Language of document : ECLI:EU:C:2013:393

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

13 de junho de 2013 (*)

«Regulamento (CE) n.° 1896/2006 ― Procedimento europeu de injunção de pagamento ― Artigos 6.° e 17.° ― Oposição à injunção de pagamento europeia sem contestação da competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem ― Regulamento (CE) n.° 44/2001 ― Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial ― Artigo 24.° ― Comparência do requerido perante o tribunal onde foi intentada a ação ― Aplicabilidade no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento»

No processo C‑144/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 28 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 23 de março de 2012, no processo

Goldbet Sportwetten GmbH

contra

Massimo Sperindeo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh, C. Toader e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Goldbet Sportwetten GmbH, por D. Czernich, Rechtsanwalt,

¾        em representação de M. Sperindeo, por L. Lorenz e R. Testor, Rechtsanwälte,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e S. Duarte Afonso, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Governo suíço, por D. Klingele, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por W. Bogensberger, A.‑M. Rouchaud‑Joët e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de março de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1), lido em conjugação com o artigo 17.° deste regulamento, e do artigo 24.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um procedimento europeu de injunção de pagamento, iniciado pela Goldbet Sportwetten GmbH (a seguir «Goldbet»), sociedade com sede na Áustria, contra M. Sperindeo, residente em Itália.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.° 1896/2006

3        Os considerandos 23 e 24 do Regulamento n.° 1896/2006 têm a seguinte redação:

«(23) O requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do presente regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente.

(24)      Uma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da ação para uma forma de processo civil comum, a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de processo civil comum não deverá necessariamente ser interpretado na aceção do direito interno.»

4        O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento tem por objetivo:

a)      Simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento».

5        Nos termos do artigo 5.° do referido regulamento, o «Estado‑Membro de origem» é definido como «o Estado‑Membro no qual é emitida uma injunção de pagamento europeia».

6        O artigo 6.°, n.° 1, do mesmo regulamento estabelece:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento […] n.° 44/2001.»

7        O artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1896/2006 dispõe:

«Na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado de que pode optar entre:

a)      Pagar ao requerente o montante indicado na injunção;

ou

b)      Deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição, que deve ser enviada ao tribunal de origem no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção.»

8        Nos termos do artigo 16.° deste regulamento:

«1.      O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do Anexo VI, que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento europeia.

[...]

3.      O requerido deve indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.

4.      A declaração de oposição deve ser apresentada em suporte papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado‑Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.

[...]»

9        O artigo 17.°, n.° 1, do referido regulamento enuncia:

«Se for apresentada declaração de oposição no prazo […], a ação prossegue nos tribunais competentes do Estado‑Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.

[...]»

10      No Anexo VI do mesmo regulamento figura o formulário normalizado F, que pode ser utilizado para deduzir oposição à injunção de pagamento europeia.

 Regulamento n.° 44/2001

11      O artigo 5.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1)      a)     Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)      Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

[...]

¾        no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

[...]»

12      O artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 prevê:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.°»

 Regulamentação austríaca

13      O § 252 do Código de Processo Civil (Zivilprozessordnung), que tem por objeto o procedimento europeu de injunção de pagamento, dispõe:

«1.      Salvo disposição em contrário do [Regulamento n.° 1896/2006], devem ser observadas as normas processuais aplicáveis ao objeto do litígio em causa.

2.      É exclusivamente competente para a tramitação do procedimento europeu de injunção de pagamento o Bezirksgericht für Handelssachen Wien. [...]

3.      Após receção de uma oposição deduzida tempestivamente, o tribunal notifica o requerente para, no prazo de 30 dias, indicar o tribunal competente para a tramitação do processo ordinário […]

4.      […] O requerido deve deduzir a exceção de incompetência do tribunal antes de vir a juízo pronunciar‑se sobre o mérito da causa.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      M. Sperindeo obrigou‑se, através de um contrato de fornecimento de serviços celebrado com a Goldbet, empresa que tem por atividade a organização de apostas desportivas, a organizar e assegurar a difusão dessas apostas em Itália. Devia, nomeadamente, receber os proventos das apostas recolhidas pelas agências de apostas locais e transferir os montantes correspondentes à Goldbet, após dedução das quantias pagas aos jogadores a título de prémio.

15      Considerando que M. Sperindeo não tinha cumprido as suas obrigações contratuais, a Goldbet solicitou, em 29 de dezembro de 2009, e obteve, em 17 de fevereiro de 2010, do Bezirksgericht für Handelssachen Wien, órgão jurisdicional competente para decidir o procedimento europeu de injunção de pagamento na Áustria, a emissão de uma injunção de pagamento europeia contra M. Sperindeo, para pagamento da quantia de 16 406 euros, acrescida de juros e das despesas do processo, a título de indemnização.

16      Em 19 de abril de 2010, M. Sperindeo deduziu, tempestivamente, oposição a esta injunção de pagamento europeia por intermédio do seu advogado. Para fundamentar a oposição, alegou que a pretensão da Goldbet era injustificada e que a quantia reclamada era inexigível.

17      Na sequência desta oposição, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien remeteu os autos ao Landesgericht Innsbruck, considerando ser esse o tribunal competente para o processo civil comum, na aceção do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006.

18      No Landesgericht Innsbruck, M. Sperindeo suscitou, pela primeira vez, uma exceção de incompetência dos tribunais austríacos, com o fundamento de que tinha residência em Itália. A Goldbet alegou que o Landesgericht Innsbruck era o tribunal competente, enquanto tribunal do lugar de cumprimento da obrigação de pagar uma quantia, por força do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001. Em qualquer caso, esse tribunal era, segundo esta sociedade, competente por força do artigo 24.° deste regulamento, na medida em que M. Sperindeo, não tendo suscitado nenhuma exceção de incompetência quando deduziu oposição à injunção de pagamento europeia em causa, tinha comparecido, na aceção deste artigo.

19      Por despacho, o Landesgericht Innsbruck julgou procedente o pedido de M. Sperindeo, declarou‑se incompetente e indeferiu liminarmente a petição inicial. A Goldbet interpôs recurso desse despacho no Oberlandesgericht Innsbruck. Este tribunal negou provimento ao recurso com o fundamento de que os tribunais austríacos eram incompetentes, devido ao facto de, por um lado, as pretensões da Goldbet se fundarem num contrato de prestação de serviços cujo lugar de cumprimento da obrigação, na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001, se situava em Itália e, por outro, de a competência desses tribunais não se poder basear no artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, dado que a oposição deduzida por M. Sperindeo não podia ser considerada como uma comparência, na aceção deste artigo.

20      A Goldbet interpôs, no órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de «Revision» da decisão do Oberlandesgericht Innsbruck. Pede a anulação dos despachos jurisdicionais anteriores e que seja ordenado o prosseguimento do processo nos tribunais austríacos.

21      O órgão jurisdicional de reenvio considera que os tribunais austríacos não são competentes por força do artigo 5.°, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001, dado que a atividade confiada a M. Sperindeo pela Goldbet decorria exclusivamente em Itália. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, no entanto, sobre se a oposição deduzida pelo requerido contra a injunção de pagamento, sem contestação da competência do tribunal de origem, pode ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, atribuindo a competência aos tribunais austríacos.

22      Nestas condições, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 6.° do [Regulamento n.° 1896/2006] deve ser interpretado no sentido de que[,] no procedimento europeu de injunção [de pagamento,] também se aplica o artigo 24.° do [Regulamento n.° 44/2001], que determina que é competente o tribunal perante o qual o requerido compareça?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão [prejudicial]:

O artigo 17.° do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que a dedução de oposição a uma injunção de pagamento europeia constitui desde logo uma comparência em juízo, se na oposição não for arguida a incompetência do tribunal de origem?

3)      Em caso de resposta negativa à segunda questão [prejudicial]:

O artigo 17.° do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que a dedução da oposição fundamenta em qualquer caso a competência do tribunal, devido à comparência do requerido em juízo, se na oposição forem formuladas alegações sobre o mérito da causa, mas não for arguida a incompetência do tribunal?»

 Quanto às questões prejudiciais

23      Com as suas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 6.° do Regulamento n.° 1896/2006, lido em conjugação com o artigo 17.° deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem deve ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, e se a circunstância de o requerido ter formulado, no quadro da oposição que deduziu, alegações sobre o mérito da causa é pertinente a este respeito.

24      Por conseguinte, há que verificar, em primeiro lugar, se uma oposição à injunção de pagamento europeia, na qual a competência do tribunal do Estado‑Membro de origem não é contestada, tem valor de comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, quando essa oposição não é acompanhada de uma formulação de alegações sobre o mérito da causa.

25      Todos os interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça concordam que deve ser dada uma resposta negativa a esta questão.

26      A este respeito e a título preliminar, há que recordar, por um lado, que o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 prevê que, para efeitos da aplicação deste regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito da União aplicáveis na matéria, designadamente as que figuram no Regulamento n.° 44/2001. Nos termos do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006, se for apresentada declaração de oposição à injunção de pagamento europeia no prazo previsto, a ação prossegue nos tribunais competentes do Estado‑Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum.

27      Por outro lado, o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 atribui a competência, sem prejuízo das exceções previstas nesta disposição, ao tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça.

28      Além disso, resulta do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1896/2006 que este tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados. Este regulamento, embora não substitua nem harmonize os mecanismos nacionais de cobrança de créditos não contestados, estabelece, de modo a alcançar esse objetivo, um instrumento uniforme de cobrança desses créditos, garantindo condições idênticas aos credores e aos devedores em toda a União Europeia (acórdão de 13 de dezembro de 2012, Szyrocka, C‑215/11, n.° 30).

29      Como salientou o advogado‑geral no n.° 30 das suas conclusões, este procedimento simplificado e uniforme não é contraditório. Com efeito, o requerido apenas tem conhecimento da emissão da injunção de pagamento europeia no momento em que esta lhe é notificada. Como resulta do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1896/2006, só nesse momento é que é informado da possibilidade de pagar ao requerente o montante indicado na injunção ou de deduzir oposição à injunção no tribunal de origem.

30      Esta possibilidade que o requerido tem de deduzir oposição destina‑se a compensar o facto de o sistema criado pelo Regulamento n.° 1896/2006 não prever a participação do referido requerido no procedimento europeu de injunção de pagamento, permitindo‑lhe contestar o crédito após a emissão da injunção de pagamento europeia.

31      Ora, quando o requerido não contesta, na sua oposição à injunção de pagamento europeia, a competência do tribunal do Estado‑Membro de origem, essa oposição só produz, para esse requerido, os efeitos que resultam do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006. Esses efeitos consistem em pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e em passar automaticamente o litígio para processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que se ponha termo ao processo.

32      Uma solução contrária, que levasse a que a oposição, quando não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem, valha por comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, alargaria os efeitos da oposição para além daqueles que estão previstos pelo Regulamento n.° 1896/2006.

33      Além disso, há que recordar, como resulta do artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 e do considerando 23 do mesmo, que o requerido pode utilizar o formulário normalizado que figura no Anexo VI do mesmo regulamento para deduzir oposição à injunção de pagamento europeia. Ora, esse formulário não disponibiliza nenhuma possibilidade de contestar a competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem.

34      Portanto, uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem e que não seja acompanhada de alegações sobre o mérito da causa não pode ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001.

35      Em segundo lugar, há que examinar a questão de saber se a circunstância de o requerido ter formulado alegações sobre o mérito da causa no quadro da oposição à injunção de pagamento europeia tem alguma incidência a este respeito.

36      A Goldbet e o Governo checo alegam que, quando a oposição é acompanhada de alegações sobre o mérito da causa, a competência pode ser determinada ao abrigo do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001. M. Sperindeo, os Governos alemão, português e suíço e a Comissão Europeia alegam, pelo contrário, que esta circunstância não tem nenhuma incidência no que respeita à determinação da competência.

37      Na verdade, resulta do acórdão de 24 de junho de 1981, Elefanten Schuh (150/80, Recueil, p. 1671, n.° 16), relativo à interpretação do artigo 18.° da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), disposição no essencial idêntica ao artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, que a contestação da competência não pode ocorrer após o momento em que são feitas as alegações que o direito processual nacional considera como primeira defesa dirigida ao tribunal chamado a pronunciar‑se.

38      Contudo, diversamente das circunstâncias que deram origem ao referido acórdão, nas quais o requerido tinha formulado alegações sobre o mérito da causa no quadro do processo civil comum, no presente processo principal, as alegações sobre o mérito da causa foram formuladas no quadro da oposição à injunção de pagamento europeia. Ora, uma tal oposição acompanhada dessas alegações não pode, para efeitos de determinação do tribunal competente ao abrigo do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, ser considerada como a primeira defesa apresentada no quadro do processo civil comum que se segue ao procedimento europeu de injunção de pagamento.

39      O facto de considerar que uma tal oposição corresponde à primeira defesa equivaleria a reconhecer, como salienta o advogado‑geral no n.° 36 das suas conclusões, que o procedimento europeu de injunção de pagamento e o processo civil comum que lhe dá continuação, em princípio, constituem um único processo. Ora, essa interpretação seria dificilmente conciliável com a circunstância de que o primeiro desses procedimentos segue as regras previstas pelo Regulamento n.° 1896/2006, enquanto o segundo se desenrola, como resulta do artigo 17.°, n.° 1, do referido regulamento, de acordo com as normas do processo civil comum. Esta interpretação colidiria igualmente com o facto de que, embora esse processo civil, na inexistência de contestação de competência internacional por parte do requerido, siga os seus termos no Estado‑Membro de origem, o mesmo não se desenrola necessariamente no mesmo tribunal que o procedimento europeu de injunção de pagamento.

40      Uma interpretação segundo a qual uma oposição acompanhada de alegações sobre o mérito da causa deve ser considerada como a primeira defesa iria, além disso, contra o objetivo pretendido pela oposição à injunção de pagamento europeia. A este respeito, há que assinalar que nenhuma disposição do Regulamento n.° 1896/2006, e nomeadamente o artigo 16.°, n.° 3, deste regulamento, exige que o requerido precise os fundamentos da sua oposição, de forma que esta não se destina a servir de enquadramento com vista a uma defesa de mérito, mas, como foi precisado no n.° 30 do presente acórdão, a permitir ao requerido contestar o crédito.

41      Daqui resulta que a circunstância de o requerido ter formulado alegações sobre o mérito da causa no quadro da oposição à injunção de pagamento europeia que deduziu não significa que este tenha comparecido, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001.

42      Contrariamente ao que alegam a Goldbet e o Governo checo, esta interpretação não ignora o objetivo do Regulamento n.° 1896/2006 de acelerar o processo. Com efeito, como resulta do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), deste regulamento, esse objetivo só é pertinente desde que o crédito se mantenha incontestado, o que não é o caso quando o requerido deduz uma oposição à injunção de pagamento europeia.

43      Resulta das considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que o artigo 6.° do Regulamento n.° 1896/2006, lido em conjugação com o artigo 17.° deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem não pode ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, e que a circunstância de o requerido ter formulado, no âmbito da oposição que deduziu, alegações sobre o mérito da causa é desprovida de pertinência a este respeito.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, lido em conjugação com o artigo 17.° deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem não pode ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e que a circunstância de o requerido ter formulado, no âmbito da oposição que deduziu, alegações sobre o mérito da causa é desprovida de pertinência a este respeito.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.