon, uma instituição financeira húngara, de um montante de cerca de 160 000 francos suíços (CHF), pago em forints húngaros (HUF), cujo termo estava fixado para 15 de agosto de 2024.

14      O referido contrato, celebrado com base num formulário pré‑redigido pela instituição financeira, previa o pagamento de juros, à taxa de 4,5% ao ano na altura da celebração do contrato, e de custos de gestão, cuja taxa era de 2,2% ao ano nessa mesma data. Uma comissão de utilização igual a 1,5% do montante total do empréstimo, com um mínimo de 250 CHF e um máximo de 1 759 CHF, era devida na liquidação. A taxa anual efetiva global do crédito ascendia a 7,658%.

15      A cláusula 3.2 da parte geral II do contrato de crédito celebrado entre E. Jőrös e a Aegon dispunha que o mutuante tinha o direito, no fim de cada exercício e para o exercício seguinte, de alterar o montante dos custos de gestão segundo uma tabela e segundo as regras definidas por um regulamento permanente dessa instituição financeira.

16      A cláusula 8.2 do contrato estipulava que o mutuante tinha o direito de alterar de forma unilateral a taxa de juro ou o montante dos outros custos previstos no referido contrato, bem como de introduzir novas categorias de comissões e de custos, no caso de alteração dos custos ligados ao financiamento da operação.

17      A cláusula 12.2 desse mesmo contrato previa que, se, na sequência da alteração de uma qualquer disposição legal ou administrativa ou ainda de variações na interpretação dessas disposições, a Aegon se encontrasse exposta a novos custos que não tivesse podido prever no momento de assinar o contrato, o mutuário seria obrigado a pagar, a pedido dessa instituição, um montante que cobrisse esses custos ou, em alternativa, a referida instituição teria o direito de alterar de forma unilateral a taxa do empréstimo ou o montante das comissões.

18      O contrato de crédito não previa, em caso de modificação unilateral pela instituição financeira, qualquer direito de rescisão com efeito imediato por parte do mutuário.

19      E. Jőrös propôs uma ação contra a Aegon, instituição mutuante, no Pesti Központi kerületi bíróság (Tribunal Central de Distrito do Centro de Pest). Nessa ação, invocou a invalidade parcial do contrato de crédito, alegando o caráter usurário, contrário aos bons costumes e fictício das suas disposições. Todavia, não pediu ao juiz que declarasse a nulidade parcial desse contrato a título do caráter abusivo das suas disposições.

20      O Pesti Központi kerületi bíróság julgou improcedente a ação de E. Jőrös por decisão de 2 de dezembro de 2010. Resulta dos fundamentos dessa decisão que E. Jőrös não tinha conseguido demonstrar o caráter usurário, contrário aos bons costumes e fictício das disposições controvertidas do contrato de crédito.

21      E. Jőrös recorreu dessa decisão para o Fővárosi Bíróság. (atual Fővárosi Törvényszék). Invocou a nulidade das cláusulas 3.2, 8.1, 8.2 e 12.2 do contrato de crédito, pela razão de que estas são manifestamente contrárias aos bons costumes porquanto dão ao credor a faculdade de alterar as cláusulas do contrato de maneira unilateral e fazem suportar ao devedor as consequências das alterações posteriores introduzidas pelo credor, mas sobre as quais o devedor não tem nenhuma influência. Alega que, na sequência das alterações ocorridas em aplicação dessas cláusulas, o montante do empréstimo e o encargo do reembolso aumentaram em tais proporções que já não pode fazer‑lhes face.

22      Nestas condições, o Fővárosi Bíróság decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É conforme com o disposto no artigo 7.°, n.° 1, da [Diretiva 93/13] o procedimento do tribunal nacional que, após ter sido provado que uma das cláusulas contratuais gerais a que se refere o pedido é abusiva, examina a nulidade da referida cláusula com base nesse fundamento, mesmo que as partes não a tenham invocado expressamente?

2)      Num processo instaurado pelo consumidor, deve o tribunal nacional agir também como ficou descrito na primeira questão ainda que, geralmente, quando a parte lesada apresenta um pedido por este motivo, a declaração de nulidade em consequência do caráter abusivo das cláusulas contratuais gerais não seja da competência de um tribunal de distrito, mas sim de um tribunal superior?

3)      Caso se responda afirmativamente à segunda questão, num processo em segunda instância, pode o tribunal nacional também apreciar o caráter abusivo das cláusulas contratuais gerais, se este não tiver sido objeto de apreciação em primeira instância e, nos termos da legislação nacional, o recurso não permita, regra geral, a apreciação de factos novos ou a produção de novos meios de prova?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à terceira questão

23      Através desta questão, que deve examinar‑se em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer em sede de recurso um litígio sobre a validade de cláusulas incluídas num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor com base num formulário pré‑redigido pelo profissional, tem o direito de examinar o caráter abusivo das cláusulas controvertidas se essa causa de invalidade não tiver sido invocada em primeira instância, quando, segundo o direito nacional, não podem, regra geral, ser tidos em conta factos novos ou provas novas em sede de recurso.

24      A título preliminar, deve salientar‑se que, como sublinhou a Comissão Europeia, a decisão de reenvio não contém nenhuma indicação quanto à apresentação, pelas partes no litígio no processo principal, na fase de recurso, de factos ou de elementos de prova novos. Na medida em que a terceira questão deva ser interpretada no sentido de que incide, em parte, no ponto de saber se um órgão jurisdicional de recurso, chamado a conhecer de um litígio sobre a validade de cláusulas incluídas num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, é obrigado a aceitar a apresentação de factos ou de elementos de prova novos, essa parte da questão é, portanto, hipotética e, nessa medida, inadmissível (v., designadamente, por analogia, acórdão de 29 de janeiro de 2013, Radu, C‑396/11, n.° 24).

25      Com vista a responder à parte admissível da questão, deve recordar‑se que o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, segundo o qual as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores, constitui uma disposição imperativa destinada a substituir o equilíbrio formal que o contrato de crédito estabelece entre os direitos e as obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real capaz de restabelecer a igualdade entre eles (v., designadamente, acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, ainda não publicado na Coletânea, n.° 40, e de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, C‑472/11, n.° 20).

26      A fim de assegurar a proteção pretendida pela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça já sublinhou, em várias ocasiões, que a situação de desigualdade existente entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, alheia às partes no contrato (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito, n.° 41, e Banif Plus Bank, n.° 21 e jurisprudência aí referida).

27      É em razão dessa consideração que o Tribunal de Justiça tem decidido que o juiz nacional, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito, é obrigado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, a suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito, n.os 42 a 44, e Banif Plus Bank, n.os 22 a 24).

28      Por conseguinte, o papel que é atribuído pelo direito da União ao juiz nacional no domínio considerado não se limita à simples faculdade de se pronunciar sobre a natureza eventualmente abusiva de uma cláusula contratual, mas comporta também a obrigação de apreciar oficiosamente essa questão, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito, n.° 43, e Banif Plus Bank, n.° 23).

29      No que toca à concretização dessas obrigações por um juiz nacional que decide em sede de recurso, deve recordar‑se que, na falta de regulamentação pelo direito da União, as normas que regulam os processos de recurso destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares decorrem da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da sua autonomia processual. No entanto, essas normas não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser organizadas de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito, n.° 46, e Banif Plus Bank, n.° 26).

30      No que respeita ao princípio da equivalência, deve recordar‑se que decorre do referido princípio que, quando o juiz nacional que conhece em sede de recurso disponha da faculdade ou tenha a obrigação de apreciar oficiosamente a validade de um ato jurídico à luz das regras nacionais de ordem pública, mesmo que essa contrariedade não tenha sido suscitada em primeira instância, deve igualmente exercer tal competência para efeitos de conhecer oficiosamente, à luz dos critérios da Diretiva 93/13, do caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação desta última diretiva. Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio apurar que, nas situações de natureza interna, dispõe dessa competência, será obrigado a exercer essa competência numa situação como a do caso no processo principal, que põe em causa a salvaguarda dos direitos que o consumidor extrai do direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, Colet., p. I‑9579, n.os 53 e 54, e de 30 de maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito, n.os 45 e 46).

31      De qualquer forma, há que salientar que, com base nos elementos dos autos que lhe foram apresentados, o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar qualquer dúvida quanto à conformidade da regulamentação em causa no processo principal com o referido princípio.

32      No que diz respeito ao princípio da efetividade, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional impossibilita ou dificulta excessivamente a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar dessa disposição no conjunto do processo, a sua tramitação e as suas particularidades perante as diversas instâncias nacionais (v. acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 49 e jurisprudência aí referida). O juiz nacional é obrigado a interpretar e a aplicar o conjunto das disposições nacionais em causa em toda a medida do possível a fim de assegurar a realização efetiva dos direitos garantidos pelas disposições do direito da União.

33      No caso, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, segundo o ponto 4, alínea b), do parecer 2/2010/VI.28./PK da Secção Cível Mista do Legfelsőbb Bíróság, de 28 de junho de 2010, o juiz de recurso deve conhecer oficiosamente de um caso de nulidade se a existência da sua causa resultar claramente dos autos de primeira instância.

34      Esse parecer especifica igualmente, no seu ponto 5, alínea a), que, se os factos expostos pelo recorrente derem à petição um fundamento jurídico diverso do invocado pela referida parte, o tribunal pode proceder à requalificação jurídica adequada do fundamento do pedido que lhe é apresentado.

35      Como alegou o Governo húngaro nas observações que apresentou ao Tribunal de Justiça, pode deduzir‑se desse parecer que, no sistema jurisdicional húngaro, o juiz de recurso é competente, desde que disponha dos elementos de facto e de direito necessários para esse efeito, para apreciar, oficiosamente ou requalificando o fundamento jurídico do pedido, a existência de uma causa de nulidade de uma cláusula contratual que resulte desses elementos, mesmo que a parte no litígio que poderia ter‑se prevalecido dela não tenha invocado essa causa de nulidade.

36      Tal como foi recordado no n.° 30 do presente acórdão, quando o juiz nacional de recurso disponha dessa competência nas situações de natureza interna, deve exercê‑la numa situação como a que está em causa no litígio no processo principal, que põe em causa a salvaguarda dos direitos que o consumidor extrai da Diretiva 93/13.

37      Nestas condições, há que considerar que as normas nacionais de processo aplicáveis no litígio no processo principal não se afiguram, em si mesmas, suscetíveis de impossibilitarem ou dificultarem excessivamente a salvaguarda dos direitos que a Diretiva 93/13 confere ao consumidor.

38      Em face do exposto, há que responder à terceira questão que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer, em sede de recurso, de um litígio sobre a validade de cláusulas incluídas num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor com base num formulário pré‑redigido pelo referido profissional, tenha o poder, segundo as suas normas de processo internas, de examinar qualquer causa de nulidade que resulte claramente dos elementos apresentados em primeira instância e, tal sendo o caso, de requalificar, em função dos factos apurados, o fundamento jurídico invocado para demonstrar a invalidade dessas cláusulas, deve conhecer, oficiosamente ou requalificando o fundamento jurídico do pedido, do caráter abusivo das referidas cláusulas à luz dos critérios dessa diretiva.

 Quanto à primeira questão

39      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se o artigo 7.° da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o juiz nacional que declarou o caráter abusivo de uma cláusula contratual pode examinar oficiosamente se há que anular o contrato por esse motivo, quando as partes não tenham apresentado qualquer pedido a esse respeito.

40      Relativamente às ações que envolvem um consumidor individual, o artigo 6.°, n.° 1, primeiro membro de frase, da Diretiva 93/13 obriga os Estados‑Membros a prever que, «nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais», as cláusulas abusivas «não vinculem o consumidor».

41      O Tribunal de Justiça tem interpretado essa disposição no sentido de que o juiz nacional deve retirar todas as consequências que, segundo o direito nacional, decorram da declaração do caráter abusivo da cláusula em questão, a fim de se certificar de que o consumidor não está vinculado por essa cláusula (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito, n.° 63, e Banif Plus Bank, n.° 27). A este propósito o Tribunal de Justiça tem especificado que, quando o juiz nacional considere abusiva uma cláusula contratual, é obrigado a não a aplicar, salvo se o consumidor, após ter sido avisado pelo juiz, a isso se opuser (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, Colet., p. I‑4713, n.° 35).

42      Decorre dessa jurisprudência que a plena eficácia da proteção prevista pela Diretiva 93/13 requer que o juiz nacional que declarou oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula possa retirar todas as consequências dessa declaração, sem esperar que o consumidor, informado dos seus direitos, apresente uma declaração a pedir que a referida cláusula seja anulada (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Banif Plus Bank, n.° 28, e Asbeek Brusse e de Man Garabito, n.° 50).

43      Tal como o Tribunal de Justiça tem já decidido, uma legislação nacional como a que está em causa no caso do processo principal, que dispõe que as cláusulas declaradas abusivas são nulas, satisfaz as exigências do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel, C‑472/10, n.os 39 e 40).

44      O juiz nacional deve, além disso, apreciar a incidência da declaração do caráter abusivo da cláusula em questão na validade do contrato afetado e determinar se o referido contrato pode subsistir sem essa cláusula (v., neste sentido, despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovost’, C‑76/10, Colet., p. I‑11557, n.° 61).

45      A este propósito, o artigo 6.°, n.° 1, in fine, da Diretiva 93/13 indica que o «contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas» (acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, n.° 29).

46      Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça tem referido, o objetivo prosseguido pelo legislador da União no quadro da Diretiva 93/13 não consiste em anular todos os contratos que contenham cláusulas abusivas, mas em restabelecer o equilíbrio entre as partes, mantendo, no entanto, em princípio, a validade de um contrato, no seu conjunto (v., neste sentido, acórdão Pereničová e Perenič, já referido, n.° 31).

47      No tocante aos critérios que permitem apreciar se um contrato pode efetivamente subsistir sem as cláusulas abusivas, o Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que tanto a redação do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 como as exigências relativas à segurança jurídica das atividades económicas militam a favor de uma abordagem objetiva na interpretação dessa disposição (acórdão Pereničová e Perenič, já referido, n.° 32). Todavia, não tendo essa diretiva procedido apenas a uma harmonização parcial e mínima das legislações nacionais relativas às cláusulas abusivas, não se opõe à possibilidade, no respeito do direito da União, de declarar nulo no seu conjunto um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor que contenha uma ou várias cláusulas abusivas sempre que se mostre que isso assegura uma melhor proteção do consumidor (v., neste sentido, acórdão Pereničová e Perenič, já referido, n.° 35).

48      Assim, há que responder à primeira questão que o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o juiz nacional que declare o caráter abusivo de uma cláusula contratual é obrigado, por um lado, sem esperar que o consumidor apresente qualquer pedido para esse efeito, a retirar todas as consequências que decorrem, segundo o direito nacional, desse reconhecimento a fim de se certificar que esse consumidor não está vinculado por essa cláusula e, por outro, a apreciar, em princípio com base em critérios objetivos, se o contrato afetado pode subsistir sem a referida cláusula.

 Quanto à segunda questão

49      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que um órgão jurisdicional nacional que declarou oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual pode examinar se há que anular o contrato por essa razão, quando, segundo as normas de processo internas, as ações que visam determinar a invalidade de cláusulas contratuais abusivas sejam da competência de um outro órgão jurisdicional.

50      A este propósito, deve salientar‑se que cabe à ordem jurídica de cada Estado‑Membro designar o órgão jurisdicional competente para resolver os litígios que põem em causa direitos individuais derivados da ordem jurídica da União, entendendo‑se, no entanto, que os Estados‑Membros têm a responsabilidade de assegurar, em cada caso, uma proteção efetiva desses direitos. Com esta reserva, não compete ao Tribunal de Justiça intervir na solução dos problemas de competência que possa suscitar, no plano da organização judiciária nacional, a qualificação de certas situações jurídicas baseadas no direito da União (v., designadamente, acórdãos de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult, C‑54/96, Colet., p. I‑4961, n.° 40, e de 22 de maio de 2003, Connect Austria, C‑462/99, Colet., p. I‑5197, n.° 35).

51      Todavia, como foi recordado nos n.os 43 e 44 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça tem interpretado o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 no sentido de que o juiz nacional deve retirar todas as consequências que, segundo o direito nacional, decorrem do reconhecimento do caráter abusivo da cláusula em questão a fim de se certificar de que o consumidor não está vinculado por ela.

52      Nestas condições, decorre das exigências de uma interpretação do direito nacional conforme com a Diretiva 93/13 e de uma proteção efetiva dos direitos dos consumidores que cabe ao órgão jurisdicional nacional fazer, na medida do possível, aplicação das suas normas de processo internas de forma a atingir o resultado fixado pelo artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva.

53      Por conseguinte, cumpre responder à segunda questão que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que o órgão jurisdicional nacional que declare oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve, na medida do possível, fazer aplicação das suas normas de processo internas de forma a que sejam retiradas todas as consequências que, segundo o direito nacional, decorrem do reconhecimento do caráter abusivo dessa cláusula a fim de se certificar que o consumidor não está por ela vinculado.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer, em sede de recurso, de um litígio sobre a validade de cláusulas incluídas num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor com base num formulário pré‑redigido pelo referido profissional, tenha o poder, segundo as suas normas de processo internas, de examinar qualquer causa de nulidade que resulte claramente dos elementos apresentados em primeira instância e, tal sendo o caso, de requalificar, em função dos factos apurados, o fundamento jurídico invocado para demonstrar a invalidade dessas cláusulas, deve conhecer, oficiosamente ou requalificando o fundamento jurídico do pedido, do caráter abusivo das referidas cláusulas à luz dos critérios dessa diretiva.

2)      O artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o juiz nacional que declare o caráter abusivo de uma cláusula contratual é obrigado, por um lado, sem esperar que o consumidor apresente qualquer pedido para esse efeito, a retirar todas as consequências que decorrem, segundo o direito nacional, desse reconhecimento a fim de se certificar que esse consumidor não está vinculado por essa cláusula e, por outro, a apreciar, em princípio com base em critérios objetivos, se o contrato afetado pode subsistir sem a referida cláusula.

3)      A Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que o órgão jurisdicional nacional que declare oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve, na medida do possível, fazer aplicação das suas normas de processo internas de forma a que sejam retiradas todas as consequências que, segundo o direito nacional, decorrem do reconhecimento do caráter abusivo dessa cláusula a fim de se certificar que o consumidor não está por ela vinculado.

Assinaturas


** Língua do processo: húngaro.