Language of document : ECLI:EU:C:2011:755

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 17 de novembro de 2011 (1)

Processo C‑567/10

Inter‑Environnement Bruxelles ASBL

Pétitions‑Patrimoine ASBL

Atelier de Recherche et d’Action Urbaines ASBL

contra

Gouvernement de la Région de Bruxelles‑Capitale

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica)]

«Diretiva 2001/42/CE — Avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente — Aplicabilidade da diretiva à revogação total ou parcial de um plano de utilização do solo — Planos e programas exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas»





I –    Introdução

1.        A Cour constitutionnelle (tribunal constitucional belga) submeteu duas questões sobre o âmbito de aplicação da diretiva relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (2) (a seguir «Diretiva AAE»; AAE significa avaliação ambiental estratégica). Por um lado, importa esclarecer se esta diretiva abrange apenas a adoção e a alteração dos planos e programas ou se também abrange a sua revogação. Por outro, questiona‑se se uma avaliação ambiental só é necessária no caso da adoção dos planos e programas exigidos, ou se essa avaliação também se impõe quando a elaboração dos planos e programas é regulada em disposições legislativas, mas não é obrigatória.

II – Quadro jurídico

A –    Diretiva AAE

2.        Os objetivos da Diretiva AAE resultam, em especial, do seu artigo 1.°:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um nível elevado de proteção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto.»

3.        Os termos «planos e programas» são definidos no artigo 2.°, alínea a):

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Planos e programas’, qualquer plano ou programa, incluindo os co‑financiados pela Comunidade Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

–      seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional e local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

–      seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas;»

4.        O artigo 3.° regula quais são os planos e programas que devem ser sujeitos à avaliação. Os seus n.os 1 a 5 são particularmente relevantes:

«1.      No caso dos planos e programas referidos nos n.os 2 a 4 suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, deve ser efetuada uma avaliação ambiental nos termos dos artigos 4.° a 9.°

2.      Sob reserva do disposto no n.° 3, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas:

a)      Que tenham sido preparados para a agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337/CEE, ou

b)      [...]

3.      Os planos e programas referidos no n.° 2 em que se determine a utilização de pequenas áreas a nível local e pequenas alterações aos planos e programas referidos no mesmo número só devem ser objeto de avaliação ambiental no caso de os Estados‑Membros determinarem que os referidos planos e programas são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

4.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos e programas que não os referidos no n.° 2 que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos, são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

5.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos ou programas referidos nos n.os 3 e 4 são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, quer por uma investigação caso a caso, quer pela especificação de tipos de planos e programas, quer por uma combinação de ambas as metodologias. Para esse efeito, os Estados‑Membros terão sempre em consideração os critérios pertinentes definidos no anexo II, a fim de garantir que os planos e programas com eventuais efeitos significativos sobre o ambiente sejam abrangidos pela presente diretiva.

[…]»

B –    Legislação belga

5.        As disposições pertinentes estão reguladas no Código da Região de Bruxelas‑Capital relativo ao Ordenamento do Território (Code bruxellois de l’aménagement du territoire, a seguir «CoBAT»). A Cour constitutionnelle apresenta‑as da seguinte forma:

6.        O procedimento de elaboração dos planos concretos de utilização do solo prevê que seja organizada uma consulta do público, uma consulta de diversas administrações e organismos assim como, em princípio, que seja elaborado um relatório sobre os efeitos ambientais (artigos 43.° a 50.° do CoBAT). As disposições do CoBAT relativas à elaboração dos planos concretos de utilização do solo são aplicáveis à alteração desses planos (artigo 52.° do CoBAT). Contudo, estas disposições não são aplicáveis ao procedimento de revogação dos planos concretos de utilização do solo.

7.        Os artigos 25.° e 26.° da ordonnance de 14 de maio de 2009, contestados no processo principal, complementam o procedimento já previsto para a revogação pelo conseil communal (conselho municipal) mediante um procedimento que permite ao Governo proceder a uma revogação, mas sem prever, de igual modo, uma avaliação ambiental.

8.        Segundo o artigo 40.° do CoBAT, «cada município da Região adota, oficiosamente ou no prazo que lhe seja imposto pelo Governo, planos concretos de utilização do solo». Esta disposição parece exigir a adoção de tais planos. No entanto, esta disposição reproduz uma regra anterior, de cujos trabalhos preparatórios a Cour constitutionnelle deduz a possibilidade de não existir qualquer obrigação de adotar esses planos. Além disso, a Cour constitutionnelle esclarece que, tendo sido apresentado um pedido nesse sentido pelos cidadãos, o conseil communal pode recusar‑se a elaborar um plano concreto de utilização do solo (artigo 51.° do CoBAT).

9.        Ademais, no processo principal estão em causa planos para a conservação de determinados objetos. O artigo 30.°, alínea c) e o artigo 101.° da ordonnance de 14 de maio de 2009 introduzem disposições relativas a esses planos. Estes podem ser exigidos antes da concessão de uma licença necessária ao abrigo do CoBAT e são elaborados a pedido do Governo ou de um terço dos proprietários. Não é necessária uma avaliação ambiental.

III – Pedido de decisão prejudicial

10.      No processo principal, diferentes organizações não governamentais — Inter‑Environnement Bruxelles ASBL, Pétitions‑Patrimoine ASBL e Atelier de Recherche et d’Action Urbaines ASBL (a seguir «Inter‑Environnement Bruxelles e o.») — contestam certas disposições da ordonnance de la Région Bruxelles‑Capitale, de 14 de maio de 2009, que alterou o CoBAT em diversos pontos. Estas organizações criticam, designadamente, o facto de estas disposições de alteração não exigirem qualquer avaliação ambiental, nos termos da Diretiva AAE, para a revogação de planos concretos de utilização do solo e para a elaboração de planos relativos à conservação do património.

11.      Por conseguinte, a Cour constitutionnelle belga submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1.      A definição de ‘planos e programas’ constante do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva [AAE], deve ser interpretada no sentido de que exclui do âmbito de aplicação desta diretiva um proce[dimento] de revogação total ou parcial de um plano como a revogação de um plano concreto de utilização do solo previsto nos artigos 58.° a 63.° do [CoBAT]?

2.      A palavra ‘exigido[s]’ constante do artigo 2.°, alínea a), da mesma diretiva, deve ser entendida no sentido de que exclui da definição dos ‘planos e programas’ planos que estejam efetivamente previstos em disposições legislativas, mas cuja adoção não seja obrigatória, como os planos concretos de utilização do solo previstos no artigo 40.° do [CoBAT]?»

12.      Apresentaram observações escritas a Inter‑Environnement Bruxelles e o., o Reino da Bélgica, a República Checa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, assim como a Comissão Europeia. À exceção do Reino Unido, todas essas partes participaram na audiência de 27 de outubro de 2011.

IV – Apreciação jurídica

13.      Começarei por analisar a segunda questão, uma vez que a sua resposta pode ter incidência sobre a necessidade da primeira questão. A revogação de planos concretos de utilização do solo, abordada na primeira questão, apenas poderá ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva AAE se a elaboração desses planos também o for. Este último aspeto é, no entanto, objeto da segunda questão.

A –    Quanto à segunda questão — necessidade de uma obrigação jurídica de elaborar os planos e programas

14.      Para responder à segunda questão importa esclarecer se os planos e programas, que estejam previstos em disposições legislativas, mas cuja adoção não seja obrigatória, são abrangidos pela Diretiva AAE, ou se esta apenas se aplica quando existe uma obrigação jurídica de elaborar um plano.

15.      Quase todas as versões linguísticas do artigo 2.°, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE se referem a planos ou programas exigidos ou necessários. Os planos ou programas, regulados por lei, a cuja adoção se pode renunciar, não seriam abrangidos por este artigo. Como sublinha pertinentemente o Reino Unido, no acórdão Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie (3), o Tribunal de Justiça proferiu a sua decisão com base neste fundamento.

16.      Somente a versão italiana permite entender algo diferente. Nesta versão, é feita referência a planos e programas «previstos» («previsti») por disposições legislativas. Nestes planos e programas poder‑se‑iam igualmente incluir as medidas que, embora sejam reguladas por lei, não têm de ser adotadas imperativamente.

17.      As diferentes versões linguísticas de um texto comunitário devem ser interpretadas de modo uniforme. Em caso de divergência, a disposição em questão deve, em princípio, ser interpretada em função do plano sistemático geral e da finalidade do regime de que faz parte (4). Contudo, uma disposição cujas versões linguísticas divergem deve ser interpretada em função da vontade efetiva do seu autor (5). Resulta da génese do artigo 2.°, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE que também a versão italiana, de acordo com a vontade efetiva do legislador, apenas deve incluir planos e programas exigidos.

18.      Nem a proposta inicial apresentada pela Comissão (6), nem uma versão alterada (7) continham a condição de que os planos e programas abrangidos teriam de ser exigidos por lei. Depois de a proposta não ter vingado a este respeito, a Comissão, apoiada pela Bélgica e a Dinamarca, sugeriu incluir na diretiva, pelo menos, os planos e programas «previstos por disposições legislativas ou baseados em disposições legislativas, regulamentares ou administrativas» (8). No entanto, o legislador também não seguiu esta proposta.

19.      Pelo contrário, o Conselho esclareceu o regime finalmente adotado, não contestado pelo Parlamento, também na versão italiana da Posição Comum, no sentido de que apenas seriam abrangidos os planos e programas exigidos («prescritti») (9). Por conseguinte, a versão italiana da diretiva deve ser entendida igualmente no sentido de que apenas engloba os planos e programas decorrentes de uma obrigação jurídica.

20.      Tendo em conta a redação do artigo 2.°, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE e a sua génese, nem o objetivo global da política ambiental europeia, de atingir um nível de proteção elevado (artigo 3.°, n.° 3, TUE, artigo 37.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e artigo 191.°, n.° 2, TFUE), nem a finalidade específica da diretiva, de sujeitar a uma avaliação ambiental os planos e programas suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (artigo 1.°) (10), permitem uma interpretação diferente. Embora também os planos e programas que não se baseiam numa obrigação jurídica sejam suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, o legislador não pretendia manifestamente sujeitar essas medidas a qualquer avaliação ambiental.

21.      O Reino Unido e a República Checa mencionam para tal uma razão compreensível: seria de recear que as autoridades, devido ao custo de uma avaliação ambiental, renunciassem a esses planos voluntários. Ora, muitos elementos apontam para a conclusão de que os planos voluntários contribuem de modo mais efetivo para a consideração dos interesses ambientais e dão ao público mais oportunidade de participar do que a renúncia a um planeamento. Talvez no futuro esta análise se altere em virtude de experiências positivas com a utilização da avaliação ambiental, contudo, isto não pode ser antecipado por meio de uma interpretação contra a vontade documentada do legislador.

22.      Na audiência, a Inter‑Environnement Bruxelles e o. invocaram também a participação do público, prevista no artigo 7.° da Convenção de Aarhus (11) e no artigo 2.° da Diretiva 2003/35/CE (12). Segundo a Convenção de Aarhus, esta participação refere‑se a todos os planos e programas em matéria ambiental, mas não é expressamente exigido um relatório ambiental. Se a Diretiva AAE transpusesse globalmente esta obrigação internacional no âmbito da União, deveria ser aplicada para além do seu teor literal, a todos os planos e programas em matéria ambiental.

23.      Contudo, nada na Diretiva AAE indica que a sua finalidade seja transpor o artigo 7.° da Convenção de Aarhus. Pelo contrário, decorre do décimo considerando da Diretiva 2003/35 que, neste ponto, a convenção só deve ser transposta no que respeita aos planos e programas previstos pelo direito da União mais precisamente pela Diretiva 2003/35 em relação a determinadas medidas mas, no futuro, por disposições específicas de cada ato. O artigo 2.°, n.° 5, da Diretiva 2003/35 esclarece agora que a avaliação ambiental prevista pela Diretiva AAE é suficiente como participação do público.(13)

24.      Por conseguinte, os objetivos do artigo 7.° da Convenção de Aarhus não justificam qualquer interpretação da Diretiva AAE contra a vontade documentada do legislador.

25.      No entanto, com isto ainda não ficou esclarecido quais são os planos e programas «exigidos» na aceção do artigo 2.°, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE. Embora a Cour constitutionnelle não coloque expressamente esta questão, ela só poderá decidir de modo correto sobre a compatibilidade das disposições controvertidas com a Diretiva AAE quando também esta questão estiver esclarecida.

26.      Afigura‑se que a Cour constitutionnelle parte do princípio de que uma obrigação na aceção do artigo 2.°, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE deve incluir todos os casos de elaboração do plano ou do programa visado, para ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva AAE. Os planos ou programas cuja elaboração, em alguns casos, é voluntária e noutros exigida nunca necessitariam obrigatoriamente de uma avaliação ambiental.

27.      No acórdão Terre wallonne, o Tribunal de Justiça já declarou, todavia, que a Diretiva AAE abrange igualmente programas exigidos apenas em determinadas condições (14), no caso concreto, os programas de ação segundo a Diretiva Nitratos (15). Estes apenas devem ser exigidos na medida em que existam zonas vulneráveis na aceção desta diretiva. Se as autoridades dos Estados‑Membros elaborarem voluntariamente, para outras zonas, programas de ação de acordo com as normas da Diretiva Nitratos, a Diretiva AAE não é aplicável.

28.      Consequentemente, para a aplicação da Diretiva AAE é necessário analisar, caso a caso, se um plano ou programa é exigido ou é elaborado voluntariamente.

29.      A questão de saber se, na situação em análise, as medidas em causa são exigidas, é, na falta de regras previstas no direito da União, uma questão de direito interno, que apenas pode ser decidida de forma vinculativa pela Cour constitutionnelle. No entanto, resulta, por exemplo, do artigo 40.° do CoBAT que o Governo pode impor ao município um prazo para a adoção de planos concretos de utilização do solo. Neste caso, poderia existir uma obrigação jurídica de adotar o plano. Ao contrário, esta parece não existir quando são os cidadãos a requerer a adoção do plano. Mas esta disposição pode ser igualmente entendida no sentido de que, embora o município disponha de uma margem de manobra quanto ao prazo para a adoção do plano, está obrigado a elaborar esse plano. Além disso, não parece ser de excluir que essa margem de manobra possa, com base nas circunstâncias do caso concreto, ser limitada de forma muito rigorosa (16).

30.      Em suma, a palavra «exigido[s]» contida no artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE deve ser entendida no sentido de que esta definição não inclui os planos e programas previstos em disposições legislativas, mas cuja elaboração não seja obrigatória. Os planos ou programas que, em determinadas condições, podem ser elaborados voluntariamente, só são abrangidos por esta definição nos casos em que exista uma obrigação de os adotar.

B –    Quanto à primeira questão — revogação dos planos e programas

31.      Com a primeira questão, a Cour constitutionnelle belga pretende esclarecer se a revogação dos planos ou programas é abrangida pela Diretiva AAE.

1.      Quanto à necessidade de uma resposta à primeira questão

32.      A República Checa considera que esta questão deixa de ter interesse para o processo principal, caso a Diretiva AAE apenas seja aplicável a planos e programas cuja adoção é obrigatória. Na sua segunda questão prejudicial, a Cour constitutionnelle belga parte do princípio de que a adoção de planos concretos de utilização do solo segundo o artigo 40.° do CoBAT não é obrigatória. Neste caso, tais planos não seriam abrangidos pela Diretiva AAE e a sua revogação não necessitaria de qualquer avaliação ambiental.

33.      No entanto, já foi por mim explicado que, em determinados casos, pode, de facto, existir uma obrigação de adotar os referidos planos (17). Como a Comissão salienta, isto resulta da exposição do quadro normativo interno feita na fundamentação do pedido de decisão prejudicial, ainda que a redação da segunda questão prejudicial pareça apontar em sentido contrário (18). Consequentemente, não é possível excluir com segurança que a Cour constitutionnelle interpretará as disposições de direito interno em causa no sentido de uma obrigação jurídica. Além disso, a primeira questão não é colocada para o caso de uma determinada resposta à segunda questão. Independentemente da resposta à segunda questão, não se pode, pois, concluir que a primeira questão não tem manifestamente nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal ou que o problema é de natureza hipotética (19).

34.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve responder à primeira questão.

2.      Quanto à revogação dos planos e programas

35.      O ponto de partida da primeira questão consiste no facto de o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE referir os «Planos e programas […] bem como as respetivas alterações», não mencionando expressamente, contudo, a sua revogação. Em particular, a Bélgica e o Reino Unido entendem, portanto, poder excluir‑se a revogação total como uma alteração.

36.      Todavia, como indicam a Cour constitutionnelle, a Inter‑Environnement‑Bruxelles e a Comissão, o conceito de alteração pode ser perfeitamente interpretado no sentido de que inclui a revogação de um plano ou programa. Em princípio, cada alteração consiste efetivamente na revogação de uma regulamentação existente e no estabelecimento de uma nova. A revogação «pura» limita‑se a substituir uma regulamentação por uma não‑regulamentação. Aplica‑se, então, neste caso, a regra de alcance mais geral. Também isto é uma alteração.

37.      Assim, após a revogação dos planos urbanísticos alemães, seriam aplicáveis as disposições do Baugesetzbuch (código da construção alemão) relativas à admissibilidade dos projetos em zonas urbanizadas (§ 34 do Baugesetzbuch) ou em áreas externas (§ 35 do Baugesetzbuch). Com a revogação do plano, alterar‑se‑ia, portanto, o enquadramento normativo destes projetos.

38.      No entanto, a Bélgica e o Reino Unido consideram que a Diretiva AAE se refere à fixação de novos conteúdos dos planos. Em apoio deste entendimento alegam, em especial, que os planos e programas previstos nos termos do artigo 3.°, n.os 2 e 4, estão sujeitos a uma avaliação ambiental, quando estabelecem o enquadramento para determinados projetos. Com uma revogação, nenhum desses conteúdos seria criado.

39.      Contudo, a interpretação da Diretiva AAE deve basear‑se não numa compreensão restritiva da sua redação mas nos seus objetivos, previstos no artigo 1.°, nomeadamente, a avaliação ambiental de planos e programas suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (20). Embora a República Checa e o Reino Unido entendam que, após a revogação, um plano ou programa não é suscetível de ter quaisquer efeitos no ambiente, esta interpretação não pode ser acolhida.

40.      Na medida em que os planos e programas determinem o enquadramento dos projetos, impondo‑lhes limites, a eliminação desses limites, como sublinha de modo pertinente a Cour constitutionnelle, pode perfeitamente ter efeitos significativos no ambiente.

41.      Um exemplo apresentado pela Inter‑Environnement Bruxelles e o. ilustra esta situação: de acordo com este exemplo, um plano concreto de utilização do solo foi revogado para permitir a construção de um edifício de 44 000 m2, destinado a escritórios, uma vez que o plano apenas autorizava um edifício de 20 000 m2. Deste modo, através da revogação do plano concreto de utilização do solo, o enquadramento para a aprovação dos edifícios de escritórios foi alargado de forma substancial. É evidente que a eliminação dessas restrições pode ter repercussões sobre o ambiente. Um edifício de escritórios maior provoca, sobretudo, mais tráfego, ocupa também eventualmente mais terreno e pode afetar fortemente, por exemplo, o microclima local e o equilíbrio hidrológico.

42.      Se os efeitos desses projetos forem, ao mesmo tempo, abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva AIA (21), isto não se opõe, ao contrário do entendimento defendido pela República Checa, a uma aplicação da Diretiva AAE. Não existe, em particular, qualquer obrigação de analisar duas vezes os efeitos ambientais, pois não é necessária uma segunda avaliação quando os seus objetivos já tenham sido totalmente atingidos através da primeira (22). Em contrapartida, se as duas avaliações forem distintas em termos de alcance e de conteúdo, é conveniente uma segunda avaliação. Precisamente em casos como o exemplo mencionado, é possível minimizar o custo dessas avaliações conjugando ou, pelo menos, coordenando o procedimento de revogação do plano ou programa com o procedimento de aprovação do projeto.

43.      De resto, quando é revogada uma medida, um relatório ambiental pode ser supérfluo ou pelo menos de amplitude limitada, se essa medida foi corretamente apreciada aquando da sua adoção. Com efeito, o relatório ambiental abrange, nos termos do anexo I, alínea b), da Diretiva AAE, aspetos pertinentes do estado atual do ambiente e da sua provável evolução se não for aplicada a medida. Por conseguinte, ao analisar a revogação devem ser consideradas no essencial as alterações entretanto ocorridas no estado do ambiente. Mas não é possível prescindir da participação do público, dado que os pareceres sobre a adoção de um plano ou programa não correspondem necessariamente aos pareceres relativos à sua revogação

44.      A República Checa e o Reino Unido excluem, por último, uma aplicação da Diretiva AAE à revogação dos planos ou programas por razões de sistemática. Várias disposições e considerandos referem‑se à aprovação e preparação destes instrumentos. Em contrapartida, a revogação não é sujeita a preparação nem aprovação.

45.      Esta argumentação ignora, porém, que as disposições em causa são igualmente aplicáveis à revogação dos planos e programas. A aprovação de uma medida, tal como é referida em diferentes disposições da Diretiva AAE, não difere de uma decisão tomada sobre a revogação. Além disso, uma revogação necessita igualmente de uma preparação, pelo menos limitada, no âmbito da qual se verifica em que medida o instrumento deve ser revogado. Neste contexto, a avaliação ambiental deveria, ao contrário do que entende o Reino Unido, abranger a questão de saber até que ponto a revogação de determinados conteúdos pode afetar o ambiente. Se, a este respeito, forem identificados eventuais efeitos significativos, estes podem ser submetidos ao controlo exigido no artigo 10.°

46.      Ao contrário do entendimento defendido pela República Checa na audiência, esta conclusão também não é posta em causa pela comparação com a anulação judicial de uma medida ou o exemplo de um plano de duração limitada. Como a Comissão e a Inter‑Environnement Bruxelles e o. explicaram de forma convincente, a Diretiva AAE não exige, em ambos os casos, uma avaliação ambiental. As decisões judiciais não são abrangidas pela definição de planos e programas do artigo 2.°, alínea a) (23). Além disso, a expiração de uma medida de duração limitada deve ter sido logo objeto do exame efetuado aquando da sua adoção.

47.      Por conseguinte, uma revogação total ou parcial de um plano ou programa constitui uma alteração na aceção do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE.

3.      Quanto à necessidade de uma obrigação de alterar ou de revogar os planos ou programas

48.      A Comissão interroga‑se, além disso, sobre se as alterações e a revogação dos planos ou programas apenas serão abrangidas pela Diretiva AAE se se basearem numa obrigação jurídica.

49.      A redação do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE não é clara quanto a este aspeto. Esta disposição pode ser lida, especialmente nas versões inglesa (24) e francesa (25), sem quaisquer dificuldades, no sentido de que apenas é aplicável às alterações obrigatórias dos planos e programas.

50.      No entanto, é igualmente possível e mesmo o mais lógico na versão alemã (26), devido à utilização do verbo «erstellen» (elaborar), não adequado ao conceito de alteração, aplicar a parte da disposição «die [[…]] erstellt werden müssen» (que devam ser elaborados) exclusivamente aos planos e programas. Deste modo, a definição do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE abrangeria os planos e programas que devam ser elaborados, bem como as suas alterações.

51.      Também esta divergência nas versões linguísticas constitui um motivo adicional para tomar em consideração a génese, a sistemática e o objetivo da disposição (27).

52.      A génese é elucidativa também em relação a este ponto. A restrição aos «Planos e programas […] bem como as respetivas alterações, […] exigido[s]» foi introduzida na Diretiva AAE, de acordo com os motivos expostos na Posição Comum do Conselho, a fim de precisar «que apenas são abrangidos planos e programas exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas» (28). Por conseguinte, o legislador não tinha por objetivo restringir a aplicação às alterações desses planos e programas.

53.      Esta é a única leitura convincente atendendo à sistemática e ao objetivo da Diretiva AAE.

54.      Como a Comissão alega do ponto de vista sistemático, a alteração e a revogação dos planos ou programas devem, em regra, efetuar‑se da mesma forma que a sua elaboração. Logo, no caso de alteração ou de revogação de uma medida, deverá proceder‑se à avaliação ambiental contanto que esta tenha sido necessária na sua elaboração.

55.      Como refere a Comissão, é, além disso, de presumir que as obrigações jurídicas relativas à alteração dos planos ou programas são relativamente raras, ainda que a elaboração inicial do respetivo instrumento se baseie nessa obrigação. É de recear, por isso, que uma restrição às alterações e revogações obrigatórias limitaria consideravelmente o alcance da avaliação ambiental.

56.      Uma restrição deste tipo seria contrária ao objetivo de avaliar os planos e programas suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente. Esses efeitos podem resultar não só das condições fixadas logo aquando da elaboração dos planos e programas, como também de condições introduzidas através de alterações ou aplicáveis mediante a revogação das condições existentes.

57.      Uma restrição às alterações ou limitações obrigatórias tornaria também mais fácil, em última análise, contornar a Diretiva AAE. Seria possível, num primeiro momento, elaborar um plano ou um programa como uma «casca vazia», sem prever disposições que exijam uma avaliação ambiental, e introduzir posteriormente, por meio de alterações «voluntárias», aspetos delicados, que escapariam à avaliação.

4.      Quanto à resposta à primeira questão

58.      Em resumo, há, portanto, que responder à primeira questão que um procedimento de revogação total ou parcial de um plano ou programa constitui uma alteração na aceção do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva AAE, na medida em que esta incida sobre um plano ou um programa na aceção desta disposição.

V –    Conclusão

59.      Por conseguinte, sugiro que o Tribunal de Justiça responda ao pedido de decisão prejudicial nos seguintes termos:

«1.      Um procedimento de revogação total ou parcial de um plano ou programa constitui uma alteração na aceção do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, na medida em que esta incida sobre um plano ou um programa na aceção desta disposição.

2.      A palavra «exigido[s]» contida no artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/42 deve ser entendida no sentido de que esta definição não inclui os planos e programas previstos em disposições legislativas, mas cuja elaboração não seja obrigatória. Os planos ou programas que, em determinadas condições, podem ser elaborados voluntariamente, só são abrangidos por esta definição nos casos em que exista uma obrigação de os adotar.»


1 – Língua original: alemão.


2 – Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001 (JO L 197, p. 30).


3 – Acórdão de 17 de junho de 2010 (C‑105/09 e C‑110/09, Colet., p. I‑5609, n.os 35 e segs.). V., igualmente, as minhas conclusões apresentadas em 4 de março de 2010 nesse processo, n.os 37 e segs. e 41.


4 – Acórdãos de 5 de dezembro de 1967, van der Vecht (19/67, Recueil, p. 445, Colet. 1965‑1968, p. 683); de 27 de outubro de 1977, Bouchereau (30/77, Colet., p. 715, n.os 13 e 14); de 14 de junho de 2007, Euro Tex (C‑56/06, Colet., p. I‑4859, n.° 27); e de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication (C‑426/05, Colet., p. I‑685, n.° 25).


5 – Acórdãos de 12 de novembro de 1969, Stauder (29/69, Colet.,1969‑1970, p. 157, n.° 3); de 7 de julho de 1988, Moksel Import und Export (55/87, Colet., p. 3845, n.° 49); de 20 de novembro de 2001, Jany e o. (C‑268/99, Colet., p. I‑8615, n.° 47); de 27 de janeiro de 2005, Junk (C‑188/03, Colet., p. I‑885, n.° 33); e de 22 de outubro de 2009, Zurita García e Choque Cabrera (C‑261/08 e C‑348/08, Colet., p. I‑10143, n.° 54).


6 – COM(96) 511 final, de 4 de dezembro de 1996 (JO 1997, C 129, p. 14).


7 – COM(1999) 73 final, de 22 de fevereiro de 1999 (JO C 83, p. 13).


8 – Documento do Conselho n.° 13800/99, de 8 de dezembro de 1999, p. 5, nota 5.


9 – JO 2000, C 137, p. 11 (20).


10 – V., a este respeito, acórdão de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o. (C‑295/10, Colet., p. I‑8819, n.os 46 e segs.), bem como as minhas conclusões de 4 de março de 2010, Terre wallonne (C‑105/09 e C‑110/09, já referido na nota 3 (n.° 30).


11 – Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO 2005, L 124, p. 4); assinada pela Comunidade em 25 de junho de 1998 em Aarhus (Dinamarca) e adotada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1).


12 – Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17).


13 – V., a este respeito, acórdão Terre wallonne, já referido na nota 3 (n.os 37 e segs.).


14 – Acórdão Terre wallonne, já referido na nota 10 (n.° 35).


15 – Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375, p. 1).


16 – V. acórdão de 25 de março de 2010, Comissão/Espanha (C‑392/08, Colet., p. I‑2537, n.os 14 e segs.).


17 – V., supra, n.° 29.


18 – V., supra, n.° 8.


19 – V. acórdão de 15 de setembro de 2011, Gueye e Salmerón Sánchez (C‑483/09 e C‑1/10, Colet., p. I‑8263, n.° 40).


20 – V. as indicações constantes da nota 10.


21 – Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40).


22 – Acórdão Valčiukienė e o., já referido na nota 10 (n.° 62).


23 – Os fatores a ter em conta no caso de uma anulação judicial são objeto do processo pendente C‑41/11, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, no qual apresentarei as minhas conclusões em […].


24 – «(P)lans and programmes, […], as well as any modifications to them […] which are required […]».


25 – «(L)es plans et programmes, […], ainsi que leurs modifications […] exigés […]».


26 – «Pläne und Programme, […], sowie deren Änderungen, die […] erstellt werden müssen» (o sublinhado é meu).


27 – V., supra, n.° 17.


28 – Referida na nota 9.