Language of document : ECLI:EU:C:2019:1071

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de dezembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Regulamento (UE) 2016/399 — Código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) — Artigo 6.o — Condições de entrada para os nacionais de países terceiros — Conceito de “ameaça para a ordem pública” — Decisão de regresso relativamente a um nacional de país terceiro em situação irregular»

No processo C‑380/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 6 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de junho de 2018, no processo

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

contra

E.P.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen (relator) e C. Toader, juizes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de maio de 2019,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de E.P., por Š. Petković, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por J. M. Hoogveld, M. A. M. de Ree, M. L. Noort e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por C. Van Lul, C. Pochet e P. Cottin, na qualidade de agentes, assistidos por C. Decordier, avocate, e T. Bricout, advocaat,

–        em representação do Governo alemão, inicialmente, por T. Henze e R. Kanitz e, em seguida, por R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo suíço, por S. Lauper, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Wils, J. Tomkin e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1; a seguir «Código das Fronteiras Schengen»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos; a seguir «Secretário de Estado») e E.P. a respeito da legalidade de uma decisão que ordenava que este abandonasse o território da União Europeia.

 Quadro jurídico

 Convenção de aplicação do Acordo de Schengen

3        O artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990 (JO 2000, L 239, p. 19; a seguir «Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen»), previa:

«Em relação a uma estada que não exceda três meses, a entrada no território das partes contratantes pode ser autorizada ao estrangeiro que preencha as seguintes condições:

a)      Possuir um documento ou documentos válidos, determinados pelo Comité Executivo, que permitam a passagem da fronteira;

[…]

c)      Apresentar, se for caso disso, documentos que justifiquem o objetivo e as condições da estada prevista e dispor de meios de subsistência suficientes […] ou estar em condições de adquirir legalmente estes meios;

d)      Não estar indicado para efeitos de não admissão;

e)      Não ser considerado como suscetível de comprometer a ordem pública, a segurança nacional ou as relações internacionais de uma das partes contratantes.»

4        O artigo 20.o, n.o 1, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1), dispõe:

«Os estrangeiros não submetidos à obrigação de visto podem circular livremente nos territórios das partes contratantes por um período máximo de 90 dias num período de 180 dias, desde que preencham as condições de entrada a que se referem as alíneas a), c), d) e e) do n.o 1 do artigo 5.o»

 Diretiva 2004/38/CE

5        O artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), enuncia:

«As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

 Regulamento (CE) n.o 1987/2006

6        O artigo 24.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 1987/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen de segunda geração (SIS II) (JO 2006, L 381, p. 4), precisa:

«1.      Os dados relativos a nacionais de países terceiros indicados para efeitos de não admissão ou interdição de permanência são introduzidos com base numa indicação nacional resultante de uma decisão tomada pelas autoridades administrativas ou pelos órgãos jurisdicionais competentes de acordo com as regras processuais previstas pela legislação nacional, com base numa avaliação individual. Os recursos de tais decisões são tramitados nos termos do direito nacional.

2.      Deve ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o n.o 1 se fundar no facto de a presença de um nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro constituir ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional. Esta situação verifica‑se, nomeadamente, no caso de:

a)      O nacional de um país terceiro ter sido condenado num Estado‑Membro por um crime passível de uma pena privativa de liberdade de[,] pelo menos, um ano;

b)      Existirem fortes razões para crer que o nacional de um país terceiro praticou factos puníveis graves ou indícios reais para supor que tenciona praticar tais factos no território de um Estado‑Membro.»

 Diretiva 2008/115/CE

7        O artigo 3.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2.      “Situação irregular”, a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1)] ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

[…]»

8        O artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.»

 Código de Vistos

9        O artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos) (JO 2009, L 243, p. 1; a seguir «Código de Vistos»), enuncia:

«Na análise de um pedido de visto uniforme, deve verificar‑se se o requerente preenche as condições de entrada constantes das alíneas a), c), d) e e) do n.o 1 do artigo 5.o do [Regulamento n.o 562/2006] e avaliar com especial diligência se o requerente representa um risco em termos de imigração ilegal ou para a segurança dos Estados‑Membros, e se tenciona sair do território dos Estados‑Membros antes de o visto requerido caducar.»

 Código das Fronteiras Schengen

10      Os considerandos 6 e 27 do Código das Fronteiras Schengen têm a seguinte redação:

«(6)      O controlo fronteiriço não é efetuado exclusivamente no interesse do Estado‑Membro em cujas fronteiras externas se exerce, mas no interesse de todos os Estados‑Membros que suprimiram o controlo nas suas fronteiras internas. O controlo fronteiriço deverá contribuir para a luta contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna, a ordem pública, a saúde pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros.

[…]

(27)      De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, as derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas devem ser interpretadas de modo estrito, e o conceito de ordem pública pressupõe a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um dos interesses fundamentais da sociedade.»

11      O artigo 2.o do mesmo código prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

5)      “Beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União”:

a)      Os cidadãos da União, na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do [Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia], bem como os nacionais de países terceiros membros da família de um cidadão da União que exerça o seu direito à livre circulação, aos quais é aplicável a Diretiva [2004/38];

b)      Os nacionais de países terceiros e membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade, que, por força de acordos celebrados entre a União e os seus Estados‑Membros, por um lado, e esses países terceiros, por outro, beneficiem de direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União;

[…]»

12      O artigo 6.o, n.o 1, do referido código dispõe:

«Para uma estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a 90 dias em qualquer período de 180 dias, o que implica ter em conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada, as condições de entrada para os nacionais de países terceiros são as seguintes:

[…]

d)      Não estar indicado no SIS [Sistema de Informação de Schengen] para efeitos de não admissão;

e)      Não ser considerado suscetível de perturbar a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública ou as relações internacionais de qualquer Estado‑Membro, e em especial não estar indicado para efeitos de não admissão, pelos mesmos motivos, nas bases de dados nacionais dos Estados‑Membros.»

13      O artigo 8.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do mesmo regulamento prevê:

«No entanto, e de modo não sistemático, ao efetuarem os controlos mínimos dos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União, os guardas de fronteira podem consultar as bases de dados nacionais e europeias a fim de assegurar que essas pessoas não representam uma ameaça real, presente e suficientemente grave para a segurança interna, a ordem pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros, ou uma ameaça para a saúde pública.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Quando se encontrava nos Países Baixos para uma estada de curta duração, para a qual beneficiava de uma isenção da obrigação de visto, E.P., nacional de um país terceiro, foi considerado suspeito de ter cometido uma infração prevista na legislação penal neerlandesa relativa a estupefacientes.

15      Por Decisão de 19 de maio de 2016, o Secretário de Estado ordenou a E.P. que abandonasse o território da União, por já não preencher a condição enunciada no artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen, dado que representava uma ameaça para a ordem pública.

16      E.P. interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Haia, sediado em Amesterdão, Países Baixos).

17      Por Sentença de 13 de setembro de 2016, o referido órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e anulou a decisão do Secretário de Estado.

18      O Secretário de Estado interpôs recurso dessa sentença.

19      Tendo em conta, nomeadamente, a natureza da decisão tomada relativamente a E.P., a complexidade das apreciações que o Secretário de Estado teve de realizar para adotar tal decisão e a circunstância de E.P. se encontrar no território de um Estado‑Membro no dia em que a mesma foi adotada, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a constatação da existência de uma ameaça para a ordem pública, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen, implicava demonstrar que o comportamento pessoal de E.P. representava uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade.

20      O referido órgão jurisdicional considera que, no estado atual, a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862), de 11 de junho de 2015, Zh. e O. (C‑554/13, EU:C:2015:377), de 24 de junho de 2015, T. (C‑373/13, EU:C:2015:413), de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84), e de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255), não permite dar uma resposta unívoca a esta questão.

21      Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do [Código das Fronteiras Schengen] ser interpretado no sentido de que, na determinação da cessação da permanência regular durante um máximo de 90 dias, dentro de um período de 180 dias, devido ao facto de um cidadão estrangeiro ser considerado uma ameaça para a ordem pública, tem de se fundamentar que os comportamentos pessoais do cidadão estrangeiro em questão constituem uma ameaça real, atual e suficientemente grave [que afete] um interesse fundamental da sociedade?

2)      Caso a primeira questão deva ser respondida negativamente, quais os requisitos que se aplicam, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do [Código das Fronteiras Schengen], à fundamentação de que um cidadão estrangeiro é considerado uma ameaça para a ordem pública?

Deve o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do [Código das Fronteiras Schengen] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual um cidadão estrangeiro é considerado uma ameaça para a ordem pública com base no simples facto de esse cidadão estrangeiro ser suspeito de ter cometido uma infração [penal]?»

 Quanto às questões prejudiciais

22      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional nos termos da qual as autoridades competentes podem adotar uma decisão de regresso relativamente a um nacional de um país terceiro não sujeito à obrigação de visto, presente no território dos Estados‑Membros para uma estada de curta duração, pelo facto de esse nacional ser considerado uma ameaça para a ordem pública, por ser suspeito de ter cometido uma infração penal.

23      Resulta do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen que, entre as condições de entrada para uma estada de curta duração no território dos Estados‑Membros, figura a exigência de não ser considerado suscetível de perturbar a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública ou as relações internacionais de qualquer Estado‑Membro.

24      Embora esta disposição preveja esta exigência como condição de entrada no território dos Estados‑Membros, há que observar que, na sequência da entrada nesse território, a regularidade da permanência no referido território continua igualmente sujeita ao cumprimento da referida exigência.

25      Com efeito, por um lado, o artigo 20.o, n.o 1, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen prevê que os nacionais de países terceiros não submetidos à obrigação de visto podem circular livremente no território dos Estados‑Membros durante o período definido nessa disposição, desde que esses nacionais de países terceiros preencham as condições de entrada a que se referem as alíneas a) e c) a e) do n.o 1 do artigo 5.o da referida convenção.

26      A este respeito, há que recordar que o artigo 6.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen substituiu o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 562/2006, o qual, por sua vez, substituiu o artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen. Assim, o artigo 20.o, n.o 1, da referida convenção deve ser interpretado no sentido de que passou a remeter para o artigo 6.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen.

27      Por outro lado, resulta do artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2008/115 que um nacional de um país terceiro que se encontre no território de um Estado‑Membro sem preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do Regulamento n.o 562/2006, entretanto substituído pelo artigo 6.o do Código das Fronteiras Schengen, ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência, está, por esse facto, em situação irregular nesse território (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum, C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 59).

28      Nestas circunstâncias, uma vez que o artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva prevê que os Estados‑Membros devem, em princípio, emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território, há que considerar que um Estado‑Membro pode adotar uma decisão desse tipo relativamente a um nacional de um país terceiro não sujeito à obrigação de visto, presente no território dos Estados‑Membros para uma estada de curta duração, quando este constitua uma ameaça para a ordem pública, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen.

29      Neste contexto, para determinar o alcance do conceito de «ameaça para a ordem pública» que figura nesta última disposição, cabe recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um cidadão da União que exerceu o seu direito à livre circulação e alguns dos seus familiares só podem ser considerados uma ameaça para a ordem pública se o seu comportamento individual representar uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262, n.os 66 e 67, e de 10 de julho de 2008, Jipa, C‑33/07, EU:C:2008:396, n.os 23 e 24).

30      O conceito de «ameaça para a ordem pública» foi, em seguida, interpretado da mesma forma no contexto de várias diretivas que regulam a situação de nacionais de países terceiros que não fazem parte da família de um cidadão da União (v. Acórdãos de 11 de junho de 2015, Zh. e O., C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 60; de 24 de junho de 2015, T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 79; e de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 67).

31      No entanto, qualquer referência, por parte do legislador da União, ao conceito de «ameaça para a ordem pública» não deve necessariamente ser entendida no sentido de que remete exclusivamente para um comportamento individual que representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro em causa.

32      Assim, no que se refere ao conceito semelhante de «ameaça para a segurança pública», o Tribunal de Justiça declarou que, no contexto da Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado (JO 2004, L 375, p. 12), este conceito deve ser interpretado mais amplamente do que na jurisprudência relativa às pessoas que exercem o direito à livre circulação e que o referido conceito pode abranger ameaças potenciais à segurança pública (v., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2017, Fahimian, C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 40).

33      Por conseguinte, para precisar o alcance do conceito de «ameaça para a ordem pública», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen, há que ter em conta a redação desta disposição, o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2015, T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 58, e de 4 de abril 2017, Fahimian, C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 30).

34      No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), desse código, há que observar que, ao contrário, nomeadamente, do artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, este não exige expressamente que o comportamento da pessoa em causa represente uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade, para que essa pessoa possa ser considerada uma ameaça para a ordem pública.

35      Esta apreciação é corroborada, em segundo lugar, pelo contexto em que se insere o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen.

36      A este respeito, importa, antes de mais, salientar que esta disposição tem igualmente uma ligação estreita com o Código de Vistos, uma vez que o respeito da condição de entrada que enuncia deve, por força do artigo 21.o, n.o 1, desse código, ser verificado antes da emissão de um visto uniforme.

37      Por conseguinte, a ampla margem de apreciação reconhecida pelo Tribunal de Justiça às autoridades competentes dos Estados‑Membros, quando da verificação do respeito das condições a que está subordinada a emissão de um visto uniforme, deve, logicamente, tendo em conta a complexidade desse exame (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki, C‑84/12, EU:C:2013:862, n.os 56 a 60), ser igualmente reconhecida a essas autoridades, sempre que determinem se um nacional de um país terceiro constitui uma ameaça para a ordem pública, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen.

38      Seguidamente, embora seja verdade que o considerando 27 e o artigo 8.o, n.o 2, terceiro parágrafo, desse código se referem expressamente à situação em que uma pessoa representa «uma ameaça real, atual e suficientemente grave» para a ordem pública, essas referências visam apenas a situação dos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União, na aceção do artigo 2.o, ponto 5, do referido código.

39      Nestas circunstâncias, se o legislador da União tivesse igualmente entendido subordinar a aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen à existência de tal situação, teria logicamente formulado esta disposição da mesma forma que o artigo 8.o, n.o 2, terceiro parágrafo, desse código.

40      Por último, o artigo 6.o, n.o 1, alínea d), do Código das Fronteiras Schengen prevê que a exigência de não estar indicado no SIS para efeitos de não admissão constitui igualmente uma condição de entrada para uma estada de curta duração no território dos Estados‑Membros.

41      Ora, resulta do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006 que um nacional de um país terceiro que tenha sido condenado por um crime passível de uma pena privativa de liberdade de, pelo menos, um ano, ou relativamente ao qual existam fortes razões para crer que praticou um facto punível grave, pode ser indicado no SIS para efeitos de não admissão, na medida em que constitui uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública.

42      Daqui resulta que o conceito de «ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública», na aceção desta disposição, difere sensivelmente da referida no n.o 29 do presente acórdão (v., por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C‑503/03, EU:C:2006:74, n.o 48).

43      Neste contexto, considerar que o conceito de «ameaça para a ordem pública», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen, é mais restrito do que aquele de que depende a aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), deste código introduziria uma incoerência no referido código.

44      No que diz respeito, em terceiro lugar, aos objetivos do Código das Fronteiras Schengen, resulta do considerando 6 desse código que o controlo nas fronteiras deve contribuir para a prevenção de «qualquer ameaça» para a ordem pública.

45      Por conseguinte, afigura‑se, por um lado, que a preservação da ordem pública constitui, enquanto tal, um dos objetivos prosseguidos pelo referido código e, por outro, que o legislador da União pretendeu lutar contra todas as ameaças para a ordem pública.

46      À luz de todas estas considerações, o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen não pode ser interpretado no sentido de que se opõe, por princípio, a uma prática nacional nos termos da qual é adotada uma decisão de regresso relativamente a um nacional de um país terceiro não sujeito à obrigação de visto, presente no território dos Estados‑Membros para uma estada de curta duração, se este for suspeito de ter cometido uma infração penal, sem que se seja demonstrado que o comportamento daquele representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro em causa.

47      Assim sendo, essa prática nacional deve ser conforme com o princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União, e não deve, portanto, nomeadamente, ir além do que é necessário para proteger a ordem pública (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de maio de 2019, Lavorgna, C‑309/18, EU:C:2019:350, n.o 24; de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 68; e de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 51).

48      Daqui decorre, por um lado, que a infração que o nacional de um país terceiro em causa é suspeito de ter cometido deve ser suficientemente grave, tendo em conta a sua natureza e a pena aplicável, para justificar a cessação imediata da estada desse nacional no território dos Estados‑Membros.

49      Por outro lado, na ausência de condenação, as autoridades competentes só podem invocar uma ameaça para a ordem pública se existirem elementos concordantes, objetivos e precisos que permitam suspeitar que o referido nacional cometeu tal infração.

50      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a prática nacional em causa no processo principal cumpre essas exigências.

51      Resulta do exposto que há que responder às questões submetidas que o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional nos termos da qual as autoridades competentes podem adotar uma decisão de regresso relativamente a um nacional de um país terceiro não sujeito à obrigação de visto, presente no território dos Estados‑Membros para uma estada de curta duração, pelo facto de este ser considerado uma ameaça para a ordem pública, porque é suspeito de ter cometido uma infração penal, desde que essa prática só seja aplicada se, por um lado, essa infração for suficientemente grave, tendo em conta a sua natureza e a pena aplicável, para justificar a cessação imediata da estada desse nacional no território dos Estados‑Membros e, por outro, as referidas autoridades dispuserem de elementos concordantes, objetivos e precisos para sustentar as suas suspeitas, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional nos termos da qual as autoridades competentes podem adotar uma decisão de regresso relativamente a um nacional de um país terceiro não sujeito à obrigação de visto, presente no território dos EstadosMembros para uma estada de curta duração, pelo facto de este ser considerado uma ameaça para a ordem pública, porque é suspeito de ter cometido uma infração penal, desde que essa prática só seja aplicada se, por um lado, essa infração for suficientemente grave, tendo em conta a sua natureza e a pena aplicável, para justificar a cessação imediata da estada desse nacional no território dos EstadosMembros e, por outro, as referidas autoridades dispuserem de elementos concordantes, objetivos e precisos para sustentar as suas suspeitas, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.