Language of document : ECLI:EU:C:2012:504

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de julho de 2012 (*)

«Acordo de Associação CEE‑Turquia — Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação — Artigo 7.°, primeiro parágrafo — Direito de residência dos membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro — Cidadã tailandesa que foi casada com um trabalhador turco e que coabitou com ele durante mais de três anos»

No processo C‑451/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Gieβen (Alemanha), por decisão de 11 de agosto de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de setembro de 2011, no processo

Natthaya Dülger

contra

Wetteraukreis,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, U. Lõhmus, A. Rosas, A. Ó Caoimh e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de maio de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de N. Dülger, por Ch. Momberger, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Wetteraukreis, por D. Mayer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por A. Wiedmann, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Palatiello, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo austríaco, por F. Koppensteiner, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e G. Rozet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da Associação (a seguir «Decisão n.° 1/80». O Conselho de Associação foi instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado, em 12 de setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado, em nome desta, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «acordo de associação»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe N. Dülger, de nacionalidade tailandesa, ao Wetteraukreis (Distrito de Wetterau), a respeito da decisão de este lhe recusar a emissão de uma autorização de residência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Associação CEE‑Turquia

—       Acordo de associação

3        Em conformidade com o seu artigo 2.°, n.° 1, o acordo de associação tem por objeto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, incluindo no domínio da mão de obra, através da realização progressiva da livre circulação dos trabalhadores e da eliminação das restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, a fim de melhorar o nível de vida do povo turco e facilitar posteriormente a adesão da República da Turquia à Comunidade.

—       Protocolo adicional

4        O Protocolo adicional, que foi assinado em 23 de novembro de 1970, em Bruxelas, e concluído, aprovado e confirmado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213; a seguir «protocolo adicional»), adotou, nos termos do seu artigo 1.°, as condições, as modalidades e o calendário de realização da fase transitória referida no artigo 4.° do acordo de associação. Em conformidade com o seu artigo 62.°, o protocolo adicional faz parte integrante do referido acordo.

5        O artigo 59.° desse protocolo dispõe:

«Nos domínios abrangidos pelo presente Protocolo, a Turquia não pode beneficiar de um tratamento mais favorável que aquele que os Estados‑Membros aplicam entre si por força do Tratado que institui a Comunidade.»

—       Decisão n.° 1/80

6        A Decisão n.° 1/80 visa, nos termos do seu terceiro considerando, melhorar, no domínio social, o regime de que beneficiam os trabalhadores e os membros da sua família em relação ao regime previsto pela Decisão n.° 2/76 que o Conselho de Associação adotou em 20 de dezembro de 1976.

7        O artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 prevê:

«Os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro que tenham sido autorizados a reunir‑se‑lhe:

¾        têm o direito de responder — sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade — a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado‑Membro há pelo menos três anos;

¾        beneficiam nesse Estado‑Membro do livre acesso a qualquer atividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.

Os filhos dos trabalhadores turcos que tenham obtido uma formação profissional no país de acolhimento poderão, independentemente da duração da sua residência nesse Estado‑Membro, desde que um dos pais tenha legalmente trabalhado no Estado‑Membro interessado há pelo menos três anos, responder a qualquer oferta de emprego nesse Estado‑Membro.»

 As outras disposições do direito da União

8        O artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de julho de 1992 (JO L 245, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1612/68»), estava redigido nestes termos:

«Têm o direito de se instalar com o trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro, seja qual for a sua nacionalidade:

a)      O cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo;

b)      Os ascendentes do trabalhador e os do seu cônjuge que se encontrem a seu cargo.»

9        O artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 foi revogado pelo artigo 38.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, no JO 2005, L 197, p. 34, e no JO 2007, L 204, p. 28).

10      Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38:

«Os membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro só estão sujeitos à obrigação de visto de entrada nos termos do Regulamento (CE) n.° 539/2001 ou, se for caso disso, da legislação nacional. Para efeitos da presente diretiva, a posse do cartão de residência válido a que se refere o artigo 10.° isenta esses membros da família da obrigação de visto.

Os Estados‑Membros devem dar às pessoas referidas todas as facilidades para a obtenção dos vistos necessários. Esses vistos devem ser emitidos gratuitamente o mais rapidamente possível e por tramitação acelerada.»

11      O artigo 6.° da mesma diretiva, intitulado «Direito de residência até três meses», dispõe:

«1.      Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

2.      O disposto no n.° 1 é igualmente aplicável aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que, munidos de um passaporte válido, acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União.»

12      Segundo o artigo 7.°, n.° 2, da referida diretiva, o direito de residência por período superior a três meses é extensivo aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento.

13      O artigo 38.°, n.° 3, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«As remissões feitas para as diretivas e para as disposições revogadas entendem‑se feitas para a presente diretiva.»

 Direito alemão

14      O § 4, n.° 5, da Lei relativa à permanência, ao exercício da profissão e à integração de estrangeiros no território federal (Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet) de 30 de julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1950), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (BGB1. 2008 I, p. 162, a seguir «Aufenthaltsgesetz»), prevê:

«Um estrangeiro que, em aplicação do [acordo de associação] beneficie de um direito de residência, está obrigado a provar a existência desse direito através da posse de uma autorização de residência, caso não possua uma autorização de estabelecimento nem uma autorização de residência permanente CE. A autorização de residência é emitida a requerimento do interessado.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      A recorrente no processo principal entrou na República Federal da Alemanha, em 30 de junho de 2002, com um visto de turismo. Em 12 de setembro de 2002, casou com M. Dülger, cidadão turco, na Dinamarca.

16      Desde 1988, M. Dülger tem uma autorização de residência ilimitada na Alemanha. Durante o período em que o casal Dülger fez vida em comum, M. Dülger trabalhou por conta de diversos empregadores nesse Estado‑Membro, de 1 de outubro de 2002 a 30 junho de 2004, de 1 de agosto de 2004 a 8 de junho de 2005, de 1 de março de 2006 a 15 de março de 2008 e de 1 de junho de 2008 a 31 de dezembro de 2009.

17      Em 18 de setembro de 2002, N. Dülger solicitou a emissão de uma autorização de residência. Referiu que estava casada e tinha dois filhos, nascidos em 1996 e 1998 na Tailândia. Para poder coabitar com o seu marido, a recorrente no processo principal obteve uma autorização de residência por tempo limitado, que, em seguida, foi prorrogada várias vezes e, em último lugar, de 10 de setembro de 2008 a 26 de junho de 2011. Desde 21 de junho de 2011, N. Dülger possui um «certificado provisório de direito de residência».

18      As filhas da recorrente no processo principal entraram na República Federal da Alemanha em 1 de julho de 2006.

19      N. Dülger separou‑se do seu cônjuge em 3 de junho de 2009 e instalou‑se com as duas filhas num lar de acolhimento para mulheres, em Friedberg (Alemanha). Beneficia, desde então, de prestações a título do livro II do Código da Segurança Social — Prestações de base a favor de quem procura emprego (Zweites Buch Sozialgesetzbuch — Grundsicherung für Arbeitsuchende, a seguir «SGB II»).

20      O seu divórcio de M. Dülger foi declarado em 3 de fevereiro de 2011.

21      Por carta de 9 de setembro de 2009, o Serviço de Estrangeiros competente para o Distrito de Wetterau (a seguir «Serviço de Estrangeiros») alertou a recorrente no processo principal para o facto de ter adquirido um direito de residência autónomo após a sua separação, válido por um ano, sem que esse direito estivesse subordinado à obrigação de a recorrente no processo principal fazer prova de que está em condições de prover às suas necessidades e às dos seus filhos. Foi‑lhe notificado que se continuasse a depender da assistência social depois de 4 de junho de 2010, deixariam de se verificar as condições de validade do seu direito de residência e dos seus filhos e ela teria de abandonar o território alemão. Só se, nessa data, estivesse em condições de prover de forma autónoma tanto às suas necessidades como às dos seus filhos é que a recorrente no processo principal poderia continuar a beneficiar de um direito de residência.

22      Em 18 de setembro de 2009, N. Dülger pediu uma autorização de residência em aplicação do § 4 n.° 5, da Aufenthaltsgesetz, pela razão de que, enquanto membro da família de um trabalhador turco integrado no mercado de trabalho regular de um Estado‑Membro, com quem tinha residido regularmente durante pelo menos três anos, tinha adquirido direitos ao abrigo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80.

23      Por decisão de 15 de março de 2010, o Serviço de Estrangeiros indeferiu o pedido da recorrente no processo principal na medida em que não tinha adquirido nenhum direito com fundamento no artigo 7.° da Decisão n.° 1/80. Com efeito, só os membros turcos da família de um trabalhador turco estariam em condições de invocar essa disposição.

24      A recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão, alegando que o artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 não impõe requisitos específicos no que diz respeito à nacionalidade dos membros da família. Pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que anulasse a decisão do Serviço de Estrangeiros e que o obrigasse a conceder uma autorização de residência em conformidade com o § 4, n.° 5, da Aufenthaltsgesetz.

25      O órgão jurisdicional de reenvio declara que a autorização de residência pedida só pode ser emitida à recorrente no processo principal, nos termos do referido § 4, n.° 5, se ela estivesse autorizada a permanecer no território alemão com fundamento no artigo 7.° da Decisão n.° 1/80. Segundo esse órgão jurisdicional, tendo em conta os requisitos mencionados nessa disposição, a única questão que se coloca no caso em apreço é saber se N. Dülger, enquanto cidadã tailandesa, pode ser considerada como membro da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro.

26      Nestas condições, o Verwaltungsgericht Gieβen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma cidadã tailandesa, que foi casada com um trabalhador turco integrado no mercado de trabalho regular de um Estado‑Membro e que, depois de ter obtido uma autorização para a ele se reunir, viveu com ele ininterruptamente durante mais de três anos, pode invocar os direitos resultantes do artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80 […], beneficiando, em consequência, de um direito de residência ao abrigo do efeito direto desta disposição?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um membro da família de um trabalhador turco, nacional de um país terceiro diferente da Turquia, pode invocar, no Estado‑Membro de acolhimento, os direitos que resultam dessa disposição, desde que todos os outros requisitos nela previstos estejam preenchidos.

28      Segundo o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, os membros da família de um trabalhador turco beneficiam, sem prejuízo do preenchimento dos requisitos aí previstos, de um direito próprio de acesso ao mercado de trabalho no Estado‑Membro de acolhimento. A esse propósito, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente julgado no sentido de que os direitos que o referido artigo 7.°, primeiro parágrafo, concede aos membros da família de um trabalhador turco, no plano do emprego no Estado‑Membro em causa, implicam necessariamente, sob pena de privar de qualquer efeito o direito de aceder ao mercado de trabalho e de exercer efetivamente uma atividade assalariada, a existência de um direito correlativo de residência do interessado (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de julho de 2007, Derin, C‑325/05, Colet., p. I‑6495, n.° 47, e de 22 de dezembro de 2010, Bozkurt, C‑303/08, Colet., p. I‑13445, n.° 36).

29      Em conformidade com o disposto no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, a aquisição dos direitos previstos nessa disposição está subordinada a três requisitos cumulativos:

¾        a pessoa em causa dever ser membro da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento;

¾        essa pessoa ter sido autorizada pelas instâncias competentes desse Estado a reunir‑se ao referido trabalhador;

¾        essa pessoa residir legalmente, há algum tempo, no território do Estado‑Membro de acolhimento.

30      No caso do processo principal, tal como decorre da decisão de reenvio e, mais particularmente, do próprio teor da questão prejudicial, N. Dülger foi casada com um trabalhador turco que estava integrado no mercado regular de trabalho da Alemanha e viveu ininterruptamente com esse trabalhador, desde o seu casamento, em setembro de 2002, até à sua separação, em junho de 2009, após ter sido autorizada a reunir‑se‑lhe nesse Estado‑Membro. Os requisitos indicados no número precedente estão, à primeira vista, preenchidos.

31      Os Governos alemão, italiano e austríaco alegam, todavia, que o conceito de «membros da família», na aceção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, inclui unicamente os membros da família de um trabalhador turco que tenham igualmente a nacionalidade turca. A nacionalidade tailandesa de N. Dülger impedi‑la‑ia de invocar os direitos previstos na referida disposição.

32      Esta tese não procede.

33      Segundo jurisprudência assente, o artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 faz parte integrante do direito da União (acórdãos de 20 de setembro de 1990, Sevince, C‑192/89, Colet., p. I‑3461, n.os 8 e 9, e de 29 de março de 2012, Kahveci e Inan, C‑7/10 e C‑9/10, n.° 23).

34      O artigo 7.°, primeiro parágrafo, não contém uma definição do conceito de «membros da família» do trabalhador nem uma remissão expressa para os direitos dos Estados‑Membros, para determinar o sentido e o alcance desse conceito. Além disso, nesse artigo, não figura nenhum requisito relativo à nacionalidade dos membros da família.

35      Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «membros da família» não é limitado, no que respeita ao trabalhador, à sua família de sangue (v. acórdão de 30 de setembro de 2004, Ayaz, C‑275/02, Colet., p. I‑8765, n.° 46).

36      Nestas circunstâncias, com vista a assegurar a aplicação homogénea, nos Estados‑Membros, do conceito de «membros da família» no sentido do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, esse conceito deve ser objeto de uma interpretação uniforme ao nível do direito da União (v., neste sentido, acórdão Ayaz, já referido, n.° 39).

37      Como o Tribunal de Justiça declarou, o conceito de «membros da família» do trabalhador deve ser interpretado em função do objetivo que prossegue bem como do contexto em que se insere (acórdão Ayaz, já referido, n.° 40).

38      A este respeito, há que salientar que o sistema de aquisição progressiva dos direitos, previsto no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, tem um duplo objetivo.

39      Numa primeira fase, antes da extinção do período inicial de três anos, a referida disposição visa autorizar a presença dos membros da família do trabalhador migrante junto deste, para assim favorecer, através do reagrupamento familiar, o emprego e a residência do trabalhador turco já regularmente integrado no Estado‑Membro de acolhimento (v., nomeadamente, acórdão Kahveci e Inan, já referido, n.° 32 e jurisprudência referida).

40      A mesma disposição pretende reforçar, numa segunda fase, a inserção duradoura da família do trabalhador migrante turco no Estado‑Membro de acolhimento, atribuindo ao membro da família em causa, após três anos de residência legal no território desse Estado‑Membro, a possibilidade de também ele aceder ao mercado de trabalho. A finalidade essencial assim prosseguida é consolidar a posição do referido membro da família, que se encontra, nessa fase, já regularmente integrado no Estado‑Membro de acolhimento, dando‑lhe os meios de prover pessoalmente às suas necessidades no Estado em questão e, portanto, de consolidar uma situação autónoma em relação à do trabalhador migrante (v., nomeadamente, acórdão de 14 de novembro de 2004, Cetinkaya, C‑467/02, Colet., p. I‑10895, n.° 25, e acórdão Kahveci e Inan, já referido, n.° 33).

41      Daqui decorre que o reagrupamento familiar desempenha um papel central no sistema instituído pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80.

42      Tratando‑se de um meio indispensável para permitir a vida em família, o reagrupamento familiar de que beneficiam os trabalhadores turcos que estão integrados no mercado de trabalho dos Estados‑Membros contribui tanto para melhorar a qualidade da sua estada como a sua integração nesses Estados e, por esse facto, favorece a coesão social da sociedade em causa.

43      O Governo alemão alega, todavia, que tanto o sentido como o objetivo do acordo de associação e da Decisão n.° 1/80 militam contra a ideia de que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, dessa decisão se aplica também aos nacionais que não sejam turcos. O referido acordo visa, em primeiro lugar, objetivos económicos. A regulamentação do direito de residência do cônjuge de um trabalhador turco proveniente de um país terceiro não é, portanto, um problema atual de uma associação baseada em tais objetivos.

44      Este argumento não procede.

45      Embora seja verdade que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do acordo de associação, este tenha por objeto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, não é menos verdade que, ao preverem, no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, a possibilidade de os membros da família de um trabalhador turco se reunirem a ele no Estado‑Membro onde trabalha, as partes contratantes basearam‑se em razões que vão muito além de considerações de ordem puramente económica.

46      Com efeito, o artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 figura na secção 1 do capítulo II dessa decisão, intitulado «Disposições sociais». Essa secção diz respeito às questões relativas ao emprego e à livre circulação de trabalhadores.

47      As vantagens que o reagrupamento familiar traz para a vida familiar, a qualidade da estada bem como para a integração do trabalhador turco no Estado‑Membro onde trabalha e reside são manifestamente independentes da nacionalidade dos membros da sua família que são autorizados a reunir‑se‑lhe nesse Estado.

48      Além disso, o Tribunal de Justiça já julgou no sentido de que as disposições de caráter social da Decisão n.° 1/80, de que faz parte o seu artigo 7.°, primeiro parágrafo, constituem uma etapa suplementar para a realização da livre circulação de trabalhadores, que decorre dos artigos 45.° TFUE, 46.° TFUE e 47.° TFUE, e que, portanto, os princípios admitidos no quadro destes últimos artigos devem ser aplicados, na medida do possível, aos nacionais turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela referida decisão (v., neste sentido, acórdãos de 23 de janeiro de 1997, Tetik, C‑171/95, Colet., p. I‑329, n.° 20, e de 17 de abril de 1997, Kadiman, C‑351/95, Colet., p. I‑2133, n.° 30).

49      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para a determinação do alcance do conceito de «membro da família» no sentido do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, há que fazer referência à interpretação feita do mesmo conceito em matéria de livre circulação de trabalhadores nacionais dos Estados‑Membros da União e, mais especificamente, ao alcance reconhecido ao artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68 (acórdão Ayaz, já referido, n.° 45).

50      Ora, o artigo 10.°, n.° 1, desse regulamento previa que os membros da família de um trabalhador nacional de um Estado‑Membro tinham o direito de se instalar com ele no Estado‑Membro onde estava empregado, independentemente sua nacionalidade.

51      Essa disposição foi revogada, mas os artigos 6.°, n.° 2, e 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 estabelecem igualmente o princípio de que os membros da família de um cidadão da União que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro têm o direito de o acompanhar ou de se reunir a ele no Estado‑Membro de acolhimento.

52      Uma eventual limitação do direito ao reagrupamento familiar, que resultaria necessariamente da aplicação dos direitos conferidos pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 só aos membros da família que têm a nacionalidade turca, prejudicaria o objetivo dessa disposição.

53      Essa limitação iria também contra o direito ao respeito da vida privada e familiar, tal como consagrado no artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Fazendo o artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 parte integrante do direito da União, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar as obrigações resultantes do referido artigo 7.° dessa Carta, à qual o artigo 6.°, n.° 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que aos Tratados.

54      Como o advogado‑geral salientou nos n.os 50 a 53 das suas conclusões, essa interpretação do conceito de «membros da família» no sentido do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 é tanto mais justificada quanto se impõe igualmente no que respeita à Decisão n.° 3/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa à aplicação dos regimes de segurança social dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias aos trabalhadores turcos e aos membros das suas famílias (JO 1983, C 110, p. 60).

55      Com efeito, o artigo 1.°, alínea a), da Decisão n.° 3/80 dispõe, nomeadamente, que, para efeitos da aplicação desta decisão, a expressão «membro da família» tem o significado que lhe é atribuído pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98).

56      O Tribunal de Justiça, chamado a interpretar o âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71, tem julgado reiteradamente no sentido de que o artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento visa duas categorias nitidamente distintas de pessoas: os trabalhadores, por um lado, e os membros da sua família assim como os seus supérstites, por outro. Os primeiros, para estarem abrangidos pelo regulamento, devem ser nacionais de um Estado‑Membro, apátridas ou refugiados, residentes no território de um Estado‑Membro. Em contrapartida, não é exigida a condição da nacionalidade aos membros da família ou aos supérstites de trabalhadores, nacionais da União, para que o regulamento lhes seja aplicável (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de abril de 1996, Cabanis‑Issarte, C‑308/93, Colet., p. I‑2097, n.° 21, e de 25 de outubro de 2001, Ruhr, C‑189/00, Colet., p. I‑8225, n.° 19).

57      Além disso, o Tribunal de Justiça tem igualmente decidido no sentido de que a definição do âmbito de aplicação pessoal da Decisão n.° 3/80, que figura no seu artigo 2.°, é inspirada na mesma definição estabelecida no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 (acórdão de 4 de maio de 1999, Sürül, C‑262/96, Colet., p. I‑2685, n.° 84).

58      Uma interpretação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, baseada no conjunto das considerações que precedem, não pode ser posta em causa pelo facto de, tal como sublinhou o órgão jurisdicional de reenvio, em vários acórdãos proferidos sobre a aplicação dessa disposição, o Tribunal de Justiça ter feito referência à nacionalidade turca dos membros da família de um trabalhador (v. acórdãos de 16 de março de 2000, Ergat, C‑329/97, Colet., p. I‑1487, n.° 67, e de 22 de junho de 2000, Eyüp, C‑65/98, Colet., p. I‑4747, n.° 48; e acórdãos, já referidos, Derin, n.° 48, e Bozkurt, n.° 46).

59      Com efeito, em todos esses acórdãos, os litígios nos processos principais tinham por objeto a atribuição de vantagens previstas pela Decisão n.° 1/80 aos filhos ou aos cônjuges de um trabalhador turco, também eles de nacionalidade turca. Sendo assim, a referência feita pelo Tribunal de Justiça à nacionalidade dos membros da família não tinha um significado particular.

60      Os Governos alemão, italiano e austríaco alegam, além disso, que uma interpretação extensiva do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 equivaleria a alargar excessivamente o âmbito de aplicação pessoal da Decisão n.° 1/80, permitindo aos nacionais de países terceiros, cujo número é difícil de determinar, invocarem a referida disposição.

61      A este propósito, basta recordar que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 sujeita expressamente o reagrupamento familiar à autorização de reunião com o trabalhador migrante turco, concedida em conformidade com as disposições da regulamentação do Estado‑Membro de acolhimento (acórdãos, já referidos, Ayaz, n.os 34 e 35, e Derin, n.° 63).

62      Esse requisito, que tem por objetivo excluir do âmbito de aplicação do referido artigo 7.°, primeiro parágrafo, os membros da família do trabalhador turco que tenham entrado no território do Estado‑Membro de acolhimento e aí residam sem cumprir a regulamentação desse Estado (acórdão Cetinkaya, já referido, n.° 23), explica‑se pela consideração de que, no quadro da associação CEE‑Turquia, o reagrupamento familiar não constitui um direito dos membros da família do trabalhador migrante turco, mas depende, pelo contrário, de uma decisão das autoridades nacionais tomada ao abrigo apenas do direito do Estado‑Membro em causa, sem prejuízo da exigência do respeito dos direitos fundamentais (v., neste sentido, acórdão Derin, já referido, n.° 64).

63      Por essa mesma razão, também não se pode sustentar que o facto de incluir no âmbito de aplicação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 os membros da família de um trabalhador turco que não têm a nacionalidade turca constituiria, em violação do artigo 59.° do protocolo adicional, um tratamento mais favorável para estes, em comparação com os membros da família de um cidadão da União que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro.

64      Com efeito, contrariamente ao regime aplicável aos membros da família de um trabalhador turco, os membros da família de um cidadão da União que sejam nacionais de Estados terceiros beneficiam, em virtude do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, de um direito de entrada no território dos Estados‑Membros, sujeito unicamente à condição de possuírem um visto de entrada ou um título de residência válido.

65      Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que um membro da família de um trabalhador turco, nacional de um país terceiro diferente da Turquia, pode invocar, no Estado‑Membro de acolhimento, os direitos que resultam dessa disposição, desde que estejam preenchidos todos os outros requisitos nela previstos.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da Associação, adotada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado, em 12 de setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado, em nome desta, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963, deve ser interpretado no sentido de que um membro da família de um trabalhador turco, nacional de um país terceiro diferente da Turquia, pode invocar, no Estado‑Membro de acolhimento, os direitos que resultam dessa disposição, desde que estejam preenchidos todos os outros requisitos nela previstos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.