Language of document : ECLI:EU:C:2015:81

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de fevereiro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial ― Segurança social ― Regulamento (CEE) n.° 1408/71 ― Seguro de velhice e morte ― Artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c) ― Liquidação das prestações ― Regras nacionais anticumulação ― Derrogação ― Conceito de ‘seguro voluntário ou facultativo continuado’ ― Pensão nacional ao abrigo de um regime de seguro obrigatório ― Possibilidade de requerer a dispensa da inscrição durante um determinado período ― Alcance do certificado emitido pela instituição competente de outro Estado‑Membro ― Regulamento (CEE) n.° 574/72 ― Artigo 47.°»

No processo C‑114/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo arbeidshof te Antwerpen (Bélgica), por decisão de 4 de março de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2013, no processo

Theodora Hendrika Bouman

contra

Rijksdienst voor Pensioenen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger (relatora) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de T. H. Bouman, por W. van Ophuizen, advocaat,

¾        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por T. Jansen, advocaat,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de março de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão modificada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO L 392, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe T. H. Bouman ao Rijksdienst voor Pensioenen (Serviço Nacional de Pensões, a seguir «Rijksdienst»), a respeito da revisão, durante 2009, de uma decisão deste último, datada de 10 de julho de 1969, que atribuía a T. H. Bouman uma pensão de sobrevivência e que tinha em vista obter o reembolso das prestações indevidamente pagas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 15.° do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Regras relativas ao seguro voluntário ou ao seguro facultativo continuado», dispõe:

«1.      Os artigos 13.° a 14.°‑D não são aplicáveis em matéria de seguro voluntário ou facultativo continuado, salvo se, em relação a um dos ramos referidos no artigo 4.°, houver num Estado‑Membro um só regime de seguro voluntário.

2.      Sempre que a aplicação das legislações de dois ou mais Estados‑Membros determinar a cumulação de inscrições:

¾        num regime de seguro obrigatório e num ou mais regimes de seguro voluntário ou facultativo continuado, o interessado é exclusivamente abrangido pelo regime de seguro obrigatório;

¾        em dois ou mais regimes de seguro voluntário ou facultativo continuado, o interessado apenas pode beneficiar do regime de seguro voluntário ou facultativo continuado por que optou.

3.      Todavia, em matéria de invalidez, velhice e morte (pensões), o interessado pode beneficiar do seguro voluntário ou facultativo continuado de um Estado‑Membro, ainda que esteja obrigatoriamente sujeito à legislação de outro Estado‑Membro, na medida em que esta cumulação seja admitida explícita ou implicitamente no primeiro Estado‑Membro.»

4        O artigo 46.°‑A do Regulamento n.° 1408/71, intitulado «Disposições gerais relativas às cláusulas de redução, suspensão ou supressão aplicáveis às prestações de invalidez, de velhice ou de sobrevivência por força das legislações dos Estados‑Membros», dispõe:

«1.      Por cumulação de prestações da mesma natureza deve entender‑se, na aceção do presente capítulo, todas as cumulações de prestações de invalidez, velhice ou sobrevivência calculadas ou concedidas em função dos períodos de seguro e/ou de residência cumpridos pela mesma pessoa.

2.      Por cumulação de prestações de natureza diferente deve entender‑se, na aceção do presente capítulo, todas as cumulações de prestações que, nos termos do n.° 1, não possam ser consideradas da mesma natureza.

3.      Para a aplicação das cláusulas de redução, suspensão ou supressão previstas pela legislação de um Estado‑Membro em caso de cumulação de uma prestação de invalidez, velhice ou sobrevivência com uma prestação da mesma natureza ou uma prestação de natureza diferente ou com outros rendimentos, são aplicáveis as seguintes regras:

a)      as prestações adquiridas por força da legislação de outro Estado‑Membro ou os rendimentos adquiridos noutro Estado‑Membro apenas são tomados em consideração se a legislação do primeiro Estado‑Membro previr a tomada em consideração das prestações ou dos rendimentos adquiridos no estrangeiro;

b)      é tomado em consideração o montante das prestações a pagar por outro Estado‑Membro antes da dedução do imposto, das contribuições de segurança social e de quaisquer outros descontos individuais;

c)      não é tomado em consideração o montante das prestações adquiridas por força da legislação de outro Estado‑Membro que sejam concedidas com base num seguro voluntário ou facultativo continuado;

d)      no caso de serem aplicáveis cláusulas de redução, de suspensão, ou de supressão nos termos da legislação de um único Estado‑Membro pelo facto de o interessado beneficiar de prestações da mesma natureza ou de natureza diferente, por força da legislação de outros Estados‑Membros ou de outros rendimentos adquiridos no território de outros Estados‑Membros, a prestação devida, nos termos da legislação do primeiro Estado‑Membro, só pode ser reduzida até ao limite do montante das prestações devidas nos termos da legislação ou dos rendimentos adquiridos no território dos outros Estados‑Membros.»

5        O artigo 47.° do Regulamento (CEE) n.° 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.°1408/71 (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156), na versão alterada pelo Regulamento (CEE) n.° 1248/92 do Conselho, de 30 de abril de 1992 (JO L 136, p. 7, a seguir «Regulamento n.° 574/72»), prevê:

«Cálculo dos montantes devidos correspondentes aos períodos de seguro voluntário ou facultativo continuado

A instituição de cada Estado‑Membro calcula, nos termos da legislação por ela aplicada, o montante devido correspondente aos períodos de seguro voluntário ou facultativo continuado que, por força do n.° 3, alínea c), do artigo 46.°‑A do Regulamento, não esteja sujeito às cláusulas de supressão, redução ou suspensão de outro Estado‑Membro.»

 Direito nacional

 Direito belga

6        O artigo 52.°, § 1, 1.° parágrafo, do Decreto Real de 21 de dezembro de 1967 que estabelece o regulamento geral do regime de pensões de reforma e de sobrevivência dos trabalhadores por conta de outrem (Koninklijk besluit van 21 december 1967 tot vaststelling van het algemeen reglement betreffende het rust‑ en overlevingspensioen werknemers, Belgisch Staatsblad de 16 de janeiro de 1968, p. 441) prevê:

«Sempre que o cônjuge sobrevivo tenha direito, por um lado, a uma pensão de sobrevivência ao abrigo do regime de pensões dos trabalhadores por conta de outrem e, por outro lado, a uma ou mais pensões de reforma ou a qualquer outro benefício com o mesmo efeito ao abrigo do regime de pensões dos trabalhadores por conta de outrem ou de um ou vários outros regimes de pensões, a pensão de sobrevivência só pode ser cumulada com as referidas pensões de reforma até ao limite de um montante igual a 110% do montante da pensão de sobrevivência que tenha sido concedida ao cônjuge sobrevivo por uma carreira profissional completa.»

 Direito neerlandês

7        A Lei Geral das Pensões de Velhice (Algemene Ouderdomswet, Stb. 1956, n.° 281, a seguir «AOW») prevê o seguro obrigatório, designadamente, para todos os cidadãos neerlandeses que residam no território do Reino dos Países Baixos e que não tenham ainda atingido os 65 anos de idade. Neste contexto, deve ser paga uma contribuição social não relacionada com o rendimento. Contudo, num número limitado de casos, esta regra de base admite exceções e o inscrito pode pedir uma dispensa da obrigação de seguro.

8        Assim, o artigo 22.° do Decreto Real de 24 de dezembro de 1998 relativo à redução e à extensão do círculo de beneficiários da segurança social (Besluit beperking en uitbreiding kring verzekerden volksverzekeringen, Stb. 1998, n.° 746, a seguir «decreto neerlandês») dispõe:

«Uma pessoa que resida nos Países Baixos e que tenha direito a uma prestação ao abrigo de um regime estrangeiro de segurança social legal ou extralegal, ou ao abrigo de um regime de uma organização internacional, na medida em que não exerça uma atividade profissional nos Países Baixos, está dispensada, pelo Serviço Nacional de Segurança Social, mediante requerimento, do seguro previsto, nos termos da Lei relativa ao Regime Geral das Pensões de Velhice [Algemene Ouderdomswet], da Lei relativa ao Seguro Geral das Pensões de Sobrevivência [Algemene nabestaandenwet] e da Lei Geral dos Abonos de Família [Algemene kinderbijslagwet], enquanto:

a)      tiver direito, a título permanente, exclusivamente, a uma prestação referida na parte introdutória da presente disposição e o montante mensal dessa prestação for, pelo menos, igual a 70% do montante referido no artigo 8.°, n.° 1, alínea a), da Lei relativa ao Salário Mínimo e ao Subsídio de Férias Mínimo [Wet minimumloon en minimumvakantiebijslag]; ou

b)      tiver direito, além da prestação prevista na alínea a), a uma prestação da segurança social neerlandesa e o montante total mensal dessa prestação e da prestação legal ou extralegal estrangeira ou da prestação da organização internacional for, pelo menos, igual a 70% do montante previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea a), da Lei relativa ao Salário Mínimo e ao Subsídio de Férias Mínimo e a prestação estrangeira ou a prestação da organização internacional for superior ou igual à prestação neerlandesa.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

9        T. H. Bouman, nascida em 2 de junho de 1942, é uma cidadã neerlandesa que residiu nos Países Baixos até 23 de junho de 1957 e, após essa data, foi residente na Bélgica até 3 de fevereiro de 1974.

10      Casada com um cidadão belga que faleceu a 3 de agosto de 1968, passou a receber uma pensão de sobrevivência belga, a partir de 1 de setembro de 1969, que lhe foi atribuída com base numa decisão do Rijksdienst de 10 de julho de 1969.

11      Desde então, T. H. Bouman nunca recebeu rendimentos próprios a título de qualquer atividade profissional.

12      Após ter regressado aos Países Baixos, T. H. Bouman pagou contribuições para obter uma pensão de velhice neerlandesa ao abrigo da AOW (a seguir «pensão ao abrigo da AOW»).

13      No que respeita aos últimos quatro anos anteriores à idade da reforma, ou seja, a partir de 1 de agosto de 2003, T. H. Bouman requereu e obteve, nos termos do artigo 22.° do decreto neerlandês, uma dispensa do seguro obrigatório previsto na AOW. Por conseguinte, deixou de contribuir para o regime de segurança social neerlandês, o que teve como consequência que a sua pensão ao abrigo da AOW ficou incompleta.

14      Desde 1 de junho de 2007, altura em que atingiu a idade de reforma, recebe uma pensão incompleta ao abrigo da AOW.

15      Por decisão de 4 de fevereiro de 2009, o Rijksdienst informou T. H. Bouman da decisão de lhe deduzir da sua pensão de sobrevivência belga a pensão que recebe ao abrigo da AOW, com efeitos a partir de 1 de junho de 2007, e de intentar uma ação de repetição do indevido, no montante de 2 271,81 euros.

16      Em 4 de maio de 2009, T. H. Bouman recorreu desta decisão para o arbeidsrechtbank te Antwerpen (Tribunal de Trabalho de Primeira Instância de Antuérpia).

17      A Sociale Verzekeringsbank (Serviço Nacional de Segurança Social, a seguir «SVB») foi chamada a esclarecer, enquanto autoridade competente, se a prestação paga a T. H. Bouman é concedida com base num seguro voluntário ou facultativo continuado.

18      Por ofícios de 31 de julho de 2009 e de 15 de junho de 2010, a SVB referiu que o seguro ao abrigo da AOW é, em princípio, um seguro obrigatório e só constitui um seguro voluntário ou facultativo continuado em duas situações. Em primeiro lugar, quando a regularização de períodos anteriores não cobertos pelo seguro seja solicitada no prazo de um ano a contar do início do primeiro seguro obrigatório ou, em segundo lugar, quando a continuação voluntária da inscrição no seguro seja solicitada no prazo de um ano a contar da data do termo da sujeição ao seguro obrigatório. Em ambos os casos, é indispensável a apresentação de um requerimento à SVB e é pacífico, de acordo com a SVB, que T. H. Bouman nunca fez uso desta possibilidade de solicitar o seguro voluntário ou facultativo continuado.

19      A SVB conclui que a pensão atribuída a T. H. Bouman ao abrigo da AOW não se baseia num período de seguro voluntário, mas foi integralmente constituída por períodos de seguro obrigatório.

20      O arbeidsrechtbank te Antwerpen julgou a ação improcedente, por acórdão de 6 de maio de 2010, do qual T. H. Bouman recorreu para o arbeidshof te Antwerpen (Tribunal de Trabalho de Antuérpia).

21      Este órgão jurisdicional, baseando‑se no acórdão Knoch (C‑102/91, EU:C:1992:303, n.° 53), entende que lhe incumbe verificar o certificado da SVB. Tendo dúvidas quanto à conformidade da posição da SVB com o artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, considera‑se competente para decidir esta questão no âmbito do litígio no processo principal.

22      Nestas circunstâncias, o arbeidshof te Antwerpen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A parte da prestação atribuída [ao abrigo da AOW] que é paga a uma residente neerlandesa e que se baseia num período de seguro em relação ao qual esta residente neerlandesa pode, mediante simples requerimento, renunciar à inscrição no regime neerlandês e, portanto, ao pagamento das respetivas contribuições, o que a mesma efetivamente requereu durante um período limitado, deve ser considerada uma prestação que é atribuída com base num seguro facultativo continuado, na aceção do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, motivo pelo qual não pode ser tomada em consideração na aplicação da norma anticumulação prevista no artigo 52.°, § 1, 1.°, do Decreto Real belga de 21 de dezembro de 1967, que estabelece o regulamento geral do regime das pensões de reforma e de sobrevivência dos trabalhadores por conta de outrem?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

23      No caso em apreço, a interpretação do direito da União é requerida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que tem dúvidas quanto à conformidade, com o direito da União, da posição expressa no documento elaborado pela SVB que certifica que a pensão de T. H. Bouman ao abrigo da AOW não resulta de nenhum período de seguro voluntário, mas foi integralmente constituída por períodos de seguro obrigatório.

24      Quanto à questão de saber se as instituições de outro Estado‑Membro estão vinculadas por esse certificado elaborado de acordo com o artigo 47.° do Regulamento n.° 574/72, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que um certificado emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro, que refira os períodos de seguro ou de emprego cumpridos na qualidade de trabalhador assalariado ao abrigo da legislação desse Estado‑Membro, não constitui uma prova irrefutável nem para a instituição competente de outro Estado‑Membro nem para os tribunais desse último Estado (v., neste sentido, acórdãos Knoch, EU:C:1992:303, n.° 54, e Adanez‑Vega, C‑372/02, EU:C:2004:705, n.os 36 e 48).

25      Decorre desta jurisprudência que, no processo principal, visto as autoridades belgas serem obrigadas a tomar em conta os períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação neerlandesa para determinar o alcance dos direitos de T. H. Bouman resultantes da aplicação das regras anticumulação belgas, o órgão jurisdicional de reenvio tem a faculdade de controlar o conteúdo do certificado emitido pela SVB à luz da sua conformidade com o direito da União, designadamente com as regras pertinentes previstas pelo Regulamento n.° 1408/71.

26      Esta constatação não pode ser posta em causa pelo facto de o Tribunal de Justiça ter entendido que, enquanto não for revogado ou declarado inválido pelas autoridades do Estado‑Membro que o emitiu, um certificado elaborado em virtude das disposições do título III do Regulamento n.° 574/72, sob a epígrafe «Aplicação das disposições do regulamento relativas à determinação da legislação aplicável», concretamente o certificado E 101, vincula as instituições de segurança social e os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro para onde são destacados os trabalhadores em causa, na medida em que atesta a inscrição desses trabalhadores no regime de segurança social do Estado‑Membro onde está estabelecida a empresa que os emprega (v., neste sentido, acórdãos FTS, C‑202/97, EU:C:2000:75, n.° 55, e Herbosch Kiere, C‑2/05, EU:C:2006:69, n.os 26 e 31).

27      A este respeito, importa constatar que, embora a limitação da fiscalização jurisdicional da validade desse documento administrativo, relativamente à declaração dos elementos com base nos quais foi emitido (v. acórdão Herbosch Kiere, EU:C:2006:69, n.° 32), se justifique por razões de segurança jurídica, tal solução não pode ser automaticamente aplicável a um certificado como o emitido pela SVB no processo principal. Com efeito, sempre que as autoridades do Estado‑Membro em causa tenham de determinar os direitos de um interessado decorrentes da legislação desse Estado‑Membro, devem também ter a possibilidade de controlar todos os elementos pertinentes decorrentes dos documentos elaborados pela autoridade emissora do certificado do Estado‑Membro de origem.

28      Atento o que precede, importa declarar que o órgão jurisdicional de reenvio pode submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial como a do processo principal, que visa a verificação da compatibilidade, com o direito da União, de um certificado emitido por uma autoridade de outro Estado‑Membro no quadro da aplicação das regras nacionais anticumulação.

 Quanto à questão prejudicial

29      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que engloba a parte da prestação correspondente a um período de seguro durante o qual o interessado tinha o direito de obter uma dispensa de inscrição no regime de seguro obrigatório, caso a inscrição, durante o período em questão, afete o montante da prestação de segurança social.

30      Importa constatar que o conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» não é precisado nem no artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 nem noutras disposições deste regulamento.

31      Neste contexto, a determinação do significado e do alcance destes termos deve ser efetuada, segundo jurisprudência constante, tendo em conta quer os termos da disposição de direito da União em questão quer o contexto desta (v., neste sentido, acórdãos BLV Wohn‑ und Gewerbebau, C‑395/11, EU:C:2012:799, n.° 25, e Lundberg, C‑317/12, EU:C:2013:631, n.°18), quer ainda os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (v., designadamente, acórdão Lundberg, EU:C:2013:631, n.° 19), e, neste caso, a génese dessa regulamentação (v., por analogia, acórdão Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.° 135).

32      Quanto à redação do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, importa referir que o Tribunal de Justiça declarou que, embora a comparação das diferentes versões linguísticas do conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» revele divergências, demonstram a intenção de abranger todos os tipos de seguro que comportam um elemento voluntário (acórdão Liégeois, 93/76, EU:C:1977:50, n.os 12 a 14).

33      No tocante ao contexto do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o Regulamento n.° 1408/71 cria um sistema de coordenação dos regimes nacionais de segurança social e estabelece, no seu título II, regras relativas à determinação da legislação aplicável. Estas regras têm por finalidade não só impedir que os interessados fiquem privados de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação aplicável, mas também garantir que os interessados sejam sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de modo a evitar as cumulações de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí possam resultar (v. acórdão I, C‑255/13, EU:C:2014:1291, n.° 40 e jurisprudência referida).

34      Todavia, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, esse sistema de coordenação não é aplicável em matéria de seguro voluntário ou facultativo continuado, salvo se, para o ramo em causa, houver num Estado‑Membro unicamente um regime de seguro voluntário.

35      Além disso, é ponto assente que as disposições de caráter geral que figuram no título II do Regulamento n.° 1408/71 só são aplicáveis na medida em que as disposições específicas das diferentes categorias de prestações, que constituem o título III do mesmo regulamento, não lhes introduzam derrogações (v., designadamente, acórdão Aubin, 227/81, EU:C:1982:209, n.° 11).

36      Ora, esse é o caso no processo principal, uma vez que os titulares de pensões estão sujeitos a um regime especial previsto no título III, capítulo 3, do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Velhice e morte (Pensões)», que integra o artigo 46.°‑A. Assim, o artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 exclui o seguro voluntário ou facultativo continuado da aplicação das regras anticumulação, nos casos em que estas estejam previstas na legislação de um Estado‑Membro.

37      Como o advogado‑geral declarou no n.° 42 das suas conclusões, essas disposições permitem que uma pessoa que se tenha deslocado no território da União Europeia e que tenha optado por contribuir para um seguro voluntário ou facultativo continuado, para constituir uma pensão de velhice noutro Estado‑Membro, mantenha os direitos que daí resultam. Esta permissão traduz‑se, portanto, em duas medidas diferentes, mas complementares. Por outras palavras, nesse contexto, o legislador da União, por um lado, flexibilizou o princípio segundo o qual se deve aplicar uma única legislação nacional numa situação determinada e, por outro, permitiu que as prestações obtidas num Estado‑Membro por uma pessoa com base num seguro voluntário ou facultativo continuado não sejam sujeitas às regras anticumulação que reduzem a prestação que recebe noutro Estado‑Membro.

38      Esta constatação é corroborada pelo objetivo do Regulamento n.° 1408/71, de garantir, como referido no seu segundo e quarto considerandos, a livre circulação de trabalhadores assalariados e não assalariados na União, respeitando ao mesmo tempo as características específicas das legislações nacionais de segurança social. Para esse efeito, como decorre do seu quinto, sexto e décimo considerandos, este regulamento orienta‑se pelo princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores à luz das diferentes legislações nacionais e visa garantir da melhor forma a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores empregados no território de um Estado‑Membro e não penalizar os trabalhadores que exercem o seu direito de livre circulação (acórdão Tomaszewska, C‑440/09, EU:C:2011:114, n.° 28 e jurisprudência referida).

39      Por conseguinte, as disposições do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretadas à luz do artigo 48.° TFUE, que se destina a facilitar a livre circulação dos trabalhadores e implica, designadamente, que os trabalhadores migrantes não percam direitos a prestações de segurança social nem sofram uma redução do seu montante pelo facto de terem exercido o direito à livre circulação que lhes confere o Tratado FUE (v., designadamente, acórdãos Bosmann, C‑352/06, EU:C:2008:290, n.° 29, e Hudzinski e Wawrzyniak, C‑611/10 e C‑612/10, EU:C:2012:339, n.° 46).

40      Do mesmo modo, o primeiro considerando do Regulamento n.° 1408/71 refere que as normas de coordenação das legislações nacionais sobre segurança social que constam desse regulamento se inscrevem no âmbito da livre circulação das pessoas e devem contribuir para a melhoria do seu nível de vida (acórdãos Bosmann, EU:C:2008:290, n.° 30, e Hudzinski e Wawrzyniak, EU:C:2012:339, n.° 47).

41      Tal como o advogado‑geral sublinhou no n.° 50 das suas conclusões, o artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), desse regulamento deve, por conseguinte, ser interpretado de maneira a excluir a possibilidade de o trabalhador ser impedido, através das regras nacionais anticumulação, de beneficiar dos períodos de seguro cumpridos voluntariamente ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro.

42      Por conseguinte, face à redação e ao contexto do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, bem como ao objetivo por este prosseguido, há que interpretar o referido conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» em termos amplos, para não privar o interessado do benefício de qualquer período de seguro voluntário ou facultativo continuado cumprido ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro.

43      A este respeito, há que realçar que a génese do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, como o advogado‑geral constatou no n.° 43 das suas conclusões, milita também a favor de uma interpretação ampla do conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado».

44      O artigo 46.°, n.° 2, do Regulamento n.° 574/72, sob a epígrafe «Cálculo das prestações em caso de sobreposição de períodos», previa que, para efeitos da aplicação das regras nacionais anticumulação no âmbito do artigo 46.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1408/71, os montantes das prestações correspondentes aos períodos de seguro voluntário ou facultativo continuado não seriam tomados em consideração.

45      No acórdão Schaap (176/78, EU:C:1979:112, n.os 10 e 11), o Tribunal de Justiça declarou que o n.° 2 do artigo 46.° do Regulamento n.° 574/72, embora figure sob a referida epígrafe, deve ser aplicado a qualquer caso abrangido pelo artigo 46.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1408/71, de modo que, para efeitos da aplicação desse número, a instituição competente não pode tomar em consideração os montantes das prestações correspondentes aos períodos cumpridos ao abrigo de um seguro voluntário ou facultativo continuado.

46      Tal como resulta da modificação proposta do artigo 46.°, n.° 2, do Regulamento n.° 574/72, apresentada pela Comissão das Comunidades Europeias [COM(89) 370 final, p. 23], a limitação visada pela inserção do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, destinava‑se a atender à interpretação feita pelo Tribunal de Justiça desta última disposição.

47      De resto, uma interpretação ampla do conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71. Esta disposição visa facilitar o acesso ao seguro voluntário ou facultativo continuado, impondo a um Estado‑Membro a tomada em consideração dos períodos de seguro ou de residência cumpridos ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro, na medida do necessário, como se se tratasse de períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação desse primeiro Estado, quando a sua legislação sujeite a admissão ao seguro voluntário ou facultativo continuado ao cumprimento de períodos de seguro.

48      Segundo jurisprudência constante, o referido conceito abrange todos os tipos de seguro que comportem um elemento voluntário, independentemente de se tratar ou não da continuação de uma relação de seguro anteriormente existente (acórdãos Liégeois, EU:C:1977:50, n.os 12 a 14, e Hartmann Troiani, 368/87, EU:C:1989:206, n.° 12).

49      No que diz respeito ao processo principal, como resulta dos autos, a pensão ao abrigo da AOW resulta, em princípio, de um regime de seguro obrigatório no qual T. H. Bouman ficou inscrita automaticamente desde o seu regresso aos Países Baixos, em 1974. Contudo, para os quatro anos anteriores à sua idade de passagem à reforma, T. H. Bouman solicitou e obteve uma dispensa de inscrição, nos termos do artigo 22.° do decreto neerlandês.

50      A questão que se coloca é, pois, a de saber se esse seguro está abrangido pelo conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» na aceção do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, interpretado em sentido amplo.

51      Contrariamente à posição defendida pelo Governo belga nas suas observações, o simples facto de a inscrição de T. H. Bouman no regime geral neerlandês ser automática, mas suscetível de dispensa a pedido do interessado, não tem necessariamente por consequência que não possa ser considerada como um seguro voluntário ou facultativo continuado.

52      A este respeito, importa constatar que, como o advogado‑geral salientou no n.° 58 das suas conclusões, o caráter voluntário ou facultativo de um seguro como o que está em causa no processo principal tanto pode resultar do facto de o interessado ter de requerer a sua inscrição no regime de seguro ou a continuação do seguro como do facto de ter o direito de obter uma dispensa de inscrição. Ambas as situações implicam uma escolha do segurado e demonstram, assim, que a inscrição, caso seja mantida, é facultativa.

53      Além disso, decorre da decisão de reenvio que as contribuições feitas por T. H. Bouman durante o período em que tinha o direito de solicitar a dispensa de inscrição nos termos do artigo 22.° do decreto neerlandês asseguraram‑lhe uma proteção social complementar, afetando também o montante da sua pensão ao abrigo da AOW.

54      Há, pois, que constatar que a parte da prestação baseada no período durante o qual a interessada tinha, em princípio, direito a dispensa de inscrição, mas não exerceu essa opção, está abrangida pelo conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado», na aceção do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, se a continuação da inscrição durante o período em questão produzir efeitos nos períodos de inscrição e, assim, no montante da futura pensão de velhice da interessada.

55      Esse resultado não pode ser posto em causa pelo argumento invocado pelo Governo belga nas suas observações. Com efeito, segundo este governo, o referido conceito visa cobrir unicamente os períodos de não sujeição, com o objetivo de reduzir ou colmatar as lacunas na constituição da pensão de velhice, e a dispensa de inscrição, que tem por consequência a dispensa de contribuição, produz o efeito inverso ao criar tais lacunas, pelo que a continuação voluntária de uma inscrição obrigatória nunca pode estar associada a uma dispensa.

56      Basta constatar, a esse respeito, que não resulta nem da redação do artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 nem da economia do referido regulamento que um «seguro voluntário ou facultativo continuado» na aceção dessa disposição tenha por único objetivo suprir as lacunas na constituição de uma pensão.

57      Além disso, o objetivo subjacente a esta disposição, que consiste em não privar o interessado do benefício de qualquer período de seguro voluntário ou facultativo continuado, cumprido ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro, opõe‑se a uma tal interpretação limitada do conceito de «seguro voluntário ou facultativo continuado» que tem exclusivamente em conta um objetivo, entre vários, que pode ser prosseguido pela legislação nacional em causa.

58      Importa, pois, constatar que o referido conceito pode abranger a faculdade do interessado de decidir continuar inscrito ou suspender a inscrição num regime de seguro obrigatório para determinados períodos, na medida em que essa opção produz efeitos no montante da futura prestação social.

59      Atendendo às considerações precedentes, cabe responder à questão submetida que o artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que engloba a parte da prestação correspondente a um período de seguro durante o qual o interessado tinha o direito de obter uma dispensa de inscrição no regime de seguro obrigatório, caso essa inscrição, durante o período em questão, afete o montante da futura prestação de segurança social.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 46.°‑A, n.° 3, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão modificada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que engloba a parte da prestação correspondente a um período de seguro durante o qual o interessado tinha o direito de obter uma dispensa de inscrição no regime de seguro obrigatório, caso essa inscrição, durante o período em questão, afete o montante da prestação de segurança social.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.