Language of document : ECLI:EU:C:2013:774

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

28 de novembro de 2013 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 80/987/CEE — Diretiva 2002/74/CE — Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Instituições de garantia — Limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia — Créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador»

No processo C‑309/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Portugal), por decisão de 30 de março de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de junho de 2012, no processo

Maria Albertina Gomes Viana Novo,

Ezequiel Martins Dias,

Gabriel Inácio da Silva Fontes,

Marcelino Jorge dos Santos Simões,

Manuel Dourado Eusébio,

Alberto Martins Mineiro,

Armindo Gomes de Faria,

José Fontes Cambas,

Alberto Martins do Alto,

José Manuel Silva Correia,

Marilde Marisa Moreira Marques Moita,

José Rodrigues Salgado Almeida,

Carlos Manuel Sousa Oliveira,

Manuel da Costa Moreira,

Paulo da Costa Moreira,

José Manuel Serra da Fonseca,

Ademar Daniel Lourenço Dias,

Ana Mafalda Azevedo Martins Ferreira

contra

Fundo de Garantia Salarial, IP,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász (relator), A. Rosas, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de maio de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de M. A. Gomes Viana Novo e o., por J. Trocado da Costa, advogado,

¾        em representação do Fundo de Garantia Salarial, IP, por J. Pereira, advogada,

¾        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e J. Quintela Coelho, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Afonso e J. Enegren, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de junho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.° e 10.° da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219; a seguir «Diretiva 80/987, na sua versão inicial»), conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO L 270, p. 10, a seguir «Diretiva 80/987, conforme alterada»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. A. Gomes Viana Novo e outras 17 pessoas (a seguir, em conjunto «Gomes Viana Novo e o.») ao Fundo de Garantia Salarial, IP (a seguir «FGS»), a propósito da cobertura, por este, dos créditos salariais detidos pelos recorrentes no processo principal sobre o seu antigo empregador, que se encontra em situação de insolvência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.° da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, tinha a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objeto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.

2.      A data indicada no n.° 1 será, por escolha dos Estados‑Membros:

¾        ou a da superveniência de insolvência do empregador,

¾        ou a do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador em causa, por força de insolvência do empregador,

¾        ou a da superveniência da insolvência do empregador ou a da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador em causa, ocorrida por força da insolvência do empregador.»

4        O artigo 4.° da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, tinha a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia previstas no artigo 3.°

2.      Quando os Estados‑Membros fizerem uso da faculdade prevista no n.° 1, devem:

¾        no caso previsto no n.° 2, primeiro travessão, do artigo 3.°, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho compreendidos no período dos seis meses anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador,

¾        no caso previsto no n.° 2, segundo travessão, do artigo 3.° assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho, anteriores à data do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador assalariado por força da insolvência do empregador,

¾        no caso previsto no n.° 2, terceiro travessão, do artigo 3.°, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos dezoito últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador ou à da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado, ocorrida por força da insolvência do empregador. Nestes casos os Estados‑Membros podem limitar a obrigação de pagamento à remuneração referente a um período de oito semanas ou a diversos períodos parciais que perfaçam a mesma duração.»

5        Os artigos 3.° e 4.° da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, foram alterados pela Diretiva 2002/74. Segundo o artigo 2.°, n.° 1, desta última, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento antes de 8 de outubro de 2005 e devem aplicar estas disposições a todo e qualquer estado de insolvência de um empregador que ocorra após a data de entrada em vigor dessas disposições.

6        A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 36), codificou e revogou a Diretiva 80/987, conforme alterada. Todavia, tendo em conta a data em que sobreveio a insolvência do empregador de Gomes Viana Novo e o., deve aplicar‑se esta última diretiva.

7        O artigo 3.° da Diretiva 80/987, conforme alterada, prevê:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.»

8        O artigo 4.° desta diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.°

2.      Quando os Estados‑Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.° 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.° Os Estados‑Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.

Os Estados‑Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses têm a possibilidade de reduzir a oito semanas o período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Neste caso, para o cálculo do período mínimo, são considerados os períodos mais favoráveis aos trabalhadores.

3.      Os Estados‑Membros podem igualmente estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efetuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social da presente diretiva.

Quando os Estados‑Membros fizerem uso desta faculdade, devem comunicar à Comissão os métodos através dos quais estabeleceram o referido limite máximo.»

 Direito português

9        O artigo 380.° da Lei n.° 99/2003, de 27 de agosto de 2003, que aprova o Código do Trabalho, na versão aplicável ao processo principal, precisa, sob a epígrafe «Garantia de pagamento»:

«A garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo [FGS], nos termos previstos em legislação especial.»

10      A Lei n.° 35/2004, de 29 de julho de 2004, fixou o quadro do FGS. Nos termos do seu artigo 317.°, o FGS «assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».

11      O artigo 318.° dessa lei, que determina as situações abrangidas pela garantia, prevê:

«1.      O [FGS] assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.

2.      O [FGS] assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto‑Lei n.° 316/98, de 20 de outubro.

3.      Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.° e 9.°, respetivamente, do Decreto‑Lei n.° 316/98, de 20 de outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo [FGS], deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.

4.      Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o [FGS] deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:

a)      Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respetiva declaração;

b)      Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.»

12      O artigo 319.° da referida lei identifica os créditos abrangidos, como se segue:

«1.      O [FGS] assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2.      Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o [FGS] assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3.      O [FGS] só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      O empregador de Gomes Viana Novo e o. deixou de lhes pagar salários em abril de 2003, pelo que estes rescindiram os respetivos contratos de trabalho, em 15 de setembro de 2003, direito que lhes era reconhecido pela legislação nacional aplicável na matéria. Em 10 de fevereiro de 2004, Gomes Viana Novo e o. recorreram para o Tribunal de Trabalho de Barcelos, com vista à fixação dos seus créditos salariais e à respetiva cobrança coerciva. O seu pedido foi julgado procedente.

14      Uma vez que os bens que compunham o património do empregador eram insuficientes para pagar os créditos, Gomes Viana Novo e o. instauraram no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em 28 de novembro de 2005, um processo de insolvência do referido empregador. Após ter sido decretada a insolvência, foram reclamados os créditos salariais.

15      Em 26 de julho de 2006, Gomes Viana Novo e o. requereram ao FGS o pagamento dos respetivos créditos. Por despachos de 21 e 26 de dezembro de 2006, o presidente do FGS indeferiu estes pedidos, com fundamento em que os créditos em causa se tinham vencido mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, ou seja, numa data anterior ao período de referência previsto no artigo 319.°, n.° 1, da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho de 2004.

16      Por decisão de 18 de março de 2010, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto negou provimento ao recurso de anulação destes despachos, interposto por Gomes Viana Novo e o. Estes recorreram desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

17      Foi nestas circunstâncias que o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito da União, neste concreto âmbito de garantia dos créditos salariais em caso de insolvência do empregador, em especial os arts. 4.° e 10.° da Diretiva [80/987, conforme alterada], deve ser interpretado no sentido de que se opõe à disposição do direito nacional que garanta apenas os créditos que se vencerem [no período de] seis meses antes da propositura da ação de insolvência do seu empregador mesmo quando os trabalhadores hajam acionado no Tribunal do Trabalho aquele seu empregador com vista à fixação judicial do valor em dívida e à cobrança coerciva dessas mesmas quantias?»

 Quanto à questão prejudicial

18      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 80/987, conforme alterada, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais que se vencerem mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores hajam proposto, antes do início desse período de seis meses, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva.

19      Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que o FGS recusou pagar a Gomes Viana Novo e o. os seus créditos salariais, uma vez que estes se tinham vencido mais de seis meses antes da data da propositura da ação de insolvência do empregador, que a legislação nacional que transpôs a Diretiva 80/987, conforme alterada, elegeu como data a partir da qual deve ser calculado o período de referência previsto nos artigos 3.°, segundo parágrafo, e 4.°, n.° 2, daquela.

20      A Diretiva 80/987, na sua versão inicial e conforme alterada, visa assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção, ao nível da União Europeia, em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (v. acórdãos de 4 de março de 2004, Barsotti e o., C‑19/01, C‑50/01 e C‑84/01, Colet., p. I‑2005, n.° 35; de 16 de julho de 2009, Visciano, C‑69/08, Colet., p. I‑6741, n.° 27; e de 17 de novembro de 2011, van Ardennen, C‑435/10, Colet., p. I‑11705, n.° 27).

21      É com este objetivo que o artigo 3.° da Diretiva 80/987, conforme alterada, impõe que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para que as instituições de garantia nacionais assegurem o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados.

22      Todavia, tanto a Diretiva 80/987, na sua versão inicial, como a Diretiva 80/987, conforme alterada, conferem aos Estados‑Membros a faculdade de limitarem a obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos.

23      A este título, resulta do ponto 3 do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação de determinadas disposições da Diretiva 2008/94 [COM(2011) 84 final], cujos artigos 3.° e 4.° correspondem, em substância, aos da Diretiva 80/987, conforme alterada, que muitos Estados‑Membros fizeram uso dessa faculdade de limitar a sua obrigação de pagamento no tempo e/ou estabeleceram limites máximos aos pagamentos.

24      O artigo 3.° da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, dava aos Estados‑Membros a faculdade de escolherem, de entre várias possibilidades, a data até à qual seriam garantidas as remunerações em dívida. Tendo em conta a escolha assim efetuada, o artigo 4.°, n.° 2, da referida diretiva determinava os créditos em dívida que, em qualquer caso, deviam ser cobertos pela obrigação de garantia quando um Estado‑Membro tivesse decidido, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, limitar essa obrigação de garantia (v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 1997, Maso e o., C‑373/95, Colet., p. I‑4051, n.° 47).

25      As alterações introduzidas pela Diretiva 2002/74 no artigo 3.° da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, suprimiram a referência às três datas que aí constavam inicialmente e, nos termos do segundo parágrafo desse artigo, os Estados‑Membros passaram a fixar livremente a data anteriormente e/ou, tal sendo o caso, posteriormente à qual se situa o período durante o qual os créditos correspondentes a remunerações em dívida são tomados a cargo pela instituição de garantia (v., neste sentido, acórdão de 18 de abril de 2013, Mustafa, C‑247/12, n.os 39 a 41).

26      Ao abrigo do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, quando os Estados‑Membros optassem por limitar a garantia assegurada pela instituição, podiam situar a garantia mínima de três meses no período de seis meses anterior à data de referência. Após a entrada em vigor das alterações à Diretiva 80/987, na sua versão inicial, introduzidas pela Diretiva 2002/74, é também possível situar esse período posteriormente a esta data de referência. Os Estados‑Membros têm também a faculdade de prever uma garantia mínima limitada a oito semanas, desde que este período de oito semanas se situe num período de referência mais longo, de dezoito meses, no mínimo.

27      Nestas condições, há que constatar que a Diretiva 80/987, conforme alterada, não se opõe a que um Estado‑Membro fixe como data de início do cálculo do período de referência a data da propositura da ação de insolvência do empregador. De igual modo, se um Estado‑Membro decidir fazer uso da faculdade de limitar a garantia através da fixação de um período de referência, pode escolher limitar este período de referência a seis meses, desde que garanta o pagamento da remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho.

28      Dado que, no âmbito do litígio no processo principal, a legislação nacional garante a remuneração referente aos três últimos meses da relação de trabalho, há que constatar que o legislador nacional, ao adotar disposições que preveem que o FGS assegura o pagamento dos créditos salariais vencidos seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador e, em certas condições, mesmo após essa data, pode fazer uso da faculdade de limitar a obrigação que incumbe às instituições de garantia, que lhe é conferida pelos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 80/987, conforme alterada.

29      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 20 do presente acórdão, a Diretiva 80/987, conforme alterada, visa apenas uma proteção mínima dos trabalhadores assalariados, em caso de insolvência do seu empregador. As disposições relativas à faculdade oferecida aos Estados‑Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela Diretiva 80/987, conforme alterada, tem em consideração a capacidade financeira desses Estados e procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia.

30      Esta consideração manifesta‑se designadamente na faculdade concedida aos Estados‑Membros de encurtarem o período de garantia, se o período mínimo de referência for prolongado, como prevê o artigo 4.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 80/987, como alterada, bem como na faculdade de estabelecerem limites máximos aos pagamentos, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, desta diretiva.

31      Importa recordar que os casos em que é permitido limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, previstos no artigo 4.° da Diretiva 80/987, conforme alterada, devem ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão van Ardennen, já referido, n.° 34).

32      Todavia, a interpretação restritiva destes casos não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados‑Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento.

33      Ora, há que constatar que tal seria o caso se se devesse interpretar a Diretiva 80/987, conforme alterada, no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador.

34      Além disso, sublinhe‑se que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 20 do presente acórdão, a Diretiva 80/987 visa assegurar aos trabalhadores uma proteção em caso de insolvência do empregador. Daí decorre que o sistema instituído por esta diretiva pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida.

35      Contudo, com base nos autos apresentados ao Tribunal de Justiça, parece que esse nexo não existe no âmbito do litígio no processo principal.

36      Na verdade, ao passo que os créditos salariais objeto deste litígio resultam do facto de o empregador de Gomes Viana Novo e o. ter deixado de lhes pagar salários a partir de abril de 2003 e de estes terem rescindido os seus contratos de trabalho, em setembro de 2003, devido a essa falta de pagamento, outros trabalhadores ao serviço do mesmo empregador continuaram a receber salário ao longo dos anos de 2004 a 2006 e só em maio de 2006 é que os contratos destes últimos trabalhadores cessaram, devido à insolvência do seu empregador. Assim, apesar dos atrasos nos pagamentos dos salários, o empregador manteve e remunerou uma parte importante do seu pessoal, vários anos após a rescisão dos contratos de trabalho de Gomes Viana Novo e o.

37      Há, pois, que responder à questão submetida que a Diretiva 80/987, conforme alterada, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva.

 Quanto às despesas

38      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva.

Assinaturas


* Língua do processo: português.