Language of document : ECLI:EU:C:2007:543

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 20 de Setembro de 2007 1(1)

Processo C‑435/06

C

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus, Finlândia)

«Cooperação judiciária em matéria civil – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental – Regulamento (CE) n.° 2201/2003– Âmbito de aplicação – Conceito de matéria civil – Entrega de crianças e colocação das mesmas fora da sua família»





I –    Introdução

1.        Na Finlândia e na Suécia, as medidas como a entrega de uma criança e a sua colocação numa família de acolhimento ou numa instituição, que são tomadas por autoridades tendo em vista a protecção da criança, mas contra a vontade dos seus pais, são consideradas actos de direito público. Destas medidas cabe recurso para os tribunais administrativos. Entre os países nórdicos existe uma cooperação administrativa que permite que as crianças sejam entregues, sem formalidades, por um Estado a outro em execução destas decisões em matéria de responsabilidade parental.

2.        No processo principal, a Sr.a C impugna a entrega dos seus dois filhos (já efectuada pelas autoridades policiais finlandesas) às autoridades suecas, que ordenaram que a guarda das crianças lhe fosse retirada e que as mesmas fossem colocadas na Suécia, o anterior Estado de residência da família.

3.        Com o presente pedido prejudicial, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo da Finlândia), no qual o processo principal está pendente, pretende saber se o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (2), é aplicável ao reconhecimento e à execução da decisão relativa à entrega e à colocação. Em caso afirmativo, os tribunais competentes na Finlândia não seriam os tribunais administrativos, mas os tribunais comuns. Acresce que as normas processuais do regulamento afastariam a aplicação das normas nacionais em matéria de cooperação administrativa.

4.        A resposta à referida questão depende, em primeira linha, da questão de saber se o conceito de matéria civil na acepção do artigo 1.° do regulamento também abrange casos como o presente, que são classificados pelo direito nacional como litígios de direito público.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

5.        Na acta final do Tratado de adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia, as partes contratantes incluíram a seguinte declaração comum (n.° 28), relativa à cooperação nórdica (3):

«As Partes Contratantes registam que a Suécia, a Finlândia e a Noruega, como membros da União Europeia, tencionam prosseguir a cooperação nórdica entre si e com outros países e territórios, em total conformidade com a legislação comunitária e com as demais disposições do Tratado da União Europeia.»

6.        Nos quinto e décimo considerandos do Regulamento n.° 2201/2003, as disposições relativas às decisões em matéria de responsabilidade parental que ora nos interessam são fundamentadas nos seguintes termos:

«(5)      A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de protecção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.

[…]

(10)      O presente regulamento não se destina a ser aplicável a matérias como as relativas à segurança social, às medidas públicas de carácter geral em matéria de educação e saúde ou às decisões sobre o direito de asilo e a imigração. Além disso, não é aplicável ao estabelecimento da filiação, que é uma questão diferente da atribuição da responsabilidade parental, nem a outras questões relacionadas com o estado civil das pessoas. Também não é aplicável às medidas tomadas na sequência de infracções penais cometidas por crianças.»

7.        Para o presente processo, são relevantes as disposições do Regulamento n.° 2201/2003 a seguir parcialmente reproduzidas.

«Artigo 1.°

Âmbito de aplicação


1. O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.      As matérias referidas na alínea b) do n.° 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

b)      À tutela, à curatela e a outras instituições análogas;

c)      À designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência;

d)      À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

e)      Às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.

3.      O presente regulamento não é aplicável:

a)      Ao estabelecimento ou impugnação da filiação;

b)      Às decisões em matéria de adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adopção;

c)      Aos nomes e apelidos da criança;

d)      À emancipação;

e)      Aos alimentos;

f)      Aos fideicomissos (‘trusts’) e sucessões;

g)      Às medidas tomadas na sequência de infracções penais cometidas por crianças.

Artigo 2.°

Definições


Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1.      ‘Tribunal’, todas as autoridades que nos Estados‑Membros têm competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento por força do artigo 1.°

[…]

7.      ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.

[…]

9.      ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência.

[…]

Artigo 8.°

Competência geral


1. Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

[…]

Artigo 16.°

Apreciação da acção por um tribunal


1.      Considera‑se que o processo foi instaurado:

a)      Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou

b)      Se o acto tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o acto seja apresentado a tribunal.

[…]

Artigo 21.°

Reconhecimento das decisões


1.      As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem quaisquer formalidades.

[…]

3.      Sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não‑reconhecimento da decisão.

A competência territorial dos tribunais indicados na lista comunicada por cada Estado‑Membro à Comissão nos termos do artigo 68.° é determinada pela lei do Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de reconhecimento ou de não‑reconhecimento.

[…]

Artigo 28.°

Decisões com força executória


1.      As decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.

[…]

Artigo 29.°

Competência territorial dos tribunais


1. O pedido de declaração de executoriedade deve ser apresentado ao tribunal indicado na lista comunicada por cada Estado‑Membro à Comissão nos termos do artigo 68.°

[…]

Artigo 59.°

Relação com outros actos


1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 60.°, 63.°, 64.° e no n.° 2 do presente artigo, o presente regulamento substitui, entre os Estados‑Membros, as convenções existentes à data da sua entrada em vigor, celebradas entre dois ou mais Estados‑Membros e relativas a matérias reguladas pelo presente regulamento.

2. a) A Finlândia e a Suécia podem declarar que a convenção de 6 de Fevereiro de 1931 entre a Dinamarca, a Finlândia, a Islândia, a Noruega e a Suécia relativa às disposições de Direito Internacional Privado em matéria de casamento, adopção e guarda de menores e o respectivo protocolo final se aplicam, no todo ou em parte, nas suas relações mútuas, em lugar das normas do presente regulamento. Essas declarações serão publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, em anexo ao presente regulamento, podendo os referidos Estados‑Membros a elas renunciar, total ou parcialmente, em qualquer momento.

[…]

Artigo 64.°


1.      As disposições do presente regulamento são aplicáveis apenas às acções judiciais, actos autênticos e acordos entre as partes posteriores à sua data de aplicação, prevista no artigo 72.°

2.      As decisões proferidas após a data de aplicação do presente regulamento, na sequência de processos instaurados antes dessa data, mas após a data de entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 1347/2000, são reconhecidas e executadas nos termos do capítulo III do presente regulamento, se a competência do tribunal se fundava em normas conformes com as previstas no capítulo II do presente regulamento, no Regulamento (CE) n.° 1347/2000 ou numa convenção em vigor entre o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido aquando da instauração do processo.

[…]

Artigo 72.°

Entrada em vigor


O presente regulamento entra em vigor em 1 de Agosto de 2004.

É aplicável a partir de 1 de Março de 2005, com excepção dos artigos 67.°, 68.°, 69.° e 70.° que são aplicáveis a partir de 1 de Agosto de 2004.»

8.        Na lista prevista no artigo 68.° do Regulamento n.° 2201/2003 (4), que é referida nos artigos 21.°, n.° 3, e 29.°, n.° 1, é indicado como tribunal competente para o reconhecimento e a execução na Finlândia de decisões de autoridades de outros Estados‑Membros o käräjäoikeus/tingsrätt (tribunal de primeira instância).

B –    Direito nacional

1.      Direito finlandês

9.        A Lastensuojelulaki (lei finlandesa relativa à protecção das crianças) (683/1983) prevê que os serviços de segurança social do município podem tomar medidas de auxílio urgentes quando o bem‑estar de uma criança esteja em perigo. Tais medidas podem consistir em decisões de entrega e de colocação da criança fora da sua família. Uma medida de entrega da criança executada contra a vontade dos pais deve ser confirmada pelo hallinto‑oikeus (tribunal administrativo). Da referida medida cabe recurso para o hallinto‑oikeus e, deste, para o Korkein hallinto‑oikeus.

10.      Nos termos do § 1, n.° 1, da lei (761/1970) relativa à entrega de pessoas à Islândia, à Noruega, à Suécia ou à Dinamarca em execução de decisões sobre medidas de protecção ou acompanhamento, quem seja objecto de uma medida de protecção ou de acompanhamento ordenada por decisão das autoridades islandesas, norueguesas, suecas ou dinamarquesas deve, se for pedida a execução desta decisão, ser entregue pela Finlândia ao Estado requerente. A Lei 761/1970 tem por base acordos celebrados entre os países nórdicos que não revestem, porém, a forma exigida em direito internacional público para que sejam vinculativos.

11.      Nos termos do § 2 da Lei 761/1970, a entrega só pode ser autorizada quando o pedido se fundar numa decisão emitida com base em determinadas normas do respectivo Estado, designadamente relativas à protecção de crianças e jovens, quando a pessoa que deve ser entregue deva, de acordo com a decisão, ser acolhida numa instituição ou nela permanecer, ou então permanecer num local que lhe seja especificamente designado, e quando a decisão seja exequível no Estado em que tenha sido proferida. De acordo com o § 3 desta lei, a entrega de um nacional finlandês só é, além disso, admissível se este último residir no Estado no qual a decisão tenha sido proferida, se a decisão tiver por objecto uma medida de protecção ou de acompanhamento e se a submissão a uma destas medidas nesse Estado for o mais adequado para o interessado. De uma decisão proferida nos termos desta lei pode ser interposto recurso para o hallinto‑oikeus, ao abrigo do § 11, n.° 1, da mesma, e da decisão deste último cabe recurso para o Korkein hallinto‑oikeus.

12.      O § 1 da Lei (1153/2004) de 21 de Dezembro de 2004, que implementa o Regulamento n.° 2201/2003, estabelece medidas complementares para a aplicação do regulamento na Finlândia. Nos termos do § 2, n.° 1, desta lei, o tribunal finlandês competente na acepção dos artigos 21.°, n.° 3, e 29.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 é o käräjäoikeus (tribunal de primeira instância).

2.      Direito sueco

13.      A lei sueca que estabelece regras especiais para a protecção dos menores (1990:52) (lag med sarskilda bestammelser om vard av unga) institui medidas de protecção das crianças, como a entrega das mesmas e a sua colocação numa família ou instituição contra a vontade dos pais. Em caso de perigo para o bem‑estar da criança, os serviços de segurança social do município podem, ao abrigo desta lei, pedir ao länsrätt (tribunal administrativo) que adopte esse tipo de medidas. Em casos urgentes, as medidas de protecção podem ser primeiro ordenadas pelos próprios serviços de segurança social e depois aprovadas pelo länsrätt. Uma medida de protecção nos termos da Lei 1990:52 não acarreta a perda total do direito de guarda.

III – Matéria de facto e questões prejudiciais

14.      C, a recorrente em primeira instância e no processo principal, é mãe de duas crianças menores, que possuem ambas a nacionalidade finlandesa e uma delas ainda a nacionalidade sueca. A recorrente vivia inicialmente com o seu cônjuge e os filhos na Suécia. Com base em investigações iniciadas no Outono de 2004 pelos serviços de segurança social suecos, os serviços de segurança social do município de residência da família ordenaram, em 23 de Fevereiro de 2005, a entrega imediata das duas crianças e a sua colocação fora da sua família. Em 25 de Fevereiro de 2005, os serviços de segurança social submeteram a sua decisão relativa à entrega imediata ao länsrätt, que a confirmou em 3 de Março de 2005. Os recursos interpostos por C da decisão do länsrätt não tiveram êxito. Em especial, o Regeringsrätt confirmou, em última instância, a competência dos tribunais suecos.

15.      A recorrente já se tinha, porém, mudado para a Finlândia com os seus filhos em 1 de Março de 2005 e declarara esta mudança de residência às autoridades suecas competentes em 2 de Março de 2005. Em 10 de Março de 2005, as autoridades finlandesas competentes registaram esta mudança de residência, com efeitos retroactivos a 1 de Março de 2005.

16.      Em 3 de Março de 2005, as autoridades policiais suecas solicitaram a colaboração das autoridades policiais finlandesas do novo local de residência das crianças, na Finlândia, com vista à execução da sua decisão. Por decisão de 8 de Março de 2005, as autoridades policiais requeridas ordenaram que as crianças ficassem à guarda dos serviços de segurança social finlandeses com vista à sua subsequente entrega aos serviços de segurança social suecos.

17.      Tendo o hallinto‑oikeus negado provimento ao recurso interposto contra a execução desta decisão das autoridades finlandesas, C interpôs recurso para o Korkein hallinto‑oikeus. Pede a anulação da decisão do hallinto‑oikeus e da decisão das autoridades policiais, bem como que ambas as crianças sejam levadas para a Finlândia. Por decisão de 13 de Outubro de 2006, o Korkein hallinto‑oikeus apresentou, ao abrigo dos artigos 234.° CE e 68.° CE, as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

1.      a) O Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 […], é aplicável à execução de uma decisão, em todas as suas partes, se a mesma tiver, como no caso em apreço, a forma de uma decisão única sobre a aplicação de uma medida de entrega imediata e de colocação de um menor fora da sua família, ao cuidado de uma família de acolhimento, tomada no quadro do direito público relativo à protecção dos menores?

b) Ou o regulamento, tendo em conta o seu artigo 1.°, n.° 2, alínea d), só é aplicável à parte da decisão que diz respeito à colocação do menor fora da sua família, ao cuidado de uma família de acolhimento?

c) Neste último caso, o Regulamento n.° 2201/2003 também é aplicável à decisão de colocação, que é uma das partes da decisão de entrega dos menores, quando esta última, de que a decisão de colocação depende, estiver sujeita às disposições relativas ao reconhecimento recíproco e à execução de sentenças e de decisões administrativas que os Estados‑Membros em questão harmonizaram no quadro de uma cooperação?

2)      No caso de ser dada resposta afirmativa à primeira questão, alínea a): tendo em conta o facto de as disposições legais, harmonizadas por iniciativa do Conselho Nórdico, relativas ao reconhecimento e à execução de decisões sobre medidas de protecção de menores, tomadas com base no direito público, não serem mencionadas no regulamento, o qual apenas refere a convenção correspondente no domínio do direito civil, é possível aplicar as referidas disposições harmonizadas, que se baseiam no reconhecimento e na execução imediatos de decisões administrativas através da cooperação das autoridades administrativas, à decisão relativa a uma medida de entrega de um menor?

3)      Se a resposta à primeira questão, alínea a), for afirmativa e à segunda questão negativa: tendo em conta os artigos 72.° e 64.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, bem como as referidas disposições harmonizadas dos países nórdicos sobre decisões relativas a medidas de colocação baseadas no direito público, o mesmo regulamento é aplicável, ratione temporis, a um processo em que as autoridades suecas tomaram as suas decisões, quer relativamente à entrega imediata quer relativamente à colocação ao cuidado de uma família de acolhimento, em 23 de Fevereiro de 2005, submeteram a sua decisão sobre a medida de entrega imediata à confirmação do länsrät em 25 de Fevereiro de 2005 e este tribunal confirmou a decisão nesse processo em 3 de Março de 2005?

18.      No processo pendente no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas os Governos alemão, francês, neerlandês, eslovaco, finlandês e sueco, bem como a Comissão das Comunidades Europeias.

IV – Apreciação jurídica

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

19.      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pretende saber se o Regulamento n.° 2201/2003 é aplicável a todas as partes da decisão de uma autoridade que ordena a entrega de uma criança e a sua colocação fora da sua própria família [subquestão 1. a)] ou apenas à parte da decisão que ordena essa colocação [subquestão 1. b)]. A subquestão 1. c) visa esclarecer que consequências teria para a aplicação do regulamento à decisão de colocação o facto de o regulamento só ser aplicável a esta e não à decisão de entrega que lhe está estreitamente ligada.

20.      Só o Governo sueco defende que o regulamento é totalmente inaplicável, com o fundamento de que as medidas controvertidas não são medidas de direito civil, mas sim de direito público. Todos os outros intervenientes, incluindo o Governo finlandês, consideram, ao invés, que o regulamento é aplicável e salientam que o conceito de matéria civil constitui um conceito autónomo de direito comunitário. Por conseguinte, o facto de uma situação ser regulada pelo direito público num Estado‑Membro não obsta à aplicação do regulamento.

21.      Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, alínea b), o Regulamento n.° 2201/2003 é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental. Assim, há que examinar, por um lado, se a entrega de crianças e a sua colocação fora da sua família ordenadas por autoridades estatais devem ser consideradas medidas reguladoras da responsabilidade parental. Por outro lado, importa esclarecer se está em causa uma matéria civil.

1.      Medidas respeitantes à responsabilidade parental

22.      A responsabilidade parental constitui um conceito central para efeitos da determinação do âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 2201/2003. O artigo 2.°, ponto 7, define responsabilidade parental como o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. A expressão compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita. Nos termos do artigo 2.°, ponto 9, o direito de guarda compreende os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança, em particular o direito de decidir sobre o seu lugar de residência.

23.      A definição abstracta, constante do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003, das decisões que são abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento é concretizada pelas duas enumerações que constam dos n.os 2 e 3 do mesmo artigo. O n.° 2 enumera matérias e medidas às quais o regulamento é aplicável. Esta enumeração não é exaustiva, conforme resulta do termo «nomeadamente» que a antecede (5). Ao invés, o n.° 3 enumera de forma exaustiva as matérias que estão excluídas do âmbito de aplicação do regulamento.

24.      Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea d), a colocação de uma criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição faz parte das matérias civis abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento.

25.      A entrega de uma criança não é, ao invés, expressamente referida no artigo 1.°, n.° 2. Os Estados‑Membros que intervieram no processo, com excepção da Suécia, são, porém, da opinião de que a entrega de uma criança constitui uma decisão respeitante ao poder paternal, que deve ser reconhecida e executada de acordo com as disposições do regulamento. Pelo contrário, a Comissão parece considerar a entrega de uma criança como um mero acto de execução, que tem por objectivo a colocação da criança fora da sua família. Nos termos do artigo 47.°, n.° 1, do regulamento, o processo de execução é, porém, exclusivamente regulado pela lei do Estado‑Membro de execução.

26.      Cabe ao tribunal de reenvio determinar com carácter definitivo a natureza da entrega de uma criança. Na sua decisão de reenvio, esse tribunal, ao contrário da Comissão, parece partir do princípio de que a entrega e a colocação constituem duas decisões distintas – mesmo que estejam compreendidas numa única decisão – que possivelmente até podem ser reconhecidas e executadas independentemente uma da outra.

27.      Caso esta qualificação da entrega de uma criança como decisão a executar seja correcta, o reconhecimento e a execução devem ser efectuados – sob reserva da qualificação como matéria civil que ainda será examinada – nos termos do Regulamento n.° 2201/2003. Com efeito, como o Governo alemão afirma com razão, através desta medida estatal, os pais são privados da possibilidade de exercer o seu direito de guarda na acepção do artigo 2.°, ponto 9. Deixam de poder exercer sozinhos os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança, em particular o direito de decidir sobre o seu lugar de residência. A entrega deve, pois, tal como a colocação, ser qualificada como uma medida respeitante ao direito de guarda e, consequentemente, à responsabilidade parental.

28.      De resto, como os Governos alemão e francês sublinham com razão, a entrega e a colocação estão de tal forma estreitamente ligadas que até nem constituem decisões separadas em alguns ordenamentos jurídicos. A entrega só pode existir isoladamente enquanto medida provisória. Em geral, constitui, porém, uma medida que acompanha a colocação da criança. Por seu lado, a colocação de uma criança numa família de acolhimento ou numa instituição contra a vontade dos pais só pode ser executada se a autoridade assumir previamente a guarda da criança. Por conseguinte, existiriam dificuldades práticas consideráveis se o âmbito de aplicação do regulamento apenas abrangesse a colocação e não também a entrega da criança. Por exemplo, a competência para decretar estas medidas, entre as quais existe uma estreita conexão, poderia caber a tribunais diferentes se, relativamente a uma medida, fosse determinada pelo direito nacional e, relativamente à outra, fosse determinada pelo Regulamento n.° 2201/2003.

29.      Na opinião do Governo sueco, as medidas estatais de protecção não são, no entanto, medidas relativas à responsabilidade parental, uma vez que são adoptadas no interesse público e não conduzem à transmissão do direito de guarda para as autoridades.

30.      Decorre do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), que o Regulamento n.° 2201/2003 tem por base um conceito amplo de decisão relativa à responsabilidade parental. Não só é aplicável à atribuição ou à privação da responsabilidade parental como também a medidas respeitantes ao seu exercício. Apesar de, segundo o direito sueco, os pais não perderem formalmente o poder paternal através da entrega e da colocação da criança, deixam de poder exercer aspectos essenciais desse poder.

31.      O acórdão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) no processo Países Baixos/Suécia (Boll) (6), que é invocado pela Suécia, não conduz a uma conclusão diferente. Este acórdão tem por objecto a interpretação da Convenção de Haia que regula a tutela dos menores, de 1902. Nele declarou o TIJ que um Estado que, segundo esta convenção, não tem competência para regular a tutela, não está, porém, impedido de tomar medidas de protecção da criança. Este entendimento da tutela na acepção da Convenção de Haia de 1902 não permite concluir que a responsabilidade parental na acepção do Regulamento n.° 2201/2003, que tem um conteúdo muito mais amplo, também não é afectada por medidas estatais de protecção.

32.      A entrega de crianças e a sua colocação fora da sua família são, portanto, decisões que dizem respeito à responsabilidade parental.

2.      Matéria civil

33.      É, porém, duvidoso se essas medidas de protecção também constituem matérias civis na acepção do Regulamento n.° 2201/2003. Todos os intervenientes estão de acordo quanto ao facto de o conceito de matéria civil constituir um conceito autónomo de direito comunitário e remetem a este respeito para a jurisprudência assente relativa ao conceito de «matéria civil e comercial» na acepção da Convenção de Bruxelas (7).

34.      Na opinião do Governo sueco, medidas estatais de protecção como a entrega e a colocação não constituem, todavia, matérias civis – ainda que se admita que está em causa um conceito autónomo de direito comunitário –, dado que são ordenadas por autoridades no exercício de poderes públicos.

a)      A jurisprudência sobre o conceito de «matéria civil e comercial» na acepção da Convenção de Bruxelas

35.      A jurisprudência relativa ao conceito de «matéria civil e comercial» na acepção da Convenção de Bruxelas teve início com o acórdão LTU/Eurocontrol (8). Mais recentemente, o Tribunal de Justiça reproduziu‑a no seu acórdão Lechouritou (9) nos seguintes termos:

«A este respeito, importa recordar que, para garantir, na medida do possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e obrigações que decorrem da Convenção de Bruxelas para os Estados contratantes e as pessoas interessadas, não se deve interpretar os termos da referida disposição como um simples reenvio para o direito interno de um ou outro dos Estados em questão. Resulta assim de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o conceito de ‘matéria civil e comercial’ deve ser considerado um conceito autónomo que é preciso interpretar por referência, por um lado, aos objectivos e ao sistema da Convenção de Bruxelas e, por outro, aos princípios gerais resultantes do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais […] (10).

Segundo o Tribunal de Justiça, esta interpretação leva a excluir determinadas acções ou decisões judiciais do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, devido aos elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objecto deste […] (11).

O Tribunal de Justiça considerou, assim, que, embora determinados litígios que opõem uma autoridade pública a uma entidade privada possam entrar no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, o mesmo já não acontece se a autoridade pública actuar no exercício do poder público […]» (12).

36.      A necessidade de aplicação uniforme do Regulamento n.° 2201/2003 é idêntica à que existe relativamente à Convenção de Bruxelas. No caso do Regulamento n.° 2201/2003, essa aplicação também só pode ser garantida por uma interpretação autónoma do conceito de matéria civil. Isto não significa, porém, que o conceito autónomo de matéria civil tenha o mesmo significado nos dois actos jurídicos.

37.      O Governo sueco parte, porém, desse princípio, na medida em que pretende transpor para o conceito de matéria civil na acepção do Regulamento n.° 2201/2003 a distinção entre o conceito de matéria civil e os litígios de direito público que foi traçada pelo Tribunal de Justiça na jurisprudência acima citada relativa à Convenção de Bruxelas. Segundo esta distinção, não se estaria perante uma matéria civil no presente processo, dado que os serviços de segurança social actuaram no exercício de poderes públicos ao ordenarem a entrega das crianças e a colocação das mesmas fora da sua família e ao solicitarem ao länsrätt a confirmação da decisão de entrega.

38.      Essa opinião não pode, contudo, ser acolhida. Com efeito, nas suas decisões relativas à Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça salientou sempre que a interpretação autónoma do conceito de matéria civil e comercial deve ter por referência os objectivos e o sistema da Convenção de Bruxelas, bem como os princípios gerais de direito resultantes dos sistemas jurídicos nacionais (13). Os objectivos, a sistemática e – acrescente‑se – a génese dessa convenção não são, porém, necessariamente idênticos aos objectivos, à sistemática e à génese do Regulamento n.° 2201/2003. Além disso, no domínio da responsabilidade parental, vigoram possivelmente princípios gerais de direito diferentes daqueles que são válidos para os litígios abrangidos pelo âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas e que podem ser encontrados nos ordenamentos jurídicos nacionais. O conceito de matéria civil na acepção do Regulamento n.° 2201/2003 deve, pois, ser interpretado autonomamente no contexto normativo deste regulamento.

b)      Quanto ao conceito de matéria civil no contexto normativo do Regulamento n.° 2201/2003

39.      O Regulamento n.° 2201/2003 não define expressamente o conceito de matéria civil. No entanto, é possível concluir, em primeiro lugar, da redacção do artigo 1.°, n.° 1, que não é relevante para a qualificação como matéria civil saber qual a jurisdição competente para decidir o litígio. Só interessa a classificação do objecto do processo à luz do direito material (14).

40.      Além disso, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, alínea b), o Regulamento n.° 2201/2003 é aplicável, designadamente, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental, que são, na maioria dos casos, decididas pelas autoridades no exercício dos seus poderes de controlo públicos. Acresce que a enumeração constante do artigo 1.°, n.° 2, define como matérias civis na acepção do regulamento medidas e domínios concretos que constituem, por regra, medidas estatais de protecção. O artigo 1.°, n.° 2, alínea d), refere, nomeadamente, a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição, em regra decidida pelas autoridades públicas, por alegadamente existir perigo para o bem‑estar da criança se esta permanecer na sua própria família. Além disso, a alínea e) refere as medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.

41.      Caso estas medidas enumeradas na «lista positiva» não fossem, porém, consideradas matérias civis em casos que contrapõem particulares (os pais) a uma autoridade no exercício dos seus poderes públicos, a referência a estas medidas ficaria, em grande medida, desprovida de sentido útil. Por conseguinte, a distinção, desenvolvida no contexto da Convenção de Bruxelas, que considera determinante o facto de o Estado actuar no exercício da sua soberania ou da sua competência fiscal não pode ser transposta para o Regulamento n.° 2201/2003.

42.      A favor da inclusão das medidas estatais de protecção no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 é ainda possível invocar o seu objectivo, que se encontra plasmado no seu quinto considerando. Nos termos deste considerando, o regulamento deve aplicar‑se a todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de protecção da criança, a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças. Por conseguinte, o conceito de matéria civil deve ser interpretado em sentido amplo, de modo a evitar problemas de delimitação no caso concreto. Isto permite sobretudo determinar claramente os tribunais competentes com base nas regras do Regulamento n.° 2201/2003.

43.      A este respeito, há que ter em conta a estreita conexão existente no âmbito do Regulamento n.° 2201/2003 entre o conceito de matéria civil e o conceito de responsabilidade parental, que assume um papel central no regulamento. As regras relativas às relações jurídicas entre pais e filhos constituem, na maioria das ordens jurídicas, uma parte nuclear do direito civil. Qualquer decisão que afecte a responsabilidade parental, ou seja, que influa sobre esta relação jurídica de direito civil (15), deve ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento, ressalvadas as excepções previstas no artigo 1.°, n.° 3 (16).

44.      A este respeito, é despiciendo que a responsabilidade parental seja afectada por uma medida estatal de protecção ou por uma decisão que tenha sido tomada por iniciativa de um ou dos titulares do poder paternal. Uma vez que o conceito de matéria civil deve ser interpretado autonomamente, pode mesmo abranger medidas que, segundo o direito nacional de um Estado‑Membro, devam ser imputadas ao direito público (17).

45.      O décimo considerando do regulamento confirma que com a utilização do conceito de matéria civil não se pretendia excluir do seu âmbito de aplicação medidas estatais de protecção respeitantes ao poder paternal, como o Governo francês salienta com razão. A escolha desse conceito explica‑se, pelo contrário, pelo facto de o regulamento não ser aplicável em alguns domínios do direito público e do direito penal que não visam regular a responsabilidade parental, como é o caso da segurança social, das medidas em matéria de educação e saúde, das decisões sobre o direito de asilo e a emigração e das medidas tomadas na sequência de infracções penais cometidas por crianças (18).

46.      A análise da génese do regulamento corrobora este entendimento do conceito de matéria civil. O Regulamento n.° 1347/2000 (19), que antecedeu o Regulamento n.° 2201/2003, só era aplicável aos processos cíveis relativos ao poder paternal sobre filhos comuns do casal que fossem instaurados por ocasião de acções matrimoniais [artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1347/2000]. Por força desta necessária conexão entre a decisão relativa ao poder paternal e uma acção matrimonial, as medidas estatais de protecção não eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1347/2000.

47.      Apesar de a Comissão pretender abranger todas as decisões relativas à responsabilidade parental, na sua proposta para o posterior Regulamento n.° 2201/2003 (20) baseou‑se inicialmente na antiga formulação (21). Por conseguinte, a proposta não permitia reconhecer claramente se as medidas estatais de protecção estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento. No entanto, na exposição de motivos da proposta, a Comissão explicava que só determinadas medidas de protecção relacionadas com a punição de crimes estavam excluídas do regulamento (22). Desta explicação apenas era possível deduzir, a contrario, que outras medidas estatais de protecção estavam abrangidas pelo regulamento (23). Esta falta de clareza foi deliberadamente suprimida durante as discussões no Conselho pela alteração do artigo 1.°, n.° 1, e pela introdução de uma «lista positiva» e de uma «lista negativa», respectivamente nos n.os 2 e 3 do artigo 1.°, bem como do décimo considerando.

48.      Outro aspecto relacionado com a génese do regulamento consiste na estreita conexão ratione materiae existente entre o Regulamento n.° 2201/2003 e a Convenção de Haia, de 19 de Outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de poder paternal e de medidas de protecção de menores (a seguir «convenção de 1996») (24).

49.      A actual versão do regulamento apresenta, na determinação do seu âmbito de aplicação, paralelismos evidentes com a convenção de 1996. Assim, o âmbito de aplicação de ambas as regulamentações é baseado num entendimento amplo da responsabilidade parental. Além disso, o método de regulação do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 aproximou‑se manifestamente, durante a discussão do respectivo projecto no Conselho, da convenção de 1996, na medida em que também foram incluídas no artigo 1.°, n.os 2 e 3, do regulamento uma «lista positiva» e uma «lista negativa», que são, em grande parte, idênticas às listas correspondentes que constam do artigo 3.° e do artigo 4.° da convenção de 1996 (25). A convenção de 1996 inclui expressamente no seu âmbito de aplicação medidas estatais como a colocação [artigo 3.°, alínea e), da convenção de 1996], a qual é inclusivamente designada por Paul Lagarde, no seu relatório explicativo sobre a convenção de 1996 (26), como uma medida de protecção clássica. As medidas tomadas na sequência de infracções penais cometidas por crianças também estão excluídas da convenção de 1996 [artigo 4.°, alínea i), da convenção de 1996].

50.      É verdade que, nas relações entre os Estados‑Membros, o Regulamento n.° 2201/2003 prevalece, no seu âmbito de aplicação, sobre as convenções internacionais (v. artigos 60.° e 61.° do regulamento). Todavia, entre Estados‑Membros e Estados terceiros continuam a ser aplicáveis os instrumentos internacionais. Por conseguinte, as disposições do regulamento e as disposições correspondentes das convenções devem, na medida do possível, ser interpretadas da mesma forma, a fim de evitar resultados distintos consoante se esteja em presença de um caso relativo a outro Estado‑Membro ou a um Estado terceiro (27).

c)      Quanto à compatibilidade da inclusão de medidas estatais de protecção no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 com a base jurídica deste, o artigo 61.° CE

51.      Por último, cumpre observar que a inclusão no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 de medidas estatais de protecção que, em alguns Estados‑Membros, são imputadas ao direito público não é contrária à base jurídica do regulamento.

52.      É certo que o artigo 61.°, alínea c), CE, que foi utilizado como base jurídica, só autoriza a adopção de medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, previstas no artigo 65.° CE. Nos termos do artigo 65.°, alínea a), terceiro travessão, CE, as medidas neste domínio compreendem, designadamente, as que têm por objectivo melhorar e simplificar o reconhecimento e a execução das decisões em matéria civil e comercial, incluindo as decisões extrajudiciais. Todavia, o conceito de matéria civil na acepção das referidas disposições do Tratado CE deve ser interpretado como um conceito autónomo de direito comunitário, tal como o mesmo conceito do Regulamento n.° 2201/2003. Por conseguinte, o conceito de matéria civil na acepção dos artigos 61.°, alínea c), CE e 65.° CE também pode abranger medidas estatais que digam respeito a relações de direito civil, como o exercício da responsabilidade parental, mesmo que medidas equivalentes sejam qualificadas como medidas de direito público em alguns Estados‑Membros.

3.      Conclusão intermédia

53.      Conclui‑se das considerações que precedem acerca das subquestões 1. a) e 1. b) que uma decisão relativa à entrega imediata e à colocação de uma criança fora da sua própria família numa família de acolhimento deve ser considerada uma matéria civil que diz respeito ao exercício da responsabilidade parental e à qual deve, por conseguinte, ser aplicado o Regulamento n.° 2201/2003. Esta conclusão também é válida para os casos em que, de acordo com o direito nacional do Estado de origem ou do Estado requerido, a decisão em causa esteja sujeita ao direito público. Consequentemente, não é necessário responder à subquestão 1. c), uma vez que apenas seria relevante no caso de só a colocação, e não também a entrega, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

54.      Com a sua segunda questão, o Korkein hallinto‑oikeus pretende esclarecer se as normas nacionais harmonizadas dos países nórdicos, que permitem a execução e o reconhecimento imediatos de decisões administrativas através da cooperação das autoridades administrativas, também podem continuar a ser aplicadas à entrega de uma criança se as medidas correspondentes estiverem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003.

55.      Neste contexto, o tribunal de reenvio remete para o artigo 59.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003. Nos termos deste artigo, a Finlândia e a Suécia podem aplicar a convenção de 6 de Fevereiro de 1931 entre a Dinamarca, a Finlândia, a Islândia, a Noruega e a Suécia, relativa às disposições de direito internacional privado em matéria de casamento, adopção e guarda de menores, e o respectivo protocolo final, no todo ou em parte, nas suas relações mútuas, em lugar das normas desse regulamento. O referido tribunal considerou a possibilidade de esta disposição ser aplicada por analogia à cooperação entre os países nórdicos na entrega de pessoas com vista à execução de medidas de protecção e de acompanhamento.

56.      A essa aplicação obsta, porém, o princípio do primado do direito comunitário (28), como os intervenientes que se pronunciaram sobre esta questão salientaram unanimemente. Este princípio obriga as autoridades e os tribunais dos Estados‑Membros a não aplicarem o direito nacional contrário ao direito comunitário (29).

57.      A solução só poderá ser diferente se o acto de direito comunitário em questão autorizar expressamente os Estados‑Membros a estabelecerem derrogações. O artigo 59.° do Regulamento n.° 2201/2003 não contém, porém, uma autorização desta natureza no que se refere à legislação nacional da Finlândia e da Suécia relativa à entrega de pessoas com vista à execução de medidas de protecção e de acompanhamento no âmbito da cooperação entre os países nórdicos (30).

58.      Uma aplicação analógica do artigo 59.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003 não é, desde logo, possível, porque está em causa uma norma excepcional, que há que interpretar em sentido estrito. Além disso, nos termos do artigo 59.°, n.° 2, alínea a), os Estados‑Membros em questão deveriam ter entregado uma declaração sobre a aplicação de derrogações, declaração esta que deveria ter sido anexa ao regulamento e publicada no Jornal Oficial da União Europeia.

59.      A declaração n.° 28, relativa à cooperação nórdica, que foi entregue quando da adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia, também não permite a aplicação de disposições derrogatórias do Regulamento n.° 2201/2003. Com efeito, nesta declaração as partes contratantes declaram expressamente que a Suécia e a Finlândia, como membros da União Europeia, tencionam prosseguir a cooperação nórdica entre si e com outros países e territórios, em total conformidade com a legislação comunitária.

60.      Na medida em que o Regulamento n.° 2201/2003 seja aplicável ratione temporis e ratione materiae, a Finlândia e a Suécia estão obrigadas a aplicar as disposições do regulamento relativas ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria de responsabilidade parental e a não aplicar as normas nacionais que lhes sejam contrárias.

61.      Este resultado pode parecer lamentável face ao bom funcionamento da cooperação administrativa entre a Finlândia e a Suécia, que tem por objectivo o bem‑estar das crianças. Por outro lado, ao adoptarem o Regulamento n.° 2201/2003, os Estados‑Membros deram o seu acordo a determinadas regras processuais uniformes, designadamente a manutenção da exigência de exequatur, que visam, por seu turno, proteger as partes, como o Governo neerlandês salienta com razão.

C –    Quanto à terceira questão prejudicial

62.      A terceira questão prejudicial diz respeito ao âmbito de aplicação ratione temporis do Regulamento n.° 2201/2003. De acordo com o regime transitório previsto no seu artigo 64.°, n.° 2, o regulamento é aplicável ao reconhecimento e à execução de uma decisão caso se verifiquem os três seguintes pressupostos:

–        a decisão ter sido proferida após a data de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003,

–        o processo no qual a decisão foi proferida ter sido instaurado antes da data de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003, mas após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1347/2000,

–        a competência do tribunal que proferiu a decisão ser fundada em normas conformes com as previstas no Regulamento n.° 2201/2003, no Regulamento n.° 1347/2000 ou numa convenção em vigor entre o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido aquando da instauração do processo.

63.      Embora, por força do artigo 72.°, primeiro parágrafo, o Regulamento n.° 2201/2003 tenha entrado em vigor logo em 1 de Agosto de 2004, as suas disposições – com algumas excepções, que não são relevantes para o presente processo – só se tornaram aplicáveis desde 1 de Março de 2005 (artigo 72.°, segundo parágrafo). Por conseguinte, o regulamento é aplicável desde 1 de Março de 2005. O Regulamento n.° 1347/2000 entrou em vigor em 1 de Março de 2001.

64.      O primeiro pressuposto é, portanto, que a decisão tenha sido proferida em ou após 1 de Março de 2005. O tribunal de reenvio considera que a decisão do länsrätt, que confirmou a decisão dos serviços de segurança social de 23 de Fevereiro de 2005, é a decisão a executar. Esta decisão foi proferida em 3 de Março de 2005, ou seja, após a data de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003.

65.      Em verdade, a decisão dos serviços de segurança social de 23 de Fevereiro de 2005 também poderia, em princípio, ser considerada a decisão a executar. Nos termos do artigo 2.°, ponto 4, uma decisão na acepção do regulamento é, designadamente, qualquer decisão relativa à responsabilidade parental, independentemente da sua designação. Decorre ainda do artigo 2.°, ponto 1, que o conceito de tribunal abarca todas as autoridades que têm competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento por força do seu artigo 1.° Por conseguinte, as decisões administrativas também são, em princípio, passíveis de reconhecimento e de execução noutro Estado‑Membro com base no regulamento.

66.      Contudo, para poder ser executada por um tribunal de outro Estado‑Membro no quadro da cooperação judiciária, a decisão em causa deve ser exequível no Estado‑Membro de origem (artigo 28.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003). Deve, pelo menos, produzir efeitos externos, para que se possa considerar que foi proferida uma decisão, o que deve ser apreciado à luz da lex fori (31). Dado que, segundo o direito sueco, os efeitos e a exequibilidade da decisão dependem da sua confirmação pelo länsrätt, afigura‑se adequado considerar o momento da confirmação judicial como o momento determinante para efeitos do artigo 64.°, n.° 2, do regulamento. De qualquer modo, é ao tribunal de reenvio que cabe determinar qual a decisão exequível à luz do direito nacional.

67.      No que toca ao segundo pressuposto (v. n.° 62), o tribunal de reenvio parte do princípio de que o processo foi instaurado quando os serviços de segurança social deram início às suas investigações, no Outono de 2004. Ao invés, a Comissão considera que o processo só foi instaurado pelo pedido de confirmação apresentado pelos serviços de segurança social ao länsrätt, em 25 de Fevereiro de 2005.

68.      O artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003 limita‑se a estabelecer o que se deve entender por instauração de um processo judicial, e que é, simplificando, a apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância ou a citação ou notificação do acto ao requerido, quando a citação ou notificação deva ser realizada antes da apresentação do acto ao tribunal. Todavia, esta disposição não abrange directamente o caso de uma autoridade agir oficiosamente e tomar medidas de protecção de crianças. Se a data em que a decisão relevante foi proferida não for a data da decisão dos serviços de segurança social, 23 de Fevereiro de 2005, mas a data da confirmação desta decisão pelo länsrätt, 3 de Março de 2005, existem razões para considerar, como faz a Comissão, que só com o pedido apresentado pelos serviços de segurança social ao länsrätt é que o processo foi instaurado na acepção do artigo 64.°, n.° 2.

69.      Em última análise, esta questão pode, no entanto, ficar em aberto, dado que tanto o início das investigações por parte dos serviços de segurança social como a apresentação do pedido ao länsrätt ocorreram antes da data de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 e após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1347/2000.

70.      O terceiro pressuposto também se encontra verificado. As regras de competência em vigor na Suécia quando da instauração do processo são conformes com as regras do Regulamento n.° 2201/2003. As normas nacionais que estavam em vigor antes do início da aplicação do regulamento atribuíam competência à autoridade ou ao tribunal do local em que as crianças tinham a sua residência permanente na Suécia. O artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 contém uma regra de competência análoga.

71.      Por conseguinte, há que responder à terceira questão prejudicial que o artigo 64.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão relativa à responsabilidade parental proferida em 3 de Março de 2005, no âmbito de um processo que foi instaurado após 1 de Março de 2001 e antes de 1 de Março de 2005, é reconhecida e executada nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 2201/2003 se as regras de competência em vigor quando da instauração do processo, à semelhança do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, atribuíam competência às autoridades do local de residência permanente das crianças.

V –    Conclusão

72.      Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pelo Korkein hallinto‑oikeus:

1.      As disposições conjugadas do n.° 1, alínea b), e do n.° 2, alíneas a) e d), do artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, devem ser interpretadas no sentido de que uma decisão relativa à entrega imediata e à colocação de uma criança fora da sua própria família numa família de acolhimento deve ser considerada uma matéria civil que diz respeito ao exercício da responsabilidade parental e à qual deve, por conseguinte, ser aplicado o Regulamento n.° 2201/2003. Esta conclusão também é válida para os casos em que, de acordo com o direito nacional do Estado de origem ou do Estado requerido, a decisão em causa esteja sujeita ao direito público.

2.      Na medida em que o Regulamento n.° 2201/2003 seja aplicável ratione temporis e ratione materiae e não preveja expressamente qualquer excepção na matéria em causa, os Estados‑Membros não podem aplicar normas nacionais contrárias ao regulamento.

3.      O artigo 64.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão relativa à responsabilidade parental proferida em 3 de Março de 2005, no âmbito de um processo que foi instaurado após 1 de Março de 2001 e antes de 1 de Março de 2005, é reconhecida e executada nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 2201/2003 se as regras de competência em vigor quando da instauração do processo, à semelhança do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, atribuíam competência às autoridades do local de residência permanente das crianças.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 338, p. 1 – também chamado «Regulamento Bruxelas IIa».


3 – Acto relativo às condições de adesão do Reino da Noruega, da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, Acta final ‑ III. Outras declarações ‑ E. Declarações comuns: Actuais Estados‑Membros / Diversos novos Estados‑Membros ‑ 28. Declaração comum relativa à cooperação nórdica, JO 1994 C 241, p. 392.


4 – JO 2005, C 40, p. 2.


5 – V. o Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II, que foi elaborado pelos serviços da Comissão em consulta com a rede judiciária europeia em matéria civil e comercial (versão actualizada de 1 de Junho de 2005), p. 9, e que pode ser obtido em: http://ec.europa.eu/civiljustice/parental_resp/parental_resp_ec_vdm_pt.pdf.


6 – Acórdão do TIJ de 28 de Novembro de 1958, CIJ Recueil 1958, p. 55.


7 – Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto modificado – p. 77), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1) (a seguir «Convenção de Bruxelas»).


8 – Acórdão de 14 de Outubro de 1976 (LTU, 29/76, Colect., p. 629).


9 – Acórdão de 15 de Fevereiro de 2007 (C‑292/05, Colect., p. I‑0000, n.os 29 a 31).


10 –      O Tribunal de Justiça remete para os acórdãos LTU (já referido na nota 8, n.os 3 e 5); de 16 de Dezembro de 1980, Rüffer (814/79, Recueil, p. 3807, n.° 7); de 14 de Novembro de 2002, Baten (C‑271/00, Colect., p. I‑10489, n.° 28); de 15 de Maio de 2003, Préservatrice foncière TIARD (C‑266/01, Colect., p. I‑4867, n.° 20); e de 18 de Maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, Colect., p. I‑4557, n.° 22).


11 –      O Tribunal de Justiça invoca o acórdão LTU (já referido na nota 8, n.° 4), os acórdãos, referidos na nota 10, Rüffer (n.° 14), Baten (n.° 29), Préservatrice foncière TIARD (n.° 21) e ČEZ (n.° 22), e o acórdão de 1 de Outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.° 29).


12 –      O Tribunal de Justiça remete para os acórdãos LTU (já referido na nota 8, n.° 4); Rüffer (já referido na nota 10, n.° 8); Henkel (já referido na nota 11, n.° 26); Baten (já referido na nota 10, n.° 30); Préservatrice foncière TIARD (já referido na nota 10, n.° 22); e de 21 de Abril de 1993, Sonntag (C‑172/91, Colect., p. I‑1963, n.° 20).


13 – V. a jurisprudência referida na nota 10.


14 – V. Busch, M. e Rölke, U. – «Europäisches Kinderschutzrecht mit offenen Fragen ‑ Die neue EU‑Verordnung Brüssel IIa zur elterlichen Verantwortung aus der Sicht der Jugendhilfe», Zeitschrift für das gesamte Familienrecht (FamRZ), 2004, p. 1338, em especial p. 1340.


15 – C refere a este respeito o paralelismo existente em relação à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) sobre o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). A garantia de um processo equitativo aplica‑se, designadamente, a litígios relativos a direitos civis (civil rights). Na opinião do TEDH, os litígios relativos a medidas das autoridades que digam respeito à responsabilidade parental são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 6.°, n.° 1, porque influem sobre uma relação jurídica de direito civil. V., designadamente, TEDH, acórdão W. de 8 de Julho de 1987, 9749/82, § 78. Para um resumo da jurisprudência do TEDH relativa ao conceito de civil rights, v. Grabenwarter/Pabel in: Grote/Marauhn (edição), EMRK/GG, 2006, capítulo 14, n.os 13 a 15.


16 – V., neste sentido, Kress, V. – Internationale Zuständigkeit für elterliche Verantwortung in der Europäischen Union, 2005, p. 49.


17 – Quem aplica o direito é expressamente alertado para este aspecto no Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II (já referido na nota 5, p. 10).


18 – Artigo 1.°, n.° 3, alínea g), do Regulamento n.° 2201/2003.


19 – Regulamento (CE) n.° 1347/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, JO L 160, p. 19.


20 – COM(2002) 222 final/2 de 17 de Maio de 2002 (JO 2002, C 203E, p. 155).


21 – O artigo 1.° do projecto tinha a seguinte redacção:


«1. O presente regulamento é aplicável aos processos cíveis relativos a:


[…]


b) Atribuição, exercício, delegação, limitação ou cessação da responsabilidade parental.


2. Não obstante o disposto no n.° 1, o presente regulamento não é aplicável aos processos cíveis relativos a:


[…]


b) Medidas tomadas em resultado de infracções penais praticadas por crianças.


3. São equiparados a processos judiciais os demais processos oficialmente reconhecidos nos Estados‑Membros.»


22 – COM(2002) 222 final/2, p. 6.


23 – V. Kress (já referido na nota 16, pp. 44 e segs.)


24 – Actes et documents de la XVIIIième session de la Conférence international de La Haye de droit privé, 1998, p. 14. Também disponível em língua alemã na homepage da Conferência de Haia: http://hcch.e‑vision.nl/upload/text34d.pdf. Os Estados‑Membros foram autorizados pela decisão do Conselho de 19 de Dezembro de 2002 (JO 2003, L 48, de 21 de Fevereiro de 2003, p. 1) a assinarem a convenção no interesse da Comunidade Europeia e todos fizeram uso desta autorização. No entanto, só oito Estados‑Membros a ratificaram. A ratificação parece continuar a estar bloqueada pela questão de Gibraltar (v. Pirrung, J. – «Brüche zwischen internationaler und europäischer Rechtsvereinheitlichung – das Beispiel des internationalen Kindschaftsrechts in der Brüssel IIa‑Verordnung», in: Internationales Familienrecht für das 21. Jahrhundert, Symposion zum 65. Geburtstag von Ulrich Spellenberg, 2006, p. 89, em especial p. 91). A convenção de 1996 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2002.


25 – V., a este respeito, Pirrung, J. – «Internationale Zuständigkeit in Sorgerechtssachen nach der Verordnung (EG) Nr. 2201/2003», in: Festschrift für P. Schlosser, 2005, p. 695, em especial pp. 696 e segs., e Pirrung, J., in: Internationales Familienrecht für das 21. Jahrhundert (já referido na nota 24, p. 93).


26 – Disponível em língua alemã em http://hcch.e‑vision.nl/upload/expl34d.pdf; v. n.° 23 desta versão [relativo ao artigo 3.°, alínea e)].


27 – V. Pirrung, J., in: Internationales Familienrecht für das 21. Jahrhundert (já referido na nota 24, p. 100).


28 – Acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa/ENEL (6/64, Colect. 1962‑1964, p. 549).


29 – Acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal (106/77, Colect., p. 243, n.os 21 e 23).


30 – Nesta medida, a presente situação é diferente da que se apresenta no quadro da convenção de 1996, a qual, no seu artigo 52.°, autoriza expressamente a manutenção em vigor ou a aprovação de leis uniformes de carácter regional.


31 – V. Rauscher/Rauscher, Europäisches Zivilprozessrecht, 2.a edição, Munique, 2006, artigo 64.° do Regulamento Bruxelas IIa, n.° 9; Fleige, M. – Die Zuständigkeit für Sorgerechtsentscheidungen und die Rückführung von Kindern nach Entführungen nach dem Europäischen IZVR, Würzburg, 2006, p. 114.