Language of document : ECLI:EU:C:2017:483

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de junho de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Regulamento (CE) n.o 562/2006 — Código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) — Artigos 20.o e 21.o — Passagem das fronteiras internas — Controlos no interior do território — Regulamentação nacional que autoriza controlos para determinar a identidade das pessoas intercetadas numa zona de 30 quilómetros a contar da fronteira comum com outros Estados partes na Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Possibilidade de controlo independentemente do comportamento da pessoa em causa ou da existência de circunstâncias especiais — Regulamentação nacional que permite certas medidas de controlo de pessoas nos recintos das estações ferroviárias»

No processo C‑9/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Kehl (Tribunal de Primeira Instância de Kehl, Alemanha), por decisão de 21 de dezembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2016, no processo penal contra

A,

estando presente:

Staatsanwaltschaft Offenburg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan (relator), J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de novembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por J. Vláčil e M. Smolek, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo suíço, por R. Balzaretti, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 67.o, n.o 2, TFUE, bem como dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 562/2006»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra A, nacional alemão, acusado de infrações na aceção da legislação alemã sobre os produtos estupefacientes e de resistência a um agente da autoridade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do preâmbulo do Protocolo (n.o 19) relativo ao acervo de Schengen integrado no quadro da União Europeia, anexo ao Tratado de Lisboa (JO 2010, C 83, p. 290):

«As Altas Partes Contratantes,

registando que os acordos relativos à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinados por alguns dos Estados‑Membros da União Europeia em Schengen, em 14 de junho de 1985 e 19 de junho de 1990, bem como os acordos conexos e as disposições adotadas com base nesses acordos, foram integrados no âmbito da União Europeia pelo Tratado de Amesterdão de 2 de outubro de 1997,

desejando preservar o acervo de Schengen, tal como desenvolvido desde a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, e desenvolver esse acervo a fim de contribuir para a consecução do objetivo de proporcionar aos cidadãos da União um espaço de liberdade, de segurança e de justiça sem fronteiras internas,

[…]

acordaram nas disposições seguintes, que vêm anexas ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

4        O artigo 2.o deste protocolo enuncia:

«O acervo de Schengen é aplicável aos Estados‑Membros a que se refere o artigo 1.o, sem prejuízo do disposto no artigo 3.o do Ato de Adesão de 16 de abril de 2003 e no artigo 4.o do Ato de Adesão de 25 de abril de 2005. O Conselho substitui o Comité Executivo criado pelos acordos de Schengen.»

5        Faz parte do referido acervo, designadamente, a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em Schengen (Luxemburgo), em 19 de junho de 1990 (a seguir «CAAS»), cujo artigo 2.o dizia respeito à passagem das fronteiras internas.

6        Nos termos do artigo 2.o, n.os 1 a 3, da CAAS:

«1.      As fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que o controlo das pessoas seja efetuado.

2.      Todavia, por razões de ordem pública ou de segurança nacional, uma parte contratante pode, após consulta das outras partes contratantes, decidir que, durante um período limitado, serão efetuados nas fronteiras internas controlos fronteiriços nacionais adaptados à situação. Se razões de ordem pública ou de segurança nacional exigirem uma ação imediata, a parte contratante em causa tomará as medidas necessárias e informará desse facto, o mais rapidamente possível, as outras partes contratantes.

3.      A supressão do controlo das pessoas nas fronteiras internas não prejudica o disposto no artigo 22.o, nem o exercício das competências em matéria de polícia pelas autoridades competentes, por força da legislação de cada parte contratante no conjunto do seu território, nem as obrigações de detenção, posse e apresentação de títulos e documentos previstas pela sua legislação.»

7        O artigo 2.o da CAAS foi revogado com efeitos a partir de 13 de outubro de 2006, em conformidade com o artigo 39.o, n.o 1, do Regulamento n.o 562/2006.

8        Nos termos do artigo 2.o, pontos 9 a 11, deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

9)      “Controlo fronteiriço”, a atividade que é exercida numa fronteira, nos termos e para efeitos do presente regulamento, unicamente com base na intenção ou no ato de passar essa fronteira, independentemente de qualquer outro motivo, e que consiste nos controlos de fronteira e a vigilância de fronteiras;

10)      “Controlos de fronteira”, os controlos efetuados nos pontos de passagem de fronteira, a fim de assegurar que as pessoas, incluindo os seus meios de transporte e objetos na sua posse, podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo,

11)      “Vigilância de fronteiras”, a vigilância das fronteiras entre os pontos de passagem de fronteira e a vigilância dos pontos de passagem de fronteira fora dos horários de abertura fixados, de modo a impedir as pessoas de iludir os controlos de fronteira.»

9        O artigo 20.o do Regulamento n.o 562/2006, sob a epígrafe «Passagem das fronteiras internas», dispõe:

«As fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionalidade.»

10      O artigo 21.o deste regulamento, sob a epígrafe «Controlos no interior do território», prevê:

«A supressão do controlo nas fronteiras internas não prejudica:

a)      O exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Na aceção do primeiro período, o exercício das competências de polícia não pode considerar‑se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que essas medidas policiais:

i)      não tiverem como objetivo o controlo fronteiriço,

ii)      se basearem em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública e se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras,

iii)      forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas,

iv)      forem aplicadas com base em controlos por amostragem;

[…]

c)      A possibilidade de um Estado‑Membro prever por lei a obrigação de posse ou porte de títulos e documentos;

d)      A possibilidade de um Estado‑Membro prever por lei a obrigação imposta aos nacionais de países terceiros de assinalarem a sua presença no respetivo território, nos termos do artigo 22.o da [CAAS].»

 Direito alemão

 Lei relativa à polícia federal

11      Na secção 1, intitulada «Missões e afetações», da Gesetz über die Bundespolizei (Lei relativa à polícia federal), de 19 de outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 2978, a seguir «BPolG»), figura o seu § 2, sob a epígrafe «Proteção das fronteiras», que dispõe:

«1)      A polícia federal é responsável pela proteção do território federal através de uma vigilância policial das fronteiras (proteção das fronteiras), exceto se um Land, em acordo com o Estado federal, cumprir missões de polícia das fronteiras com os seus próprios recursos.

2)      A proteção das fronteiras inclui:

1.      a vigilância policial das fronteiras,

2.      o controlo policial do tráfego transfronteiriço, incluindo

a)      a verificação dos documentos que permitem passar a fronteira e do direito de passar a fronteira,

b)      as investigações da fronteira,

c)      a prevenção de ameaças,

3.      numa zona que se estende até 30 quilómetros da fronteira e, a partir da fronteira marítima, num raio de 50 quilómetros, a prevenção de ameaças que ponham em causa a segurança da fronteira.

O Ministério Federal do Interior está autorizado, para proteger a zona fronteiriça, a estender, a partir da fronteira marítima, o território definido no primeiro parágrafo, n.o 3, por via de decreto, com a aprovação do Bundesrat, na medida em que a vigilância das fronteiras na zona costeira alemã o exija. O decreto deve identificar com precisão o traçado da linha posterior que delimita a zona fronteiriça alargada. A partir da fronteira marítima, esta linha não deve exceder uma extensão de 80 quilómetros.

3)      O acordo referido no n.o 1 deve ser celebrado sob a forma de acordo escrito entre o Ministério Federal do Interior e o Land em causa e publicado no Bundsanzeiger [Jornal Oficial alemão]. O acordo deve reger as modalidades da cooperação entre a polícia federal e a polícia do Land.

4)      Se a polícia de um Land executar as missões referidas no n.o 1 com os seus próprios recursos, com o acordo do Bund, a execução dessas missões está abrangida pelo direito aplicável à polícia do Land

12      Na referida secção 1, o § 3 da referida lei, sob a epígrafe «Polícia ferroviária», prevê, no seu n.o 1:

«A polícia federal é responsável, no recinto das instalações ferroviárias dos caminhos de ferro federais, pela prevenção dos riscos para a segurança pública ou ordem pública que

1.      ameacem os utilizadores, as instalações ou o funcionamento dos caminhos de ferro, ou

2.      ocorram durante o funcionamento dos comboios ou das instalações ferroviárias.»

13      Na mesma secção 1, o § 12 da BPolG, sob a epígrafe «Repressão de infrações penais», enuncia, no seu n.o 1:

«A polícia federal assegura as missões em matéria de polícia no domínio do exercício da ação penal (§§ 161 e 163 do Código de Processo Penal), na medida em que exista uma infração presumida (§ 12, n.o 2, do Código Penal) que

1.      vise a segurança da fronteira ou a execução das tarefas referidas no § 2,

2.      seja objeto de uma ação, em conformidade com as disposições da lei relativa ao passaporte, da lei sobre a permanência ou da lei sobre o asilo, na medida em que essa infração tenha sido cometida através da passagem da fronteira ou em relação direta com esta passagem,

3.      deva permitir uma passagem de fronteira através de artifícios, ameaças, violência ou de outra maneira ilegal, na medida em que a infração seja constatada num controlo do tráfego transfronteiriço,

4.      permita que um bem passe a fronteira sem autorização administrativa como elemento constitutivo da disposição penal, desde que não seja atribuído à polícia federal, através ou nos termos de uma lei, o controlo da proibição da introdução,

[…]»

14      Na secção 2 da BPolG, intitulada «Competências», subsecção 2, parte 1, figura o § 22 desta lei, sob a epígrafe «Interrogatório e dever de informação», que dispõe, nos seus n.os 1 e 1a:

«1)      A polícia federal pode interrogar uma pessoa se os factos permitem considerar que essa pessoa pode prestar informações pertinentes para a execução de uma missão que incumbe à polícia federal. Para efeitos do interrogatório, a pessoa pode ser detida. Mediante pedido, a pessoa deve remeter, para exame, os documentos de identidade que possui.

1a)      Para evitar ou pôr termo a uma entrada ilegal no território da República Federal da Alemanha, a polícia federal pode, nos comboios e nas instalações ferroviárias dos caminhos de ferro do Estado federal (§ 3), na medida em que tem o direito de pressupor, com base no conhecimento da situação ou na experiência policial fronteiriça, que esses equipamentos serão utilizados com vista à entrada ilegal, bem como numa instalação destinada ao transporte aéreo ou nas instalações de um aeroporto civil (§ 4) internacional, deter por curta duração e proceder ao interrogatório de qualquer pessoa e exigir que esta última lhe remeta, para fins de controlo, os documentos de identidade que traz consigo ou os documentos necessários para a passagem da fronteira e examinar os objetos que estão em sua posse.»

15      Na mesma secção 2, subsecção 2, parte 1, figura o § 23 da referida lei, sob a epígrafe «Identificação e controlo dos comprovativos», cujos n.os 1 e 3 têm a seguinte redação:

«1)      A polícia federal pode controlar a identidade de uma pessoa

1.      para prevenir um perigo,

2.      durante o controlo policial do tráfego transfronteiriço,

3.      numa zona que se estenda até 30 quilómetros a partir da fronteira para evitar ou impedir qualquer entrada irregular no território federal ou prevenir infrações penais na aceção do §12, n.o 1, pontos 1 a 4,

4.      quando a pessoa está presente num local da polícia federal (§ 1, n.o 3), numa instalação ou num local ferroviário federal (§ 3), nas instalações aeroportuárias destinadas ao tráfego aéreo (§ 4), na sede de um órgão constitucional ou de um ministério federal (§ 5), num ponto de passagem fronteiriça (§ 61), ou na proximidade imediata destas instalações e os factos permitem considerar que existe o risco de serem cometidas infrações penais pelas quais as pessoas que se encontram nessas instalações ou junto dessas instalações, ou essas próprias instalações, estão diretamente ameaçadas, e o controlo de identidade é necessário devido ao perigo presente ou às indicações relativamente à pessoa, ou

5.      para a proteção dos direitos privados.

[…]

3)      Para fins de identificação, a polícia federal pode tomar as medidas necessárias. Pode, nomeadamente, deter o interessado, interrogá‑lo sobre a sua identidade e exigir que apresente, para exame, os seus documentos de identidade. No controlo policial do tráfego fronteiriço, a polícia federal pode igualmente exigir que o interessado apresente documentos que permitem a passagem da fronteira. O interessado pode ser detido e levado até à esquadra da polícia se a sua identidade ou o seu direito de passar a fronteira não puder ser determinado(a) de outra maneira ou só com grandes dificuldades. Nas condições estipuladas no quarto parágrafo, o interessado e os objetos que transporta podem ser inspecionados, na procura de elementos que sirvam para determinar a sua identidade.

[…]»

 Código Penal

16      Nos termos do § 113, n.o 1, do Strafgesetzbuch (Código Penal, BGBl. 1998 I, p. 3322), quando um agente público ou um soldado das forças armadas alemãs, encarregado da aplicação das leis, dos regulamentos, dos acórdãos, das decisões judiciais ou dos despachos, executa tal ação no âmbito do serviço, quem lhe oferecer resistência, através da força ou da ameaça de violência, ou o atacar fisicamente é punido com uma pena de prisão até três anos ou com uma multa.

17      De acordo com o n.o 3 deste § 113, o ato não é punível se a ação no âmbito do serviço não era lícita.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 1 de abril de 2014, A atravessou a pé a Ponte da Europa, de Estrasburgo (França) em direção a Kehl (Alemanha), e dirigiu‑se imediatamente à estação de comboios da Deustche Bahn AG, que se situa aproximadamente a 500 metros de distância.

19      Estava a ser observado, desde o átrio da estação, por dois funcionários de uma patrulha da polícia federal alemã. Com fundamento no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG, estes funcionários submeteram A a um controlo de identidade.

20      Uma vez que A se opôs com violência, foi acusado de ter cometido a infração de resistência a um agente da autoridade, referida no § 113, n.o 1, do Código Penal.

21      O Amtsgericht Kehl (Tribunal de Primeira Instância de Kehl, Alemanha) considerou que o ato de resistência a um agente da autoridade estava demonstrado e que A devia ser punido, na medida em que os atos dos agentes policiais realizados no exercício das suas funções eram legais. Esse órgão jurisdicional considera que, à luz do § 23, n.o 1, ponto 3, ou do § 22, n.o 1a, da BPolG, o controlo da identidade de A pelos funcionários da polícia federal era lícito.

22      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade destas disposições com o direito da União, que deve ser aplicado de forma prioritária. A este respeito, remete para o acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363). Segundo o referido órgão jurisdicional, se estas dúvidas forem fundadas, a tentativa de A se opor com violência à determinação da sua identidade não é punível na aceção do § 113 do Código Penal.

23      Nestas condições, o Amtsgericht Kehl (Tribunal de Primeira Instância de Kehl) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«1)      Devem o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento [n.o 562/2006] […], ou outras disposições do direito da União […], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que confere aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa a prerrogativa de, numa extensão de até 30 quilómetros ao longo da fronteira nacional comum a esse Estado‑Membro e a outros Estados que aderiram à [CAAS], com vista a evitar ou a pôr termo à entrada ilegal no território do Estado‑Membro ou com vista a evitar determinadas infrações que ponham em causa a segurança da fronteira ou a execução da proteção fronteiriça ou que são praticadas no âmbito da passagem da fronteira, proceder ao controlo da identidade de qualquer pessoa, independentemente do seu comportamento e independentemente da existência de circunstâncias especiais, sem que haja, todavia, uma reintrodução temporária do controlo na fronteira interna em causa, nos termos dos artigos 23.o e [seguintes] do [Regulamento n.o 562/2006]?

2)      Devem o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento [n.o 562/2006], ou ainda outras disposições do direito da União […], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que confere aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa a prerrogativa de, nos comboios e no território das instalações ferroviárias desse Estado‑Membro, intercetar brevemente e interrogar qualquer pessoa, exigir‑lhe que apresente, para efeitos de controlo, os documentos de identidade ou os documentos de passagem de fronteira de que essa pessoa é portadora, bem como inspecionar visualmente os bens que essa pessoa transporta, quando [o conhecimento da situação] ou a experiência da polícia fronteiriça permitem supor que os referidos comboios ou instalações ferroviárias são utilizados para uma entrada ilegal no território e quando essa entrada se faz a partir de um Estado que aderiu à [CAAS], com vista a evitar ou a pôr termo à entrada ilegal no território desse Estado‑Membro sem que haja, todavia, uma reintrodução temporária do controlo na fronteira interna em causa, nos termos dos artigos 23.o e [seguintes] do [Regulamento n.o 562/2006]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

24      O Governo alemão invoca a inadmissibilidade das questões prejudiciais sustentando, na audiência, que, mesmo que o Tribunal de Justiça responda afirmativamente às questões submetidas e que, por conseguinte, o controlo em causa no processo principal seja contrário aos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, essa resposta não diz respeito à licitude da ação da polícia alemã. Assim, segundo esse governo, as questões submetidas não são pertinentes.

25      A este respeito, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio indica no seu pedido de decisão prejudicial que necessita de uma resposta às questões submetidas para poder decidir se há que punir o arguido por resistência a um agente da autoridade, a título do direito nacional em causa no processo principal, nomeadamente o § 113, n.o 1, do Código Penal. Esse órgão jurisdicional parte da interpretação do direito nacional segundo a qual, na hipótese de o controlo de identidade em questão ter sido feito sem fundamento jurídico devido ao facto de as disposições nacionais em que o agente da autoridade se baseou serem consideradas contrárias ao direito da União, o arguido não será passível de punição, por resistência a um agente da autoridade, ao abrigo do § 113, n.o 1, do Código Penal.

26      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a conhecer de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Regie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 46; de 8 de setembro de 2009, Budějovický Budvar, C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 63; e de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27).

27      Por conseguinte, no caso em apreço, no entender do Tribunal de Justiça, há que considerar demonstradas, não obstante as dúvidas manifestadas a este respeito pelo Governo alemão, as circunstâncias factuais e jurídicas expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Ora, à luz dessas circunstâncias, não se pode excluir que a resposta do Tribunal de Justiça às questões relativas à interpretação do artigo 67.o TFUE e dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006 seja suscetível de permitir ao órgão jurisdicional de reenvio a resolução do litígio no processo principal.

28      Nestas condições, o presente pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível.

 Quanto à primeira questão

29      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que confere aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa a competência para controlar a identidade de qualquer pessoa, numa zona de 30 quilómetros a partir da fronteira terrestre deste Estado‑Membro com outros Estados partes na CAAS, com vista a prevenir ou a pôr termo à entrada ou à permanência ilegal no território do referido Estado‑Membro ou a prevenir certas infrações que violam a segurança da fronteira ou a execução da proteção fronteiriça ou que são cometidas no âmbito da passagem da fronteira, independentemente do comportamento da pessoa em causa e da existência de circunstâncias especiais, sem que haja, todavia, um reintrodução temporária do controlo na fronteira interna em causa, nos termos dos artigos 23.o a 26.o do Regulamento n.o 562/2006.

30      A título preliminar, há que recordar que o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, que é abrangido pelo título V do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, prevê que a União assegure a ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas. O artigo 77.o, n.o 1, alínea a), TFUE enuncia que a União desenvolve uma política que visa assegurar a inexistência de quaisquer controlos de pessoas, independentemente da sua nacionalidade, na passagem dessas fronteiras (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 48).

31      Como resulta do considerando 1 do Regulamento n.o 562/2006, a supressão do controlo nas fronteiras internas é um elemento constitutivo do objetivo da União, enunciado no artigo 26.o TFUE, que consiste em criar um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das pessoas é assegurada (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 49).

32      O artigo 20.o deste regulamento dispõe que as fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local, sem que se proceda ao controlo das pessoas nas fronteiras, independentemente da sua nacionalidade. Nos termos do artigo 2.o, ponto 10, do referido regulamento, os termos «controlos de fronteira» designam os controlos efetuados nos pontos de passagem de fronteira, a fim de assegurar que as pessoas podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo (acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 67, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 51).

33      O artigo 72.o TFUE prevê que o título V do Tratado FUE não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros com vista à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 52).

34      O artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 dispõe que a supressão do controlo nas fronteiras internas não prejudica o exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes do Estado‑Membro, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira, e que isso se aplica igualmente nas zonas fronteiriças (acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 69, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 53).

35      Nos termos do segundo período desta disposição, o exercício das competências de polícia não pode, em particular, considerar‑se equivalente ao exercício de controlos nas fronteiras, quando essas medidas policiais não tiverem como objetivo o controlo nas fronteiras, se basearem em informações gerais e na experiência dos serviços de polícia relativos a eventuais ameaças à ordem pública e se destinarem, designadamente, a combater a criminalidade transfronteiriça, forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos das pessoas, efetuados nas fronteiras externas e forem aplicadas com base em controlos por amostragem (acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 70, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 54).

36      Além disso, a possibilidade de um Estado‑Membro prever no seu direito nacional uma obrigação de posse ou porte de títulos e de documentos não é, nos termos do artigo 21.o, alínea c), do Regulamento n.o 562/2006, afetada pela supressão do controlo nas fronteiras internas (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 63 e jurisprudência referida).

37      Nestas condições, o respeito do direito da União, designadamente, dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, deve ser assegurado através da instituição e da observância de um enquadramento regulamentar que garanta que o exercício prático da competência que consiste em efetuar controlos de identidade não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras (v., neste sentido, acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 68).

38      Em especial, perante indícios da existência de um efeito equivalente ao dos controlos na fronteira, a conformidade desses controlos com o artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 deveria ser assegurada pelas precisões e as limitações que enquadram o exercício prático das competências de polícia de que gozam os Estados‑Membros, enquadramento que deveria ser de molde a evitar esse efeito equivalente (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 70 e jurisprudência referida).

39      A este respeito, uma legislação nacional que confere às autoridades policiais competência para efetuar controlos de identidade, competência que, por um lado, está limitada à zona fronteiriça do Estado‑Membro com outros Estados‑Membros e, por outro, é independente do comportamento da pessoa controlada e de circunstâncias particulares que demonstrem a existência de um risco de violação da ordem pública, deve, designadamente, guiar o poder de apreciação de que estas autoridades dispõem na aplicação prática da referida competência (acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 74).

40      O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que, quanto mais numerosos forem os indícios da existência de um possível efeito equivalente, na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, resultantes do objetivo prosseguido pelos controlos efetuados na zona fronteiriça, do âmbito de aplicação territorial destes controlos e da existência de uma distinção entre o fundamento dos mesmos e o dos controlos efetuados no resto do território do Estado‑Membro em causa, mais estritas e estritamente respeitadas devem ser as precisões e as limitações que condicionam o exercício, pelos Estados‑Membros, da respetiva competência de polícia numa zona fronteiriça, a fim de não pôr em perigo a realização do objetivo da supressão dos controlos nas fronteiras internas enunciado nos artigos 3.o, n.o 2, TUE, 26.o, n.o 2, TFUE e 67.o, n.o 1, TFUE e previsto no artigo 20.o do Regulamento n.o 562/2006 (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 75).

41      Por último, o enquadramento exigido deve ser suficientemente preciso e detalhado a fim de que tanto a necessidade dos controlos como as medidas de controlo concretamente autorizadas possam ser objeto de controlos (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 76).

42      Em primeiro lugar, relativamente aos controlos como os previstos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG, que constitui a disposição referida pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão, há que concluir que estes controlos tiveram lugar não «na fronteira» ou no momento da passagem da fronteira, mas no interior do território nacional. Além disso, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o controlo em causa no processo principal teve lugar na estação de comboios da Deutsche Bahn AG, em Kehl, situada a cerca de 500 metros da fronteira interna entre a Alemanha e a França.

43      Os referidos controlos constituem, assim, controlos no interior do território de um Estado‑Membro, referidos no artigo 21.o do Regulamento n.o 562/2006 (v., neste sentido, acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abedli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 68, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 56).

44      Em segundo lugar, no que respeita ao objetivo prosseguido pela regulamentação alemã que prevê os controlos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG, resulta dos elementos de informação apresentados ao Tribunal de Justiça, que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar, que os objetivos prosseguidos pelos controlos previstos nesta disposição se distinguem em certos pontos essenciais dos prosseguidos pelos controlos nas fronteiras na aceção do artigo 2.o, ponto 10, do Regulamento n.o 562/2006.

45      A este respeito, há que recordar que, segundo esta última disposição, os termos «controlos de fronteira» designam os controlos efetuados nos pontos de passagem fronteiriços, a fim de assegurar que as pessoas podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou a abandoná‑lo.

46      Ora, os controlos de identidade e de títulos previstos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG destinam‑se não só a prevenir ou a pôr termo a uma entrada ilegal no território alemão mas também a prevenir as infrações referidas no § 12, n.o 1, pontos 1 a 4, da BPolG. Resulta da decisão de reenvio que esta disposição visa, nomeadamente, as infrações que ponham em causa a segurança da fronteira e as pretensamente cometidas através da passagem da fronteira e contrárias às disposições da lei relativa ao passaporte, da lei sobre a permanência ou da lei sobre o asilo.

47      O facto de os controlos baseados no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG se destinarem, assim, a prevenir ou a pôr termo a uma entrada ilegal no território da República Federal da Alemanha ou a prevenir infrações como os delitos que põem em causa a segurança da fronteira ou a execução das missões da polícia federal, mesmo que o artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 não vise explicitamente este objetivo, não implica a existência de um objetivo de controlo nas fronteiras contrário a este artigo 21.o, alínea a), i) (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 64).

48      Por um lado, o artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 não prevê uma lista exaustiva de requisitos que as medidas policiais devem preencher para se considerar que não têm um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras nem uma lista exaustiva dos objetivos que essas medidas policiais podem prosseguir. Esta interpretação é corroborada pela utilização dos termos «nomeadamente», no artigo 21.o, alínea a), segundo período, do Regulamento n.o 562/2006, e «particularmente», nessa mesma alínea a), ii) desse artigo 21.o (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 65).

49      Por outro lado, nem o artigo 79.o, n.os 1 e 2, alínea c), TFUE, que prevê o desenvolvimento, pela União, de uma política comum de imigração destinada a garantir, designadamente, a prevenção da imigração clandestina e da permanência irregular, nem o Regulamento n.o 562/2006 excluem a competência dos Estados‑Membros no domínio da luta contra a imigração clandestina e a permanência irregular, embora seja evidente que estes últimos devem adaptar a sua legislação neste domínio de modo a assegurar o respeito do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2011, Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.os 30 e 33).

50      Com efeito, as disposições do artigo 21.o, alíneas a) a d), do Regulamento n.o 562/2006, bem como a redação do artigo 72.o TFUE, confirmam que a supressão dos controlos nas fronteiras internas não pôs em causa as responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros com vista à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna (acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 66).

51      Daqui decorre que o objetivo de prevenir ou pôr termo a uma entrada ilegal no território federal alemão ou de prevenir certas infrações, prosseguido pelo § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG, não implica, por si só, que os controlos efetuados em aplicação dessa disposição tenham um efeito equivalente ao dos controlos fronteiriços, proibido pelo artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006.

52      Em terceiro lugar, quanto à questão de saber se o exercício das competências em matéria de controlo conferidas, no caso em apreço, pelo § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG tem um efeito equivalente na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, há que recordar que o facto de o âmbito de aplicação territorial das referidas competências estar limitado a uma zona fronteiriça não basta, por si só, para concluir por esse efeito. Com efeito, o primeiro período desta última disposição refere‑se expressamente ao exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes do Estado‑Membro, ao abrigo do direito nacional, também nas zonas fronteiriças (v., por analogia, acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 72, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 69).

53      Todavia, os controlos enunciados no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG estão sujeitos, no que respeita ao seu âmbito de aplicação territorial, a regras especiais, em relação às restantes disposições do mesmo § 23, elemento que poderia constituir, por seu turno, um indício da existência desse efeito equivalente (v., por analogia, acórdão de 22 de junho de 2010, Melki et Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 72).

54      A este respeito, não resulta da decisão de reenvio que os controlos regidos pelo § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG assentam no conhecimento da situação ou na experiência da polícia, como previsto no artigo 21.o, alínea a), ii), do Regulamento n.o 562/2006.

55      Por conseguinte, afigura‑se que os referidos controlos são autorizados independentemente do comportamento da pessoa em causa e de circunstâncias que demonstrem um risco de perturbação da ordem pública.

56      Além disso, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os controlos previstos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG são efetuados, em conformidade com o artigo 21.o, alínea a), iii), do Regulamento n.o 562/2006, de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas da União.

57      Em especial, o § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG não contém precisões nem limitações da competência conferida por esta disposição, relativas, designadamente, à intensidade e à frequência dos controlos que podem ser feitos com esta base jurídica, que tenham por objetivo evitar que a aplicação e o exercício prático desta competência pelas autoridades competentes conduza a controlos que tenham um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 (v., por analogia, acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 73). Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para decidir quanto à matéria de facto, verificar se esse é, na prática, o caso.

58      Por conseguinte, afigura‑se que os controlos realizados em aplicação do referido § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG podem ser efetuados numa zona fronteiriça num raio de 30 quilómetros sem que nenhuma precisão ou limitação esteja prevista nessa disposição.

59      Nestas condições, há que concluir que as competências conferidas pelo § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG devem ser objeto de um enquadramento regulamentar que responda às exigências enunciadas nos n.os 38 a 41 do presente acórdão. Com efeito, na falta de tais precisões ou limitações, elas próprias suficientemente precisas e detalhadas, na legislação nacional para efeitos de condicionar a intensidade, a frequência e a seletividade dos controlos, não se pode excluir que o exercício prático das competências de polícia conferidas pelo direito alemão conduza, em violação do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, a controlos que têm um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras.

60      Em quarto lugar, o Governo alemão alega, a este propósito, que as disposições legislativas em causa no processo principal são completadas por outras disposições de direito nacional, nomeadamente pelo § 15 da BPolG que prevê uma aplicação do princípio da proporcionalidade às medidas adotadas pela polícia, uma regulamentação administrativa, denominada «BRAS 120», e um decreto administrativo. Segundo esse governo, estas disposições completam o enquadramento dos controlos efetuados em aplicação da BPolG e bastam para garantir que o exercício prático da competência da polícia que consiste em efetuar controlos de identidade não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras.

61      Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para se pronunciar sobre esses factos, determinar, por um lado, se essas disposições estavam em vigor no momento dos factos no processo principal e, por outro, verificar se essas disposições preveem um enquadramento dos controlos efetuados em aplicação da BPolG como exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de evitar que esses controlos possam ser considerados como tendo um efeito equivalente a um controlo de fronteira.

62      Na falta de tal enquadramento na regulamentação nacional, não se pode considerar que os referidos controlos, por um lado, foram feitos de maneira seletiva, escapando, assim, ao caráter sistemático que revestem os controlos nas fronteiras, e, por outro, constituem medidas de polícia aplicadas com base em controlos por amostragem, como exigido pelo artigo 21.o, alínea a), iii) e iv), do Regulamento n.o 562/2006.

63      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que confere aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa a competência para controlar a identidade de qualquer pessoa, numa zona de 30 quilómetros a partir da fronteira terrestre deste Estado‑Membro com outros Estados partes na CAAS, com vista a prevenir ou a pôr termo à entrada ou à permanência ilegais no território do referido Estado‑Membro ou a prevenir certas infrações que ponham em causa a segurança da fronteira, independentemente do comportamento da pessoa em causa e da existência de circunstâncias especiais, a menos que essa regulamentação preveja o enquadramento necessário dessa competência garantindo que o exercício prático desta não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à segunda questão

64      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa efetuar, a bordo dos comboios e nos recintos das instalações ferroviárias desse Estado‑Membro, controlos da identidade ou dos documentos de passagem de fronteira de qualquer pessoa, assim como intercetar brevemente e interrogar qualquer pessoa para esse fim, quando informações materiais ou a experiência da polícia fronteiriça permitam supor que os referidos comboios ou instalações ferroviárias são utilizados para uma entrada ilícita no território do referido Estado‑Membro e quando essa entrada se faz a partir de um Estado‑Membro que aderiu à CAAS, com vista a prevenir ou a pôr termo à entrada ilegal no território do Estado‑Membro em causa, sem que haja, todavia, uma reintrodução temporária do controlo na fronteira interna em causa, nos termos dos artigos 23.o a 26.o do Regulamento n.o 562/2006.

65      Esta questão é submetida no caso de o Tribunal de Justiça considerar, no que respeita à primeira questão, que os controlos previstos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG são contrários aos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006.

66      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, há que constatar, em primeiro lugar, que os controlos previstos no § 22, n.o 1a, da BPolG, que constitui a disposição referida pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua segunda questão, e, em especial, o controlo em causa no processo principal, são efetuados não «nas fronteiras» ou no momento da passagem da fronteira, mas no interior do território nacional.

67      Em segundo lugar, há que verificar se o objetivo dos controlos previstos nessa disposição é o mesmo que o dos controlos de fronteira, na aceção do Regulamento n.o 562/2006. A este respeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a referida disposição se destina a prevenir ou a pôr termo a uma entrada ilegal no território da República Federal da Alemanha.

68      Como resulta do n.o 51 do presente acórdão, o objetivo de prevenir ou de pôr termo a uma entrada ilegal no território federal alemão, prosseguido pela disposição em causa no processo principal, não implica, por si só, que os controlos efetuados em aplicação da BPolG tenham um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras, proibido pelo artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006. Todavia, diversamente dos controlos previstos no § 23, n.o 1, ponto 3, da BPolG, os controlos previstos no § 22, n.o 1a, desta lei têm como único objetivo prevenir ou pôr termo a uma entrada ilegal no território federal alemão, o que poderia constituir um indício de que esses controlos têm um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras, proibido pelo referido artigo 21.o, alínea a).

69      Em terceiro lugar, quanto ao âmbito de aplicação territorial do § 22, n.o 1a, da BPolG, há que salientar que esta disposição não prevê nenhuma regra especial relativa ao referido âmbito de aplicação em que os controlos previstos pela referida disposição podem ter lugar e não distingue, por conseguinte, entre o exercício desses controlos numa zona fronteiriça e o exercício destes no resto do território nacional.

70      Em quarto lugar, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que os controlos previstos no § 22, n.o 1a, da BPolG assentam no facto de a polícia federal ter o direito de supor, com base no conhecimento da situação ou na experiência policial fronteiriça, que os equipamentos referidos nessa disposição serão utilizados com vista a uma entrada ilegal, o que, segundo o artigo 21.o, alínea a), ii), do Regulamento n.o 562/2006, é igualmente um indício de que a referida disposição não tem um efeito equivalente a um controlo nas fronteiras.

71      Em quinto lugar, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe se e em que medida os controlos previstos no § 22, n.o 1a, da BPolG são efetuados de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos das pessoas efetuados nas fronteiras externas da União.

72      Assim, como já foi recordado no n.o 40 do presente acórdão, quanto mais numerosos forem os indícios da existência de um possível efeito equivalente, na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, mais estritas e estritamente respeitadas devem ser as precisões e as limitações que condicionam o exercício pelos Estados‑Membros da sua competência de polícia numa zona fronteiriça. No caso em apreço, esse indício encontra‑se no objetivo prosseguido pelos controlos previstos no § 22, n.o 1a, da BPolG, que não se distingue dos objetivos prosseguidos pelos controlos nas fronteiras, designadamente na medida em que estes controlos se destinam a prevenir ou a pôr termo a uma entrada ilegal no território alemão, o que corresponde em parte à definição dada no artigo 2.o, ponto 10, do Regulamento n.o 562/2006, que prevê que os controlos de fronteira têm como objetivo assegurar que as pessoas podem ser autorizadas a entrar no território do Estado‑Membro.

73      Em sexto lugar, nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para decidir quanto à matéria de facto, verificar se a regulamentação alemã contém precisões e limitações, elas próprias suficientemente precisas e detalhadas, suscetíveis de condicionar a intensidade, a frequência e a seletividade dos controlos previstos no § 22, n.o 1a, da BPolG, a fim de garantir que o exercício prático das competências de polícia conferidas pelo direito alemão não conduza, em violação do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, a controlos que tenham um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras.

74      Assim, só no caso de se afigurar que existe tal enquadramento na regulamentação alemã é que se pode considerar que os referidos controlos, por um lado, têm lugar de maneira seletiva, escapando, assim, ao caráter sistemático que os controlos nas fronteiras revestem, e, por outro, constituem medidas de polícia aplicadas com base em controlos por amostragem, como exigido pelo artigo 21.o, alínea a), iii) e iv), do Regulamento n.o 562/2006.

75      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite aos serviços de polícia do Estado‑Membro em causa efetuar, a bordo dos comboios e no recinto das instalações ferroviárias desse Estado‑Membro, controlos da identidade ou dos documentos de passagem de fronteira de qualquer pessoa, bem como intercetar brevemente e interrogar qualquer pessoa para esse fim, quando esses controlos se baseiam em informações materiais ou na experiência da polícia fronteiriça, desde que o exercício dos referidos controlos esteja sujeito em direito nacional a regras bem precisas e a limitações que determinem a intensidade, a frequência e a seletividade desses controlos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

76      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que confere aos serviços de polícia do EstadoMembro em causa a competência para controlar a identidade de qualquer pessoa, numa zona de 30 quilómetros a partir da fronteira terrestre deste EstadoMembro com outros Estados partes na Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen (Luxemburgo), em 19 de junho de 1990, com vista a prevenir ou a pôr termo à entrada ou à permanência ilegais no território do referido EstadoMembro ou a prevenir certas infrações que ponham em causa a segurança da fronteira, independentemente do comportamento da pessoa em causa e da existência de circunstâncias especiais, a menos que essa regulamentação preveja o enquadramento necessário dessa competência garantindo que o exercício prático desta não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

2)      O artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006, conforme alterado pelo Regulamento n.o 610/2013, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite aos serviços de polícia do EstadoMembro em causa efetuar, a bordo dos comboios e no recinto das instalações ferroviárias desse EstadoMembro, controlos da identidade ou dos documentos de passagem de fronteira de qualquer pessoa, bem como intercetar brevemente e interrogar qualquer pessoa para esse fim, quando esses controlos se baseiam em informações materiais ou na experiência da polícia fronteiriça, desde que o exercício dos referidos controlos esteja sujeito em direito nacional a regras bem precisas e a limitações que determinem a intensidade, a frequência e a seletividade desses controlos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.