Language of document : ECLI:EU:C:2017:680

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 de setembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 9.o — Direito de permanência num Estado‑Membro durante a apreciação do pedido — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b) — Colocação em detenção — Verificação da identidade ou da nacionalidade — Determinação dos elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 6.o e 52.o — Limitação — Proporcionalidade»

No processo C‑18/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Haia, situado em Haarlem, Países Baixos), por decisão de 13 de janeiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de janeiro de 2016, no processo

K.

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e C. Pochet, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo estónio, por K. Kraavi‑Käerdi, na qualidade de agente,

–        em representação da Irlanda, por E. Creedon, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes,

–        em representação do Parlamento Europeu, por T. Lukácsi e R. van de Westelaken, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por M. Chavrier F. Naert e K. Pleśniak, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande, H. Krämer e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 4 de maio de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos) a respeito da sua detenção.

 Quadro jurídico

 CEDH

3        Sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», o artigo 5.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), dispõe, no seu n.o 1:

«Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:

[…]

f)      Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição.»

 Direito da União

 Carta

4        O artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», dispõe:

«Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança.»

5        Nos termos do artigo 52.o da Carta, que tem por epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios»:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.      Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[…]

7.      Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

 Diretiva 2011/95/UE

6        Sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», o artigo 4.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.      Os elementos mencionados no n.o 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional.

[…]»

 Diretiva 2013/32/UE

7        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)      “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional relativamente ao qual não foi ainda proferida uma decisão definitiva;

[…]

p)      “Permanência no Estado‑Membro”, a permanência no território do Estado‑Membro em que o pedido de proteção internacional foi apresentado ou esteja a ser apreciado, incluindo a fronteira e as zonas de trânsito desse território;

[…]»

8        O artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de permanência no Estado‑Membro durante a apreciação do pedido», prevê, no seu n.o 1:

«Os requerentes são autorizados a permanecer no Estado‑Membro, unicamente para efeitos do processo, até à pronúncia de uma decisão pelo órgão de decisão nos termos dos procedimentos em primeira instância contemplados no Capítulo III. Esse direito de permanência não habilita o requerente de asilo à autorização de residência.»

9        O artigo 13.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Obrigações dos requerentes», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem impor aos requerentes a obrigação de cooperar com as autoridades competentes, a fim de determinar a respetiva identidade e outros elementos referidos no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE. […]»

 Diretiva 2013/33

10      A Diretiva 2013/33 enuncia, nos seus considerandos 2, 12, 15, 17, 20 e 35:

«(2)      Uma política comum de asilo, que inclua um sistema europeu comum de asilo, faz parte integrante do objetivo da União Europeia de estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, obrigadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção na União. […]

[…]

(12)      A harmonização das condições de acolhimento dos requerentes deverá contribuir para limitar os movimentos secundários dos requerentes influenciados pela diversidade das condições de acolhimento.

[…]

(15)      A detenção de requerentes deverá ser aplicada de acordo com o princípio subjacente de que as pessoas não deverão ser detidas apenas com fundamento no fa[c]to de solicitarem proteção internacional, de acordo, em especial, com as obrigações jurídicas internacionais dos Estados‑Membros e com o artigo 31.o da Convenção [relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], completada pelo Protocolo relativo ao estatuto dos refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967]. Os requerentes só poderão ser detidos em circunstâncias excecionais, definidas de forma muito clara na presente diretiva, e de acordo com o princípio da necessidade e da proporcionalidade, no que se refere tanto à forma como à finalidade da detenção. Se um requerente for colocado em detenção, esse ou essa requerente deverá ter acesso efetivo às garantias processuais necessárias, tal como o direito de recurso perante uma autoridade judicial nacional.

[…]

(17)      Os fundamentos de detenção previstos na presente diretiva aplicam‑se sem prejuízo de outros fundamentos de detenção, designadamente os fundamentos de detenção no âmbito de processos‑crime, que são aplicáveis ao abrigo do direito nacional independentemente dos pedidos de proteção internacional de nacionais de países terceiros ou apátridas.

[…]

(20)      A fim de garantir melhor a integridade física e psicológica dos requerentes, a detenção deverá ser uma medida de último recurso e só poderá ser aplicada depois de terem sido devidamente analisadas todas as medidas alternativas à detenção que não impliquem privação de liberdade. As medidas alternativas à detenção devem respeitar os direitos humanos fundamentais dos requerentes.

[…]

(35)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela [Carta]. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral pela dignidade humana e promover a aplicação dos artigos 1.o, 4.o, 6.o, 7.o, 18.o, 21.o, 24.o e 47.o da [Carta] e deverá ser aplicada em conformidade.»

11      Nos termos do artigo 2.o da Diretiva 2013/33, que tem por epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional que ainda não foi objeto de decisão definitiva;

[…]

h)      “Detenção”, qualquer medida de reclusão de um requerente por um Estado‑Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação;

[…]»

12      O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Detenção», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros não podem manter uma pessoa detida pelo simples motivo de ela ser requerente nos termos da Diretiva [2013/32].

2.      Quando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.      Os requerentes só podem ser detidos:

a)      Para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade;

b)      Para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente;

[…]

e)      Se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem;

[…]

Os fundamentos da detenção devem ser previstos no direito nacional.

4.      Os Estados‑Membros asseguraram que o direito nacional estabelece normas relativas às medidas alternativas à detenção, como a apresentação periódica às autoridades, o depósito de uma caução ou a obrigação de permanecer em determinado lugar.»

13      Nos termos do artigo 9.o da Diretiva 2013/33, que tem por epígrafe «Garantias dos requerentes detidos»:

«1.      A detenção de um requerente deve ter a duração mais breve possível e só pode ser mantida enquanto forem aplicáveis os fundamentos previstos no artigo 8.o, n.o 3.

Os procedimentos administrativos relativos aos fundamentos da detenção previstos no artigo 8.o, n.o 3, devem ser executados com a devida diligência. Os atrasos nos procedimentos administrativos que não se devam ao requerente não podem justificar a prorrogação da detenção.

2.      A detenção dos requerentes deve ser ordenada por escrito pelas autoridades judiciais ou administrativas. A ordem de detenção deve indicar os motivos de facto e de direito em que se baseia.

3.      Se a detenção for ordenada por uma autoridade administrativa, os Estados‑Membros submetem a legalidade da detenção a um controlo judicial acelerado, que se efetua oficiosamente e/ou a pedido do requerente. No caso do controlo oficioso, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a contar do início da detenção. No caso do controlo a pedido do requerente, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a partir do início dos procedimentos correspondentes. Para o efeito, os Estados‑Membros definem, no direito nacional, um prazo para a realização do controlo judicial oficioso e/ou do controlo judicial a pedido do requerente.

Se, na sequência do controlo judicial, a detenção for declarada ilegal, o requerente em causa deve ser libertado imediatamente.

4.      Os requerentes detidos são imediatamente informados por escrito, numa língua que compreendam ou seja razoável presumir que compreendam, dos motivos da sua detenção e dos meios previstos no direito nacional para contestar a decisão de detenção, bem como da possibilidade de solicitarem assistência jurídica e representação legal a título gratuito.

5.      A detenção deve ser reapreciada por uma autoridade judicial a intervalos razoáveis, oficiosamente e/ou a pedido do requerente em causa, especialmente nos casos de duração prolongada ou se sobrevierem circunstâncias relevantes ou novas informações passíveis de comprometer a legalidade da detenção.

[…]»

 Direito neerlandês

14      O artigo 8.o da Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos estrangeiros de 2000, a seguir «lei dos estrangeiros») dispõe:

«Os estrangeiros só permanecem em situação regular nos Países Baixos:

[…]

f)      enquanto aguardam a decisão do pedido de autorização de residência temporária (asilo) […], quando, em conformidade com a presente lei ou com uma disposição aprovada nos seus termos ou com uma decisão judicial, não se deva proceder à sua recondução à fronteira até à decisão do pedido.

h)      enquanto aguardam a decisão da reclamação ou do recurso, quando, em conformidade com a presente lei ou com uma disposição aprovada nos seus termos ou com uma decisão judicial, não se deva proceder à sua expulsão até à decisão da reclamação ou do recurso;

[…]»

15      Nos termos do artigo 28.o da lei dos estrangeiros:

«Compete ao Ministro:

Deferir o pedido de autorização de residência temporária;

[…]»

16      O artigo 59.ob da lei dos estrangeiros prevê:

«1.      O estrangeiro em situação regular na aceção do artigo 8.o, alínea f), […] pode, na medida em que essa situação diga respeito a um pedido de residência temporária (asilo), ser colocado em detenção por ordem do Ministro se:

a)      a detenção for necessária para determinar a identidade ou nacionalidade do estrangeiro;

b)      a detenção for necessária para obter elementos necessários à apreciação de um pedido de residência temporária na aceção do artigo 28.o, designadamente se houver risco de fuga;

[…]

2.      A detenção ao abrigo do n.o 1, alíneas a), b) ou c), não pode exceder quatro semanas, salvo se tiver sido dada aplicação ao artigo 39.o da lei dos estrangeiros. Nesse caso, a detenção não pode exceder seis semanas.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      O recorrente no processo principal, nacional de um país terceiro, chegou ao Aeroporto de Amsterdam Schiphol (Países Baixos), em 30 de novembro de 2015, num voo proveniente de Viena (Áustria). Tinha intenção de prosseguir no mesmo dia o seu trajeto de avião em direção a Edimburgo (Reino Unido).

18      No controlo dos documentos efetuado antes do embarque para o voo com destino a Edimburgo, o recorrente foi suspeito de uso de um passaporte falso, pelo que foi colocado em detenção provisória.

19      Em 15 de dezembro de 2015, o juiz do tribunal criminal declarou inadmissível a acusação do Ministério Público deduzida contra o recorrente no processo principal. Por ordem de «libertação imediata», de 16 de dezembro de 2015, foi ordenada a sua libertação.

20      Em 17 de dezembro de 2015, o recorrente no processo principal apresentou um pedido de asilo. Por decisão da mesma data, o recorrente foi colocado em detenção, em conformidade com o artigo 59.ob, n.o 1, alíneas a) e b), da lei dos estrangeiros, que transpõe o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33. Essa decisão baseou‑se na necessidade de recorrer a tal medida para determinar a identidade ou a nacionalidade do recorrente e para determinar os elementos necessários à apreciação do seu pedido, devido a risco de fuga.

21      Em 17 de dezembro de 2015, o recorrente no processo principal interpôs recurso da decisão que decretou a sua detenção e solicitou a atribuição de uma indemnização.

22      No momento da audiência no órgão jurisdicional de reenvio, em 28 de dezembro de 2015, K. já tinha sido ouvido uma vez sobre o seu pedido de asilo, sem que o pedido tivesse sido decidido. Assim, na data da prolação da decisão de reenvio, ainda não tinha sido proferida uma decisão de regresso em relação ao recorrente.

23      No âmbito do processo principal, K. sustenta que o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33 é contrário ao artigo 5.o da CEDH e, por conseguinte, ao artigo 6.o da Carta.

24      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha a semelhança existente entre o processo principal e o processo que deu origem ao acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84), que tinha por objeto a validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alínea e), da referida diretiva.

25      Fazendo suas, mutatis mutandis, as considerações do Raad van State (Conselho de Estado, Países Baixos) no processo que deu origem ao referido acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no processo principal, sobre a validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da mesma diretiva, tendo em conta o artigo 6.o da Carta.

26      À semelhança do Raad van State (Conselho de Estado), o rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Haia, situado em Haarlem, Países Baixos) expõe, por um lado, que, segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), os direitos previstos no artigo 6.o correspondem aos direitos garantidos pelo artigo 5.o da CEDH e têm, em conformidade com o disposto no n.o 3 do artigo 52.o da Carta, o mesmo sentido e alcance. Resulta daí que as limitações que lhes possam ser legitimamente impostas não poderão exceder os limites permitidos pela própria redação do artigo 5.o da CEDH.

27      O órgão jurisdicional de reenvio invoca, por outro lado, o n.o 29 do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 22 de setembro de 2015, Nabil e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0922JUD006211612), segundo o qual qualquer privação de liberdade fundada no segundo membro de frase do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH só pode ser justificada enquanto estiver em curso um processo de expulsão ou de extradição. Se este processo não for conduzido com a diligência exigida, a detenção deixa de ser justificada ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH. Ora, no processo principal, nenhum processo de expulsão ou de extradição está atualmente em curso.

28      Nestas condições, o rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Haia, situado em Haarlem) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 8.o, n.o 3, [primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33] é válido à luz do artigo 6.o da [Carta]:

1)      numa situação em que um nacional de um país terceiro foi colocado em detenção por força do artigo 8.o, n.o 3, [primeiro parágrafo,] alíneas a) e b), desta diretiva e tem o direito de, ao abrigo do artigo 9.o da Diretiva 2013/32[…], permanecer num Estado‑Membro até o seu pedido de asilo ser decidido em primeira instância, e

2)      atendendo à [anotação à Carta], segundo a qual as restrições que possam ser legitimamente impostas aos direitos consagrados no artigo 6.o da Carta não poderão exceder as autorizadas pela CEDH nos termos do disposto no artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH, e à interpretação dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a esta última disposição, designadamente no seu acórdão de 22 de setembro de 2015, [Nabil e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0922JUD006211612)], no sentido de que a detenção de um refugiado viola o referido artigo 5.o, n.o 1, alínea f), se essa detenção não tiver sido imposta para efeitos de afastamento?»

29      Em 1 de fevereiro de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que, por sentença de 25 de janeiro de 2016, deu provimento ao recurso interposto pelo recorrente no processo principal da medida de detenção então em vigor e ordenou o levantamento dessa medida a contar desta última data.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

30      A pedido do órgão jurisdicional de reenvio, a Secção designada examinou a necessidade de submeter o presente processo à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em 1 de fevereiro de 2016, esta Secção decidiu, ouvida a advogada‑geral, indeferir tal pedido.

 Quanto à questão prejudicial

31      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que examine a validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33 à luz do artigo 6.o da Carta.

32      A título preliminar, importa recordar que, embora, como é confirmado pelo artigo 6.o, n.o 3, TUE, os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH façam parte do direito da União enquanto princípios gerais, e o artigo 52.o, n.o 3, da Carta disponha que os direitos nela contidos que correspondam aos direitos garantidos pela CEDH têm o mesmo sentido e o mesmo alcance que os que lhes são conferidos pela referida Convenção, esta não constitui, enquanto a União não aderir à mesma, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 44, e de 5 de abril de 2017, Orsi e Baldetti, C‑217/15 e C‑350/15, EU:C:2017:264, n.o 15 e jurisprudência referida). Assim, o exame da validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33 deve ser realizado unicamente à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta (v., neste sentido, acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 46 e jurisprudência referida, e de 28 de julho de 2016, Conseil des ministres, C‑543/14, EU:C:2016:605, n.o 23).

33      A este respeito, importa constatar que o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da mesma diretiva permite a detenção do requerente de proteção internacional para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade, ou para determinar os elementos em que se baseia o seu pedido que não poderiam obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente. Ao autorizar essa medida, esta disposição prevê uma limitação ao exercício do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta.

34      Ora, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, qualquer limitação do exercício dos direitos e das liberdades por ela reconhecidos deve ser prevista pela lei e respeitar o seu conteúdo essencial. Na observância do princípio da proporcionalidade, só podem ser introduzidas limitações ao exercício desses direitos e dessas liberdades se forem necessárias e corresponderem, efetivamente, a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

35      A este respeito, importa salientar que a limitação do exercício do direito à liberdade resultante do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33 está prevista num ato legislativo da União e que a mesma não afeta o conteúdo essencial do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta. Com efeito, o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desta diretiva não põe em causa a garantia desse direito e, como decorre do teor da referida disposição e do considerando 15 daquela diretiva, apenas confere aos Estados‑Membros o poder de colocarem em detenção um requerente devido ao seu comportamento individual e nas circunstâncias excecionais mencionadas na referida disposição, estando essas circunstâncias, além disso, enquadradas nas condições que figuram nos artigos 8.o e 9.o da mesma diretiva (v., por analogia, acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 51 e 52).

36      Como salientou a advogada‑geral nos n.os 56 e 58 das suas conclusões, decorre do artigo 78.o TFUE que o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo, uma vez que assenta na aplicação de critérios comuns aos Estados‑Membros, constitui um objetivo de interesse geral reconhecido pela União. Segundo o considerando 2 da Diretiva 2013/33, este sistema, além disso, participa na realização do objetivo da União de estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, empurradas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção na União. Ora, uma medida baseada nos motivos enunciados no artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desta diretiva cumpre o objetivo de assegurar o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo, uma vez que permite identificar os requerentes de proteção internacional e se estes preenchem os requisitos para aceder a tal proteção, a fim de evitar, na negativa, que entrem e permaneçam ilegalmente no território da União.

37      No que toca à proporcionalidade da ingerência constatada, há que recordar que o princípio da proporcionalidade exige, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados em relação aos objetivos prosseguidos (acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 54 e jurisprudência referida, e de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 48 e jurisprudência referida).

38      No âmbito da apreciação da proporcionalidade dessa ingerência, cabe ter em conta que, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, os requerentes de proteção internacional têm a obrigação de cooperar com as autoridades competentes, a fim, nomeadamente, de se determinar a respetiva identidade, nacionalidade e as razões que justificam o pedido, o que implica fornecer, na medida do possível, os documentos comprovativos pedidos e, sendo caso disso, as explicações e informações solicitadas.

39      Nestas condições, a colocação em detenção de um requerente para estabelecer ou verificar a sua identidade ou a sua nacionalidade, ou para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam ser obtidos sem essa colocação em detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente, permite manter o requerente à disposição das autoridades nacionais para, nomeadamente, que estas procedam à sua audição e, por conseguinte, contribuir para a prevenção de eventuais movimentos secundários de requerentes referida no considerando 12 da Diretiva 2013/33 e pretendida pelo Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31) (v., neste sentido, acórdão de 17 de março de 2016, Mirza, C‑695/15 PPU, EU:C:2016:188, n.o 52). Segue‑se que esta medida é, pela sua própria natureza, apta a assegurar o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo e é suscetível de assim contribuir para a realização do objetivo prosseguido pelo artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desta diretiva, conforme identificado no n.o 36 do presente acórdão.

40      Quanto ao caráter necessário do poder, conferido aos Estados‑Membros por essa disposição, de colocarem um requerente em detenção, deve sublinhar‑se que, atendendo à importância do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta e à gravidade da ingerência nesse direito que uma medida desta natureza constitui, as restrições ao seu exercício devem ocorrer na estrita medida do necessário (acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 56 e jurisprudência referida).

41      A este respeito, decorre tanto da letra e do contexto como da génese do artigo 8.o da Diretiva 2013/33 que esse poder está sujeito ao cumprimento de várias condições cujo objetivo é enquadrar estritamente o recurso a essa medida.

42      Com efeito, primeiro, o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2013/33 enumera de forma exaustiva os vários motivos suscetíveis de justificar a colocação em detenção e cada um deles responde a uma necessidade específica, revestindo assim caráter autónomo (v., neste sentido, acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 59). A este respeito, decorre da letra do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alínea a), da referida diretiva que essa medida só pode ser aplicada ao requerente se este não tiver comunicado a sua identidade ou a sua nacionalidade ou os documentos de identificação que as comprovem, pese embora a sua obrigação de cooperação. De igual modo, resulta deste artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alínea b), que o requerente só pode ser detido se certos elementos em que se baseia o seu pedido de proteção internacional «não [puderem] obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente».

43      O artigo 8.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/33 dispõe ainda que os fundamentos da detenção são definidos pelo direito nacional. A este respeito, importa recordar que, quando as disposições de uma diretiva deixam aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para definirem medidas de transposição adaptadas às diferentes situações possíveis, incumbe‑lhes, na execução dessas medidas, não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com a diretiva em causa mas também providenciar no sentido de não se basearem numa interpretação dessa diretiva que entre em conflito com os direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito da União (acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 60 e jurisprudência referida).

44      Segundo, o Tribunal de Justiça já declarou que os restantes números do artigo 8.o da Diretiva 2013/33 estabelecem limitações importantes ao poder conferido aos Estados‑Membros para procederem a detenções. Com efeito, decorre do artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva que os Estados‑Membros não podem colocar uma pessoa em detenção pelo simples motivo de esta ter apresentado um pedido de proteção internacional. Além disso, o artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva exige que a detenção só pode ser ordenada quando isso se revele necessário e com base numa apreciação casuística, se outras medidas menos coercivas não puderem ser eficazmente aplicadas. O artigo 8.o, n.o 4, da mesma diretiva prevê que os Estados‑Membros asseguram que o seu direito nacional estabelece regras relativas às medidas alternativas à detenção, como a obrigação de apresentação periódica às autoridades, o depósito de uma caução ou a obrigação de permanecer em determinado lugar (acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 61).

45      Do mesmo modo, o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/33 dispõe que um requerente só deve ser colocado em detenção pelo período mais breve possível e enquanto os fundamentos enunciados no artigo 8.o, n.o 3, desta diretiva forem aplicáveis. Por outro lado, em conformidade com o artigo 9.o, n.os 2 a 5, da referida diretiva, a decisão de colocação em detenção está sujeita à observância de importantes garantias processuais e jurisdicionais. Assim, em conformidade com o artigo 9.o, n.os 2 e 4, da mesma diretiva, essa decisão deve indicar por escrito os motivos de facto e de direito em que a mesma se baseia e um certo número de informações deve ser comunicado ao requerente numa língua que ele compreenda ou seja razoável presumir que compreenda. Quanto ao artigo 9.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2013/33, este artigo precisa as modalidades da fiscalização jurisdicional da legalidade da colocação em detenção que os Estados‑Membros devem adotar (acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 62).

46      Terceiro, o Tribunal de Justiça também declarou que os motivos de detenção previstos no artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) a c), da Diretiva 2013/33 assentam na Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre medidas de detenção dos requerentes de asilo, de 16 de abril de 2013, e nas Orientações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sobre os critérios e normas aplicáveis à detenção dos requerentes de asilo, de 26 de fevereiro de 1999, de que decorre, na sua versão adotada em 2012, que, por um lado, a detenção é uma medida excecional e que, por outro, só em última instância deverá recorrer‑se à detenção, quando esteja provado que a mesma é necessária, razoável e proporcionada a um objetivo legítimo (v., neste sentido, acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 63).

47      As limitações ao exercício do direito conferido pelo artigo 6.o da Carta estabelecidas no artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desta diretiva também não se afiguram desproporcionais em relação aos fins pretendidos. A este respeito, cabe salientar que o referido artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alínea a), e também alínea b), resulta de uma ponderação equilibrada entre o objetivo de interesse geral prosseguido, a saber, o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo, que permite conceder proteção internacional aos requerentes que dela realmente precisam e indeferir os pedidos daqueles que não preenchem os seus requisitos, por um lado, e a ingerência no direito à liberdade ocasionada por uma medida de detenção, por outro.

48      Com efeito, embora o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo exija, de facto, que as autoridades nacionais competentes disponham de informações fiáveis sobre a identidade ou a nacionalidade do requerente de proteção internacional e sobre os elementos em que se baseia o pedido, a referida disposição não justifica que sejam decretadas medidas de detenção sem que essas autoridades nacionais tenham verificado previamente, caso a caso, se são proporcionais aos fins prosseguidos. Essa verificação requer a certificação de que todas as condições previstas nos n.os 44 a 46 do presente acórdão estejam reunidas e, nomeadamente, que, em cada caso concreto, só se recorra à detenção em última instância. Além disso, há que se certificar de que essa detenção não exceda, em caso algum, a duração mais curta possível.

49      Atendendo às considerações expostas, deve considerar‑se que o legislador da União, ao adotar o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33, respeitou o justo equilíbrio entre, por um lado, o direito à liberdade do requerente e, por outro, as exigências respeitantes à identificação deste ou à identificação da sua nacionalidade, ou à determinação dos elementos em que se baseia o seu pedido, que o bom funcionamento do sistema europeu comum de asilo requer.

50      Por último, recorde‑se que, na medida em que a Carta contém direitos correspondentes a direitos garantidos pela CEDH, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal afete a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste sentido, acórdão de 28 de julho de 2016, JZ, C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.o 50 e jurisprudência referida). Consequentemente, há que ter em conta o artigo 5.o, n.o 1, da CEDH para efeitos da interpretação do artigo 6.o da Carta. Ora, ao adotar o artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33, o legislador da União não desrespeitou o nível de proteção oferecido pelo artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH.

51      No presente caso, embora resulte do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a incidência do segundo membro de frase do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH sobre o referido artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desse pedido não resultam, contudo, elementos que permitam considerar que os factos em causa no processo principal se enquadram nesta disposição da CEDH nem em que medida a jurisprudência decorrente do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 22 de setembro de 2015, Nabil e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0922JUD006211612), poderia influenciar a apreciação do referido artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), no presente processo. Pelo contrário, a menção, no referido pedido, de que não foi proferida uma decisão de regresso dirigida ao recorrente no processo principal parece excluir que esteja em curso um processo de expulsão ou de extradição contra ele, na aceção desse segundo membro de frase.

52      Relativamente à garantia consagrada no primeiro membro de frase do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH, segundo o qual ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território, conforme interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cabe recordar que essa garantia não se opõe a que as medidas necessárias de detenção possam ser decretadas contra nacionais de países terceiros que tenham apresentado um pedido de proteção internacional, desde que essa medida seja regular e executada em condições conformes com o objetivo da proteção do indivíduo contra a arbitrariedade (v., neste sentido, TEDH, 29 de janeiro de 2008, Saadi c. Reino Unido, CE:ECHR:2008:0129JUD001322903, §§ 64 a 74, e 26 de novembro de 2015, Mahamed Jama c. Malte, CE:ECHR:2015:1126JUD001029013, §§ 136 a 140).

53      Ora, como resulta das considerações respeitantes ao exame da validade, à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33, esta última disposição, cujo alcance está estritamente delimitado, satisfaz essas exigências.

54      Resulta de todas as considerações expostas que deve responder‑se à questão que o exame do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade desta disposição à luz dos artigos 6.o e 52.o, n.os 1 e 3, da Carta.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O exame do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade desta disposição à luz dos artigos 6.o e 52.o, n.os 1 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Assinaturas


*Língua do processo: neerlandês.