Language of document : ECLI:EU:C:2013:219

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 11 de abril de 2013 (1)

Processo C‑576/10

Comissão Europeia

contra

Reino dos Países Baixos

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2004/18/CE — Aplicação no tempo — Concessão de obras públicas — Princípios de adjudicação de contratos — Contrato a título oneroso — Interesse económico direto — Concessão por tempo indeterminado — Propriedade da obra — Município de Eindhoven»





I —    Introdução: enquadramento factual e processual

A —    Breve apresentação dos factos

1.        Na apresentação por incumprimento, a Comissão Europeia acusa o Reino dos Países Baixos de ter infringido o direito da União em matéria de contratos públicos, ao não cumprir, no quadro da adjudicação de um contrato de concessão de obras públicas pelo município de Eindhoven, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.° e do título III da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (2).

2.        Na origem do litígio está a decisão do município de Eindhoven (a seguir «município»), de 7 de agosto de 2001, de realizar, no seu território, um projeto imobiliário num espaço situado entre o bairro existente de Doornakkers e o novo bairro residencial de Tongelresche Akkers (3). O objetivo do município era o reordenamento do referido espaço (a seguir «centro Doornakkers»), de que era proprietário, permitindo designadamente que os moradores dos dois bairros tivessem acesso a certos serviços sociais e culturais [um centro médico, um centro de jogos, de integração e de estudos (a seguir «SPILcentrum») e um centro comercial com apartamentos e habitações].

3.        Em 12 de setembro de 2001, a câmara municipal aprovou os planos de urbanização realizados pelos serviços municipais e relativos ao projeto do centro Doornakkers (anexo 2 à contestação). Estes planos contêm as orientações de ordenamento do bairro sob a forma de um plano e preveem infraestruturas e equipamentos tendo em vista a ligação entre o bairro existente de Doornakkers e o novo bairro residencial de Tongelresche Akkers. O primeiro teria um estabelecimento de cuidados de saúde, espaços comerciais e apartamentos. O segundo teria infraestruturas de lazer, equipadas, designadamente, com instalações desportivas.

4.        Em 11 de abril de 2002, os serviços municipais redigiram um parecer intitulado «Escolha de um promotor para o centro de proximidade de Doornakkers» (4). Este parecer comunicava à Câmara Municipal os critérios a aplicar na escolha do comprador dos terrenos em que seria realizado o projeto do centro Doornakkers. Especificava‑se igualmente, neste parecer, que o contrato de compra e venda dos lotes proposto ao potencial cocontratante devia respeitar «as condições‑quadro e as orientações estabelecidas pelo município, a saber, o caderno de encargos», e devia «ser conforme com a […] vontade dos compradores/utilizadores finais» (5).

5.        Estas condições‑quadro e orientações, por sua vez, especificam, designadamente, as funções e cotas das edificações, em conformidade com o plano de urbanização. Preveem a construção de apartamentos e de alojamentos, a extensão do centro médico existente, uma zona de ligação entre os dois principais locais, uma boa acessibilidade, um estacionamento subterrâneo conforme com as normas municipais em matéria de estacionamento, a manutenção de espaços verdes fundamentais e a criação de uma praça e de um novo parque de bairro.

6.        Nos termos do parecer intitulado «Escolha de um promotor para o centro de proximidade de Doornakkers», propunha‑se convidar os potenciais promotores do projeto, a saber, as sociedades Hurks e Haagdijk BV, para uma reunião. Por decisão de 23 de abril de 2002, a Câmara Municipal decidiu seguir esse parecer.

7.        Assim, em meados de maio de 2002, o município convidou telefonicamente a Hurks e a Haagdijk BV para uma reunião no dia 11 de junho de 2002.

8.        Nesta reunião, foram discutidas sobretudo as condições‑quadro e as orientações referidas, bem como um documento intitulado «Informações destinadas aos candidatos promotores que participem numa seleção».

9.        Em 15 de julho de 2003, o município escolheu finalmente a Hurks como potencial cocontratante para a celebração de um contrato de compra e venda dos lotes em causa (6).

10.      Do mês de julho de 2003 ao mês de outubro de 2005, a Hurks especificou os seus planos de construção num plano diretor elaborado com o auxílio de um gabinete de arquitetura. Este plano diretor incluía numerosos desenhos pormenorizando as dimensões, a implantação e a distribuição das construções a realizar de acordo com as condições‑quadro e orientações do município. Foi concluído em 26 de outubro de 2005 e aprovado pelo município em 14 de fevereiro de 2006.

11.      Tendo em vista a execução deste projeto, o município e a Hurks celebraram um «contrato de cooperação» assinado pela Hurks em 12 de junho de 2007 e pelo município em 16 de julho de 2007.

12.      Paralelamente a estas negociações, em 13 de fevereiro de 2007, o município escolheu a Woonbedrijf como proprietária do SPILcentrum. Em 15 de abril de 2008, o município e a Woonbedrijf celebraram um contrato de cooperação.

B —    Procedimento pré‑contencioso

13.      Na sequência de uma queixa relativa a uma violação do direito da União em matéria de contratos públicos alegadamente cometida pelo município no projeto do centro Doornakkers, a Comissão enviou ao Governo neerlandês, em 2 de julho de 2008, uma carta na qual pedia informações relativas a este centro. O Governo neerlandês respondeu por carta de 19 de dezembro de 2008.

14.      Considerando que essas respostas tinham lacunas, a Comissão enviou ao Governo neerlandês, em 24 de fevereiro de 2009, uma notificação para cumprir fundada na violação do direito da União em matéria de contratos públicos, e especialmente da Diretiva 2004/18. O Governo neerlandês respondeu‑lhe por carta de 30 de junho de 2009. Insatisfeita com as respostas dadas pelo Governo neerlandês, a Comissão emitiu um parecer fundamentado em 9 de outubro de 2009.

15.      Dado que, no termo do prazo estabelecido pelo parecer fundamentado, o Governo neerlandês não alterou a sua posição, a Comissão intentou a presente ação.

II — Quadro jurídico

16.      O artigo 1.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2004/18 dispõe:

«2.      a) Contratos públicos’ são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na aceção da presente diretiva.

b) ‘Contratos de empreitada de obras públicas’ são contratos públicos que têm por objeto quer a execução, quer conjuntamente a conceção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante. Por ‘obra’ entende‑se o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica.

[…]

3.      ‘Concessão de obras públicas’ é um contrato com as mesmas características que um contrato de empreitada de obras públicas, com exceção de que a contrapartida das obras a efetuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento.»

17.      O artigo 2.° enuncia os princípios de adjudicação de contratos, dispondo que «[a]s entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente».

18.      Por sua vez, o artigo 16.° precisa que a Diretiva 2004/18 «não é aplicável aos contratos públicos de serviços relativos: a) À aquisição ou locação, sejam quais forem as respetivas modalidades financeiras, de terrenos, edifícios existentes ou outros bens imóveis, ou a direitos sobre esses bens».

19.      Por último, o título III da Diretiva 2004/18 estabelece as regras especificamente aplicáveis no domínio das concessões de obras públicas.

III — Análise

A —    Problemas jurídicos a examinar

20.      Antes de analisar o litígio quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça deve debruçar‑se sobre três argumentos do Governo neerlandês associados à admissibilidade da ação:

¾        a utilização pela Comissão de documentos que recebeu ou descobriu após a emissão do parecer fundamentado;

¾        uma ampliação do objeto do litígio, na petição inicial da Comissão;

¾        a aplicação ratione temporis da Diretiva 2004/18.

21.      Segundo a Comissão, cuja análise subscrevo, este último argumento é relativo ao mérito e não à admissibilidade da ação. Analisarei, pois, em primeiro lugar, as duas questões atinentes à admissibilidade do litígio, abordando em seguida a relativa à aplicação da Diretiva 2004/18 no tempo, bem como as outras questões relativas ao mérito.

22.      Quanto ao mérito, as partes opõem‑se essencialmente quanto ao conceito de «concessão de obras públicas» na aceção da Diretiva 2004/18. Segundo o Governo neerlandês, a Comissão não demonstrou a existência de um contrato de obras públicas nem, a fortiori, a de uma concessão de obras públicas.

B —    Quanto à admissibilidade

23.      A regularidade do procedimento pré‑contencioso constitui, segundo jurisprudência assente, uma garantia essencial pretendida pelo Tratado FUE, não apenas para a proteção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objeto um litígio claramente definido (7).

24.      A este respeito, recorde‑se que «segundo jurisprudência assente, a notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, posteriormente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão delimitam o objeto do litígio, o qual não pode, a partir de então, ser ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que entenda não a dever utilizar, uma garantia essencial pretendida pelo Tratado, e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo de declaração de incumprimento de um Estado‑Membro. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a ação da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa» (8).

1.      Documentos controvertidos

25.      O Governo neerlandês considera que a Comissão visa demonstrar o incumprimento alegado baseando‑se em documentos que ele lhe transmitiu ou que ela apresentou após a emissão do parecer fundamentado. Dado que o Governo neerlandês não teve a possibilidade de se manifestar sobre estes documentos durante a fase pré‑contenciosa, a Comissão violou os seus direitos da defesa.

a)      Quais são estes documentos controvertidos?

26.      Como recordei anteriormente, a carta de notificação para cumprir é de 24 de fevereiro de 2009. O Governo neerlandês respondeu‑lhe em 30 de junho de 2009. A Comissão notificou o seu parecer fundamentado em 9 de outubro de 2009.

27.      No entanto, por carta de 12 de maio de 2010, a Comissão enviou um novo pedido de informações ao Reino dos Países Baixos. O Governo neerlandês respondeu a este pedido transmitindo uma série de documentos, em 11 de junho de 2010. Na sua resposta, o Ministro dos Negócios Estrangeiros especificava que a Comissão não podia utilizar estas informações no âmbito do presente processo.

28.      No entanto, um destes documentos foi utilizado pela Comissão (1), tal como três outros documentos (2‑3‑4) que esta obteve pelas suas próprias pesquisas posteriormente ao envio do parecer fundamentado e a propósito dos quais afirma que estão à disposição «do grande público». Portanto, os quatro documentos litigiosos são, respetivamente:

¾        (1) o contrato de cooperação entre a Woonbedrijf — que será a proprietária do SPILcentrum — e o município, de 15 de abril de 2008 (anexo 5 da petição);

¾        (2) uma carta de informação da Câmara Municipal, de 18 de março de 2008 (anexo 18 da petição);

¾        (3) um regulamento do Ministro da Habitação, das Comunidades e da Integração, intitulado «Regime temporário de incentivo aos projetos de construção de alojamentos 2009» e publicado no Staatscourant, em 12 de outubro de 2009 (anexo 19 da petição);

¾        (4) um comunicado retirado do sítio Internet do Ministério da Habitação, do Ordenamento do Território e do Ambiente, datado de 14 de dezembro de 2009 (anexo 20 da petição).

b)      Incidência sobre a regularidade do processo da utilização destes documentos pela Comissão?

29.      Como recordei no n.° 24 das presentes conclusões, o parecer fundamentado e a ação da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa.

30.      Assim, «a Comissão não pode pretender que seja declarado um incumprimento específico […] relativamente a uma situação de facto concreta que não foi referida no âmbito da fase pré‑contenciosa» (9). Com efeito, uma acusação específica tem necessariamente que ter sido invocada na fase pré‑contenciosa, de modo a que o Estado‑Membro interessado tenha a possibilidade de remediar a situação concreta assim denunciada ou de apresentar utilmente os seus argumentos de defesa a este respeito, pois essa defesa pode levar a Comissão a renunciar à referida acusação e/ou contribuir para a delimitação do objeto do litígio que irá posteriormente ser submetido ao Tribunal de Justiça (10).

31.      No entanto, saliente‑se que, no caso em apreço, os documentos apresentados pela Comissão e cuja utilização é contestada pelo Governo neerlandês, são exclusivamente relativos à única situação de facto que foi objeto da fase pré‑contenciosa. Não têm por objeto basear uma nova acusação, mas apenas ilustrar a apresentada no âmbito desta fase.

32.      De forma mais precisa, observe‑se que os dois primeiros documentos são datados dos meses de março e abril de 2008 e, portanto, são anteriores à notificação para cumprir. Apresentam uma conexão evidente com a situação de facto descrita naquela e, pela sua natureza, não eram desconhecidos das autoridades neerlandesas.

33.      O primeiro é o contrato de cooperação outorgado entre a Woonbedrijf e o município, em 15 de abril de 2008. Ora, a Woonbedrijf foi escolhida pelo município como proprietária do SPILcentrum a partir de 13 de fevereiro de 2007. Além disso, em 14 de fevereiro de 2006, quando o município decide aprovar o plano diretor proposto pela Hurks, especifica na sua decisão que esse plano fora preparado por uma célula de projeto na qual estavam designadamente representados o município e a Woonbedrijf. O Governo neerlandês não podia pois ignorar que as relações estabelecidas entre a Woonbedrijf e o município faziam parte do litígio.

34.      O segundo é uma carta de informação das autoridades municipais relativa à execução de alojamentos iniciada pelo município no período entre 2005 e 2010. Nela, o projeto relativo ao bairro de Tongelresche Akkers e ao centro Doornakkers é referido diversas vezes. Como para o contrato de cooperação entre a Woonbedrijf e o município, o Governo neerlandês não podia ignorar o possível efeito deste documento sobre o litígio na medida em que a execução de alojamentos para o município estava diretamente associada à obtenção de subvenções estatais e o centro Doornakkers estava envolvido nesta dinâmica.

35.      No que respeita aos dois outros documentos, observe‑se que se trata de documentos públicos, um dos quais é um regulamento administrativo publicado no Staatscourant e o outro uma nota informativa publicada no sítio Internet de uma autoridade pública. O primeiro regula as condições de obtenção dos auxílios ao programa de execução de alojamentos e o segundo é uma nota informativa geral relativa a este.

36.      Trata‑se, portanto, efetivamente, de documentos que permitem apenas apreender a situação de facto e não desenvolver uma nova acusação. Pelo contrário, ilustram unicamente a acusação formulada na notificação para cumprir e no parecer fundamentado.

37.      Por último, recorde‑se que, se, naturalmente, a Comissão deve respeitar os direitos da defesa do Governo neerlandês, este, em conformidade com o dever de cooperação leal que lhe é imposto pelo artigo 4.°, n.° 3, do Tratado UE, deve facilitar à Comissão o cumprimento da sua missão. «[T]ratando‑se de verificar a correta aplicação, na prática, das disposições nacionais destinadas a assegurar a efetiva execução da diretiva, a Comissão […] não possui poderes próprios de investigação nesta matéria, está [por conseguinte] largamente dependente dos elementos fornecidos por eventuais queixosos bem como pelo Estado‑Membro em causa […]. Em tais circunstâncias é, com efeito, às autoridades nacionais que incumbe em primeiro lugar proceder in loco às verificações necessárias, num espírito de cooperação leal, de acordo com o dever de cada Estado‑Membro, relembrado no n.° 42 do presente acórdão, de facilitar o cumprimento da missão geral da Comissão […]» (11).

38.      Por conseguinte, considero que a ação da Comissão não pode ser declarada inadmissível com fundamento na utilização, pela mesma, dos documentos referidos.

2.      Nova acusação e ampliação do objeto do litígio

39.      O Governo neerlandês acusa, em seguida, a Comissão de ter afirmado pela primeira vez na petição que o município recebia uma «prestação» para demonstrar que se tratava de um contrato a título oneroso quando, na fase pré‑contenciosa, a Comissão alegou exclusivamente a existência de uma «contrapartida» atribuída pelo município à Hurks. Trata‑se de uma acusação nova resultante da existência de uma prestação recebida pelo município, o que amplia o objeto do litígio.

40.      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou, no seu acórdão Comissão/Portugal (12), que o facto de «na petição, a Comissão ter indicado em pormenor os argumentos em apoio da conclusão relativa ao alegado incumprimento, que já tinham sido avançados em termos mais genéricos na notificação para cumprir e no parecer fundamentado, limitando‑se a explicar melhor as razões pelas quais considera que o referido regime é incompatível com a livre prestação de serviços, não altera o objeto do referido incumprimento e, portanto, não tem incidência no alcance do litígio».

41.      Não subscrevo da opinião do Governo neerlandês segundo a qual este ensinamento não é aplicável ao caso em apreço. Tanto na notificação para cumprir como no parecer fundamentado, a Comissão acusa o Reino dos Países Baixos de ter infringido as regras da União relativas aos contratos públicos e, mais especificamente, a Diretiva 2004/18. Desde logo, a Comissão considerou que o contrato celebrado entre o município e a Hurks era uma concessão de obras públicas na aceção do artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18, a qual carece de um contrato a título oneroso. Esta condição foi expressamente analisada pela Comissão no parecer fundamentado (pp. 7 a 9).

42.      Na petição (13), a Comissão não apresenta nenhuma nova acusação. Atualiza a sua argumentação, para nela integrar os desenvolvimentos recentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o conceito de «contrato a título oneroso», o qual implica uma prestação do adjudicatário com um «interesse económico direto» para a entidade adjudicante (14). Em minha opinião, ao fazê‑lo, a Comissão limita‑se a pormenorizar os argumentos que apoiam o seu pedido relativo ao alegado incumprimento, os quais já tinham sido evidenciados de forma mais genérica na carta de notificação para cumprir e no parecer fundamentado (15).

43.      A ação da Comissão parece‑me, pois, admissível.

C —    Aplicabilidade ratione temporis da Diretiva 2004/18

44.      A título preliminar, como já referi, considero que esta questão se prende não com a admissibilidade da ação mas com o mérito da causa (16).

45.      Segundo o seu artigo 80.°, a Diretiva 2004/18 devia ser transposta até 31 de janeiro de 2006.

46.      Segundo a Comissão, as negociações só tiveram realmente início após a adoção do plano diretor, em 14 de fevereiro de 2006, ou seja, posteriormente à entrada em vigor da Diretiva 2004/18. Pelo contrário, o Governo neerlandês considera que foi a decisão do município de 23 de abril de 2003 que determinou a diretiva aplicável porque foi nesse momento que o município decidiu não adotar o procedimento europeu de concurso, escolhendo antes apenas dois candidatos. Pelo seu lado, a opção de prosseguir com a Hurks foi tomada desde 15 de julho de 2003.

47.      As datas fundamentais são, pois, as seguintes:

¾        em 7 de agosto de 2001: decisão do município de Eindhoven de realizar, no seu território, um projeto imobiliário num espaço localizado entre o bairro existente de Doornakkers e o novo bairro residencial de Tongelresche Akkers (17);

¾        em 12 de setembro de 2001: aprovação, pela Câmara Municipal, dos planos de urbanização relativos ao projeto do centro Doornakkers e realizados pelo município (18). Estes planos contêm as orientações de ordenamento do bairro sob a forma de um esquema e preveem infraestruturas e equipamentos tendo em vista a ligação entre o bairro existente de Doornakkers e o novo bairro residencial de Tongelresche Akkers. O primeiro teria um estabelecimento de cuidados de saúde, espaços comerciais e apartamentos. O segundo teria infraestruturas de lazer, equipadas, designadamente, com instalações desportivas;

¾        em 11 de abril de 2002: parecer intitulado «Escolha de um promotor para o centro de proximidade de Doornakkers» (19). Este parecer, redigido pelos serviços municipais, informa a Câmara Municipal sobre os critérios a aplicar na escolha do comprador dos terrenos em que será realizado o projeto do centro Doornakkers. O parecer especifica igualmente que o contrato de compra e venda dos lotes proposto ao potencial cocontratante deve respeitar «as condições‑quadro e orientações estabelecidas pelo município, a saber, o caderno de encargos», e deve «ser conforme com a […] vontade dos compradores/utilizadores finais» (20). Estas condições‑quadro e orientações, por sua vez, especificam, designadamente, as funções e cotas das edificações, em conformidade com o plano de urbanização. Preveem a construção de apartamentos e de alojamentos, a extensão do centro médico existente, uma zona de ligação entre os dois principais locais, uma boa acessibilidade, um estacionamento subterrâneo conforme com as normas municipais em matéria de estacionamento, a manutenção de espaços verdes fundamentais e a criação de uma praça e de um novo parque de bairro. Propõe que sejam convidadas duas sociedades: a Hurks e a Haagdijk BV;

¾        em 23 de abril de 2002: adoção, pela Câmara Municipal, do parecer de 11 de abril de 2002;

¾        em 11 de junho de 2002: reunião entre o município e os dois potenciais promotores do projeto. Nesta reunião, são discutidas as condições‑quadro e as orientações referidas, bem como um documento intitulado «Informações destinadas aos candidatos promotores que participem numa seleção» (21);

¾        em 15 de julho de 2003: escolha, pelo município, da Hurks como cocontratante para a realização do projeto (22);

¾        do mês de julho de 2003 ao mês de outubro de 2005: elaboração, pela Hurks (com o auxílio de um gabinete de arquitetura), de um plano diretor no qual especifica os seus planos de construção. Este plano diretor inclui numerosos desenhos pormenorizando as dimensões, a implantação e a distribuição das construções a realizar de acordo com as condições‑quadro e as orientações do município;

¾        em 31 de janeiro de 2006: termo do prazo de transposição da Diretiva 2004/18;

¾        em 14 de fevereiro de 2006: aprovação, pelo município, do plano diretor elaborado pela Hurks;

¾        em 12 de junho e em 16 de julho de 2007: assinaturas do «contrato de cooperação».

1.      Princípio e exceção

48.      Ambas as partes se apoiam nos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça nos processos Comissão/França (23) e Pressetext Nachrichtenagentur (24).

49.      No acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça clarificou a questão da aplicação no tempo da Diretiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), estabelecendo simultaneamente um princípio e uma exceção.

50.      No que respeita ao princípio, «a decisão de uma entidade adjudicante relativa ao tipo de procedimento a seguir e à necessidade ou não de promover um concurso para a adjudicação de uma empreitada pública constitui uma fase distinta do procedimento, fase em que são definidas as características essenciais do desenrolar de tal procedimento e que, normalmente, apenas pode ter lugar na fase de lançamento deste. […] Assim, para apreciar se a Diretiva […] é aplicável a tal decisão […],importa, em princípio, tomar em consideração o momento em que a referida decisão foi adotada» (25). Com efeito, «seria contrário ao princípio da segurança jurídica determinar o direito aplicável por referência a uma data de adjudicação da empreitada, na medida em que esta data marca o termo do procedimento, ao passo que a decisão da entidade adjudicante de promover ou não um concurso é normalmente tomada na fase inicial deste» (26).

51.      No entanto, e é aí que reside a exceção, «se [negociações efetuadas posteriormente] apresentam caraterísticas substancialmente diferentes das já conduzidas e se são, em consequência, suscetíveis de demonstrar a vontade das partes em renegociar os termos essenciais do contrato, […] a aplicação [das disposições de uma diretiva posterior] poderia justificar[‑se]» (27).

52.      Por sua vez, os conceitos de «caraterísticas substancialmente diferentes» e de «termos essenciais do contrato» foram desenvolvidos no acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido. A alteração necessária para recair no âmbito de aplicação da exceção deve abranger um elemento substancial do contrato como, por exemplo:

¾        condições que, se tivessem figurado no procedimento de adjudicação inicial, teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido aceitar uma proposta diferente da inicialmente aceite (28);

¾        o alargamento do contrato, numa medida importante, a serviços inicialmente não previstos (29);

¾        uma alteração que modifica o equilíbrio económico do contrato a favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista inicialmente (30);

¾        a substituição, não prevista no contrato inicial, do cocontratante ao qual a entidade adjudicante tinha inicialmente adjudicado o contrato por um novo cocontratante (31);

¾        o preço.

2.      Aplicação ao caso em análise

53.      Prima facie, a exceção prevista pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/França, já referido, não parece aplicável exatamente do mesmo modo ao presente litígio. Com efeito, a exceção tem por objeto situações em que um contrato foi significativamente alterado. Ora, parece que o único contrato assinado entre o município e a Hurks data do verão de 2007.

54.      Resulta, pois, incontestavelmente dos autos que as partes já tinham acordado todos os aspetos essenciais antes da assinatura do contrato de cooperação. Aliás, em bom rigor, a Comissão não invoca a existência de novas negociações entre as partes. No entanto, considera que certos elementos essenciais do contrato só foram determinados após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2004/18. Segundo a Comissão, tratava‑se, pois, de aplicar por analogia o ensinamento do acórdão Comissão/França, já referido (32).

55.      Não é isso que concluo.

a)      O princípio

56.      Para o Tribunal de Justiça, a diretiva aplicável é a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se existe ou não obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de uma empreitada pública. Esta regra baseia‑se no princípio de segurança jurídica que não permite que o direito aplicável seja determinado por referência à data de adjudicação do contrato, na medida em que esta data marca o termo do procedimento, ao passo que a decisão da entidade adjudicante de promover ou não um concurso é normalmente tomada na fase inicial deste (33).

57.      Considero, pois, que não se deve ter em conta a existência de um contrato na aceção formal do termo mas, pelo contrário, identificar na evolução temporal do processo o momento em que a autoridade pública toma a «decisão […] relativa ao tipo de procedimento a seguir e à necessidade ou não de promover um concurso para a adjudicação de uma empreitada pública» (34).

58.      Esta interpretação é confirmada pelo acórdão Hochtief e Linde‑Kca‑Dresden. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou que, quando «a decisão da entidade adjudicante de eliminar a proposta do consórcio constituído pelas recorrentes no processo principal e continuar o processo com os dois candidatos julgados adequados foi tomada antes da data do termo do prazo para transposição da Diretiva 2004/18 […] [s]eria […] contrário ao princípio da segurança jurídica determinar o direito aplicável ao processo principal por referência à data da adjudicação do contrato, quando a decisão em relação à qual é alegada no caso em apreço uma violação do direito comunitário foi tomada antes da data [limite do prazo de transposição]» (35).

59.      No caso em apreço, a decisão na aceção da jurisprudência referida foi indiscutivelmente adotada pelo município em 23 de abril de 2002.

60.      O plano de urbanização relativo ao projeto do centro Doornakkers já tinha sido aprovado pelo município em 12 de setembro de 2001. Nesta data, as orientações do projeto eram conhecidas (infraestruturas e equipamentos necessários à ligação entre o bairro existente e o novo bairro, tipos de construções a realizar, etc.).

61.      Em 23 de abril de 2002, é definido o método de seleção do promotor chamado a realizar o projeto. Com efeito, é nesta data que o município aprova o parecer dos seus serviços, intitulado «Escolha de um promotor para o centro de proximidade de Doornakkers». Neste documento, são expressamente definidos a função e o método de seleção do promotor (v. artigos 1.3 e 2). Já são apresentados os dois candidatos pré‑selecionados e é expressamente recusada a aplicação das regras relativas à contratação pública: «no final do processo de seleção, o município designa um candidato promotor com o qual poderá celebrar um contrato de promoção. Para o município, trata‑se do cocontratante pretendido para um contrato de compra e venda de terreno mediante condições. Estas condições devem garantir que o centro de proximidade previsto seja realizado em conformidade com as condições e vontade do município e com o caderno de encargos, bem como no respeito dos desejos dos compradores/consumidores finais. O facto de o município optar por uma venda mediante condições implica que não haja adjudicação e que as regras relativas à contratação pública não sejam aplicáveis» (36).

62.      Na verdade, trata‑se da «decisão [da] entidade adjudicante relativa ao tipo de procedimento a seguir e à necessidade ou não de promover um concurso para a adjudicação de uma empreitada pública» (37).

b)      A exceção

63.      A questão que subsiste é, pois, a de saber se nos encontramos no quadro da exceção referida. A este respeito, incumbe à Comissão, no âmbito da sua ação por incumprimento, demonstrar que foram alterados elementos essenciais após 31 de janeiro de 2006, data em que terminou o prazo de transposição da Diretiva 2004/18 e que é considerada pelas partes como a data «charneira».

64.      A Comissão invoca dois elementos: a repartição dos riscos financeiros por certas partes do projeto relativas ao SPILcentrum e a assunção do ónus do ordenamento dos espaços públicos.

i)      O SPILcentrum

65.      No conjunto do projeto, o SPILcentrum era a infraestrutura cuja rentabilidade era mais aleatória. Por esta razão, a Hurks não pretendia suportar sozinha os respetivos riscos financeiros. No entanto, o município recusou sistematicamente assumir uma parte dos mesmos. Portanto, a Hurks acabou por aceitar proceder à construção do centro por sua própria conta e risco. Em contrapartida, o município escolheu uma sociedade de construção de habitações — a Woonbedrijf — como futura proprietária do SPILcentrum. Esta receberia, a título de contrapartida, uma subvenção única no montante de 2,41 milhões de euros.

66.      Segundo a Comissão, este elemento é essencial na colaboração entre a Hurks e o município. Ora, ele só foi definitivamente aprovado no momento da designação da Woonbedrijf como proprietária, em 13 de fevereiro de 2007.

ii)    O ordenamento dos espaços públicos

67.      No parecer do município, adotado em 23 de abril de 2002, especifica‑se, no artigo 4.2, que «além disso, o promotor vela pelo ordenamento do espaço público». Ora, segundo o contrato de cooperação assinado pelas partes, o espaço público continua a ser propriedade do município e é este que se encarrega «por sua própria conta e risco de tornar edificável e habitável» a zona de planeamento (exceto a parcela entregue ao centro comercial) (artigos 8.1 e 8.2 do contrato de cooperação).

68.      Segundo o artigo 1.1 do contrato de cooperação, o conceito de «tornar habitável» visa «designadamente o ordenamento das vias e da sua fundação, de praças, passeios, espaços verdes e públicos, incluindo a zona verde, o mobiliário urbano e os equipamentos urbanos».

69.      Segundo a Comissão, este é também um elemento essencial da colaboração que foi acordada entre as partes após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2004/18.

c)      Apreciação

70.      O facto de a repartição dos riscos financeiros quanto a certas partes do projeto relativas ao SPILcentrum e à responsabilidade pelo ordenamento dos espaços públicos poderem ter sido definitivamente fixadas após a decisão de 23 de abril de 2002 não me parece determinante.

71.      Se considerarmos, por exemplo, os elementos enunciados pelo Tribunal no acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido, observa‑se que nenhum dos dois aspetos salientados pela Comissão teria justificado um novo concurso:

¾        no conjunto do projeto, estes dois pontos não eram suficientes para «admitir proponentes diferentes dos [que podiam ser] inicialmente admitidos» (38);

¾        o contrato não é, em caso algum, alargado, numa medida importante, a serviços inicialmente não previstos (39);

¾        a alteração relativa ao ordenamento dos espaços públicos não implica uma modificação substancial do equilíbrio económico do contrato a favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista nos termos do contrato inicial (40);

¾        não há substituição do cocontratante ao qual a entidade adjudicante tinha inicialmente adjudicado o contrato por um novo cocontratante (41);

¾        o preço já tinha sido determinado, como a própria Comissão reconhece (42).

72.      Pelo contrário, como a própria Comissão alega para demonstrar a existência de um contrato de empreitada de obras públicas (o que é paradoxal), «uma comparação entre o artigo 1.1 do contrato de cooperação e o documento informativo transmitido pelo município aos candidatos‑promotores, em junho de 2002, mostra que, no essencial, a afetação dos imóveis a edificar tinha sido definida pelo município desde 2002» (43).

73.      No n.° 43 da sua petição, chega a qualificar de «pormenores» os elementos determinados durante as negociações posteriores à decisão de 23 de abril de 2002. No n.° 67 da petição, contesta igualmente que o objeto do contrato de cooperação seja uma simples compra e venda de terrenos, dadas as obrigações impostas aos promotores quando do processo de seleção «informal». Segundo a Comissão, «os promotores tinham a obrigação de conceber os seus planos com base num conceito determinado, imposto pelo município, a saber, o modelo ‘haltere’, constituindo cada extremidade um núcleo duro dotado de adaptações». Se se tratasse de uma simples compra e venda de terreno, não tinha sido estabelecida nenhuma obrigação deste tipo».

74.      Nesta fase da minha análise, considero, pois, que a Comissão não apresentou os elementos necessários e suficientes para demonstrar a aplicação da Diretiva 2004/18 invocada em apoio da sua ação. Ora, no âmbito de uma ação nos termos do artigo 258.° TFUE, é à Comissão que incumbe demonstrar a existência do incumprimento (44).

75.      Seguir a tese da Comissão conduziria, aliás, a uma situação desprovida de sentido e contrária ao objetivo referido pelo legislador. Com efeito, se se seguisse o raciocínio da Comissão, a data a considerar para a determinação da diretiva aplicável era a da adoção do plano diretor pelo município, ou seja, 14 de fevereiro de 2006. Ora, este plano, estabelecido pela Hurks, é apresentado como um verdadeiro plano de construção. O artigo 2.° do contrato de cooperação, que determina o objeto do mesmo, precisa expressamente que ele visa regular «as modalidades e condições de cooperação exclusivas entre as partes para efeitos da execução do projeto em conformidade com o plano diretor e com os outros documentos de planeamento» (45).

76.      Se a adoção do plano diretor devesse ser a decisão que determina a diretiva aplicável, isso significava que o possível convite à apresentação de candidaturas se baseava nos planos de um cocontratante escolhido sem recurso a concurso público e que podia não ser escolhido no final do processo de seleção. Que promotor aceitaria realizar esse plano diretor sem ter a garantia de ser o executor do projeto? Que promotor autorizaria um concorrente a utilizar os seus próprios planos?

77.      Na verdade, a segurança jurídica, tal como impede que se determine o direito aplicável por referência à data de adjudicação da empreitada (46), impede que este seja determinado por referência à data em que os planos do promotor previamente escolhido sejam adotados pela autoridade pública.

78.      Além disso, a norma expressa pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/França, já referido, preserva igualmente os interesses dos concorrentes. Com efeito, determinar a diretiva aplicável em função da decisão de fazer ou não um concurso permite atribuir um efeito útil aos eventuais recursos dos concorrentes que, de facto, tenham sido excluídos pela decisão da autoridade pública de não abrir o mercado à concorrência.

79.      Ao recusar a tese segundo a qual o direito aplicável é determinado pela decisão da entidade adjudicante de adjudicar o contrato, a regra tem por consequência feliz preservar uma data útil de contestação das decisões das entidades adjudicantes pelas partes lesadas.

80.      Assim, dado que a Comissão não forneceu elementos suscetíveis de demonstrar que a Diretiva 2004/18 invocada em apoio da sua ação era aplicável e confirmou na audiência que limitava o fundamento da sua ação exclusivamente a esta diretiva (apesar de as definições e princípios aplicáveis serem, na sua opinião, idênticos na Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (47)), considero que a ação deve ser declarada improcedente.

81.      No entanto, na hipótese de o Tribunal de Justiça não seguir o meu raciocínio e entender que a Diretiva 2004/18 aplicável, analiso igualmente em seguida as questões de mérito suscitadas pelo presente litígio.

D —    Quanto ao mérito

82.      Para concluir pela existência de um incumprimento por parte do Reino dos Países Baixos, cumpre determinar a natureza do contrato celebrado entre o município, por um lado, e a Hurks, por outro, que tem por objeto o reordenamento do centro Doornakkers: trata‑se de uma simples compra e venda de terrenos ou de uma concessão de obras públicas na aceção da Diretiva 2004/18 (48)?

1.      Apreciação

83.      As três condições necessárias para que haja uma concessão de obras públicas resultam das definições de «contratos de empreitada de obras públicas» e de «concessão de obras públicas», constantes respetivamente do artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) e b), e do artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18. É necessário:

¾        um contrato escrito entre uma entidade adjudicante e um operador económico [artigo 1.°, n.° 2, alínea a)];

¾        um contrato que tenha por objeto quer a execução, quer conjuntamente a conceção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I da Diretiva 2004/18 ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante [artigo 1.°, n.° 2, alínea b)];

¾        um contrato a título oneroso, em que a contrapartida consiste unicamente no direito de exploração da obra ou nesse direito acompanhado de um pagamento (artigo 1.°, n.° 3).

84.      Dado que a existência de um contrato escrito entre o município e a Hurks não é posta em causa, serão analisadas unicamente a segunda e a terceira condições.

a)      Um contrato de empreitada de obras públicas

85.      A existência de uma concessão de obras públicas implica necessariamente, e em primeiro lugar, a de um contrato de empreitada de obras públicas. O artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18 prevê três hipóteses. O contrato deve ter por objeto:

¾        quer a execução de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I da Diretiva 2004/18 ou de uma obra (sendo uma obra o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica);

¾        quer conjuntamente a conceção e a execução de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I da Diretiva 2004/18 ou de uma obra;

¾        quer a realização, por qualquer meio, de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante.

86.      Segundo o Governo neerlandês, o contrato celebrado entre o município e a Hurks não se integra em nenhuma destas três categorias na medida em que se trata de uma simples compra e venda de terrenos. Ora, o artigo 16.° da Diretiva 2004/18 exclui expressamente do seu âmbito de aplicação este tipo de transação.

87.      É verdade que os acordos celebrados entre o município e a Hurks são relativos à compra e venda de vários terrenos de que o município era proprietário. Resulta, no entanto, da leitura do «contrato de cooperação» e do conjunto das relações jurídicas e económicas estabelecidas entre a Hurks e o município que tal não pode deixar de constituir apenas um elemento acessório do contrato. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que era conveniente não excluir a aplicabilidade da Diretiva 2004/18 quando um processo de adjudicação prevê a venda de um terreno que será posteriormente objeto de um contrato de empreitada de obras (49). O raciocínio pode, a fortiori, ser mantido quando as duas operações estão previstas na mesma convenção, como acontece no presente caso.

88.      Segundo os considerandos do contrato de cooperação outorgado entre o município e a Hurks:

¾        «As partes pretendem planear e realizar um novo centro em benefício do novo bairro residencial Tongelresche Akkers e do bairro existente Doornakkers […]» (considerando B);

¾        «O município e a Hurks chegaram a um acordo quanto ao ordenamento e à realização das funções enumeradas no considerando B das presentes […]» — isto é, um centro médico, um centro de lazer, de integração e de estudos com apartamentos, uma extensão de um centro médico existente com um parque de estacionamento subterrâneo, um centro comercial com habitações e um parque de estacionamento subterrâneo, habitações (considerando F).

89.      O próprio objeto do contrato é definido sem nenhuma referência à compra e venda de terrenos. Segundo o artigo 2.° do contrato de cooperação, este tem por objeto regular «as modalidades e condições de cooperação exclusivas entre as partes para efeitos da execução do projeto em conformidade com o plano diretor e com os outros documentos de planificação». Ora, o próprio projeto em questão é definido pelo contrato como «o reordenamento da zona de planeamento», o que significa que será, designadamente, necessário «tornar edificável e habitável» a referida zona, de acordo com as condições do contrato (artigo 1.1 do contrato de cooperação).

90.      Este contrato prevê ainda a criação de uma «equipa de projeto» composta por um «grupo de projeto» e por vários «grupos de trabalho» cuja função consiste em conceber os documentos de planeamento — isto é, o projeto definitivo do plano de urbanismo, o plano de ordenamento local, os cadernos de encargos, os documentos de demolição úteis, o plano de ordenamento do espaço público, etc. (artigo 5.° do contrato de cooperação) — e preparar a tomada de decisões das partes, sendo certo que o grupo de trabalho é presidido pelo chefe de projeto do município (artigo 3.° do referido contrato).

91.      Por último, o artigo 7.5 do referido contrato, consagrado à venda dos terrenos, submete expressamente a entrega dos mesmos a um compromisso da Hurks de «erigir construções nos lotes, em conformidade com os documentos de planeamento e o calendário», que é referido no artigo 6.°

92.      Os elementos do processo mostram ainda que o preço dos terrenos é de 5 616 024 euros (50), enquanto a edificação do projeto está avaliada em 28 186 000 euros (anexo 7 da petição).

93.      Pode, pois, deduzir‑se do contrato de cooperação que o objeto do mesmo era não essencialmente a compra e venda de terrenos, mas sobretudo a execução de obras relativas a uma das atividades referidas no anexo I da Diretiva 2004/18, a saber, para citar apenas um exemplo, obras de construção ou uma obra, na aceção da referida diretiva (51).

94.      Julgo que o projeto objeto do contrato de cooperação em causa responde, além disso, à terceira hipótese referida pelo artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18, isto é, «a realização, por qualquer meio, […] de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante».

95.      Com efeito, se me reportar às precisões feitas pelo acórdão Helmut Müller, já referido, que é invocado pela Comissão e pelo Governo neerlandês, «[p]ara se poder considerar que uma entidade adjudicante especificou as necessidades na aceção d[o artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18], é necessário que aquela tenha tomado medidas no sentido de definir as características da obra ou, pelo menos, de exercer uma influência determinante na conceção da mesma (52). Isso significa que «[o] simples facto de uma autoridade pública, no exercício das suas competências em matéria de regulação urbanística, examinar determinados planos de construção que lhe sejam submetidos ou tomar uma decisão no exercício das competências de que dispõe nesta matéria não responde à exigência relativa às ‘necessidades especificadas pela entidade adjudicante’ na aceção da mencionada disposição» (53).

96.      A este respeito, partilho da posição da Comissão. Resulta do contrato de cooperação assinado por ambas as partes, dos outros documentos referidos neste contrato (plano diretor, documentos de planificação, etc.) e do documento informativo editado pelo município em junho de 2002 — ou seja, desde o início do projeto — apresentados aos dois candidatos promotores, que foi o município que decidiu não só o ordenamento do território em causa mas também a afetação dos imóveis a edificar.

97.      Pode, designadamente, ver‑se no documento intitulado «Centro Doornakkers — Programa» (54), que está indicado com precisão o número exato de edifícios a construir, bem como o número de assoalhadas, a função atribuída a todas elas, e mesmo a respetiva área. É igualmente indicado o número de lugares de estacionamento a estabelecer em cada local (55).

98.      Ora, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar que especificações «que consistem numa descrição precisa dos edifícios a construir, da sua qualidade e dos seus equipamentos, vão muito além das exigências habituais de um locatário em relação a um imóvel novo de uma certa envergadura» (56). Segundo o Tribunal de Justiça, um contrato que tem tais especificações tem, pois, «por objetivo primeiro a edificação [de um imóvel], em conformidade com as necessidades especificadas pela [entidade adjudicatária]» (57).

99.      Em tais circunstâncias, que são próximas das do caso em apreço, o Tribunal de Justiça considerou que, na medida em que as referidas construções constituíam uma «obra» na aceção da diretiva aplicável, que se destinavam a desempenhar, em si mesmos, uma função económica, que o seu valor era superior ao limite previsto pela Diretiva 93/37 relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas e que o contrato tinha sido celebrado a título oneroso, este devia ser qualificado como «contrato de empreitada de obras públicas». As mesmas considerações se impõem no presente caso.

100. Por último, a composição e as missões atribuídas à «equipa de projeto» definida no artigo 3.° do contrato de cooperação traduzem igualmente a vontade do município de manter um papel ativo na evolução do projeto, que vai além do simples exame dos projetos de construção que lhe fossem apresentados ou da tomada de decisão em aplicação de competências em matéria de regulação urbanística. Com efeito, é esta «equipa», presidida pelo chefe de projeto do município, que deve conceber e elaborar os documentos de planificação, os quais reúnem não só, entre outros, o plano de urbanização e o plano de ordenamento local mas também o projeto provisório e definitivo das diversas funções, o caderno de encargos e os desenhos das várias funções, o programa de construção e o de comunicação (v. artigo 5.1 a 5.3 do contrato de cooperação). Além disso, as eventuais derrogações ao plano diretor constatadas pelo grupo de projeto devem ser submetidas ao município para aprovação (artigo 5.4 do contrato).

E —    Conclusão intercalar

101. Considero que a primeira condição fixada pela Diretiva 2004/18 para que exista uma concessão de obras públicas, isto é, a existência de um contrato de empreitada de obras públicas, está preenchida e que a Comissão faz prova bastante da mesma. O projeto em causa corresponde, pelo menos, à primeira e terceira hipóteses referidas pelo artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da diretiva. Com efeito, tem por objeto a execução de obras relativas a uma das atividades referidas no anexo I da Diretiva 2004/18 e/ou de uma obra na aceção desta diretiva, e a realização, por qualquer meio, de uma obra que satisfaz as necessidades especificadas pela entidade adjudicante.

102. Especifique‑se ainda, para quaisquer efeitos úteis, que não se pode apoiar o Governo neerlandês quando alega que as três situações referidas pelo artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18 se excluem reciprocamente.

103. Como refere a Comissão, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que «obras de equipamento como as enumeradas no artigo 4.° da Lei n.° 847/64 constituem trabalhos de construção ou de engenharia civil e se enquadram, por isso, nas atividades visadas no anexo II da diretiva [2004/18], ou ainda que constituem obras destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica. Satisfazem assim, pelo menos, os critérios mencionados no primeiro e segundo travessões do [artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18]» (58).

104. O facto de as obras previstas pelo município no presente processo corresponderem a vários dos casos previstos na diretiva não pode, pois, conduzir à recusa da sua aplicação.

a)      Um contrato celebrado a título oneroso

105. A terceira condição que um contrato deve preencher para corresponder à definição de «concessão de obras públicas» é ser celebrado a título oneroso.

106. Segundo jurisprudência assente, o caráter oneroso do contrato de concessão implica que a entidade adjudicante que celebrou um contrato de empreitada de obras públicas receba, com base no mesmo, uma prestação mediante uma contrapartida a favor do adjudicatário (59). A prestação consiste na realização das obras pretendidas pela entidade adjudicante (60).

i)      Prestação e interesse económico direto

107. No caso em apreço, a obrigação de efetuar as obras em causa está expressamente prevista no artigo 7.5 do contrato de cooperação segundo o qual a «Hurks compromete‑se perante o município a erigir construções nas parcelas, em conformidade com os documentos de planeamento e o calendário».

108. No entanto, o Tribunal especificou no seu acórdão Helmut Müller, já referido, que esta prestação devia «revestir um interesse económico direto para a entidade adjudicante» (61).

109. Mais do que falar de interesse económico direto, o advogado‑geral P. Mengozzi, nas suas conclusões no processo Helmut Müller, já referido, expôs a exigência de uma «relação direta entre a administração pública e as obras ou trabalhos a realizar» de modo a «conciliar as necessidades, tendencialmente opostas, de prevenir abusos e de evitar um alargamento incontrolado do âmbito de aplicação da Diretiva [2004/18]» (62).

110. Segundo o advogado‑geral P. Mengozzi, a existência de uma relação direta pode ser observada:

¾        quando a administração pública obtém diretamente a propriedade do bem ou das obras a realizar. A essa situação eram equiparadas as situações em que a administração pública não adquire a propriedade do bem, mas obtém um benefício económico direto graças a este como, por exemplo, um direito de fruição do bem (63);

¾        quando fundos públicos, ou, mais genericamente, recursos públicos (como a disponibilização de terrenos a título gratuito), são utilizados para a realização dos trabalhos ou obras (64);

¾        quando os trabalhos ou obras a realizar sejam o resultado de uma iniciativa da própria administração pública (65). Esta categoria residual deve, no entanto, distinguir‑se da «mera prossecução do interesse público realizada através dos poderes ordinários no domínio urbanístico» para levar à aplicação da Diretiva 2004/18 (66).

111. Como já indiquei no n.° 108 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça não considerou como tal o critério da relação direta no acórdão Helmut Müller, já referido. Pelo contrário, optou por apenas fazer referência ao conceito de «interesse económico direto». Ao fazê‑lo, parece‑me que o Tribunal de Justiça excluiu a categoria residual já referida — quer dizer, a hipótese de uma iniciativa da entidade adjudicante — e, consequentemente, enquadrou de forma mais restritiva o âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18.

112. Apesar de tudo, esta interpretação deixa uma certa margem de apreciação às autoridades públicas. Com efeito, no seu acórdão Helmut Müller, já referido, o Tribunal de Justiça unicamente excluiu do conceito de interesse económico direto o simples exercício de competências reguladoras em matéria de urbanismo com vista à realização do interesse geral. Quanto ao mais, o Tribunal de Justiça simplesmente ilustrou a sua posição citando cinco exemplos não exaustivos. Trata‑se dos casos em que:

¾        a entidade adjudicante será a proprietária dos trabalhos ou da obra objeto do contrato (67);

¾        a entidade adjudicante disporá de um título jurídico que lhe garanta a disponibilidade das obras objeto do contrato tendo em vista a sua afetação pública (68);

¾        a entidade adjudicante retira vantagens económicas da utilização ou da cessão futura da obra (69);

¾        a entidade adjudicante participou financeiramente na realização da obra (70);

¾        a entidade adjudicante assume riscos em caso de insucesso económico da obra (71).

113. O Tribunal de Justiça não refere o caso invocado pelo advogado‑geral P. Mengozzi em que os trabalhos ou as obras tenham resultado de uma iniciativa da própria administração pública (72). Em contrapartida, tal como ele, exclui o caso em que esta administração pública se limita a exercer competências de regulação em matéria de urbanismo, visando a realização do interesse geral (73).

Qual a situação no presente caso?

114. É certo que o município, no presente caso, não se tornou proprietário dos bens construídos e que essa não era, aliás, a sua intenção.

115. As relações que ele estabeleceu a propósito do centro Doornakkers, quer seja com a Hurks ou com outros intervenientes, como a Woonbedrijf (74), tendem, no entanto, a demonstrar uma intervenção do município que excede a mera coerência urbanística do desenvolvimento de uma parte de um município (75).

116. Com efeito, importa não perder de vista que as funções do projeto a realizar foram definidas com precisão pelo município e compreendem um centro médico, um centro de jogos, de integração e de estudos (SPILcentrum) com apartamentos, uma extensão do centro médico existente com um parque de estacionamento subterrâneo, um centro comercial com habitações e um parque de estacionamento subterrâneo, e ainda mais habitações (considerando B do contrato de cooperação).

117. Os contratos relativos à utilização e ao financiamento do SPILcentrum demonstram igualmente o interesse económico direto do município neste projeto.

118. Com efeito, como já tive ocasião de explicar anteriormente (76), a Hurks não pretendia suportar sozinha o risco financeiro do SPILcentrum devido à sua rentabilidade aleatória. Acabou por aceitar construí‑lo por sua própria conta e risco porque, em troca, o município tinha aprovado a sociedade de construção Woonbedrijf como futura proprietária do SPILcentrum, a partir de 13 de fevereiro de 2007 (77). A Hurks tinha, pois, a certeza de que o edifício menos rentável seria utilizado.

119. Por seu lado, a Woonbedrijf recebia um subsídio de exploração único do município no montante de 2,41 milhões de euros, relativo às três funções não lucrativas do SPILcentrum: a sala de desporto, o espaço de encontro e o espaço para a juventude (78).

120. O Governo neerlandês confirma a utilização da sala de desporto e do espaço de encontro pela associação Sportbedrijf De Karpen. Especifica, além disso, que ela «pertence» ao município (79).

121. Com a designação da Woonbedrijf como proprietária do SPILcentrum, a convenção assinada entre esta sociedade e o município, em 15 de abril de 2008, e a utilização da sala de desporto e do espaço de encontro pela associação Sportbedrijf De Karpen, o município garantiu a afetação pública do SPILcentrum.

122. Trata‑se da segunda ilustração do interesse económico direto referido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Helmut Müller, já referido. Com efeito, o interesse económico direto pode «igualmente ser comprovado se for previsto que a entidade adjudicante disporá de um título jurídico que lhe garanta a disponibilidade das obras objeto do contrato tendo em vista a sua afetação pública» (80).

123. É verdade que não é o próprio município que é o utilizador dos bens mas uma associação que lhe «pertence» (segundo a expressão do Governo neerlandês). Ora, o Tribunal de Justiça já considerou que o Estado podia «materializar‑se» através de outras instâncias, que não as suas estruturas próprias. Assim, em matéria de auxílios de Estado, «[q]uanto à [condição associada a uma intervenção do Estado ou por meio de recursos de Estado], resulta de jurisprudência constante que não há que distinguir os casos em que o auxílio é concedido diretamente pelo Estado daqueles em que é concedido por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído por este Estado» (81). Mutatis mutandis, pode aplicar‑se o mesmo raciocínio no presente caso.

124. Em seguida, considero que se pode igualmente considerar que o município participou financeiramente no projeto (quarto exemplo referido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Helmut Müller, já referido, n.° 52) na medida em que a Hurks só aceitou construir o SPILcentrum assumindo ela própria os riscos a partir do momento em que o município lhe garantiu que a Woonbedrijf seria proprietária do referido centro. Ora, em troca, a Woonbedrijf obteve do município um subsídio de exploração superior a 2 milhões de euros.

125. Pode igualmente ver‑se na operação um ganho financeiro para o município na medida em que este faz o promotor pagar infraestruturas que, na ausência do contrato de cooperação, ele próprio deveria ter construído e financiado. Recorde‑se que a extensão do centro de tratamento está avaliado em 8 400 000 euros e a construção do SPILcentrum em 7 386 500 euros, dos quais 3 738 500 euros para as funções suscetíveis de serem recuperadas pelo município (a escola, o centro desportivo e o centro de juventude) (82).

126. Por último, além de contribuir para o interesse geral ou para o bom ordenamento urbanístico, várias das funções referidas (designadamente o centro médico e o centro comercial) têm por objeto atividades de natureza económica suscetíveis de proporcionar entradas financeiras ao município através de taxas e de despesas diversas. Noutros termos, parafraseando o Tribunal de Justiça, a entidade adjudicante que é o município vai beneficiar de vantagens económicas resultantes da utilização (ou de cessão futura) da obra (terceiro exemplo referido pelo Tribunal de Justiça no n.° 52 do acórdão Helmut Müller, já referido).

127. Considero, pois, que, no presente caso, atentos os elementos do processo, a presença de um interesse económico direto do município está suficientemente demonstrada: claramente, o município não se limitou a assegurar o «respeito […] [d]o desenvolvimento ou [d]a coerência urbanística de uma parte de um município» (83).

ii)    Contrapartida

128. Como recordei anteriormente, o caráter oneroso de um contrato de concessão implica que a entidade adjudicante que celebrou um contrato público, por força deste, receba uma prestação, mediante uma contrapartida.

129. Se, para a entidade adjudicante, a prestação assenta na realização dos trabalhos, pelo adjudicatário, a contrapartida consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento (artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18).

130. À luz das relações estabelecidas entre o município e a Hurks, questiono‑me antes de mais sobre a própria existência do «direito de exploração» que foi concedido à Hurks apesar de esta ser proprietária dos terrenos e dos bens a construir. Como o Governo neerlandês explicou na audiência, explorar significa obter os benefícios e suportar os inconvenientes da obra de um terceiro. Não é essa a situação no presente caso.

131. No entanto, se existisse «exploração» na aceção da Diretiva 2004/18, o presente litígio suscitava ainda duas questões. Em primeiro lugar, a atribuição de uma concessão de obras públicas — e, portanto, de explorar a obra — por tempo indeterminado é compatível com o direito da União? Em segundo lugar, existe contrapartida quando o concessionário é ou se torna proprietário do terreno e/ou das obras realizadas?

¾       Concessão de obras públicas e duração indeterminada?

132. A título preliminar, partilho da observação da Comissão de que a Diretiva 2004/18 não inclui nenhuma indicação quanto ao facto de uma concessão dever ter uma duração limitada.

133. Por sua vez, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se debruçar sobre a questão. Refiro‑me aos acórdãos Pressetext Nachrichtenagentur e Helmut Müller, já referidos. Segundo o Governo neerlandês, resulta do n.° 79 do acórdão Helmut Müller que um contrato de concessão por tempo indeterminado é contrário, per se, ao direito da União.

134. Pelo meu lado, não posso todavia deixar de salientar a falta de afirmação clara do Tribunal de Justiça na medida em que esta optou por se expressar de forma condicional, ao especificar que «[d]e qualquer modo, no que diz respeito à duração das concessões, existem sérias razões, entre as quais, nomeadamente, a manutenção da concorrência, que levam a considerar que a atribuição de concessões por tempo indeterminado é contrária à ordem jurídica da União» (84).

135. O Tribunal de Justiça remete, além disso, para o n.° 73 do acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido, no qual este afirma que «a prática que consiste em celebrar um contrato público de serviços por tempo indeterminado é, em si, incompatível com o sistema e a finalidade das regras comunitárias em matéria de contratos públicos». No entanto, este número do acórdão não pode ser dissociado do número seguinte que constitui a conclusão do raciocínio do Tribunal de Justiça. Ora, aí ele afirma que «[t]odavia, o direito comunitário, no seu estádio atual, não proíbe a celebração de contratos públicos de serviços por tempo indeterminado» (85).

136. Depois da prolação deste acórdão, o direito da União não mudou. Contrariamente aos acordos‑quadro, o legislador europeu ainda não fixou qualquer limite temporal para os contratos de concessão (86). No entanto, esta limitação figura na proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à adjudicação de contratos de concessão (87) atualmente em discussão. Se esta alteração for adotada, o direito da União imporá um limite temporal. O próprio texto deixará de permitir qualquer dúvida sobre a interpretação do que o Tribunal de Justiça chamou «o sistema e a finalidade das regras comunitárias em matéria de contratos públicos» (88).

137. Em seguida, é exato que uma prática que consiste em celebrar um contrato público por tempo indeterminado pode ter por efeito, a prazo, entravar a concorrência entre os potenciais prestadores de serviços e impedir a aplicação das disposições das diretivas da União em matéria de publicidade dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos (89). No entanto, excluir pura e simplesmente os contratos por tempo indeterminado do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18 parece‑me que apresenta um risco ainda maior, por ser mais frequente: o que consiste em contornar as mesmas regras.

138. Como salienta a Comissão na sua petição, se tais contratos de concessão por tempo indeterminado não recaíssem no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18, bastava, de facto, que as partes celebrassem um contrato escrito a título oneroso, mas por tempo indeterminado, para evitarem as regras da igualdade, transparência e não discriminação que estão na base das normas relativas aos contratos públicos.

139. Finalmente, há que determinar o que abrange exatamente o conceito de «duração por tempo indeterminado». Em minha opinião, esta deve distinguir‑se da «duração perpétua» que, por si mesma, não tem termo. Pelo contrário, um contrato por tempo indeterminado é um contrato cuja duração não foi fixada inicialmente, mas ao qual pode ser posto termo por certas razões previstas no contrato, com ou sem pré‑aviso, com ou sem reparação.

140. Por estas várias razões, considero que uma concessão por tempo indeterminado, tal como definida no número anterior, pode estar abrangida pela Diretiva 2004/18.

141. No entanto, no presente caso, não se está perante esse quadro porque não foi atribuída à Hurks uma concessão por tempo indeterminado, mas sim a propriedade dos terrenos e das obras futuras. Para a sociedade Hurks, não se trata portanto de um direito por tempo indeterminado mas de um direito «perpétuo». Inversamente, para o município, a duração do contrato está claramente identificada. Depois de edificadas as construções previstas no contrato de cooperação, este está executado e os direitos e obrigações das partes terminam. Antes deste prazo, as únicas causas de rotura do contrato de cooperação são relativas às condições indispensáveis à realização do projeto, como a obtenção de uma licença de construção válida (90) ou a solvência do empreiteiro (91).

142. Na realidade, a única questão que se coloca, no presente caso, na análise da contrapartida necessária para fazer do contrato de concessão um contrato a título oneroso é a da propriedade da totalidade do local.

¾       Concessão de obras públicas e propriedade?

143. Segundo a Comissão, a transferência de propriedade dos terrenos para a Hurks era acompanhada da concomitante transferência de um direito de exploração por tempo indeterminado, porque a mera venda dos terrenos à Hurks não teria permitido, por si só, realizar as obras previstas pelo contrato de cooperação.

144. Ora, nos termos do artigo 7.°, n.os 2 e 3, do contrato de cooperação, a existência de uma licença de construção para realizar as obras constituía uma condição resolutiva ou suspensiva da compra e venda dos terrenos em função dos elementos em causa. Portanto, a realização das obras só era possibilitada pelo compromisso do município, no artigo 6.° do contrato de cooperação, de prestar a sua inteira colaboração.

145. Segundo o Governo neerlandês, importa distinguir a exploração enquanto proprietário e a exploração enquanto concessionário. No primeiro caso, a exploração tem lugar com fundamento no direito de propriedade do proprietário. No segundo caso, a exploração tem lugar com fundamento numa concessão atribuída pelo proprietário ao concessionário. No presente caso, dado que o município cedeu a sua propriedade dos terrenos à Hurks, o Governo neerlandês considera que esta os explora como proprietária e não ao abrigo de uma concessão. Em apoio da sua argumentação, evoca novamente o acórdão Helmut Müller, já referido.

146. Nas conclusões do processo Helmut Müller, já referido, o advogado‑geral P. Mengozzi considerou que, por mais amplamente que se possa interpretar a expressão «direito de exploração» utilizada pela Diretiva 2004/18, lhe parecia «de excluir, tendo em consideração o sentido e a economia geral da disposição em causa, […] a possibilidade de configurar uma concessão de obras públicas em que seja reconhecido ao concessionário o direito de propriedade sobre as obras realizadas» (92).

147. O Tribunal de Justiça mostrou‑se mais flexível. Certamente, «[p]ara que a entidade adjudicante possa transferir para o seu cocontratante o direito de explorar uma obra na aceção [do artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18], é necessário que a entidade adjudicante possa dispor do direito de exploração desta obra» (93). Ora, segundo o Tribunal de Justiça, «[t]al não é normalmente o caso quando o direito de exploração tem exclusivamente por fundamento o direito de propriedade do operador em causa» porque «[e]nquanto um operador gozar do direito de exploração do terreno do qual é proprietário, é de excluir, em princípio, a possibilidade de uma autoridade pública atribuir uma concessão relativa a essa exploração» (94).

148. Por conseguinte, embora o princípio seja a exclusão de uma concessão quando o «construtor» é proprietário dos terrenos, a utilização das expressões «normalmente» e «em princípio» induzem a possibilidade de uma exceção.

149. Todavia, o Tribunal de Justiça não deu nenhuma indicação sobre as exceções possíveis. O único indício facultado consiste na explicação da regra: a entidade adjudicante não pode dispor da obra quando «o direito de exploração tem exclusivamente por fundamento o direito de propriedade do operador» (95).

150. Importa admitir que, perante este enunciado, a doutrina também se mostrou dividida.

151. Para alguns, a resposta era clara: se a autoridade pública não continua a ser, ou não se torna, proprietária da obra objeto do contrato, não há concessão na medida em que a autoridade não pode conceder um bem sobre o qual não tem nenhum direito (96). Ora, como já especifiquei anteriormente, a Diretiva 2004/18 exige que a entidade adjudicante dê ao concessionário, como contrapartida da realização da obra, o direito de exploração da mesma, ou esse direito acompanhado de um pagamento (artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18). O direito de propriedade compreende o direito de exploração. Por conseguinte, se o primeiro for cedido, o segundo deixa de poder sê‑lo.

152. Para os apoiantes desta tese, que qualificarei de restritiva, o concessionário deixa necessariamente a propriedade à entidade adjudicante e conserva a gestão do bem, com o objetivo, designadamente, de o colocar à disposição do público e de receber um pagamento em troca desta (97).

153. No entanto, para outros, a Diretiva 2004/18 promove uma conceção mais ampla da concessão (98). Segundo estes autores, a exploração da obra implica o direito de beneficiar da mesma sem que isso passe necessariamente pela cobrança de taxas pagas pelos utilizadores. Segundo esta interpretação, o direito de exploração pode ser repercutido pelo promotor no preço a que os terrenos, alojamentos ou outras obras serão vendidos. Neste caso, a propriedade do bem não continua a ser ou não passa a ser da entidade adjudicante mas o seu cocontratante pôde, contudo, explorar o bem que construiu, vendendo‑o.

154. Esta interpretação é conforme com as definições da Diretiva 2004/18 porque a concessão de obras públicas é definida por remissão para a de «obras públicas». Ora, é verdade que a definição dos contratos de empreitada de obras públicas não exige que o bem continue a ser ou se torne propriedade da entidade adjudicante. Portanto, para os autores que defendem a interpretação ampla da concessão, não há lugar a nenhuma distinção entre os dois tipos de contratos em função do titular do direito de propriedade (99).

155. Para outros ainda, a questão não foi dirimida, pelo que seria útil uma clarificação quanto a este aspeto (100).

156. Partilho desta última opinião.

157. Se se pretender partir do quadro traçado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Helmut Müller, já referido — a entidade adjudicante não pode dispor da obra quando «o direito de exploração tem exclusivamente por fundamento o direito de propriedade do operador» (101) — , devemos interrogar‑nos sobre o fundamento que pode estar na origem do direito de exploração e que não seja o direito de propriedade.

158. No presente caso, qual seria então o outro fundamento na origem do direito de exploração?

159. Ressalvado o direito de propriedade sobre os terrenos e as construções — quer este direito seja obtido antes ou em simultâneo com as operações quer o promotor o tenha obtido de um terceiro ou do poder público — vejo apenas, eventualmente, a obtenção das licenças necessárias à realização das obras referidas pelo contrato de cooperação.

160. Importa, todavia, não esquecer que o Tribunal de Justiça, no acórdão Helmut Müller, já referido, recusou a tese segundo a qual o risco inerente à figura da concessão consiste na incerteza sobre a obtenção das licenças urbanísticas necessárias. Para o Tribunal de Justiça, nesta hipótese, o risco não está ligado à exploração, mas às competências da entidade adjudicante em matéria urbanística (102). Além disso, no presente caso, não existe risco para o promotor dado que o contrato de cooperação prevê expressamente que «os contratos de compra e venda das parcelas em causa devem mencionar que a entrega [dos terrenos] tem lugar mediante a condição resolutiva de que tenha sido emitida uma licença de construção válida na data de início das obras de construção tal como prevista no artigo 9.1» (103) e que «a entrega da parcela centro comercial e a dos alojamentos tenha lugar, o mais tardar, quatro semanas depois de estar disponível uma licença de construção válida para a realização da função em causa» (104).

161. Consequentemente, por analogia, considero que não se pode deduzir da condição resolutiva que tem por objeto a obtenção das licenças um fundamento do direito de exploração das obras. Na ausência de licença, as obras, pura e simplesmente, não serão construídas e a venda dos terrenos será eventualmente resolvida (v. artigo 7.°, n.os 2, 3 e 4 do contrato de cooperação).

162. É verdade que a Hurks precisa do município para a ajudar a obter as licenças e derrogações necessárias à realização das obras. No entanto, parece que não é o município que emite as licenças. Deste modo, não pode ser qualificado como «fundamento» do direito de exploração.

163. De modo mais geral, interrogo‑me sobre a própria existência de casos em que o direito de exploração não tem como único fundamento o direito de propriedade da entidade adjudicante ou o do operador.

164. Com efeito, a priori, as diferentes figuras clássicas do direito que permitem o uso de uma coisa sem ter a propriedade da mesma resultam sempre de um desmembramento desta propriedade (quer se trate, por exemplo, da servidão, da enfiteuse ou do usufruto). Se o concessionário basear o seu direito de exploração numa destas figuras (servidão, enfiteuse, usufruto), não é pois proprietário e, consequentemente, a questão da impossibilidade de uma concessão não se coloca.

165. Se este direito for atribuído pela entidade adjudicante, o concessionário não é proprietário, beneficiando unicamente de um direito, limitado, de exploração e esgota esse direito na autorização de exploração concedida pela entidade adjudicante.

166. Inversamente, se for ele que concede uma servidão, um usufruto ou um direito de enfiteuse, fá‑lo enquanto proprietário e a exploração que eventualmente mantém resulta do seu direito de propriedade.

167. A incerteza que decorre da formulação do acórdão Helmut Müller, já referido, a propósito da incidência da propriedade da obra pelo operador parece‑me muito limitada e reservada a situações que não parecem existir no presente caso.

168. Como os advogados‑gerais P. Mengozzi e N. Jääskinen, sou favorável a que o Tribunal de Justiça exclua pura e simplesmente a possibilidade de configurar uma concessão de obras públicas em que seja reconhecido ao (alegado) concessionário um direito de propriedade sobre as obras realizadas (105).

169. Em qualquer hipótese, se o Tribunal de Justiça tiver que, num sentido ou noutro, acabar com a incerteza relativa à incidência da propriedade da obra pelo operador e que resulta do acórdão Helmut Müller, já referido, considero que, nas circunstâncias do caso vertente, a Comissão não demonstra, de forma bastante, a existência de uma contrapartida — a saber, o direito de exploração ou esse direito acompanhado de um pagamento — para a sociedade Hurks, proprietária dos terrenos e das obras a realizar. Portanto, não pode tratar‑se de contrato de concessão de obras públicas.

170. À luz desta última consideração, proponho ao Tribunal de Justiça que a ação intentada pela Comissão seja declarada improcedente.

171. É verdade que a minha conclusão deixa persistir o risco de que, através de contratos de compra e venda com transmissão do direito de propriedade, sejam contornadas as regras relativas aos contratos públicos. Portanto, certamente que esta situação não é satisfatória. No entanto, não se trata de uma consideração de lege ferenda.

172. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se no estrito âmbito de uma ação por incumprimento em função do direito tal como ele existe e dos elementos de prova apresentados pela Comissão. Se esta considera o risco anteriormente descrito importante e nefasto para a União Europeia, incumbe‑lhe fazer uso do seu direito de iniciativa em matéria legislativa para modificar a Diretiva 2004/18.

2.      Síntese

173. A diretiva aplicável é a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai seguir e avalia a necessidade ou não de submeter a concorrência prévia a adjudicação de um contrato público.

174. No presente caso, considero que o município tomou esta decisão em 23 de abril de 2002. Portanto, em minha opinião, a Diretiva 2004/18 não era aplicável. Ora, é nesta que a Comissão baseia a sua ação.

175. As condições necessárias para que se esteja em presença de uma concessão de obras públicas decorrem das definições de «contratos de empreitada de obras públicas» e de «concessão de obras públicas», que figuram respetivamente no artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) e b), e no artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18. São três. É necessário:

¾        um contrato escrito entre uma entidade adjudicante e um operador económico;

¾        um contrato que tem por objeto quer a execução, quer conjuntamente a conceção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I da Diretiva 2004/18 ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante;

¾        um contrato celebrado a título oneroso em que a contrapartida consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento (artigo 1.°, n.° 3).

176. Em minha opinião, o caráter oneroso do contrato implica, por um lado, a realização, pelo concessionário, de uma obra que apresente um interesse económico direto para a entidade adjudicante e, por outro, uma contrapartida para o concessionário, a saber, o direito de exploração da obra ou esse direito acompanhado de um pagamento ao concessionário. Para cumprir esta condição, no estádio atual dos textos aplicáveis, a concessão pode ser atribuída por tempo indeterminado, mas não para sê‑lo com caráter perpétuo, designadamente sob forma de uma cessão do direito de propriedade do cocontratante.

177. Por conseguinte, dado que o direito de exploração da Hurks advém da propriedade dos terrenos adquiridos ao município e, portanto, não foi obtido através de um contrato de concessão de obras públicas, considero que a ação da Comissão não é procedente.

IV — Quanto às despesas

178. Segundo o artigo 138.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Consequentemente, tendo o Reino dos Países Baixos pedido a condenação da Comissão, incumbe‑lhe suportar as despesas efetuadas por aquele.

179. Em conformidade com o artigo 140.° do Regulamento de Processo, a República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas

V —    Conclusão

180. À luz das considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça:

¾        a título principal, julgue improcedente a ação intentada pela Comissão Europeia, dado que a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços não é aplicável ratione temporis;

¾        a título subsidiário, julgue improcedente a ação intentada pela Comissão, dado que a Diretiva 2004/18 não á aplicável e o contrato em causa não é um contrato de concessão de obras públicas;

¾        em quaisquer circunstâncias, condenar a Comissão nas despesas suportadas pelo Reino dos Países Baixos, suportando a Alemanha as suas próprias despesas.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 134, p. 114.


3 —      V. parecer dos serviços internos do município, de 26 de julho de 2001, aprovado pela Câmara Municipal, em 7 de agosto de 2001 (anexo 1 da contestação).


4 —      V. anexo3 da contestação.


5 —      V. parecer dos serviços internos do município, de 11 de abril de 2002, aprovado pela Câmara Municipal, em 23 de abril de 2002 (anexo 3 da contestação, p. 5).


6 —      V. anexo5 da contestação.


7 —      Neste sentido, v. acórdãos de 9 de novembro de 1999, Comissão/Itália (C‑365/97, Colet., p. I‑7773, n.° 35); de 10 de abril de 2003, Comissão/Portugal (C‑392/99, Colet., p. I‑3373, n.° 133); e de 6 de setembro de 2012, Comissão/Portugal (C‑38/10, n.° 16).


8 —      Acórdão de 14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria (C‑535/07, Colet., p. I‑9483, n.° 41). O sublinhado é meu.


9 —      Acórdão de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda (C‑494/01, Colet., p. I‑3331, n.° 36).


10 —      Não partilho da opinião do Governo neerlandês segundo a qual a hipótese prevista pelo Tribunal de Justiça no processo Comissão/Irlanda, já referido, estava limitada apenas ao caso de um «incumprimento generalizado» apenas devido a uma «atitude sistemática e constante de tolerância». Pelo contrário, neste mesmo processo, a apresentação de elementos complementares pela Comissão destinava‑se precisamente «a provar a constância e a generalidade do incumprimento assim alegado». V., acórdão já referido (n.° 37).


11 —      Acórdão Comissão/Irlanda, já referido (n.os 42 a 45).


12 —      Acórdão de 18 de novembro de 2010, Comissão/Portugal (C‑458/08, Colet., p. I‑11599, n.° 47 e jurisprudência aí referida).


13 —      V. n.os 156 a 160.


14 —      Acórdão de 25 de março de 2010, Helmut Müller (C‑451/08, Colet., p. I‑2673).


15 —      A propósito da invocação, pela Comissão, na petição, de uma jurisprudência não referida na fase pré‑contenciosa de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça decidiu que «tendo na sua petição feito referência aos acórdãos Céu aberto, já referidos, a Comissão simplesmente quis referir a jurisprudência mais recente relativa aos princípios que regem a competência externa exclusiva da Comunidade, sem alargar, modificar, nem mesmo limitar o objeto do litígio, tal como definido no parecer fundamentado». Acórdão de 14 de julho de 2005, Comissão/Alemanha (C‑433/03, Colet., p. I‑6985, n.° 29).


16 —      V., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2000, Comissão/França (C‑337/98, Colet., p. I‑8377).


17 —      V. parecer dos serviços internos do município, de 26 de julho de 2001, aprovado pela Câmara Municipal, em 7 de agosto de 2001 (anexo 1 da contestação).


18 —      V. anexo 2 da contestação.


19 —      V. anexo 4 da contestação.


20 —      V. parecer dos serviços internos do município, de 11 de abril de 2002, aprovado pela Câmara Municipal, em 23 de abril de 2002 (anexo 3 da contestação, p. 5).


21 —      V. anexo 4 da contestação.


22 —      V. anexo 5 da contestação.


23 —      Acórdão já referido na nota 16.


24 —      Acórdão de 19 de junho de 2008 (C‑454/06, Colet., p. I‑4401).


25 —      Acórdão Comissão/França, já referido (n.os 36 e 37). O sublinhado é meu.


26 —      Ibidem (n.° 40).


27 —      Ibidem (n.° 44).


28 —      Acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido (n.° 35).


29 —      Ibidem (n.° 36).


30 —      Ibidem (n.° 37).


31 —      Ibidem (n.° 40).


32 —      V. n.° 46 da réplica da Comissão: «há que deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, com base nos princípios de igualdade de tratamento e de transparência dos processos de adjudicação de contratos (v. artigo 2.° da Diretiva 2004/18), os contratos de empreitada devem ser celebrados de novo se um dos termos essenciais do contrato for alterado, conduzindo assim à celebração de um novo contrato, mas isso não exclui que esta posição possa aplicar‑se por analogia a outras situações» (o sublinhado é meu).


33 —      Acórdão Comissão/França, já referido (n.° 40).


34 —      Ibidem (n.° 36).


35 —      Acórdão de 15 de outubro de 2009, Hochtief e Linde‑Kca‑Dresden (C‑138/08, Colet., p. I‑8991, n.os 28 e 29).


36 —      Artigo 2.5 do parecer intitulado «Seleção de um promotor para o centro de proximidade de Doornakkers» (anexo 4 à petição). O sublinhado é meu.


37 —      Fórmula enunciada pelo Tribunal de Justiça no n.° 36 do acórdão Comissão/França, já referido.


38 —      Acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido (n.° 35).


39 —      Ibidem (n.° 36).


40 —      Ibidem (n.° 37).


41 —      Ibidem (n.° 40).


42 —      «Com efeito, ainda que a Hurks e o município estivessem de acordo quanto ao preço e à venda do terreno por este último […]» (n.° 36 da petição da Comissão).


43 —      Petição da Comissão (n.os 77 e 78). O sublinhado é meu.


44 —      Neste sentido, v. acórdão de 26 de maio de 2011, Comissão/Espanha (C‑306/08, Colet., p. I‑4541, n.° 94).


45 —      O sublinhado é meu.


46 —      Acórdão Comissão/França, já referido (n.° 40).


47 —      JO L 199, p. 54.


48 —      Não podia tratar‑se de um contrato de empreitada de obras públicas stricto sensu na medida em que não há contrapartida pecuniária do município (sobre este conceito, v. conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Comissão/Espanha, já referido).


49 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 82).


50 —      O Governo neerlandês confirmou, na audiência, que o preço dos terrenos tinha sido previamente avaliado por um perito independente e que não tinha em conta a eventual mais‑valia que seria realizada posteriormente pelo promotor. Não foi atribuída nenhuma redução à Hurks em contrapartida das vantagens resultantes para o município da realização do projeto.


51 —      A propósito desta última categoria — uma obra — pode‑se referir utilmente o processo Auroux e o., em que estava igualmente em causa um projeto de redinamização de um bairro com a criação de um polo de lazer que incluía designadamente um complexo cinematográfico e estabelecimentos comerciais. Segundo o Tribunal de Justiça, «[r]esulta do artigo 1.°, alínea c), da diretiva que a existência de uma obra deve ser apreciada à luz da função económica ou técnica do resultado dos trabalhos efetuados (v. acórdão de 27 de outubro de 2005, Comissão/Itália, C‑187/04 e C‑188/04, n.° 26). Como decorre claramente de diversas disposições da convenção, a realização do centro de lazer destina‑se a acolher atividades comerciais e serviços, pelo que se deve considerar que a convenção preenche uma função económica» (acórdão de 18 de janeiro de 2007, Auroux e o., C‑220/05, Colet., p. I‑385, n.° 41). No presente caso, não se pode contestar que vários edifícios em causa no caso em apreço se destinam a acolher atividades comerciais ou de serviços [cuidados de saúde, SPILcentrum ([…])] e, consequentemente, preenchem uma função económica.


52 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 67). O sublinhado é meu.


53 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 68).


54 —      Anexo à nota de informações destinadas aos candidatos promotores participantes numa seleção, adotada pelo município para a reunião de 11 de junho de 2002.


55 —      V. anexo 4 da contestação.


56 —      Acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha (C‑ 536/07, Colet., p. I‑10355, n.° 58).


57 —      Ibidem (n.° 59).


58 —      Acórdão de 12 de julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, Colet., p. I‑5409, n.° 59). O sublinhado é meu.


59 —      Para o adjudicatário, a contrapartida reside quer no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento (artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2004/18). Esta exigência será examinada posteriormente.


60 —      V. acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 48).


61 —      Ibidem (n.° 49).


62 —      N.° 54 das conclusões.


63 —      Ibidem (n.° 55).


64 —      Ibidem (n.os 56 a 58).


65 —      Ibidem (n.° 59).


66 —      Ibidem (n.° 61).


67 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 50).


68 —      Ibidem (n.° 51).


69 —      Ibidem (n.° 52).


70 —      Ibidem (n.° 52).


71 —      Ibidem (n.° 52).


72 —      N.° 59 das conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Helmut Müller, já referido.


73 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 57).


74 —      V. desenvolvimentos infra (n.os 118 a 121).


75 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 55).


76 —      V. n.os 12, 34 e 66 das presentes conclusões.


77 —      V. considerandos do contrato de cooperação de 15 de abril de 2008, entre a Woonbedrijf e o município (p. 2) (anexo 5 da petição da Comissão).


78 —      Convenção assinada entre a Woonbedrijf e o município, em 15 de abril de 2008.


79 —      N.os 17 a 20 da tréplica.


80 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 51).


81 —      Acórdão de 15 de julho de 2004, Pearle e o. (C‑345/02, Colet., p. I‑7139, n.° 34 e jurisprudência aí referida).


82 —      Segundo os números transmitidos pelo Governo neerlandês na sua resposta à Comissão de 19 de dezembro de 2008 (anexo 7 da petição).


83 —            Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 55).


84 —      Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 79).


85 —      Acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido (n.° 74). O sublinhado é meu. Se o litígio na origem deste acórdão fosse relativo a um contrato de serviços, esta circunstância não parece impedir a transposição do raciocínio em matéria de empreitada de obras públicas. Aliás, no acórdão Helmut Müller, já referido, tratava‑se de uma empreitada de obras públicas.


86 —      V. artigo 32.°, n.° 2, quarto parágrafo, da Diretiva 2004/18.


87 —      V. artigo 16.° da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à adjudicação de contratos de concessão [COM(2011) 897 final) e a alteração proposta pelo Conselho (18007/12) [011/0437 (COD)].


88 —      Acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido (n.° 73).


89 —      Neste sentido, acórdão Pressetext Nachrichtenagentur, já referido (n.° 73).


90 —      V. artigos 7.2 e 7.3 do contrato de cooperação assinado pelo município e pela Hurks.


91 —      V. artigo 12.2 do mesmo contrato de cooperação.


92 —            N.° 90 das conclusões.


93 —            Acórdão Helmut Müller, já referido (n.° 72).


94 —      Ibidem (n.os 73 e 74). O sublinhado é meu.


95 —      Idem. O sublinhado é meu.


96 —      «O acórdão ‘Helmut Müller’ do TJUE [já referido] ensinou‑nos que só podia haver concessão se a entidade adjudicante conservasse a propriedade das obras em causa, sendo a ideia de que não se pode conceder o que não se possui ou que já não se possui» (Llorens, F., e Soler‑Couteaux, P., «Marchés, DSP, concession de travaux ou d’aménagement: de quelques problèmes de frontière», Contrats et marchés publics, Les revues Jurisclasseur, novembro, 2011, referência 10). Os mesmos autores manifestavam‑se no mesmo sentido num primeiro comentário do acórdão Helmut Müller, já referido: «Uma coisa é certa: a venda de terrenos não pode ser equiparada a uma concessão de obras públicas se a ora a construir continuar a ser propriedade (definitiva) do adquirente. […] Assim se encerra o debate sobre se o facto de o adquirente de um terreno explorar as construções que tenciona erigir na qualidade de proprietário não ser equiparável ao direito de exploração, característico da concessão». Os autores interrogam‑se, no entanto, sobre a hipótese — próxima do caso em apreço — em que a entidade adjudicante participa no financiamento das construções ou tomou a iniciativa das mesmas. Mas, neste caso, «o contrato já não é equiparável a uma concessão se a exploração do adquirente incide exclusivamente sobre as obras de que ele é proprietário» (Llorens, F., et Soler‑Couteaux, P., «La vente de terrains, la concession de travaux publics et le marché public de travaux: la vision de la CJUE (à propos de l’arrêt Helmut Müller)», Contrats et marchés publics, Les revues Jurisclasseur, maio, 2010, referência 5). Para uma crítica desta tese, v. Durviaux, A.‑L., «Droit européen des marchés publics et autres contrats publics», RTD eur. 2011, pp. 423 a 447, sp. n.° 13. No sentido de uma interpretação restritiva, v., igualmente, Fatôme, E., e Richer, L., «Concession de travaux et droit d’exploitation», AJDA, 2012, p. 682: «Assim sendo, como o direito de exploração de um bem constitui um atributo do direito de propriedade deste bem, parece lógico considerar que, para que um contrato possa ser qualificado de concessão de obras públicas, é necessário que este contrato disponha que, depois de realizada pelo cocontratante, a obra se torna propriedade da entidade adjudicante». V., ainda, Meister, M., «Champ d’application de la directive 2004/18 et notion de ‘travaux’», Europe, maio, 2010, p. 29.


97 —      Neste sentido, Fatôme, E., e Richer, L.,«Concession de travaux et droit d’exploitation», op. cit. Estes autores remetem para as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral N. Jääskinen no processo Comissão/Espanha, já referido.


98 —      Fatôme, E., e Richer, L., «Concession de travaux et droit d’exploitation», op. cit.


99 —      Neste sentido, v. Llorens, F., e Soler‑Couteaux, P., «Marchés, DSP, concession de travaux ou d’aménagement: de quelques problèmes de frontière», Contrats et marchés publics, Les revues Jurisclasseur, novembro, 2011, referência 10.


100 —      Brown, A., «Helmut Müller GmbH v Bundesanstalt für Immobilienaufgaben C‑451/08): clarification on the application of the EU procurement rules to land sales and development agreements» P. P. L. R., 2010, 4, NA 125‑130.


101 —      N.° 73. O sublinhado é meu.


102 —      Ibidem (n.° 78).


103 —      Artigo 7.2 do contrato de cooperação celebrado entre o município de Eindhoven e a Hurks.


104 —      Artigo 7.3 do mesmo contrato de cooperação.


105 —      V. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Helmut Müller, já referido (n.° 90). Quanto ao advogado‑geral N. Jääskinen, escreveu nas suas conclusões no processo Comissão/Espanha, já referido (n.° 97 das conclusões): «Não obstante, mesmo supondo que a propriedade do solo que o urbanista recebe pudesse ser considerada como a atribuição de um direito de exploração (o que não é, do meu ponto de vista), tal direito seria atribuído por um período indefinido e seria, por isso, contrário à definição de concessão dada pelo Tribunal de Justiça nos processos Helmut Müller e Pressetext» (o sublinhado é meu). Como expliquei anteriormente, em contrapartida não partilho da opinião do advogado‑geral N. Jääskinen a propósito da incidência da duração indeterminada do contrato sobre a qualificação da operação.