Language of document : ECLI:EU:C:2013:363

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

4 de junho de 2013 (*)

«Livre circulação de pessoas ― Diretiva 2004/38/CE ― Decisão que proíbe a entrada de um cidadão da União no território de um Estado‑Membro, por razões de segurança pública ― Artigo 30.°, n.° 2, da referida diretiva ― Obrigação de informar o cidadão em causa dos motivos dessa decisão ― Divulgação contrária aos interesses da segurança do Estado ― Direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑300/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 19 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2011, no processo

ZZ

contra

Secretary of State for the Home Department,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz (relator), G. Arestis, M. Berger e E. Jarašiūnas, presidentes de secção, E. Juhász, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, D. Šváby e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de junho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de ZZ, por H. Southey, QC, e S. Cox, barristers, mandatados por R. Singh, solicitor,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Behzadi‑Spencer, na qualidade de agente, assistida por T. Eicke, barrister,

¾        em representação do Governo checo, por D. Hadroušek, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Palatiello, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por C. Tufvesson e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por X. Lewis, G. Mathisen e F. Cloarec, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77; retificações no JO L 229, p. 3, e no JO 2005, L 197, p. 34), lido à luz, designadamente, do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe ZZ ao Secretary of State for the Home Department (a seguir «Secretary of State»), a propósito da decisão deste, que o proíbe de entrar no território do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, por razões de segurança pública.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O capítulo VI da Diretiva 2004/38 contém disposições relativas à limitação, pelos Estados‑Membros, do direito de entrada e do direito de residência dos cidadãos da União Europeia, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

4        A este respeito, o artigo 27.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.»

5        O artigo 30.°, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.      Qualquer decisão nos termos do n.° 1 do artigo 27.° deve ser notificada por escrito às pessoas em questão, de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si.

2.      As pessoas em questão são informadas, de forma clara e completa, das razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública em que se baseia a decisão, a menos que isso seja contrário aos interesses de segurança do Estado.»

6        O artigo 31.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2004/38 tem a seguinte redação:

«1.      As pessoas em questão devem ter acesso às vias judicial e, quando for caso disso, administrativa no Estado‑Membro de acolhimento para impugnar qualquer decisão a seu respeito por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[...]

3.      A impugnação deve permitir o exame da legalidade da decisão, bem como dos factos e circunstâncias que fundamentam a medida prevista. Deve certificar que a decisão não é desproporcionada, em especial no que respeita às condições estabelecidas no artigo 28.°»

 Direito do Reino Unido

 Acesso e proibição de entrada no território do Reino Unido

7        O Regulamento de 2006, relativo à imigração proveniente do Espaço Económico Europeu [Immigration (European Economic Area) Regulations 2006, a seguir «regulamento relativo à imigração»], transpõe a Diretiva 2004/38 para o direito do Reino Unido. O artigo 2.° desse regulamento dispõe:

«(1)      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

‘Decisão EEE [Espaço Económico Europeu]’, uma decisão, adotada nos termos do presente regulamento, que diz respeito:

(a)      ao direito de uma pessoa entrar no Reino Unido;

[…]»

8        Nos termos do artigo 11.°, n.os 1 e 5, deste regulamento:

«(1)      Um cidadão do EEE deve ser autorizado a entrar no território do Reino Unido, se apresentar à sua chegada um bilhete de identidade ou um passaporte válido emitido por um Estado do EEE.

[...]

(5)      No entanto, o presente artigo é aplicável sem prejuízo do disposto no artigo 19.°, n.° 1 […]»

9        O artigo 19.° do referido regulamento, intitulado «Proibição de entrada no território do Reino Unido e afastamento», dispõe, no seu n.° 1:

«Uma pessoa não está autorizada a entrar no território do Reino Unido, nos termos do artigo 11.°, se a proibição de entrada for justificada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, em conformidade com o artigo 21.°»

10      O artigo 25.° do mesmo regulamento prevê:

«(1)      Para efeitos da presente parte, entende‑se por:

[…]

‘Comissão’, a comissão referida na Lei de 1997, relativa à Comissão Especial de Recursos em Matéria de Imigração (Special Immigration Appeals Commission, a seguir ‘SIAC’);

[…]»

11      O artigo 28.° do regulamento relativo à imigração enuncia:

«(1)      Nos casos em que são aplicáveis os n.os 2 ou 4, é possível interpor recurso das decisões EEE para a [SIAC].

[…]

(4)      O presente número é aplicável se o Secretary of State certificar que a decisão EEE foi adotada, total ou parcialmente, com base em informações que, segundo ele, não deviam ser tornadas públicas

(a)      por motivos de segurança nacional;

[…]

(8)      A Lei de 1997, relativa à Comissão Especial de Recursos em Matéria de Imigração (Special Immigration Appeals Commission Act 1997, a seguir «lei relativa à SIAC»), é aplicável aos recursos interpostos na [SIAC] ao abrigo do presente regulamento, do mesmo modo que se aplica aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 2.° da referida lei, quando o n.° 2 desse artigo for aplicável (recurso de uma decisão em matéria de imigração), com exceção do ponto i) do referido número.»

 Regras aplicáveis aos recursos de uma decisão de proibição de entrada

12      Por força do artigo 1.° da lei relativa à SIAC, esta última é um órgão jurisdicional ordinário superior.

13      O artigo 5.°, n.os 1, 3 e 6, desta lei prevê:

«(1)      O Lord Chancellor pode decretar normas […]

[...]

(3)      As normas referidas no presente artigo podem, designadamente:

(a)      permitir que o processo na [SIAC] decorra sem que sejam comunicados ao recorrente todos os pormenores sobre os fundamentos da decisão objeto do recurso,

[…]

(6)      Na elaboração das normas visadas no presente artigo, o Lord Chancellor deve ter particularmente em consideração:

(a)      a necessidade de garantir que as decisões objeto de recurso sejam devidamente fiscalizadas; e

(b)      a necessidade de garantir que não sejam divulgadas informações contrariamente ao interesse geral.»

14      O artigo 6.° da lei relativa à SIAC prevê a designação de advogados especiais. A este respeito, o n.° 1 deste artigo dispõe que o Attorney General pode designar uma pessoa habilitada a pleitear na High Court of Justice (England & Wales), a fim de representar os interesses de um recorrente em qualquer processo na SIAC, de que estão excluídos este último e todos os seus representantes legais. O n.° 4 do mesmo artigo prevê, além disso, que essa pessoa «não é responsável perante a pessoa cujos interesses está encarregada de representar».

15      O Regulamento de Processo de 2003 da Comissão Especial de Recursos em Matéria de Imigração [Special Immigration Appeals Commission (Procedure) Rules 2003, a seguir «regulamento de processo da SIAC»] dispõe, no seu artigo 4.°, n.os 1 e 3:

«(1)      No exercício das suas funções, a [SIAC] garante que não são divulgadas informações contrariamente aos interesses da segurança nacional […].

(3)      Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2, a [SIAC] deve estar convicta de que os elementos de prova de que dispõe lhe permitem pronunciar‑se adequadamente sobre o processo.»

16      O artigo 10.° do referido regulamento estabelece o seguinte:

«(1)      Quando o Secretary of State pretenda opor‑se a um recurso, deve apresentar à [SIAC]:

(a)      uma declaração de que constem os elementos de prova em que baseia a sua oposição ao recurso; e

(b)      qualquer elemento de defesa de que tenha conhecimento.

(2)      A não ser que o Secretary of State deduza oposição à divulgação da declaração ao recorrente ou ao seu representante, deve enviar uma cópia da declaração ao recorrente, aquando da respetiva apresentação na [SIAC].

(3)      Nos casos em que o Secretary of State deduz oposição à divulgação, ao recorrente ou ao seu representante, da declaração apresentada nos termos do n.° 1, são aplicáveis os artigos 37.° e 38.°»

17      Quanto às funções do advogado especial, previsto no artigo 6.° da lei relativa à SIAC, o artigo 35.° do regulamento de processo da SIAC dispõe o seguinte:

«As funções do advogado especial consistem em representar os interesses do recorrente:

(a)      apresentando observações à [SIAC] em todas as audiências de que estejam excluídos o recorrente e os seus representantes;

(b)      apresentando elementos de prova e procedendo à inquirição contraditória das testemunhas nessas audiências; e      

(c)      apresentando observações escritas à [SIAC].»

18      No que se refere à comunicação entre o recorrente e o advogado especial, o artigo 36.° do regulamento de processo da SIAC prevê:

«(1)      O advogado especial pode comunicar com o recorrente ou com o seu representante a todo o momento, até o Secretary of State lhe notificar elementos a cuja divulgação ao recorrente se tenha oposto.

(2)      Após o Secretary of State ter notificado ao advogado especial os elementos mencionados no n.° 1, o advogado especial não pode comunicar com ninguém sobre nenhuma matéria relacionada com o processo, salvo nos casos referidos no n.° 3 ou no n.° 6, alínea b), ou na sequência de uma instrução da [SIAC] dada em resposta a um pedido formulado ao abrigo do n.° 4.

(3)      O advogado especial pode, sem necessidade de instruções da [SIAC], comunicar sobre o processo com

(a)      a [SIAC];

(b)      o Secretary of State ou qualquer pessoa que atue em seu nome;

(c)      o magistrado competente ou qualquer pessoa que atue em seu nome;

(d)      qualquer outra pessoa, com exceção do recorrente ou do seu representante, com quem seja necessário comunicar, para fins administrativos, sobre questões não relacionadas com a matéria de fundo do processo.

(4)      O advogado especial pode pedir à [SIAC] que dê instruções que o autorizem a comunicar com o recorrente ou com o seu representante, ou com qualquer outra pessoa.

(5)      Quando o advogado especial apresenta um pedido de instruções ao abrigo do n.° 4,

(a)      a [SIAC] deve notificar o pedido ao Secretary of State; e

(b)      o Secretary of State deve, no prazo fixado pela [SIAC], apresentar [nesta última] e notificar ao advogado especial qualquer oposição à comunicação proposta ou à forma pela qual se propõe que a mesma seja feita.

(6)      O n.° 2 não proíbe que o recorrente comunique com o advogado especial depois de o Secretary of State lhe ter notificado elementos nos termos do n.° 1, mas

(a)      o recorrente só pode comunicar com o advogado especial por escrito e por intermédio de um representante legal; e

(b)      o advogado especial só pode responder à comunicação de acordo com as instruções da [SIAC]; não obstante, na falta de instruções, pode enviar um aviso de receção escrito ao representante legal do recorrente.»

19      O artigo 37.° do regulamento de processo da SIAC define a expressão «elementos confidenciais» e dispõe, a este respeito, o seguinte:

«(1)      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por ‘elementos confidenciais’:

(a)      os elementos que o Secretary of State pretenda invocar em qualquer processo na [SIAC],

(b)      os elementos que afetem negativamente os seus argumentos ou que sejam favoráveis ao recorrente, ou

[…]

e a cuja divulgação ao recorrente ou ao seu representante se oponha.

(2)      O Secretary of State não pode invocar elementos confidenciais sem que tenha sido designado um advogado especial para representar os interesses do recorrente.

(3)      Quando o Secretary of State deva notificar elementos confidenciais ao recorrente, por força do artigo 10.°, n.° 2, ou do artigo 10.°‑A, n.° 8, ou quando pretenda invocar tais elementos e tenha sido designado um advogado especial, deve apresentar à [SIAC] e notificar ao advogado especial:

(a)      uma cópia dos elementos confidenciais, se ainda não o tiver feito;

(b)      uma declaração em que indique as razões por que se opõe à sua divulgação; e

(c)      se e na medida em que seja possível fazê‑lo sem divulgar informações contrariamente ao interesse geral, uma descrição dos elementos numa forma que possa ser notificada ao recorrente.

(4)      Aquando da respetiva apresentação, o Secretary of State deve notificar ao recorrente qualquer descrição apresentada nos termos do n.° 3, alínea c).

(4A)      Quando o Secretary of State notifique ao advogado especial elementos confidenciais que tenha expurgado por motivos diferentes do segredo profissional,

(a)      deve apresentar esses elementos na [SIAC], na íntegra, explicando os motivos das alterações; e

(b)      a [SIAC] deve indicar ao Secretary of State os aspetos que podem ser expurgados.

(5)      O Secretary of State pode, com autorização da [SIAC] ou com o acordo do advogado especial, modificar ou completar a todo o tempo os documentos apresentados em aplicação do presente artigo.»

20      Quanto ao exame das objeções do Secretary of State, o artigo 38.° do regulamento de processo da SIAC dispõe:

«(1)      Quando o Secretary of State deduza objeção ao abrigo do artigo 36.°, n.° 5, alínea b), ou do artigo 37.°, a [SIAC] deve decidir se aceita ou não a oposição em causa, nos termos do presente artigo.

(2)      A [SIAC] deve marcar uma audiência para permitir que o Secretary of State e o advogado especial apresentem observações orais […].

[…]

(5)      As audiências previstas neste artigo devem ter lugar sem a presença do recorrente e do seu representante.

(6)      A [SIAC] pode aceitar ou rejeitar a oposição do Secretary of State.

(7)      A [SIAC] deve aceitar a oposição apresentada pelo Secretary of State ao abrigo do artigo 37.°, quando considere que a divulgação dos elementos em causa é contrária ao interesse geral.

(8)      No caso de a [SIAC] aceitar a oposição apresentada pelo Secretary of State ao abrigo do artigo 37.°, deve:

(a)      considerar a hipótese de ordenar ao Secretary of State que notifique ao recorrente um resumo dos elementos confidencias; e

(b)      aprovar esse resumo, por forma a garantir que o mesmo não contenha nenhuma informação nem outro elemento cuja divulgação seja contrária ao interesse geral.

(9)      No caso de a [SIAC] rejeitar a oposição apresentada pelo Secretary of State ao abrigo do artigo 37.° ou lhe ordenar que notifique ao recorrente um resumo dos elementos confidenciais,

(a)      o Secretary of State não é obrigado a notificar esses elementos ou esse resumo, mas

(b)      se não o fizer, a [SIAC] pode, na audiência em que o Secretary of State e o advogado especial podem apresentar observações,

(i)      se considerar que os elementos ou outros dados destinados a ser resumidos podem prejudicar os argumentos do Secretary of State ou ser favoráveis ao recorrente, ordenar ao Secretary of State que não invoque esses pontos nos seus argumentos, ou que faça concessões ou tome outras medidas, em conformidade com as instruções da [SIAC];

ou

(ii)      em qualquer outro caso, ordenar ao Secretary of State que não invoque os elementos em causa ou (se for o caso) os outros dados destinados a ser resumidos no âmbito do processo.»

21      Quanto à decisão da SIAC, o artigo 47.°, n.os 2 a 4, do regulamento de processo da SIAC dispõe:

«(2)      A [SIAC] deve formular a sua decisão e os respetivos fundamentos por escrito.

(3)      A [SIAC] deve notificar às partes, num prazo razoável, um documento com a sua decisão e, se e na medida em que seja possível fazê‑lo sem divulgar informações contrariamente ao interesse geral, os respetivos fundamentos.

(4)      No caso de o documento referido no n.° 3 não incluir a totalidade dos fundamentos da sua decisão, a [SIAC] deve notificar ao Secretary of State e ao advogado especial um documento separado com esses fundamentos.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

22      ZZ possui a dupla nacionalidade francesa e argelina. É casado, desde 1990, com uma cidadã do Reino Unido, de quem teve oito filhos, com idades entre os 9 e os 20 anos, à data da apresentação do pedido prejudicial. De 1990 a 2005, residiu legalmente no Reino Unido. Em 2004, o Secretary of State concedeu‑lhe o direito de residência permanente no território desse Estado‑Membro.

23      Em agosto de 2005, após ZZ ter abandonado o Reino Unido, para se instalar na Argélia, o Secretary of State decidiu anular o seu direito de residência e proibir‑lhe a entrada no território do Reino Unido, com o fundamento de que a sua presença era prejudicial para o interesse geral. A SIAC concluiu, na sua decisão, que ZZ não dispunha de direito de recurso dessa decisão de anulação.

24      Em setembro de 2006, ZZ deslocou‑se ao Reino Unido, onde o Secretary of State adotou uma decisão de recusa de entrada, por razões de segurança pública, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, do regulamento relativo à imigração (a seguir «decisão de recusa de entrada em causa no processo principal»). Na sequência desta decisão, ZZ foi reconduzido à Argélia. À data da apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, ZZ residia em França.

25      ZZ interpôs recurso da decisão de recusa de entrada em causa no processo principal, a que a SIAC negou provimento, com o fundamento de que essa decisão se justificava por razões imperiosas de segurança pública. Na SIAC, ZZ foi representado por um solicitor e um barrister da sua escolha (a seguir «advogados pessoais»).

26      No quadro desse recurso, o Secretary of State opôs‑se à divulgação a ZZ de elementos nos quais baseou a sua oposição ao recurso deste. Em conformidade com as regras processuais aplicáveis na SIAC, foram designados dois advogados especiais para representar os interesses de ZZ. Estes advogados tiveram reuniões com ZZ sobre as «provas públicas».

27      Seguidamente, as informações não comunicadas a ZZ em que se baseou a decisão de recusa de entrada em causa no processo principal foram comunicadas aos referidos advogados especiais, que, a partir desse momento, ficaram impedidos de pedir novas instruções a ZZ ou aos seus advogados pessoais, ou de lhes fornecer informações sem autorização da SIAC. Condicionados por estas restrições, os advogados especiais continuaram a representar os interesses de ZZ na SIAC, relativamente às «provas confidenciais».

28      Para efeitos do exame da oposição do Secretary of State à divulgação de determinados elementos ao recorrente, a SIAC realizou uma audiência que decorreu à porta fechada, na ausência de ZZ e dos seus advogados pessoais, mas na presença dos seus advogados especiais. A SIAC determinou, em definitivo, em que medida a divulgação a ZZ das «provas confidenciais» invocadas pelo Secretary of State era contrária ao interesse geral.

29      Em seguida, teve lugar uma audiência sobre o recurso de ZZ, em parte, em sessão pública e, em parte, à porta fechada. As sessões à porta fechada realizaram‑se na ausência do recorrente e dos seus advogados pessoais, mas na presença dos seus advogados especiais, que apresentaram observações em seu nome.

30      A SIAC negou provimento ao recurso de ZZ e proferiu uma decisão «pública» e uma decisão «confidencial», sendo esta última comunicada apenas ao Secretary of State e aos advogados especiais de ZZ. Na sua decisão pública, a SIAC concluiu, nomeadamente, que só «uma parte reduzida das acusações contra» ZZ lhe tinham sido comunicadas e que estas não diziam respeito a «questões essenciais».

31      Além disso, resulta da decisão pública que a SIAC está convencida de que ZZ estava implicado em atividades da rede do Grupo Islâmico Armado e em atividades terroristas em 1995 e 1996. Quanto aos elementos factuais que foram comunicados a ZZ, decorre desta decisão que objetos de que este tinha admitido ser ou ter sido proprietário tinham sido descobertos, em 1995, na Bélgica, em locais arrendados por um conhecido extremista, onde foi encontrada, entre outros, uma certa quantidade de armas e munições. A propósito de outros factos alegados pelo Secretary of State, tais como, designadamente, estadas em Itália e na Bélgica, contactos com certas pessoas e a posse de elevados montantes de dinheiro, a SIAC considerou, em certa medida, que a tomada de posição de ZZ e os elementos que forneceu eram credíveis e pertinentes. Todavia, as contestações formuladas por este relativamente à sua implicação em atividades da referida rede não foram consideradas pela SIAC, por razões explicadas, designadamente, na decisão confidencial.

32      A SIAC concluiu, na sua decisão pública, que, «por razões explicadas unicamente na decisão confidencial», estava «convencida de que o comportamento pessoal de ZZ representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, a saber, a sua segurança pública, que prevalece sobre o direito do recorrente e da sua família de desfrutarem da sua vida familiar no Reino Unido».

33      ZZ recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, que lhe concedeu a autorização para esse efeito. Na sua decisão de 19 de abril de 2011, proferida no âmbito do processo de recurso e que concluiu pela necessidade de apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) declarou que as decisões da SIAC lidas conjuntamente contêm constatações de facto e argumentos que podem facilmente sustentar a referida conclusão da SIAC. Nestas condições, esta tinha fundamentado suficientemente a sua decisão. Todavia, a referida Court of Appeal pergunta‑se se era permitido à SIAC não divulgar a ZZ o teor dos motivos que constituem o fundamento da decisão de recusa de entrada em causa no processo principal.

34      Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O princípio da proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, conforme interpretado à luz do artigo 346.°, n.° 1, alínea a), [TFUE], exige que um órgão jurisdicional que conhece de um recurso interposto de uma decisão de [afastar de um Estado‑Membro um cidadão da União], por razões de ordem pública e de segurança pública, em [aplicação do c]apítulo VI da Diretiva 2004/38, […] garanta que […] o cidadão da União em questão seja informado das razões [essenciais] dessa exclusão, apesar do facto de as autoridades do Estado‑Membro e o órgão jurisdicional nacional competente, após [terem apreciado] todas as provas contra […] esse cidadão da União em que se basearam as referidas autoridades, terem concluído que a divulgação dessas razões [essenciais seria] contrária aos interesses de segurança do Estado?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

35      Segundo o Governo italiano, o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, por dois motivos. Por um lado, o recurso que ZZ interpôs no órgão jurisdicional de reenvio contra a decisão de recusa de entrada em causa no processo principal é inadmissível, uma vez que a anulação desta decisão não lhe traria uma vantagem efetiva em razão do facto de que a sua entrada no Reino Unido seria, de todo o modo, impedida pela decisão de 2005, que deve ser considerada válida. Decorre daqui que a questão submetida é desprovida de pertinência concreta no processo principal e, como tal, inadmissível. Por outro lado, resulta dos artigos 4.°, n.° 2, TUE e 346.°, n.° 1, alínea a), TFUE que a segurança do Estado é da exclusiva responsabilidade dos Estados‑Membros. A questão submetida incide, por conseguinte, numa matéria regulada pelo direito nacional e, por esta razão, não faz parte das competências da União.

36      A este respeito, há que recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional é o único competente para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. De igual modo, compete exclusivamente ao tribunal nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (acórdão de 25 de outubro de 2012, Rintisch, C‑553/11, n.° 15 e jurisprudência referida).

37      O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667, n.° 27 e jurisprudência referida).

38      Ora, importa concluir que não é essa a situação no presente caso. Com efeito, por um lado, a questão submetida tem por objeto a interpretação do artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, lido à luz, designadamente, do artigo 47.° da Carta. Por outro lado, esta questão é suscitada no âmbito de um litígio real relativo à legalidade de uma decisão de recusa de entrada adotada, em aplicação desta diretiva, pelo Secretary of State contra ZZ. Além disso, embora seja da competência dos Estados‑Membros adotarem medidas próprias para assegurar a sua segurança interna e externa, o mero facto de uma decisão dizer respeito à segurança do Estado não pode implicar a inaplicabilidade do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de dezembro de 2009, Comissão/Itália, C‑387/05, Colet., p. I‑11831, n.° 45).

39      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

40      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, lido à luz, designadamente, do artigo 47.° da Carta, deve ser interpretado no sentido de que exige que um órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de um cidadão da União contra uma decisão de recusa de entrada adotada em aplicação do artigo 27.°, n.° 1, da mesma diretiva garanta que seja divulgado ao interessado o teor dos motivos de segurança pública que constituem o fundamento dessa decisão, quando a autoridade nacional competente alega, perante esse órgão jurisdicional, que motivos de segurança do Estado se opõem a tal divulgação.

41      A este respeito, importa referir desde logo que, no caso em apreço, é pacífico que o Secretary of State, a autoridade nacional competente na matéria, não comunicou a ZZ os motivos precisos e completos que constituem o fundamento da decisão de recusa de entrada em causa no processo principal, a qual foi adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38. No âmbito do processo na SIAC destinado a garantir, em conformidade com o sistema implementado pela regulamentação do Reino Unido, a fiscalização jurisdicional dessas decisões, o Secretary of State invocou a confidencialidade de elementos em que baseou a sua oposição ao recurso de ZZ.

42      Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do regulamento de processo da SIAC, esta deve garantir que não sejam divulgadas informações contrariamente aos interesses da segurança do Estado. Além disso, esse órgão jurisdicional designa, em conformidade com o artigo 10.°, n.° 3, conjugado com o artigo 37.°, n.° 2, desse regulamento, um advogado especial para representar os interesses do recorrente, quando o Secretary of State requer nesse órgão jurisdicional a confidencialidade dos elementos invocados no âmbito do recurso jurisdicional. De acordo com o artigo 35.° do referido regulamento, esse advogado apresenta observações nas audiências de que o recorrente está excluído, produz elementos de prova, procede à inquirição de testemunhas e submete observações escritas à SIAC.

43      O Secretary of State está obrigado, nos termos do artigo 37.°, n.° 3, do regulamento de processo da SIAC, a apresentar e a comunicar a esta última e ao advogado especial uma cópia desses elementos confidenciais bem como uma declaração em que indique as razões pelas quais se opõe à sua divulgação. Além disso, por força do n.° 4 desse artigo 37.°, incumbe ao Secretary of State apresentar uma descrição desses elementos confidenciais numa forma que possa ser notificada ao recorrente, se e na medida em que seja possível fazê‑lo sem divulgar informações contrariamente ao interesse geral. Em conformidade com o artigo 38.° do mesmo regulamento, a objeção do Secretary of State à divulgação dos referidos elementos ao recorrente é objeto de um exame pela SIAC, no âmbito do qual o Secretary of State e o advogado especial têm a possibilidade de apresentar observações.

44      Por força do artigo 36.° do regulamento de processo da SIAC, o advogado especial não pode comunicar com o recorrente sobre questões relacionadas com o processo, a partir do momento em que lhe tenham sido notificados elementos a cuja divulgação o Secretary of State se opõe. Todavia, pode pedir à SIAC instruções que autorizem essa comunicação.

45      Foi na sequência desta tramitação processual nacional que o órgão jurisdicional de reenvio submeteu a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

46      O artigo 30.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 prevê, no que respeita ao conteúdo e à fundamentação necessários de uma decisão tomada nos termos do artigo 27.° dessa diretiva, como a decisão de recusa de entrada em causa no processo principal, que essa decisão deve ser notificada por escrito ao interessado e de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si. Além disso, o n.° 2 do mesmo artigo 30.° dispõe que as pessoas em questão são informadas, de forma clara e completa, das razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública em que se baseia a decisão, a menos que isso seja contrário aos interesses de segurança do Estado.

47      O artigo 31.° da referida diretiva exige que os Estados‑Membros prevejam, na sua ordem jurídica interna, as medidas necessárias para permitir aos cidadãos da União e aos membros das suas famílias um acesso às vias de recurso jurisdicionais e, se for caso disso, administrativas, para impugnarem as decisões que limitam, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, o seu direito de livre circulação e de livre residência nos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 4 de outubro de 2012, Byankov, C‑249/11, n.° 53). Em conformidade com o n.° 3 do mesmo artigo, a impugnação deve implicar um exame da legalidade da decisão bem como dos factos e circunstâncias que fundamentam a medida prevista.

48      Para que o interessado possa utilmente usar as vias de recurso assim instituídas pelos Estados‑Membros, a autoridade nacional competente está obrigada, como o artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 impõe a título de princípio, a comunicar‑lhe, no âmbito do processo administrativo, os motivos precisos e completos de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública que estão na base da decisão em causa.

49      Só a título de exceção o artigo 30.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 autoriza os Estados‑Membros a limitar a informação transmitida ao interessado, por motivos de segurança do Estado. Enquanto derrogação à regra enunciada no número anterior, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita, sem, todavia, a privar do seu efeito útil.

50      É neste contexto que importa determinar se e em que medida os artigos 30.°, n.° 2, e 31.° da Diretiva 2004/38 permitem a não divulgação dos motivos precisos e completos de uma decisão tomada em aplicação do artigo 27.° desta mesma diretiva, devendo as disposições desta última ser objeto de uma interpretação conforme às exigências que decorrem do artigo 47.° da Carta.

51      A este respeito, importa sublinhar que esta interpretação conforme deve ter em conta a importância do direito fundamental garantido pelo artigo 47.° da Carta, tal como resulta do sistema estabelecido por esta última, no seu conjunto. Importa, designadamente, tomar em consideração que, embora o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admita limitações ao exercício dos direitos por ela consagrados, este artigo exige que qualquer limitação deve, nomeadamente, respeitar o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e requer, além disso, que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União.

52      Assim, a interpretação dos artigos 30.°, n.° 2, e 31.° da Diretiva 2004/38, lidos à luz do artigo 47.° da Carta, não pode ter por efeito violar o nível de proteção garantido da forma descrita no número anterior.

53      Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.° da Carta pressupõe que o interessado possa conhecer os motivos em que se baseou a decisão tomada contra si, seja através da leitura da própria decisão seja através da comunicação destes motivos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa a comunicação desses motivos (acórdãos de 17 de março de 2011, Peñarroja Fa, C‑372/09 e C‑373/09, Colet., p. I‑1785, n.° 63, e de 17 de novembro de 2011, Gaydarov, C‑430/10, Colet., p. I‑11637, n.° 41), a fim de lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último todas as condições para exercer a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (v., neste sentido, acórdãos de 15 de outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, Colet., p. 4097, n.° 17, e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.° 337).

54      É certo que se pode revelar necessário, quer num processo administrativo quer num processo judicial, não comunicar determinadas informações ao interessado, designadamente, tendo em atenção considerações imperativas relacionadas com a segurança do Estado (v., nesse sentido, acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido, n.° 342).

55      Quanto ao processo judicial, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, à luz do princípio do contraditório que faz parte dos direitos de defesa, visados no artigo 47.° da Carta, as partes num processo devem ter o direito de tomar conhecimento de todos os documentos ou observações apresentados ao juiz, a fim de influenciarem a sua decisão e de os discutirem (acórdãos de 14 de fevereiro de 2008, Varec, C‑450/06, Colet., p. I‑581, n.° 45, de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, Colet., p. I‑11245, n.° 52, e de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, C‑472/11, n.° 30; v., igualmente, no que diz respeito ao artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, TEDH, acórdão Ruiz‑Mateos c. Espanha de 23 de junho de 1993, série A, n.° 262, § 63).

56      Seria violar o direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo fundar uma decisão judicial em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar posição (acórdão Comissão/Irlanda e o., já referido, n.o 52 e jurisprudência referida).

57      No entanto, se, em casos excecionais, uma autoridade nacional se opuser à comunicação ao interessado dos motivos precisos e completos que constituem o fundamento de uma decisão adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38, invocando razões de segurança do Estado, o juiz competente do Estado‑Membro em causa deve ter à sua disposição e utilizar técnicas e regras de direito processual que permitam conciliar, por um lado, as considerações legítimas da segurança do Estado, quanto à natureza e às fontes das informações que foram tomadas em consideração para a adoção dessa decisão, e, por outro, a necessidade de garantir de forma suficiente ao interessado o respeito dos seus direitos processuais, como o direito a ser ouvido e o princípio do contraditório (v., por analogia, acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido, n.° 344).

58      Para este efeito, os Estados‑Membros devem prever, por um lado, uma fiscalização jurisdicional eficaz quer da existência e do mérito das razões invocadas pela autoridade nacional à luz da segurança do Estado quer da legalidade da decisão adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38, bem como, por outro, técnicas e regras relativas a essa fiscalização, conforme referidas no número anterior.

59      No âmbito da fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38 prevista pelo artigo 31.° desta diretiva, incumbe aos Estados‑Membros prever regras que permitam ao juiz encarregado da fiscalização da legalidade da referida decisão tomar conhecimento quer da totalidade dos motivos quer dos elementos de prova respetivos com base nos quais essa mesma decisão foi adotada.

60      Quanto às exigências a que deve responder a fiscalização jurisdicional da existência e do mérito das razões invocadas pela autoridade nacional competente à luz da segurança do Estado‑Membro em causa, importa que um juiz esteja encarregado de verificar se essas razões se opõem à comunicação tanto dos motivos precisos e completos em que se baseia a decisão em causa como dos elementos de prova respetivos.

61      Assim, cabe à autoridade nacional competente produzir, em conformidade com as regras processuais nacionais, a prova de que a segurança do Estado ficaria efetivamente comprometida por uma comunicação ao interessado dos motivos precisos e completos que constituem o fundamento de uma decisão adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38 bem como dos elementos de prova respetivos (v., por analogia, acórdão de 15 de dezembro de 2009, Comissão/Finlândia, C‑284/05, Colet., p. I‑11705, n.os 47 e 49). Decorre daqui que não existe presunção a favor da existência e do mérito das razões invocadas por uma autoridade nacional.

62      A este respeito, o juiz nacional competente deve proceder a um exame independente de todos os elementos de direito e de facto invocados pela autoridade nacional competente e deve apreciar, em conformidade com as regras processuais nacionais, se a segurança do Estado se opõe a essa comunicação.

63      Caso o referido juiz conclua que a segurança do Estado não se opõe à comunicação ao interessado dos motivos precisos e completos em que se baseia a decisão de recusa de entrada adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38, dá à autoridade nacional competente a possibilidade de comunicar ao interessado os motivos e os elementos de prova em falta. Se essa autoridade não autorizar a comunicação destes motivos e elementos de prova, o juiz procede ao exame da legalidade dessa decisão com base apenas nos motivos e elementos de prova que foram comunicados.

64      Em contrapartida, se se verificar que a segurança do Estado se opõe efetivamente à comunicação dos referidos motivos ao interessado, a fiscalização jurisdicional da legalidade de uma decisão adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38, como previsto no artigo 31.°, n.° 1, desta, deve, tendo em conta o que foi referido nos n.os 51, 52 e 57 do presente acórdão, ser efetuada no âmbito de um processo que pondere de forma adequada as exigências decorrentes da segurança do Estado e as do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, limitando, porém, ao mínimo necessário as eventuais ingerências no exercício desse direito.

65      A este respeito, por um lado, tendo em conta a necessária observância do artigo 47.° da Carta, o referido processo deve garantir, na medida mais ampla possível, o respeito do princípio do contraditório, a fim de permitir ao interessado impugnar os motivos em que se baseou a decisão em causa e apresentar observações a respeito dos elementos de prova a ela relativos e, portanto, fazer valer utilmente os seus meios de defesa. Designadamente, importa que seja comunicado ao interessado, em todo o caso, o teor dos motivos em que se baseou uma decisão de recusa de entrada adotada em aplicação do artigo 27.° da Diretiva 2004/38, uma vez que a necessária proteção da segurança do Estado não pode ter por efeito privar o interessado do seu direito a ser ouvido e tornar, assim, ineficaz o seu direito de recurso tal como previsto no artigo 31.° da diretiva.

66      Por outro lado, a ponderação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva com a necessidade de garantir a proteção da segurança do Estado‑Membro em causa na qual assenta a conclusão enunciada no número anterior não vale do mesmo modo para os elementos de prova na base dos motivos apresentados ao juiz nacional competente. Com efeito, em certos casos, a divulgação desses elementos de prova é suscetível de comprometer direta e especialmente a segurança do Estado, na medida em que pode, designadamente, pôr em perigo a vida, a saúde ou a liberdade de pessoas ou revelar os métodos de investigação especificamente utilizados pelas autoridades nacionais de segurança e, assim, entravar seriamente, ou até impedir, o cumprimento futuro das tarefas dessas autoridades.

67      Nesse contexto, cabe ao juiz nacional competente apreciar se e em que medida as restrições aos direitos de defesa do recorrente que decorrem, designadamente, de uma não divulgação dos elementos de prova e dos motivos precisos e completos em que se baseou a decisão adotada em aplicação do referido artigo 27.° são suscetíveis de influenciar a força probatória dos elementos de prova confidenciais.

68      Nestas condições, incumbe ao juiz nacional competente, por um lado, providenciar para que o teor dos motivos que constituem o fundamento da decisão em causa seja comunicado ao interessado de uma forma que tenha devidamente conta a confidencialidade necessária dos elementos de prova e, por outro, retirar, nos termos do direito nacional, as consequências de um eventual incumprimento dessa obrigação de comunicação.

69      Face às considerações anteriores, deve responder‑se à questão submetida que os artigos 30.°, n.° 2, e 31.° da Diretiva 2004/38, lidos à luz do artigo 47.° da Carta, devem ser interpretados no sentido de que exigem que o juiz nacional competente providencie para que a não divulgação ao interessado, pela autoridade competente, dos motivos precisos e completos em que se baseou uma decisão adotada em aplicação do artigo 27.° dessa diretiva, assim como dos elementos de prova a ela relativos, seja limitada ao mínimo necessário e para que, em todo o caso, seja comunicado ao interessado o teor dos referidos motivos de uma forma que tenha devidamente em conta a confidencialidade necessária dos elementos de prova.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 30.°, n.° 2, e 31.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, lidos à luz do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que exigem que o juiz nacional competente providencie para que a não divulgação ao interessado, pela autoridade competente, dos motivos precisos e completos em que se baseou uma decisão adotada em aplicação do artigo 27.° dessa diretiva, assim como dos elementos de prova a ela relativos, seja limitada ao mínimo necessário e para que, em todo o caso, seja comunicado ao interessado o teor dos referidos motivos de uma forma que tenha devidamente em conta a confidencialidade necessária dos elementos de prova.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.