Language of document : ECLI:EU:T:2016:94

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

24 de fevereiro de 2016 (*)

«Marca comunitária — Pedido de marca comunitária tridimensional — Forma de uma garrafa de contornos não estriados — Motivo absoluto de recusa — Falta de caráter distintivo — Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Falta de caráter distintivo adquirido pelo uso — Artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009»

No processo T‑411/14,

The Coca‑Cola Company, com sede em Atlanta, Geórgia (Estados Unidos), representada por D. Stone e A. Dykes, solicitors, e S. Malynicz, barrister,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por P. Geroulakos e A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto o recurso da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 27 de março de 2014 (processo R 540/2013‑2), relativa a um processo de registo de um sinal tridimensional, constituído pela forma de uma garrafa com contornos, como marca comunitária.

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente, M. Kancheva e C. Wetter (relator), juízes,

secretário: I. Dragan, administrador,

vista a petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de junho de 2014,

vista a contestação que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de outubro de 2014,

após a audiência de 16 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 29 de dezembro de 2011, a recorrente, The Coca‑Cola Company, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1).

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal tridimensional a seguir reproduzido:

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3        Os produtos para os quais o registo foi pedido estão abrangidos nas classes 6, 21 e 32 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, em relação a cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 6: «Metais comuns e suas ligas; materiais de construção metálicos; serralharia e quinquilharia metálica; tubos metálicos; cofres‑fortes; produtos metálicos não incluídos noutras classes; garrafas metálicas»;

–        classe 21: «Utensílios e recipientes para uso doméstico e na cozinha; vidro em bruto ou semiacabado (com exceção do vidro de construção); vidraria, porcelana e faiança não incluídas noutras classes, garrafas em vidro e em plástico»;

–        classe 32: «Cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas».

4        Em 23 de janeiro de 2012, o examinador informou a recorrente de que iria indeferir o pedido de registo para uma parte dos produtos em causa, com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, a saber, os produtos seguintes:

–        classe 6: «produtos metálicos não incluídos noutras classes; garrafas metálicas»;

–        classe 21: «Utensílios e recipientes para uso doméstico e na cozinha; vidro em bruto ou semiacabado (com exceção do vidro de construção); vidraria, porcelana e faiança não incluídas noutras classes, garrafas em vidro e em plástico»;

–        classe 32: «Cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas».

5        Em 23 de março de 2012, a recorrente informou o IHMI de que mantinha o seu pedido de registo para todos os produtos em causa, afirmando que o sinal para o qual o registo foi pedido tinha adquirido caráter distintivo nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009. Em 19 de outubro de 2012, depois de ter obtido prorrogações do prazo inicialmente concedido para reunir e apresentar os documentos que provassem as suas alegações, a recorrente expôs os seus argumentos contra a posição inicial do examinador.

6        Em 23 de janeiro de 2013, o examinador indeferiu o pedido de registo. Depois de analisar os argumentos e os meios de prova apresentados pela recorrente, entendeu que a marca pedida não tinha caráter distintivo para os produtos em causa. Após ter considerado que o pedido de marca comunitária integrava os motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, o examinador indeferiu igualmente o pedido da recorrente nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

7        Em 20 de março de 2013, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador no IHMI.

8        Por decisão de 27 de março de 2014 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso negou provimento ao recurso com o fundamento de que, relativamente aos produtos em causa, a marca pedida não tinha caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), e n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009.

9        A Câmara de Recurso considerou que os produtos em causa se destinavam ao consumo corrente e visavam principalmente o grande público. Tendo em consideração o facto de os produtos em causa serem caracterizados por uma produção em massa, a Câmara de Recurso entendeu que o consumidor médio desses produtos não era particularmente atento e que era «provável que tivesse uma recordação imperfeita dos produtos de marca».

10      Quanto ao caráter distintivo, a Câmara de Recurso descreveu, em primeiro lugar, a marca pedida. Em seguida, comparou‑a com as imagens constantes da comunicação dos motivos de recusa do examinador e concluiu que este último havia considerado corretamente que a marca pedida não tinha caráter distintivo no que respeita aos produtos em causa.

11      A Câmara de Recurso entendeu que a soma das características do recipiente em causa não conferia caráter distintivo à marca pedida, na medida em que essas características eram comuns às formas dos produtos em questão, abrangidos nas classes 6 e 21 e ao acondicionamento desses produtos, abrangidos na classe 32. A Câmara de Recurso confirmou assim a conclusão do examinador de que a forma em causa não era consideravelmente diferente das formas de base dos produtos em questão e do seu acondicionamento.

12      Perante o argumento da recorrente de que a marca pedida devia ser considerada como a «garrafa de contornos não estriados» que era associada pelo público relevante à sua célebre garrafa emblemática (a seguir «garrafa de contornos não estriados»), dado que, segundo esse público, a marca pedida constituiria uma evolução desta última, a Câmara de Recurso procedeu a uma comparação entre estas duas garrafas.

13      Em substância, apesar de reconhecer que as duas garrafas apresentavam semelhanças, a Câmara de Recurso concluiu que as impressões globais que elas produziam eram diferentes. A este respeito, deu particular atenção às estrias como elemento unificador da garrafa de contornos estriados. Assim, a Câmara de Recurso indeferiu o argumento de que a marca pedida devia ser considerada como uma evolução natural da garrafa de contornos estriados. Entendeu que a marca pedida devia ser avaliada tendo em conta a perceção desse sinal pelo público relevante, sem pressupor que o referido público estabeleceria uma ligação direta e imediata entre esse sinal e a garrafa de contornos estriados pela qual a recorrente é reconhecida no mundo inteiro.

14      Vistas estas considerações, a Câmara de Recurso concluiu, ao analisar as características da marca pedida, que esta última não se afastava suficientemente das normas e dos hábitos do setor em causa, de modo a permitir ao público relevante identificar imediata e diretamente a origem comercial dos produtos. Consequentemente, a Câmara de Recurso concluiu que a marca pedida não tinha caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009.

15      No que se refere ao artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, a Câmara de Recurso considerou que a recorrente não tinha provado que a marca pedida tinha adquirido caráter distintivo pelo uso.

16      A Câmara de Recurso expressou sérias dúvidas quanto à fiabilidade das sondagens apresentadas pela recorrente e, nomeadamente, quanto à sua fonte, às razões pelas quais não foram realizadas pela empresa de estudo de mercado reconhecida, como indicado nas referidas sondagens, mas por um antigo diretor daquela empresa que se tornou consultor independente em estudos de mercado. A Câmara de Recurso também considerou que as sondagens continham perguntas tendenciosas e que os números relativos às percentagens não davam conta exata (segundo a mesma Câmara, adicionando determinadas percentagens, a soma ultrapassava os 100%). Para além destas dúvidas, a Câmara de Recurso considerou que as sondagens tinham sido efetuadas em menos de metade dos Estados‑Membros da União Europeia. Notou igualmente que as sondagens tiveram lugar após a data da apresentação do pedido de registo da marca.

17      Quanto ao volume de negócios e ao volume das vendas indicados pela recorrente, a Câmara de Recurso entendeu que, mesmo considerando o testemunho do conselho de marketing da filial da recorrente em França, aqueles se reportavam à totalidade das atividades da recorrente e não à marca pedida.

18      Relativamente ao material publicitário, a Câmara de Recurso considerou que a sua quase totalidade não dizia respeito à marca pedida mas a outras garrafas ou latas da recorrente e, em especial, à sua célebre garrafa de contornos estriados.

19      O argumento da recorrente de que a marca pedida havia adquirido caráter distintivo na sequência da sua utilização enquanto parte de uma outra marca foi também indeferido pela Câmara de Recurso, que precisou que o presente caso se distinguia dos processos invocados pela recorrente a este respeito. Acrescentou que a perceção do consumidor relevante não era necessariamente a mesma no caso das formas e no dos elementos verbais.

20      A Câmara de Recurso concluiu, tendo em consideração as características do sinal pedido, a natureza dos produtos em causa e a estratégia de marketing apresentada nos elementos de prova, que não deixava de ter pertinência o facto de, no presente caso, a garrafa de contornos não estriados poder ser vendida com uma etiqueta. A este respeito, admitiu que uma estratégia publicitária assente numa marca não podia constituir obstáculo à aquisição do caráter distintivo, mas recordou que os elementos de prova fornecidos mostravam o modo como os produtos em causa foram comercializados sob a marca pedida junto do público relevante. Segundo a Câmara de Recurso, estas considerações, relativas à estratégia de marketing, não podiam ser ignoradas no momento da apreciação da perceção da marca pedida por esse público.

21      Embora reconhecendo que a recorrente realizou investimentos consideráveis em matéria de publicidade e que o volume de vendas apresentado era muito elevado, a Câmara de Recurso considerou que os elementos de prova continuavam a ser, na globalidade, insuficientes e pouco convincentes no que se refere à efetiva perceção da marca pedida pelo público relevante.

22      A Câmara de Recurso salientou que, relativamente aos produtos em causa que não as bebidas sem álcool, as provas do caráter distintivo adquirido pelo uso eram praticamente inexistentes. A este respeito, sublinhou que não foi apresentada nenhuma prova relativa à compra de «garrafas de vidro e de plástico» e de «utensílios de cozinha».

23      A Câmara de Recurso também considerou que os documentos relativos ao historial das bebidas sem álcool da recorrente mostravam imagens da garrafa de contornos não estriados e pareciam, na sua maior parte, conter imagens recolhidas fora da União (em especial, nos Estados Unidos) ou em locais desconhecidos, ou que se tratava de textos escritos fora da União ou em locais desconhecidos, e que esses documentos não podiam, consequentemente, demonstrar um caráter distintivo adquirido pela marca pedida na União.

 Pedidos das partes

24      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

25       O IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na sua totalidade;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

26      A recorrente apresenta dois fundamentos de recurso. O primeiro é relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 e o segundo à violação do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009

27      A recorrente censura a Câmara de Recurso por não ter tomado em consideração, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Geral, as normas e os hábitos do setor. A este respeito, afirma que, se o mercado dos produtos em causa for concorrencial e compreender numerosos operadores, essa circunstância pode incitar fortemente alguns desses operadores a conceber a embalagem dos seus produtos de modo a estes se distinguirem dos de outros operadores e chamarem a atenção do consumidor, para que este possa conservar na memória essa forma específica, na perspetiva de uma aquisição ulterior.

28      Segundo a recorrente, é o que acontece no setor das bebidas. Alega que, embora seja verdade que as garrafas podem ser simplesmente funcionais pelo facto de terem uma secção cilíndrica longa e um gargalo, um grande número de formas de garrafas é concebido para chamar a atenção do consumidor e distinguir os produtos de um operador em particular. Os consumidores estão, portanto, segundo a recorrente, habituados a que as formas que se afastam da forma habitual de uma garrafa sejam registadas como marca. É esse o caso do presente processo.

29      A Câmara de Recurso cometeu igualmente um erro ao não proceder a uma apreciação global da marca pedida e do modo como os seus diferentes elementos foram combinados, com vista a compará‑la com as formas habituais no mercado.

30      Além disso, a recorrente sustenta que a marca pedida, por um lado, difere dos exemplos encontrados pelo examinador na Internet, os quais, além do mais, só tinham como alvo a Irlanda, e, por outro, chama a atenção do consumidor e permite‑lhe memorizá‑la.

31      A recorrente considera também que a Câmara de Recurso, no n.° 35 da decisão impugnada, cometeu o mesmo erro que o constatado no acórdão de 20 de outubro de 2011, Freixenet/IHMI (C‑344/10 P e C‑345/10 P, Colet., EU:C:2011:680, n.° 49). Com efeito, a Câmara de Recurso considerou erradamente que, quando o produto é também distribuído sob uma marca nominativa distintiva, no caso em apreço uma etiqueta, esse facto priva necessariamente a forma do produto de qualquer caráter distintivo. Esta abordagem equivale a considerar que nenhuma forma pode ser distintiva, uma vez que nenhuma forma é apresentada no mercado sem uma marca verbal ou outro tipo de marca.

32      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

33      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/94, é recusado o registo de marcas desprovidas de caráter distintivo.

34      Resulta de jurisprudência constante que o caráter distintivo de uma marca na aceção dessa disposição significa que essa marca permite identificar o produto ou o serviço para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e permite, portanto, distinguir esse produto dos de outras empresas (v. acórdão Freixenet/IHMI, n.° 31, supra, EU:C:2011:680, n.° 42 e jurisprudência aí referida).

35      Esse caráter distintivo deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, em relação à perceção do público relevante, constituído pelo consumidor desses produtos ou serviços (v. acórdão Freixenet/IHMI, n.° 31, supra, EU:C:2011:680, n.° 43 e jurisprudência aí referida).

36      Também segundo jurisprudência constante, os critérios de apreciação do caráter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não são diferentes dos critérios aplicáveis às outras categorias de marcas (v. acórdão Freixenet/IHMI, n.° 31, supra, EU:C:2011:680, n.° 45 e jurisprudência aí referida).

37      No entanto, na aplicação desses critérios, há que atender ao facto de a perceção do consumidor médio não ser necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela aparência do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente da aparência dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos com base na sua forma ou na da sua embalagem, na falta de qualquer elemento verbal ou gráfico, podendo, por isso, tornar‑se mais difícil provar o caráter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (v. acórdão Freixenet/IHMI, n.° 31, supra, EU:C:2011:680, n.° 46 e jurisprudência aí referida).

38      Mais concretamente, uma vez que o acondicionamento de um produto líquido é um imperativo de comercialização, o consumidor médio atribui‑lhe, em primeiro lugar, essa simples função. Uma marca tridimensional constituída por tal acondicionamento só é distintiva se permitir ao consumidor médio do referido produto, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, proceder a uma análise ou a uma comparação e, sem demonstrar particular atenção, distinguir este produto dos de outras empresas [acórdãos de 12 de fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, Colet., EU:C:2004:88, n.° 53, e de 29 de abril de 2004, Eurocermex/IHMI (Forma de uma garrafa de cerveja), T‑399/02, Colet., EU:T:2004:120, n.° 24].

39      Nestas condições, só não é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 uma marca que, de forma significativa, divirja da norma ou dos hábitos do setor e, por esse motivo, seja suscetível de cumprir a sua função essencial de origem (v. acórdão Freixenet/IHMI, n.° 31, supra, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

40      Face ao exposto, deve analisar‑se se a marca pedida diverge, de forma significativa, da norma ou dos hábitos do setor em causa.

41      A título preliminar, importa salientar, como bem constatou a Câmara de Recurso, que não é contestado o facto de os produtos designados pela marca pedida serem produtos de consumo corrente, dirigidos ao grande público. Há também a considerar, sem que seja contestado e como foi também entendido, em substância, pela Câmara de Recurso, que, atendendo ao facto de os produtos em causa serem destinados ao consumo corrente, o nível de atenção do público relevante deve ser considerado médio.

42      A este respeito, segundo a descrição fornecida pela recorrente, a marca pedida é composta por uma base plana que apresenta uma curva em direção ao exterior, para lhe dar uma aparência abaulada, por uma secção cónica que se alonga para o interior e se estende para o exterior até à primeira linha horizontal, para desenhar uma forma trapezoidal, por uma parte central saliente ligeiramente encastrada e com uma aparência plana, apesar de os lados terem uma ligeira curvatura, para desenhar um perfil liso, e por uma parte superior que se alonga para cima como um funil e é ligeiramente abaulada ao nível do gargalo.

43      Daqui resulta que a marca pedida é um sinal complexo composto por várias características.

44      Assim, para apreciar o caráter distintivo da marca pedida, importa considerá‑la no seu conjunto. Porém, esse facto não é incompatível com o exame sucessivo dos diferentes elementos que a compõem [acórdãos de 5 de março de 2003, Unilever/IHMI (Pastilha oval), T‑194/01, Colet., EU:T:2003:53, n.° 54, e Forma de uma garrafa de cerveja, n.° 38, supra, EU:T:2004:120, n.° 25].

45      Desde logo, no que respeita à parte inferior da marca pedida, há que considerar que essa parte da garrafa não apresenta características que permitam distingui‑la de outras garrafas disponíveis no mercado. É notório que as garrafas podem apresentar a parte inferior em formas muito variadas. No entanto, essas variações não permitem, em geral, ao consumidor médio deduzir a origem comercial dos produtos em causa.

46      Em seguida, relativamente à parte central da marca pedida, importa salientar que também não apresenta particularidades em relação ao que está disponível no mercado. Como salientou justamente a Câmara de Recurso, esta parte da marca pedida serve, em condições comerciais normais, para receber uma etiqueta da qual constam o nome da marca, informações sobre os ingredientes dirigida aos consumidores, a capacidade da garrafa e os nomes do produtor e do distribuidor. O facto de essa parte ser ligeiramente curva não implica que confira à marca pedida um caráter distintivo que permita aos consumidores deduzir a sua origem comercial.

47      Por último, relativamente à parte superior da marca pedida, que é composta por um funil ligeiramente abaulado ao nível do gargalo, há que observar que é notório que as garrafas disponíveis no mercado apresentam características mais ou menos semelhantes às da marca pedida. Com efeito, a parte superior de uma garrafa tem geralmente forma de funil e um gargalo. Daqui resulta que, mesmo admitindo que este elemento apresenta uma certa originalidade, não pode ser considerado como divergindo significativamente das normas ou dos hábitos do setor.

48      Assim, a marca pedida é constituída por uma combinação de elementos, cada um dos quais é desprovido de caráter distintivo em relação a esses produtos, uma vez que é suscetível de ser comummente utilizado no comércio dos produtos abrangidos pelo pedido de registo (v., neste sentido e por analogia, acórdão Forma de uma garrafa de cerveja, n.° 38, supra, EU:T:2004:120, n.° 30).

49      Decorre da jurisprudência que o facto de uma marca complexa ser composta apenas por elementos desprovidos de caráter distintivo em relação aos produtos em causa permite, regra geral, concluir que essa marca, considerada no seu todo, é desprovida de caráter distintivo. Esta conclusão só pode ser infirmada caso haja indícios concretos, como o modo como esses elementos são combinados, que indiquem que a marca complexa, considerada no seu todo, representa algo mais do que a soma dos elementos que a compõem (v., neste sentido, acórdão Forma de uma garrafa de cerveja, n.° 38, supra, EU:T:2004:120, n.° 31).

50      No caso em apreço, não se verifica a existência desses indícios. Com efeito, a marca pedida caracteriza‑se pela sua forma, que apresenta uma silhueta curvilínea. No entanto, essa forma não representa mais do que a soma dos elementos de que a marca é composta, concretamente uma garrafa como a maior parte das garrafas no mercado. Tal forma é, em princípio, suscetível de ser comummente utilizada no comércio dos produtos abrangidos no pedido de registo. Daqui resulta que a forma como os elementos da presente marca complexa são combinados também não é suscetível de conferir a esta última um caráter distintivo (v., neste sentido, acórdão Forma de uma garrafa de cerveja, n.° 39, supra, EU:T:2004:120, n.° 32).

51      A marca pedida constitui apenas uma variante da forma e do acondicionamento dos produtos em causa, que não permitirá ao consumidor médio distinguir esses produtos dos das outras empresas [v., neste sentido, acórdãos de 17 de dezembro de 2008, Somm/IHMI (Alpendre para sombra), T‑351/07, EU:T:2008:591, n.° 27, e de 16 de setembro de 2009, Alber/IHMI (Pega), T‑391/07, EU:T:2009:336, n.° 60].

52      Por conseguinte, a Câmara de Recurso não errou ao considerar que o consumidor médio da União apreendia a marca pedida, no seu todo, unicamente como uma variante da forma e do acondicionamento dos produtos para os quais o registo da referida marca foi pedido.

53      Esta solução não pode ser posta em causa pelo argumento de que a Câmara de Recurso não procedeu a um exame global da marca pedida. Com efeito, resulta designadamente do n.° 27 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso apreciou a marca pedida em função do «conjunto das características do recipiente» da recorrente. A Câmara de Recurso indicou igualmente, no n.° 35 da decisão impugnada, que «[a] panorâmica geral das características referidas pela [recorrente] não cria[va] uma impressão global capaz de dotar o sinal pedido de um caráter distintivo».

54      No que se refere ao argumento de que a Câmara de Recurso não teve em consideração o facto de o setor pertinente ser caracterizado por uma grande competitividade e ser comum os autores desse mercado tentarem distinguir os seus produtos pelo acondicionamento, há que considerar que estas circunstâncias não são, só por si, suficientes para conferir um caráter distintivo à marca pedida. Acresce que a Câmara de Recurso tomou adequadamente em consideração as condições de mercado no quadro da sua apreciação global da marca pedida. Resulta, nomeadamente, do n.° 28 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso entendeu que, dado que o grau de liberdade na conceção das garrafas não é muito elevado, não podem ser registadas como marcas variações mínimas das formas habituais, uma vez que o público não as considerará como um indicador de origem.

55      Por último, a crítica da recorrente à referência, efetuada a título subsidiário pela Câmara de Recurso no n.° 35 da decisão impugnada, ao facto de o utilizador final dirigir, em geral, a sua atenção principalmente para a etiqueta do produto ou para o seu acondicionamento e para o nome, imagem ou desenho que aí figura do que simplesmente para a conceção do acondicionamento em si, não é, em todo o caso, suscetível de pôr em causa o mérito das apreciações da Câmara de Recurso [v., neste sentido, acórdão de 30 de abril de 2013, Boehringer Ingelheim International/IHMI (RELY‑ABLE), T‑640/11, EU:T:2013:225, n.° 27 e jurisprudência aí referida]. Com efeito, no quadro da sua apreciação do caráter distintivo da marca pedida nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, a Câmara de Recurso examinou a marca pedida tendo em conta todas as suas características pertinentes e alicerçou a sua conclusão, do ponto de vista jurídico, com base na marca pedida, concretamente a forma nua da garrafa com contornos [v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2014, Langguth Erben/IHMI (Forma de uma garrafa de bebida alcoólica), T‑66/13, EU:T:2014:681, n.os 66 e 67].

56      Consequentemente, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009

57      A recorrente alega que, em todo o caso, a marca pedida adquiriu um caráter distintivo pelo uso. Considera que fez prova da aquisição do caráter distintivo dessa marca ao fornecer um número importante de elementos de prova nas instâncias do IHMI.

58      Os elementos de prova produzidos pela recorrente no processo administrativo no IHMI são, nomeadamente, os seguintes:

–        um historial do modo como a marca pedida foi utilizada, incluindo o contexto e os fundamentos com base nos quais esta marca foi utilizada na União;

–        dados fundados em sondagens e as próprias sondagens efetuadas em dez Estados‑Membros da União para demonstrar que a maior parte das pessoas interrogadas associam a marca pedida à recorrente e às suas bebidas Coca‑Cola;

–        elementos de prova como o código de conduta da empresa de estudo do mercado, para demonstrar que os dados mencionados acima foram produzidos com base em sondagens corretas e independentes, realizadas a cerca de 5000 pessoas representativas do público pertinente em dez Estados‑Membros;

–        volumes de vendas acompanhados de uma tabela contendo a repartição das vendas entre os Estados‑Membros da União e uma declaração de compromisso de honra do Conselho de marketing da Coca‑Cola (Europa) para demonstrar que a recorrente vendeu um grande número de garrafas de contornos estriados e não estriados na União entre 2009 e 2011;

–        tabelas indicativas dos investimentos que foram feitos em publicidade e comunicação entre 2009 e 2011 para demonstrar que as bebidas Coca‑Cola, Coca‑Cola Light e Coca‑Cola Zero da recorrente foram comercializadas em toda a União;

–        elementos de prova sob a forma de fotografias, artigos e extratos obtidos através da Internet para demonstrar que a marca pedida foi utilizada no quadro da comunicação comercial, de publicações na Internet, da «arte Pop» e em publicações de terceiros e noutros meios de comunicação social.

59      Em primeiro lugar, a recorrente alega, em substância, que as dúvidas da Câmara de Recurso quanto à fonte, à fiabilidade e à independência das sondagens são infundadas. A recorrente censura também a Câmara de Recurso por não ter interpretado corretamente as sondagens apesar das explicações que delas constavam. Tendo em consideração estes erros, a recorrente alega que a Câmara de Recurso não compreendeu os dados que lhe foram apresentados e o modo como as sondagens foram conduzidas, apesar das explicações constantes dessas sondagens, bem como da exposição de motivos apresentada ao IHMI.

60      Em segundo lugar, a recorrente considera, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito na medida em que não reconheceu que a marca pedida havia adquirido caráter distintivo em consequência do seu uso enquanto parte de uma marca registada ou em conjugação com a mesma. Alega que a marca pedida foi objeto de um uso intensivo como parte da forma da sua garrafa de contornos estriados. Invoca, a este respeito, o acórdão de 7 de julho de 2005, Nestlé (C‑353/03, Colet., EU:C:2005:432), no qual o Tribunal de Justiça considerou que o caráter distintivo de uma marca, previsto no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, tanto pode resultar do uso, enquanto parte de uma marca registada, de um elemento desta como do uso de uma marca distinta em conjugação com uma marca registada.

61      Segundo a recorrente, o facto de a garrafa de contornos estriados ter sido objeto de um uso intensivo não pode ser posto em causa de forma séria. A garrafa de contornos, estriados ou não estriados, foi vendida em grandes quantidades durante muitos anos. Além disso, a garrafa de contornos, estriados ou não estriados, foi consideravelmente promovida.

62      Segundo a recorrente, há diversos argumentos a favor da aquisição de um caráter distintivo pela marca pedida enquanto parte da garrafa de contornos estriados. Em primeiro lugar, observa‑se claramente que a forma constitutiva da marca pedida (concretamente, a marca pedida isoladamente considerada) é bidimensional. Os elementos de prova mostram uma vista lateral bidimensional da marca pedida, a qual é representada em painéis expostos nos pontos de venda, em painéis publicitários ou em produtos, como garrafas ou latas. Nenhuma disposição do direito das marcas da União constitui obstáculo à aquisição do caráter distintivo das marcas tridimensionais através do uso de marcas bidimensionais.

63      Em segundo lugar, existem garrafas que correspondem a edições especiais que são configuradas de modo a ocultar as estrias, o que produz uma impressão global de uma garrafa de contornos não estriados. Estes produtos existem em versões tridimensionais e bidimensionais. A recorrente reconhece que estas garrafas foram concebidas para ocasiões especiais, mas alega que foram vendidas em grande número e amplamente promovidas.

64      Em terceiro lugar, a recorrente invoca o modo como a marca pedida foi utilizada por terceiros em diferentes formas de expressão cultural. Alega que, se o público não considerasse a marca pedida como distintiva da sociedade Coca‑Cola, seria permitido questionar o objetivo prosseguido por determinados artistas através do seu trabalho, uma vez que, segundo a recorrente, as suas obras fazem referência manifesta à garrafa de Coca‑Cola.

65      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

66      Por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, os motivos absolutos de recusa, constantes do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do mesmo regulamento, não se opõem ao registo de uma marca se esta tiver adquirido, para os produtos ou serviços para os quais o registo é pedido, um caráter distintivo após o uso que dela foi feito. Na verdade, na hipótese referida no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, o facto de o sinal que constitui a marca em questão ser efetivamente compreendido pelo público pertinente como uma indicação da origem comercial de um produto ou de um serviço é o resultado de um esforço económico por parte do requerente da marca. Esta circunstância justifica o afastamento das considerações de interesse geral subjacentes às alíneas b) a d) do n.° 1 do mesmo artigo, que exigem que as marcas a que essas disposições se referem possam ser livremente utilizadas, a fim de evitar criar uma vantagem concorrencial ilegítima a favor de um único operador económico [acórdãos de 21 de abril de 2010, Schunk/IHMI (Representação de uma parte de um mandril), T‑7/09, EU:T:2010:153, n.° 38, e de 22 de março de 2013, Bottega Veneta International/IHMI (Forma de um saco de mão), T‑409/10, EU:T:2013:148, n.° 74].

67      Resulta da jurisprudência que, para que o registo de uma marca seja aceite nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, o caráter distintivo adquirido pela utilização da marca deve ser demonstrado na parte da União onde a mesma não tem esse caráter distintivo à luz do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do referido regulamento. Por outro lado, o caráter distintivo de uma marca deve ter sido adquirido por um uso anterior à apresentação do pedido de registo (acórdãos Representação de uma parte de um mandril, n.° 66, supra, EU:T:2010:153, n.° 40, e Forma de um saco de mão, n.° 66, supra, EU:T:2013:148, n.° 76).

68      Além disso, no caso de marcas não nominativas, como a visada no caso em apreço, deve presumir‑se que a apreciação do seu caráter distintivo é a mesma em toda a União, salvo se houver indícios concretos em sentido contrário. Uma vez que não resulta da análise do primeiro fundamento nem dos autos que seja esse o caso no presente processo, deve considerar‑se que o motivo absoluto de recusa referido no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 existe em toda a União, no que respeita à marca requerida. É, portanto, em toda a União que a referida marca deve ter adquirido caráter distintivo pelo uso, para poder ser registada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento [v. acórdão de 12 de setembro de 2007, Glaverbel/IHMI (Textura de uma superfície de vidro), T‑141/06, EU:T:2007:273, n.° 36 e jurisprudência aí referida].

69      Resulta igualmente da jurisprudência que a aquisição de caráter distintivo pelo uso da marca exige que, pelo menos, uma fração significativa do público pertinente identifique, graças à marca, os produtos ou serviços em causa como provenientes de uma determinada empresa. Todavia, as circunstâncias em que a condição relacionada com a aquisição de caráter distintivo pelo uso pode ser considerada preenchida não podem ser estabelecidas unicamente com base em dados gerais e abstratos, tais como percentagens determinadas (acórdãos Representação de uma parte de um mandril, n.° 66, supra, EU:T:2010:153, n.° 39, e Forma de um saco de mão, n.° 66, supra, EU:T:2013:148, n.° 75).

70      Além disso, há que ter em conta, para apreciar o caráter distintivo adquirido pelo uso da marca num caso concreto, fatores como a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso dessa marca, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, a proporção dos meios interessados que identificam o produto como proveniente de uma empresa determinada graças à marca e declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais. Se, com base nestes elementos, os meios interessados ou, pelo menos, uma fração significativa destes identificam, graças à marca, o produto ou o serviço como sendo proveniente de uma empresa determinada, deve concluir‑se que está preenchido o requisito imposto pelo artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009 para o registo da marca (acórdãos Representação de uma parte de um mandril, n.° 66, supra, EU:T:2010:153, n.° 41, e Forma de um saco de mão, n.° 66, supra, EU:T:2013:148, n.° 77).

71      Segundo a jurisprudência, o caráter distintivo de uma marca, incluindo o que é adquirido pelo uso, deve também ser apreciado relativamente aos produtos ou serviços para os quais o registo da marca é pedido e tendo em conta a perceção que se presume ter um consumidor médio da categoria de produtos ou de serviços em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (acórdãos Representação de uma parte de um mandril, n.° 66, supra, EU:T:2010:153, n.° 42, e Forma de um saco de mão, n.° 66, supra, EU:T:2013:148, n.° 78).

72      Por último, resulta da jurisprudência que a prova do caráter distintivo adquirido pelo uso não pode ser feita pela mera apresentação dos volumes de vendas e do material publicitário. Do mesmo modo, o simples facto de o sinal ter sido utilizado no território da União durante um certo tempo não é suficiente para demonstrar que o público‑alvo dos produtos em causa o entende como uma indicação da origem comercial (v., neste sentido, acórdão Textura de uma superfície de vidro, n.° 68, supra, EU:T:2007:273, n.os 41 e 42).

73      É à luz destas considerações que importa analisar se, no caso em apreço, a Câmara de Recurso cometeu um erro ao considerar que a marca pedida não adquiriu caráter distintivo após o uso que dela foi feito, na aceção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009.

74      A título preliminar, cumpre salientar que as dúvidas expressas pela Câmara de Recurso quanto à fiabilidade das sondagens são infundadas. Com efeito, resulta dos autos que as pessoas questionadas apenas viram uma imagem que apresentava uma das garrafas em causa e não imagens das duas garrafas, como a Câmara de Recurso tinha considerado. Do mesmo modo, a Câmara de Recurso concluiu erradamente que os números relativos às percentagens não eram exatos. Há também que considerar como infundadas as dúvidas expressas pela Câmara de Recurso relativamente à pessoa responsável pela condução das sondagens. De resto, estes pontos não são contestados pelo IHMI.

75      No entanto, resulta da decisão impugnada que a Câmara de Recurso, apesar da constatação errada das falhas descritas no n.° 16, supra, que viciariam as sondagens, não as recusou como elementos de prova, mas analisou‑as para determinar se demonstravam que a marca pedida tinha adquirido caráter distintivo nos dez Estados‑Membros em que foram realizadas. Com efeito, resulta dos n.os 51 e 52 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso considerou que as sondagens abrangiam menos de metade dos Estados‑Membros e as apreciou conjuntamente com os outros elementos de prova apresentados pela recorrente. Daqui resulta que os erros cometidos pela Câmara de Recurso relativamente à fiabilidade das sondagens não são suscetíveis de afetar a legalidade da decisão impugnada.

76      Em seguida, importa salientar, como alega a recorrente, que uma marca tridimensional pode eventualmente adquirir caráter distintivo pelo uso, mesmo que seja utilizada juntamente com outra marca nominativa ou figurativa. Basta que, em consequência desse uso, os meios interessados tenham uma perceção efetiva do produto ou do serviço, designado unicamente pela marca cujo registo foi pedido como sendo proveniente de uma empresa determinada (acórdão Nestlé, n.° 60, supra, EU:C:2005:432, n.° 30). A este respeito, o Tribunal Geral salienta que, diversamente da marca em causa no processo que deu origem ao acórdão Nestlé, n.° 60, supra (EU:C:2005:432), a marca pedida não é claramente diferenciável da marca de que deve fazer parte. No caso em apreço, não é fácil determinar, com base nas provas fornecidas pela recorrente e, nomeadamente, no material publicitário, se a garrafa que neles figura é uma representação da garrafa com contornos estriados ou se se trata da marca pedida. O mesmo sucede com os elementos de prova em que estão representadas garrafas de contornos não estriados. Com efeito, a marca pedida não é usada em conjugação com a marca de que deve fazer parte, mas absorve‑a ou, inversamente, é ela própria absorvida por aquela, uma vez que as silhuetas, tanto a da marca pedida como a da marca de que esta deve fazer parte, se sobrepõem. Nestas circunstâncias, importa verificar se os elementos de prova demonstram que, aos olhos do público relevante, a marca pedida pode ser reconhecida como um indicador da origem comercial dos produtos em causa.

77      Relativamente ao território para o qual o uso deve ser demonstrado, há que recordar que, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, a marca comunitária tem caráter unitário, o que implica que produz os mesmos efeitos em toda a União. Resulta do caráter unitário da marca comunitária que, para que seja admitido o seu registo, um sinal deve possuir caráter distintivo em toda a União. Deste modo, segundo o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo, deve ser recusado o registo de uma marca se esta for desprovida de caráter distintivo numa parte da União, podendo a parte da União referida no n.° 2 deste artigo eventualmente ser constituída por um único Estado‑Membro [v., neste sentido, acórdãos de 22 de junho de 2006, Storck/IHMI, C‑25/05 P, Colet., EU:C:2006:422, n.os 81 a 83, e de 29 de setembro de 2010, CNH Global/IHMI (Representação de um trator em vermelho, preto e cinzento), T‑378/07, Colet., EU:T:2010:413, n.° 45 e jurisprudência aí referida].

78      O artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, que permite o registo dos sinais que adquiriram caráter distintivo pelo uso, deve ser lido à luz desta exigência. Segundo a jurisprudência referida no n.° 66, supra, é necessário demonstrar a aquisição de caráter distintivo pelo uso em todo o território no qual a marca não tinha esse caráter. Todavia, seria excessivo exigir que a prova da aquisição de caráter distintivo pelo uso, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 66 a 68 acima, fosse feita relativamente a cada Estado‑Membro individualmente considerado (v., neste sentido, acórdão de 24 de maio de 2012, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli/IHMI, C‑98/11 P, Colet., EU:C:2012:307, n.° 62).

79      Assim, cumpre verificar se, perante a jurisprudência referida nos n.os 68 a 70, supra, a recorrente podia provar que o sinal em causa tinha adquirido, antes de ter apresentado o pedido de registo, caráter distintivo pelo uso em toda a União para uma parte significativa do público relevante. Para esse efeito, a recorrente teve ocasião de apresentar no IHMI diversos elementos de prova, nomeadamente os indicados no n.° 59, supra.

80      Em primeiro lugar, relativamente às sondagens invocadas pela recorrente, há a considerar que a Câmara de Recurso constatou acertadamente, no n.° 51 da decisão impugnada, que estas não eram suscetíveis de provar que a marca pedida tinha adquirido caráter distintivo em toda a União para uma parte significativa do público relevante. Com efeito, as sondagens foram realizadas em dez Estados‑Membros da União, concretamente na Dinamarca, na Alemanha, na Estónia, na Grécia, em Espanha, em França, na Itália, na Polónia, em Portugal e no Reino Unido, contando a União com 27 Estados‑Membros na data da apresentação do pedido de registo. É verdade que as sondagens em causa concluem que a marca pedida adquiriu caráter distintivo nos dez Estados‑Membros em que foram realizadas, variando a taxa de reconhecimento entre os 48% (Polónia) e os 79% (Espanha), mas não comprovam que assim era nos outros 17 Estados‑Membros. Com efeito, o resultado destas sondagens não pode ser extrapolado para os 17 Estados‑Membros em que as sondagens não foram realizadas. A este respeito, importa salientar, no que se refere nomeadamente aos países que se tornaram membros da União depois de 2004, que as sondagens não dão quase nenhuma informação quanto à perceção do público relevante nesses Estados‑Membros. Embora tenham sido realizadas sondagens na Polónia e na Estónia, nada permite extrapolar as conclusões quanto a dois países para os outros Estados‑Membros que se tornaram membros da União depois de 2004. Por outro lado, a recorrente não demonstrou que determinados Estados‑Membros abrangidos pelas sondagens são comparáveis a outros e que os resultados destas sondagens podiam ser‑lhes aplicados por extrapolação, não competindo ao Tribunal fazer suposições nesse sentido.

81      Tendo em consideração o que precede, há que concluir que as sondagens, por si só, não provam com suficiência, em si mesmas, que a marca pedida adquiriu caráter distintivo em toda a União para uma parte significativa do público relevante.

82      Em segundo lugar, no que diz respeito aos investimentos que foram feitos em publicidade e comunicação, resulta da jurisprudência que a importância dos investimentos feitos pela empresa para promover uma marca pode ser tomada em consideração para determinar se a mesma pôde adquirir caráter distintivo pelo uso. No entanto, no caso em apreço, importa constatar que os números fornecidos a este respeito não se referem especificamente à marca pedida. Com efeito, segundo a declaração sob compromisso de honra do conselho de marketing da filial da recorrente em França, os números fornecidos apenas se referem às bebidas Coca‑Cola, Coca‑Cola Light e Coca‑Cola Zero sem que seja especificado qual o acondicionamento em causa. Não é, assim, possível tirar conclusões destes dados quanto à perceção da marca pedida pelo público relevante.

83      Em terceiro lugar, no que respeita aos volumes de vendas e ao material publicitário, observe‑se, desde logo, que não podem ser considerados provas secundárias que possam eventualmente corroborar as provas diretas do caráter distintivo adquirido pelo uso, como as trazidas pelas sondagens apresentadas pela recorrente.

84      Com efeito, os volumes de vendas e o material publicitário enquanto tais não demonstram que o público visado pelos produtos em causa percecione a marca pedida como uma indicação de origem comercial. Relativamente aos Estados‑Membros nos quais não foi realizada qualquer sondagem, não pode, em princípio, ser feita a prova do caráter distintivo adquirido pelo uso mediante a mera apresentação do volume de vendas e do material publicitário. Assim é especialmente nas circunstâncias do caso vertente, em que se afigura que os volumes de vendas fornecidos não são fiáveis.

85      A este respeito, mesmo que não existam dúvidas de que o volume de vendas demonstra que a recorrente vendeu uma grande quantidade de bebidas na União, é forçoso constatar que esses elementos de prova, como reconheceu a recorrente na audiência, padecem de incoerências. A título de exemplo, importa salientar que o volume de vendas da Bélgica e do Luxemburgo, que têm, em conjunto, uma população de cerca de 12 milhões de habitantes, é quase o mesmo que o da Alemanha, quando este país tem uma população de cerca de 80 milhões de habitantes. Do mesmo modo, o volume das vendas realizadas na Lituânia, que tem uma população de cerca de 3 milhões de habitantes, corresponde ao dobro do volume das vendas realizadas na Polónia, quando este país tem uma população de cerca de 38 milhões de habitantes. Além disso, o volume de vendas duplicou na Letónia entre 2009 e 2010. A recorrente, que confirmou estas incoerências na audiência, não pode explicá‑las. Em conclusão, há que considerar que estes elementos de prova são desprovidos de força probatória.

86      Acresce não ser possível deduzir dos dados fornecidos pela recorrente, mesmo à luz da declaração sob compromisso de honra do conselho de marketing da filial da recorrente em França, que os volumes de vendas digam especificamente respeito à marca pedida. Com efeito, na referida declaração sob compromisso de honra é indicado que o volume de vendas é relativo às «garrafas com contornos» sem precisar se se trata da marca pedida, da garrafa de contornos estriados ou de ambas. Não é, assim, possível tirar daí qualquer conclusão relacionada com a perceção da marca pedida pelo público relevante.

87      Assim, a Câmara de Recurso concluiu corretamente, no n.° 57 da decisão impugnada, que os referidos elementos de prova eram insuficientes e pouco convincentes no que se refere à efetiva perceção da marca pedida.

88      Relativamente aos elementos de prova que contêm fotografias, artigos e extratos da Internet para demonstrar que a marca pedida foi utilizada no âmbito da comunicação comercial, de publicações na Internet, na «arte Pop», bem como em publicações de terceiros e noutros meios de comunicação social, há que constatar que a Câmara de Recurso concluiu com acerto que a quase totalidade destes elementos não dizia respeito à marca pedida. Com efeito, não é fácil determinar com base nestes elementos de prova se a garrafa que aí figura é uma representação da garrafa de contornos estriados ou se se trata da marca pedida. Do mesmo modo, os documentos relativos ao historial das bebidas sem álcool da recorrente só mostram imagens da garrafa de contornos estriados. Além disso, a constatação da Câmara de Recurso de que a maior parte destes documentos contém imagens captadas fora da União Europeia (em particular, nos Estados Unidos) ou em locais desconhecidos deve ser confirmada. Em consequência, estes documentos também não podem demonstrar a aquisição de caráter distintivo na União.

89      Além disso, importa considerar que a recorrente não forneceu quase nenhuma prova da aquisição do caráter distintivo relativamente aos produtos em causa que não são bebidas não alcoólicas, concretamente, todos os outros produtos abrangidos na classe 32 e os produtos abrangidos nas classes 6 e 21 da Classificação de Nice, o que, de resto, foi confirmado pela recorrente na audiência.

90      Tendo em consideração o que precede, nenhum dos elementos de prova analisado isoladamente é suficiente para demonstrar que a marca pedida adquiriu caráter distintivo pelo uso. Do mesmo modo, uma análise dos elementos de prova no seu conjunto também não permite estabelecer que assim é. A este respeito, importa recordar que as sondagens só abrangem uma parte da União e que os outros elementos de prova fornecidos pela recorrente no processo administrativo no IHMI não permitem, dadas as suas imprecisões e incoerências, compensar esta insuficiência.

91      Em consequência, uma vez que nenhum dos fundamentos apresentados pela recorrente é procedente, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

92      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

93      Tendo a recorrente ficado vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido do IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A The Coca‑Cola Company é condenada nas despesas.

Gratsias

Kancheva

Wetter

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de fevereiro de 2016.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.