Language of document : ECLI:EU:C:2013:136

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 6 de março de 2013 (1)

Processo C‑144/12

Goldbet Sportwetten GmbH

contra

Massimo Sperindeo

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial ― Competência do órgão jurisdicional de reenvio ao qual foi submetido o processo devido à comparência em juízo do requerido ― Requerimento de injunção de pagamento europeia»





1.        O presente processo tem por objeto a interpretação do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 (2) que, para a sua aplicação, prevê que a competência é determinada de acordo com as regras de direito comunitário aplicáveis na matéria, nomeadamente o Regulamento (CE) n.° 44/2001 (3).

2.        A questão é em particular a de saber se uma oposição a uma injunção de pagamento europeia equivale a uma comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, e, por conseguinte, à aceitação da competência do órgão jurisdicional competente no processo civil comum que se segue ao processo previsto no Regulamento n.° 1896/2006.

3.        Nas presentes conclusões, explicaremos as razões pelas quais consideramos que o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que a dedução de oposição a um requerimento de injunção de pagamento europeia não equivale a comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, no processo civil comum que se segue ao processo europeu de injunção de pagamento.

4.        Também indicaremos a razão pela qual, na nossa opinião, o facto de o oponente a este requerimento de injunção de pagamento europeia ter apresentado argumentos relativos ao mérito do processo na referida oposição não tem nenhuma incidência a este respeito.

I ―    Quadro jurídico

A ―    Direito da União

1.      Regulamento n.° 1896/2006

5.        O Regulamento n.° 1896/2006 institui um procedimento europeu de injunção de pagamento. O artigo 1.°, n.° 1, alínea a) deste regulamento indica que «[este último] tem por objetivo: simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento».

6.        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.° 44/2001.»

7.        O artigo 16.° do Regulamento n.° 1896/2006 tem a seguinte redação:

«1.      O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do anexo VI, que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento europeia.

2.      A declaração de oposição deve ser enviada no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação do requerido.

3.      O requerido deve indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.

[…]»

8.        O artigo 17.° deste regulamento prevê:

«1.      Se for apresentada declaração de oposição no prazo previsto no n.° 2 do artigo 16.°, a ação prossegue nos tribunais competentes do Estado‑Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.

Se o requerente reclamar o seu crédito através do procedimento europeu de injunção de pagamento, nenhuma disposição do direito nacional prejudica a sua posição no processo civil comum subsequente.

2.      A passagem da ação para a forma de processo civil comum, na aceção do n.° 1, rege‑se pela lei do Estado‑Membro de origem.

3.      É comunicado ao requerente se o requerido deduziu ou não oposição ou se houve passagem da ação para a forma de processo civil comum.»

2.      Regulamento n.° 44/2001

9.        O Regulamento n.° 44/2001 é relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. O artigo 5.°, n.° 1, deste regulamento dispõe o seguinte:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

a)      Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)      Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

―      […]

―      no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;»

10.      O artigo 24.° deste regulamento tem a seguinte redação:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.°»

B ―    Direito austríaco

11.      O artigo 252.° do Código de processo civil austríaco (Zivilprozessordnung), que versa sobre o procedimento europeu de injunção de pagamento, prevê que, salvo disposição em contrário do Regulamento n.° 1896/2006, devem ser observadas as normas processuais aplicáveis ao objeto do litígio em causa. Este artigo precisa que é exclusivamente competente para a tramitação do procedimento europeu de injunção de pagamento o Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Áustria). Por outro lado, ainda ao abrigo desta disposição, após receção de uma oposição deduzida tempestivamente, o tribunal notifica o requerente para, no prazo de 30 dias, indicar o tribunal competente para a tramitação do processo ordinário. O requerido deve deduzir a exceção de incompetência do tribunal antes de comparecer em juízo para se pronunciar sobre o mérito da causa.

II ― Os factos do litígio no processo principal e as questões prejudiciais

12.      A Goldbet Sportwetten GmbH (a seguir «recorrente») é uma empresa com sede na Áustria que organiza apostas desportivas. M. Sperindeo (a seguir «requerido») tem domicílio em Itália. Por contrato de prestação de serviços, este último tinha‑se comprometido a organizar e divulgar as atividades da recorrente em Itália. Devia, nomeadamente, fazer a coleta das apostas nos pontos de coleta locais e enviar o dinheiro à recorrente, após dedução dos montantes ganhos.

13.      Esta última, considerando que o requerido não tinha dado cumprimento às suas obrigações contratuais, pediu, em 29 de dezembro de 2009, e obteve, em 17 de fevereiro de 2010, do Bezirksgericht für Handelssachen Wien, órgão jurisdicional competente para o procedimento europeu de injunção de pagamento, uma injunção de pagamento europeia para pagamento de um montante de 16 406 euros, acrescido de juros e de despesas a título de indemnização por incumprimento do contrato.

14.      Em 19 de abril de 2010, por intermédio do seu advogado, o requerido deduziu tempestivamente oposição a esta injunção de pagamento. Para fundamentar a oposição, alegou que, segundo ele, o pedido da recorrente era injustificado e inexigível.

15.      Por despacho de 2 de julho de 2010, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien remeteu o processo para o Landesgericht Innsbruck (Áustria), considerando que este órgão jurisdicional era competente ao abrigo do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006.

16.      Pela primeira vez no Landesgericht Innsbruck, o requerido invocou a incompetência deste tribunal pelo facto de o seu domicílio ser em Itália. Pediu por conseguinte que o Landesgericht Innsbruck se declarasse territorialmente incompetente e que julgasse o pedido inadmissível. Por seu lado, a recorrente defendeu que o Landesgericht Innsbruck era competente, enquanto tribunal do lugar de cumprimento da obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro, por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001. De qualquer modo, segundo a recorrente, este tribunal era competente ao abrigo do artigo 24.° do referido regulamento, pelo facto de o requerido ter comparecido em juízo por ter apresentado fundamentos quanto ao mérito na oposição à injunção de pagamento europeia, sem que então tivesse invocado uma exceção de incompetência.

17.      Por despacho, o Landesgericht Innsbruck julgou procedente o pedido do requerido, declarou‑se incompetente e julgou o pedido inadmissível. A recorrente interpôs recurso deste despacho para o Oberlandesgericht Innsbruck (Áustria). Foi negado provimento a este recurso pelo facto de em princípio os tribunais austríacos serem incompetentes, dado que as pretensões da recorrente se baseavam num contrato de prestação de serviços e que o lugar de cumprimento acordado, na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, era Itália. O tribunal de recurso acrescentou que a incompetência do tribunal ao qual fora submetido o litígio não tinha sido sanada pela comparência em juízo em conformidade o artigo 24.° do Regulamento n.° 1896/2006.

18.      A recorrente interpôs recurso de «Révision» no Oberster Gerichtshof (Áustria) da decisão do Oberlandesgericht Innsbruck, no qual pede a anulação das decisões anteriores e a retoma do procedimento no Landesgericht Innsbruck.

19.      Tendo dúvidas quanto à interpretação que importa dar ao direito da União, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O artigo 6.° do Regulamento n.° 1896/2006 […] deve ser interpretado no sentido de que no procedimento europeu de injunção também se aplica o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001[…], que determina que é competente o tribunal perante o qual o requerido compareça?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O artigo 17.° do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que a dedução de oposição a uma injunção de pagamento europeia constitui desde logo uma comparência em juízo, se na oposição não for arguida a incompetência do tribunal de origem?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão:

O artigo 17.° do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que a dedução da oposição fundamenta em qualquer caso a competência do tribunal, devido à comparência do requerido em juízo, se na oposição forem formuladas alegações sobre o mérito da causa, mas não for arguida a incompetência do tribunal?»

III ― Análise

20.      Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que o facto de a dedução de oposição a um requerimento de injunção de pagamento europeia equivale à comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, no processo civil comum que se segue ao procedimento europeu de injunção de pagamento e se o facto de o oponente a este requerimento de injunção de pagamento europeia ter apresentado argumentos quanto ao mérito do processo nesta oposição tem alguma incidência a este respeito.

21.      Recorde‑se que, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006, para aplicação deste regulamento, a competência é determinada em conformidade com as normas de direito comunitário aplicáveis na matéria, nomeadamente o Regulamento n.° 44/2001. Ora, o artigo 24.° deste último prevê uma prorrogação tácita da competência a favor do tribunal ao qual o processo foi submetido nos casos em que o requerido comparece em juízo sem contestar a sua competência.

22.      Como a Comissão Europeia e os Governos alemão e austríaco, consideramos que a oposição a uma injunção de pagamento europeia não equivale à comparência em juízo na aceção desta disposição. O facto de o oponente ter fundamentado esta oposição não tem, quanto a mim, nenhuma incidência a este respeito.

23.      Com efeito, um primeiro elemento de resposta é‑nos dado pela letra dos motivos do Regulamento n.° 1896/2006.

24.      Estes precisam de forma muito clara que o procedimento europeu de injunção de pagamento que este regulamento cria é um processo centrado no estabelecimento de um mecanismo rápido e uniforme de liquidação de créditos pecuniários não contestados em toda a União Europeia (4).

25.      A este respeito o Regulamento n.° 1896/2006 dá resposta ao programa de medidas adotado pelo Conselho da União Europeia em 2000 que prevê a possibilidade de criar na Comunidade Europeia um programa «uniforme ou harmonizado […] para obter uma decisão judicial» (5), confirmado em 2004 pelo Programa da Haia adotado pelo Conselho Europeu em 5 de novembro de 2004 (6).

26.      Esta especificidade foi de resto recordada pelo Tribunal de Justiça no n.° 30 do acórdão de 13 de dezembro de 2012, Szyrocka (7), que dispõe: «[p]or último, há que recordar, como resulta do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1896/2006, que este tem por objetivo, nomeadamente, simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados. Como anunciado no oitavo, décimo e vigésimo nono considerandos do referido regulamento, embora este não substitua nem harmonize os mecanismos nacionais de cobrança de créditos não contestados, estabelece, de modo a alcançar esse objetivo, um instrumento uniforme de cobrança desses créditos, garantindo condições idênticas aos credores e aos devedores em toda a União».

27.      O objetivo assim expresso evoca sem margem para dúvidas um instrumento jurídico destinado a evitar a contestação quanto ao mérito e os prazos em geral que os processos de caráter judicial clássico acarretam. Ao ponto, aliás, de este processo poder, à escolha dos Estados‑Membros, correr perante uma instância administrativa.

28.      Com efeito, para atingir o objetivo procurado, o artigo 5.°, n.° 3, deste regulamento define de modo autónomo o termo «tribunal» como «qualquer autoridade de um Estado‑Membro competente em matéria de injunções de pagamento europeias ou em quaisquer outras matérias conexas» (8). Tal exclui claramente que o procedimento esteja reservado a instâncias jurisdicionais, judiciárias ou administrativas, para os Estados‑Membros que delas disponham.

29.      Nesta ótica, o sistema criado pelo referido regulamento tem as seguintes características.

30.      Em primeiro lugar não é contraditório. Com efeito, a emissão da injunção de pagamento europeia ou a recusa do requerimento é feita pela autoridade nacional competente sem contraditório perante ela (9), podendo no entanto esta última solicitar explicações ou justificações ao requerente, o que apenas pode ser compreendido pela preocupação em verificar se o crédito invocado corresponde, pelo menos de forma aparente, à qualificação de «crédito incontestado». Nesta fase, o devedor não é ouvido e não pode invocar nenhum argumento.

31.      O devedor apenas surge na fase da execução da injunção de pagamento europeia, quando a mesma é emitida. Na realidade, o despacho de injunção de pagamento europeia apenas é do conhecimento do devedor aquando da sua comunicação, a qual faz correr um prazo de 30 dias para dedução de oposição contra o referido despacho (10). A dedução de oposição é feita, ou através de um formulário tipo que deve ser junto ao despacho comunicado, ou sem forma específica (11). Por si só, esta oposição faz caducar o procedimento de injunção de pagamento europeu (12). A autoridade na aceção do artigo 5.°, n.° 3, deste regulamento, já não conhece dele. O processo apenas pode prosseguir de acordo com as regras do processo civil comum que a partir de então é o único aplicável (13).

32.      Estes princípios de funcionamento justificam por si só que, perante o tribunal civil comum, se dê início a um processo inteiramente novo no qual tudo deve ser retomado desde o início, mesmo na hipótese de a autoridade competente em matéria de injunção de pagamento europeia também ser o tribunal competente para conhecer do mérito.

33.      Observe‑se que esta hipótese não é a do processo principal, na medida em que a autoridade competente ao abrigo do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1896/2006 é o Bezirksgericht für Handelssachen Wien, sendo o tribunal por ele designado para conhecer do mérito o Landesgericht Innsbruck.

34.      Independentemente disso, mantém‑se a questão de saber se o facto de se deduzir oposição à injunção de pagamento europeia, não através do envio de um formulário tipo mas de um documento detalhado, tem como consequência prolongar a competência do tribunal chamado a conhecer do mérito, equivalendo nesse caso a referida declaração de oposição a uma comparência em juízo na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001.

35.      À tese avançada a favor de uma resposta afirmativa a esta questão podemos opor um certo número de argumentos.

36.      Responder afirmativamente seria reconhecer que o procedimento europeu de injunção de pagamento e o processo nacional civil comum constituem, na realidade, um único processo e que a instância única começou, de facto, perante a autoridade competente em matéria de injunção de pagamento europeia. Com efeito, tal apenas pode compreender‑se se a expressão «a ação prossegue nos», constante do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006, for interpretada no sentido de que significa que o processo após dedução de oposição à injunção de pagamento europeia é o mesmo que aquele que se iniciou perante a autoridade à qual o litígio foi submetido em primeiro lugar, na medida em que os acontecimentos processuais desta fase vinculam em seguida o tribunal que conhece do mérito.

37.      Não pode deixar de se observar que o requerido, aqui devedor, não tem nenhuma possibilidade de invocar a incompetência do tribunal na medida em que está totalmente ausente do início do procedimento, como referimos nos n.os 30 e 31 das presentes conclusões.

38.      Poderíamos corrigir este inconveniente considerando que, para o devedor, o procedimento começa quando o despacho de injunção de pagamento europeia lhe é comunicado. Contudo, nesse caso, estaríamos perante uma diferença de tratamento que nos parece condenar totalmente esta última interpretação.

39.      Com efeito, a dedução de oposição através do formulário tipo deixaria intacta a questão da contestação da competência, que apenas o tribunal que conhece do mérito deveria apreciar. Em contrapartida, a contestação em papel simples, acompanhada de alguns argumentos, ou mesmo de uma argumentação completa, equivaleria a comparência em juízo e, por conseguinte, a uma aceitação tácita da competência, apesar de o regulamento, que aceita esta forma de expressão livre, apenas impor um requisito de validade: a existência de uma oposição claramente expressa.

40.      De outro modo, o devedor estaria privado de recurso em caso de apreciação errada da competência da autoridade que decide em matéria de injunção de pagamento europeia, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, foi o que aconteceu no caso vertente. Nessa hipótese, o devedor apenas poderia recorrer, sendo caso disso, ao poder de o juiz nacional suscitar oficiosamente a sua própria incompetência no âmbito do processo civil comum.

41.      Como justificar que tal consequência possa ser resultado de um processo europeu de injunção de pagamento que não permite qualquer possibilidade de recurso? A este respeito a recorrente defendeu na audiência que, apesar da aceitação tácita da competência quanto ao mérito que decorre da mera dedução de oposição contra o requerimento de injunção de pagamento europeia, ainda seria possível suscitar a incompetência do tribunal civil comum perante o próprio tribunal. Caso fosse de admitir essa hipótese, não compreendemos então porque é que se deve considerar que a oposição equivale à comparência em juízo, com as consequências a ela associadas.

42.      A partir de que nível de precisão da argumentação se deverá considerar que a dedução de oposição efetuada desta forma equivale à comparência em juízo? Não gerará isso uma imprecisão, fonte de insegurança jurídica, contrária ao objetivo pretendido pelo legislador europeu que consiste precisamente, relembremo‑lo, em simplificar o procedimento europeu de injunção de pagamento?

43.      Segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica implica que a legislação da União seja certa e que a sua aplicação seja previsível para os particulares. Por conseguinte, este princípio pressupõe que um ato de direito da União ― e, no caso vertente, as disposições pertinentes dos Regulamentos n.° 1896/2006 e n.° 44/2001 ― que tem como consequência a produção de efeitos jurídicos em relação aos particulares, deve ser claro e preciso, de modo a que estes últimos possam conhecer com certeza o momento a partir do qual este ato começa a produzir esses efeitos.

44.      Ora, admitir que a dedução de oposição a um requerimento de injunção de pagamento europeia possa equivaler a comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, consoante haja ou não fundamentação quanto ao mérito do processo, corresponde precisamente a criar uma incerteza jurídica, na medida em que seria necessário apreciar em cada caso se a fundamentação é ou não ampla ou se a sua amplitude corresponde, expressa ou tacitamente, a uma tomada de posição a respeito da competência do tribunal encarregue do processo civil comum, ao qual nesta fase, relembremo‑lo, ainda nem sequer foi submetido qualquer processo.

45.      Tal teria como resultado acrescentar complexidade quando o Regulamento n.° 1896/2006 visa precisamente simplificar o procedimento europeu de injunção de pagamento.

46.      Como admitir uma unidade de processo entre o processo europeu de injunção de pagamento e o processo civil comum se, por exemplo, a autoridade competente em matéria de injunção de pagamento europeia for um tribunal administrativo e o tribunal competente quanto ao mérito for judiciário? Ou melhor, se essa autoridade não for sequer um tribunal? Como justificar que uma ocorrência perante essa instância possa em seguida ter tais consequências? Recordaremos apenas a importância das regras de competência na tramitação do processo judicial.

47.      Por fim, a leitura combinada do artigo 16.° do Regulamento n.° 1896/2006 e do vigésimo terceiro considerando deste parece ser suficiente para servir de base à decisão. Com efeito, o artigo 16.°, n.° 1, deste regulamento não impõe na realidade nenhuma forma particular de dedução de oposição. Indica que «[o] requerido pode deduzir oposição […] através de um formulário tipo […]». O n.° 3 desta disposição completa especificando que o devedor não é obrigado a precisar os motivos da contestação.

48.      Por conseguinte, o devedor pode expor os fundamentos da sua contestação, mas tal não pode, em nenhum caso, implicar que sofra consequências jurídicas particulares e desfavoráveis não expressamente previstas pelo referido regulamento, pela simples razão de que, nesta fase, apenas importa saber se o crédito é ou não contestado. O fundamento é totalmente supérfluo. Apenas importa saber se o crédito é contestado nesta fase.

49.      A letra do vigésimo terceiro considerando do Regulamento n.° 1896/2006 confirma‑o ao precisar que «[o] requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do presente regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente». Uma declaração de oposição que contenha argumentos é uma declaração de oposição escrita claramente formulada. A mesma é por conseguinte válida e tem como único efeito implicar as mesmas consequências que as previstas no formulário tipo, concretamente, pôr termo à injunção de pagamento europeia. Acrescentar outras consequências seria ir, não além, mas contra a vontade do legislador.

50.      Por todas estas razões consideramos que o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que a dedução de oposição a um requerimento de injunção de pagamento europeia não equivale a comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, no processo civil comum que se segue ao processo europeu de injunção de pagamento. O facto de o oponente a este requerimento de injunção de pagamento europeia ter apresentado argumentos quanto ao mérito do processo nesta declaração de oposição não tem nenhuma incidência a este respeito.

IV ― Conclusão

51.      Atendendo ao conjunto das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda o seguinte às questões prejudiciais apresentadas pelo Oberster Gerichtshof:

O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que institui um processo europeu de injunção de pagamento, alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que deve ser interpretado no sentido de que a dedução de oposição a um requerimento de injunção de pagamento europeia não equivale a comparência em juízo, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, no processo civil comum que se segue ao processo europeu de injunção de pagamento. O facto de o oponente a este requerimento de injunção de pagamento europeia ter apresentado argumentos quanto ao mérito do processo nesta declaração de oposição não tem nenhuma incidência a este respeito.


1 ―      Língua original: francês.


2 ―      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1), e Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, que altera os anexos deste regulamento (JO L 283, p. 1).


3 ―      Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e retificativos (JO 2001, L 307, p. 28).


4 ―      V., nomeadamente, quarto, nono e vigésimo nono considerandos do referido regulamento.


5 ―      O sublinhado é meu.


6 ―      V. quarto considerando deste regulamento.


7 ―      C‑215/11.


8 ―      V., igualmente, décimo sexto considerando do referido regulamento que indica que a análise do requerimento de injunção de pagamento europeia não terá necessariamente de ser efetuada por um juiz.


9 ―      De acordo com os artigos 5.°, n.° 3, 7.°, n.° 3 e 8.° a 12.° do Regulamento n.° 1896/2006, o requerimento de injunção de pagamento europeu é, com efeito, iniciado pelo requerente que apresenta o requerimento à autoridade nacional competente. Esta autoridade analisa o requerimento e recusa ou emite a injunção de pagamento apenas com base nas informações fornecidas pelo requerente.


10 ―      V. artigo 16.°, n.° 2, deste regulamento.


11 ―      V. artigo 7.° do referido regulamento e vigésimo terceiro considerando deste.


12 ―      V. vigésimo quarto considerando do Regulamento n.° 1896/2006.


13 ―      V. artigo 17.°, n.os 1 e 2, do referido regulamento, e vigésimo quarto considerando deste.