Language of document : ECLI:EU:C:2012:133

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de março de 2012 (*)

«Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 5.°, n.° 1 — Contratos de trabalho a termo sucessivos — Medidas para evitar a utilização abusiva de tais contratos — Conversão do último contrato a termo num contrato sem termo — Obrigação de retomar sem alterações as principais cláusulas do último contrato a termo»

No processo C‑251/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo tribunal administratif de Rennes (França), por decisão de 5 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 23 de maio de 2011, no processo

Martial Huet

contra

Université de Bretagne occidentale,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: U. Lõhmus, presidente de secção, A. Ó Caoimh (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Huet, por M. Faguer e V. Lahalle, avocats,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J. Rossi, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Van Hoof e M. van Beek, na qualidade de agentes,

–        vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).

2        Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Huet ao seu empregador, a université de Bretagne occidentale (a seguir «UBO»), relativamente aos termos e condições do contrato de trabalho que celebrou com essa Universidade na sequência da conversão do seu último contrato a termo num contrato sem termo.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        Em conformidade com o décimo quarto considerando da Diretiva 1999/70, as partes signatárias pretenderam celebrar um acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, enunciando os princípios gerais e os requisitos mínimos em matéria de contratos e relações de trabalho a termo.

4        Nos termos do artigo 1.° da Diretiva 1999/70, esta tem como objetivo a «aplicação do acordo‑quadro […] [que figura em anexo] celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP».

5        O segundo e terceiro parágrafos do preâmbulo do acordo‑quadro estão redigidos como se segue:

«As partes signatárias deste acordo‑quadro reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores. Reconhecem ainda que os contratos de trabalho a termo respondem, em certas circunstâncias, às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores.

O presente acordo estabelece os princípios gerais e os requisitos mínimos relativos aos contratos de trabalho a termo, reconhecendo que a sua aplicação pormenorizada deve ter em conta a realidade e especificidades das situações nacionais, sectoriais e sazonais. Afirma ainda a vontade dos parceiros sociais em estabelecerem um quadro‑geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendo‑os contra discriminações e a utilização dos contratos de trabalho a termo numa base aceitável tanto para empregadores como para trabalhadores.»

6        Os pontos 6 a 8 e 10 das considerações gerais do acordo‑quadro têm a seguinte redação:

«6.      Considerando que os contratos de trabalho de duração indeterminada constituem a forma comum da relação laboral, contribuindo para a qualidade de vida dos trabalhadores e a melhoria do seu desempenho;

7.      Considerando que a utilização de contratos a termo com base em razões objetivas constitui uma forma de evitar abusos;

8.      Considerando que os contratos a termo constituem uma característica do emprego em certos setores, ocupações e atividades, podendo ser da conveniência tanto dos empregadores como dos trabalhadores;

[…]

10.      Considerando que o presente acordo remete para os Estados‑Membros e para os parceiros sociais a definição das modalidades de aplicação dos seus princípios gerais, requisitos e disposições mínimas a fim de ser considerada a situação em cada Estado‑Membro e as circunstâncias de setores e ocupações concretos, incluindo as atividades de caráter sazonal.»

7        Nos termos do artigo 1.° do acordo‑quadro, este tem por objetivo:

«a)      Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

b)      Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

8        O artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro está redigido da seguinte forma:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

9        O artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro dispõe:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

10      O artigo 5.° do acordo‑quadro, intitulado «Disposições para evitar os abusos», estipula:

«1.      Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)      Como sucessivos;

b)      Como celebrados sem termo.»

11      O artigo 8.°, n.° 3, do acordo‑quadro tem a seguinte redação:

«Da aplicação deste acordo não poderá resultar um motivo válido para diminuir o nível geral de proteção dos trabalhadores para efeitos do presente acordo.» 

 Regulamentação nacional

12      O artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 2005‑843, de 26 de julho de 2005, que aprova diversas medidas de transposição do direito comunitário para a função pública, dispõe:

«Quando um agente, recrutado para um lugar permanente, estiver em funções à data da publicação da presente lei, ou gozar, nessa data, de uma licença, em aplicação das disposições do decreto mencionado no artigo 7.° da Lei n.° 84‑16, de 11 de janeiro de 1984, que estabelece disposições estatutárias relativas à função pública do Estado, a renovação do seu contrato está sujeita às condições previstas no quarto, quinto e sexto parágrafos do artigo 4.° da referida lei. Quando, na data da publicação da presente lei, o agente estiver em funções há pelo menos seis anos, sem interrupção, o seu contrato só pode, no seu termo, ser renovado mediante decisão expressa e por tempo indeterminado. […]»

13      O artigo 4.° da Lei n.° 84‑16 dispõe:

«Em derrogação ao princípio enunciado no artigo 3.° do título 1 do estatuto geral, podem ser recrutados agentes contratuais nos seguintes casos:

1°      Quando não exista um corpo de funcionários suscetível de assegurar as funções correspondentes;

2°      Para os lugares do nível da categoria A e, nas representações do Estado no estrangeiro, das outras categorias, na medida em que a natureza das funções ou as necessidades dos serviços o justifiquem.

Os agentes assim recrutados são empregados em regime de contrato a termo, com uma duração máxima de três anos. Estes contratos são renováveis através de prorrogação expressa. A duração dos sucessivos contratos não pode exceder seis anos.

Se, no final do referido período máximo de seis anos, os contratos forem renovados, só poderão sê‑lo por decisão expressa e por tempo indeterminado. [...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

14      O recorrente no processo principal ocupou um lugar de investigador na UBO, durante seis anos consecutivos. Trabalhou ao abrigo de vários contratos de trabalho a termo sucessivos, renovados sem interrupção, de 1 de março de 2002 a 15 de março de 2008, e que fazem menção das suas funções de investigador.

15      Por força do disposto no artigo 13.° da Lei n.° 2005‑843 e, em conformidade com o pedido do recorrente no processo principal, quando o último contrato a termo cessou, a UBO propôs‑lhe um contrato de trabalho sem termo. Este, assinado em 26 de março de 2008, previa, por um lado, que o recorrente no processo principal desempenharia as funções de engenheiro de estudos, ou seja, uma qualificação diferente da de investigador, e, por outro, que a sua remuneração seria inferior à que auferia anteriormente com base nos contratos a termo.

16      Segundo o recorrente no processo principal, embora o seu contrato sem termo faça referência a funções diferentes das que exercia anteriormente, estas, na prática, permaneceram inalteradas.

17      Em 26 de maio de 2008, o recorrente no processo principal enviou à UBO um pedido de modificação do seu contrato de trabalho sem termo, alegando que este operava uma retrogradação das suas funções e acarretava uma diminuição da sua remuneração.

18      Este pedido foi objeto de indeferimento tácito por parte da UBO.

19      O recorrente no processo principal interpôs então no tribunal administratif de Rennes um recurso por excesso de poder, com vista a obter, por um lado, a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de modificação do contrato de trabalho sem termo e, por outro, a modificação desse contrato no que se refere ao nível de remuneração e à natureza das funções.

20      Segundo o recorrente no processo principal, o artigo 13.° da Lei n.° 2005‑843 implica necessariamente, no momento da prorrogação do último contrato de trabalho a termo através de um contrato sem termo, que as cláusulas principais que figuram neste último contrato de trabalho a termo sejam retomadas sem alterações.

21      Foi nestas circunstâncias que o tribunal administratif de Rennes decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«No caso de o Estado decidir manter ao seu serviço um agente anteriormente recrutado por um período de seis anos ao abrigo de contratos a termo, a obrigação de recorrer a um contrato sem termo, prevista no artigo 13.° da Lei de 26 de julho de 2005, implica necessariamente, tendo em conta os objetivos da [Diretiva 1999/70], que no novo contrato sejam retomadas sem alterações as principais cláusulas do último contrato celebrado, designadamente as relativas à denominação do lugar e à remuneração?»

 Quanto à admissibilidade

22      O recorrente no processo principal sustenta que a questão prejudicial não deveria ter sido submetida ao Tribunal de Justiça, já que nenhuma das partes invocou perante o órgão jurisdicional de reenvio a violação da Diretiva 1999/70 ou de outra regra do direito da União.

23      Há que recordar, a este respeito, que o facto de as partes no processo principal não terem invocado, perante o órgão jurisdicional de reenvio, um problema de direito da União não se opõe a que o órgão jurisdicional de reenvio possa recorrer ao Tribunal de Justiça. Ao prever o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça sempre que uma «questão seja suscitada perante um órgão jurisdicional nacional», o artigo 267.°, segundo e terceiro parágrafos, TFUE não pretende limitar esse reenvio aos casos em que uma ou outra das partes no processo principal tenha tomado a iniciativa de suscitar uma questão de interpretação ou de validade do direito da União, mas abrange igualmente os casos em que tal questão seja suscitada pelo próprio órgão jurisdicional, que considera que uma decisão do Tribunal de Justiça sobre essa questão é «necessária ao julgamento da causa» (acórdão de 16 de junho de 1981, Salonia, 126/80, Recueil, p. 1563, n.° 7).

24      O artigo 267.° TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a faculdade e, sendo caso disso, impõe‑lhes a obrigação de proceder a um reenvio prejudicial, quando verifiquem, quer oficiosamente quer a pedido das partes, que a questão de mérito do litígio comporta um aspeto referido no seu primeiro parágrafo. Estes têm a mais ampla faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou à apreciação da validade de disposições do direito da União, sobre as quais têm de decidir (acórdãos de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf, 166/73, Colet., p. 17, n.° 3, e de 10 de julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colet., p. I‑4025, n.° 20).

25      No caso vertente, basta assinalar que o órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário pedir ao Tribunal de Justiça elementos de interpretação relativos à Diretiva 1999/70 e ao acordo‑quadro que figura no anexo desta, a fim de apreciar a compatibilidade com esse acordo‑quadro de uma regulamentação nacional que prevê a conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo e as condições em que essa conversão tem lugar.

26      A objeção suscitada pelo recorrente no processo principal, quanto à remessa ao Tribunal de Justiça, não pode, por consequência, ser acolhida e há, portanto, que responder à questão submetida.

 Quanto à questão prejudicial

27      Deve, a título preliminar, observar‑se que a questão submetida não menciona nenhuma disposição precisa da Diretiva 1999/70 ou do acordo‑quadro que figura em anexo a esta e cuja interpretação seja necessária para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio proferir a sua decisão no litígio no processo principal. A dita questão refere‑se unicamente, de forma geral, à Diretiva 1999/70.

28      Segundo jurisprudência constante, cabe exclusivamente ao Tribunal de Justiça, perante questões formuladas de maneira imprecisa, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e dos autos da causa principal os elementos de direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, Colet., p. I‑305, n.° 32 e jurisprudência referida).

29      O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, no seu despacho, aos artigos 4.°, n.° 1, 5.° e 8.°, n.° 3, do acordo‑quadro.

30      No que toca ao artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, que proíbe o tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo relativamente aos trabalhadores permanentes numa situação comparável, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente, deve salientar‑se que esta disposição não é pertinente no caso em apreço. Com efeito, como o Governo francês alegou, o recorrente no processo principal não põe em causa um tratamento diferenciado relativamente aos trabalhadores permanentes empregados pela UBO.

31      Da mesma forma, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal, a cláusula de não diminuição de nível prevista no artigo 8.°, n.° 3, do acordo‑quadro também não é pertinente no caso em apreço. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para ser abrangida pela proibição estabelecida por esse artigo, a alegada diminuição de nível, deve, por um lado, estar ligada à «aplicação» do acordo‑quadro e, por outro, afetar o «nível geral de proteção» dos trabalhadores a termo (acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, Colet., p. I‑3071, n.° 126, e, neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold, C‑144/04, Colet., p. I‑9981, n.° 52).

32      No caso em apreço, o recorrente no processo principal não afirmou que o facto de o seu novo contrato sem termo não retomar sem alterações as cláusulas principais do seu último contrato a termo implicasse uma diminuição do nível de proteção dos trabalhadores, tal como exigida por esse artigo.

33      À luz das indicações contidas na decisão de reenvio e tendo em conta o facto de o artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 2005‑843 constituir uma medida preventiva de abusos na aceção do artigo 5.° do acordo‑quadro, há que considerar que o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se este último artigo deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro, que prevê na sua regulamentação nacional a conversão dos contratos de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, quando os contratos de trabalho a termo tenham atingido uma determinada duração, é obrigado a impor, no contrato de trabalho sem termo, que as cláusulas principais que figuravam no contrato precedente sejam retomadas sem alterações.

34      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro tem por objeto implementar um dos objetivos prosseguidos pelo acordo‑quadro, a saber, enquadrar o recurso sucessivo aos contratos ou às relações laborais a termo, considerado como uma fonte potencial de abusos em detrimento dos trabalhadores, prevendo um certo número de normas mínimas de proteção destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores assalariados (v. acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, Colet., p. I‑6057, n.° 63; acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 73; e acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kücük, C‑586/10, n.° 25).

35      Resulta do segundo parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro, dos pontos 6 a 8 das considerações gerais do referido acordo‑quadro e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores, ao passo que só em determinadas circunstâncias os contratos de trabalho a termo respondem às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores (acórdãos, já referidos, Mangold, n.° 64, e Adeneler e o., n.° 62).

36      Por consequência, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.° 1, alíneas a) a c), do referido artigo, três ao todo, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses contratos de trabalho ou relações laborais sucessivos e ao número de renovações dos mesmos (v. acórdão Angelidaki e o., já referido, n.os 74 e 151, e despacho de 1 de outubro de 2010, Affatato, C‑3/10, n.os 43, 44 e jurisprudência referida).

37      Todavia, como resulta do n.° 33 do presente acórdão e contrariamente ao que sustenta a Comissão, a conversão de um contrato a termo num contrato sem termo não pode ser considerada estranha ao âmbito de aplicação do acordo‑quadro (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2011, Rosado Santana, C‑177/10, Colet., p.  I‑7907, n.os 41 a 44). Com efeito, no caso em apreço, a lei nacional que levou a UBO a converter o último contrato a termo do recorrente no processo principal num contrato sem termo faz efetivamente parte das medidas preventivas enumeradas no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), do acordo‑quadro.

38      Dito isto, o Tribunal de Justiça tem salientado em muitas ocasiões que o acordo‑quadro não estabelece uma obrigação geral de os Estados‑Membros preverem a conversão num contrato sem termo dos contratos de trabalho a termo (v., nomeadamente, acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 91).

39      Com efeito, o artigo 5.°, n.° 2, do acordo‑quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros a incumbência de determinar quais as condições em que os contratos ou relações de trabalho a termo são considerados celebrados sem termo (v., nomeadamente, acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 81).

40      Resulta do que precede que o acordo‑quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos sem termo.

41      Deve, além disso, recordar‑se que, como resulta do décimo quarto considerando da Diretiva 1999/70, do terceiro parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro, dos pontos 7 a 10 das considerações gerais e do artigo 1.° do acordo‑quadro, este não tem por objetivo harmonizar o conjunto das regras nacionais relativas aos contratos de trabalho a termo, mas visa unicamente, ao fixar princípios gerais e requisitos mínimos, estabelecer um quadro geral para assegurar a igualdade de tratamento para os trabalhadores a termo, protegendo‑os contra a discriminação, e evitar os abusos decorrentes da utilização de relações laborais e contratos de trabalho a termo sucessivos (v., neste sentido, acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso, C‑307/05, Colet., p. I‑7109, n.os 26 e 36, e de 15 de abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colet., p. I‑2483, n.° 111; e despacho de 11 de novembro de 2010, Vino, C‑20/10, n.° 54).

42      Ao prescrever a adoção efetiva e vinculativa de pelo menos uma das medidas que enumera e que visam evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, no caso de o direito nacional não conter já medidas equivalentes, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro atribui aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, deixando‑os, no entanto, escolher os meios para o alcançar (acórdão Impact, já referido, n.° 70).

43      É certo que a margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros pelo acordo‑quadro não é desprovida de limites, uma vez que não pode em caso algum pôr em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo‑quadro (acórdãos, já referidos, Adeneler e o., n.° 82, bem como Angelidaki e o., n.° 155).

44      Como o Governo francês alegou a este respeito, se um Estado‑Membro permitisse que a conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo fosse acompanhada de alterações substanciais das cláusulas principais do contrato precedente, num sentido globalmente desfavorável ao agente contratual sempre que o objeto da missão deste e a natureza das suas funções permaneçam inalterados, não se pode excluir que este último pudesse ser dissuadido de celebrar o novo contrato que lhe é proposto, perdendo assim o benefício da estabilidade do emprego, concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores.

45      Cabe, todavia, às autoridades competentes verificar, em conformidade com a legislação, as convenções coletivas e/ou as práticas nacionais, se as alterações introduzidas nas cláusulas principais do contrato de trabalho em causa no processo principal podem ser qualificadas de alterações substanciais de tais cláusulas.

46      Face ao que precede, deve responder‑se à questão prejudicial que o artigo 5.° do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que prevê na sua regulamentação nacional a conversão dos contratos de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, quando os contratos de trabalho a termo tenham atingido uma certa duração, não é obrigado a impor, no contrato de trabalho sem termo, que as cláusulas principais que figuravam no contrato precedente sejam retomadas sem alterações. Todavia, a fim de não pôr em causa os objetivos prosseguidos pela Diretiva 1999/70 e o seu efeito útil, esse Estado‑Membro deve velar por que a conversão dos contratos de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo não seja acompanhada de alterações substanciais das cláusulas do contrato precedente, num sentido globalmente desfavorável à pessoa interessada sempre que o objeto da missão desta e a natureza das suas funções permaneçam inalterados.

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 5.° do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que prevê na sua regulamentação nacional a conversão dos contratos de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, quando os contratos de trabalho a termo tenham atingido uma certa duração, não é obrigado a impor, no contrato de trabalho sem termo, que as cláusulas principais que figuravam no contrato precedente sejam retomadas sem alterações. Todavia, a fim de não pôr em causa os objetivos prosseguidos pela Diretiva 1999/70 e o seu efeito útil, esse Estado‑Membro deve velar por que a conversão dos contratos de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo não seja acompanhada de alterações substanciais das cláusulas do contrato precedente, num sentido globalmente desfavorável à pessoa interessada sempre que o objeto da missão desta e a natureza das suas funções permaneçam inalterados.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.