Language of document : ECLI:EU:C:2014:2025

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

24 de junho de 2014 (*)

«Recurso de anulação — Decisão 2011/640/PESC — Base jurídica — Política externa e de segurança comum (PESC) — Artigo 37.° TUE — Acordo internacional que incide exclusivamente sobre a PESC — Artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE — Obrigação de informar imediata e plenamente o Parlamento — Artigo 218.°, n.° 10, TFUE — Manutenção dos efeitos»

No processo C‑658/11,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE, que deu entrada no dia 21 de dezembro de 2011,

Parlamento Europeu, representado por R. Passos, A. Caiola e M. Allik, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por M. Konstantinidis, R. Troosters e L. Gussetti, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por F. Naert, G. Étienne, M. Bishop e G. Marhic, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por G. de Bergues, N. Rouam e E. Belliard, na qualidade de agentes,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, na qualidade de agente,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por L. Christie e A. Robinson, na qualidade de agentes, assistidos por D. Beard, QC, e G. Facenna, barrister,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano (relator), M. Ilešič, T. von Danwitz e M. Safjan, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, D. Šváby, M. Berger, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de setembro de 2013,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de janeiro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, o Parlamento Europeu pede, por um lado, a anulação da Decisão 2011/640/PESC do Conselho, de 12 de julho de 2011, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a República da Maurícia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República da Maurícia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos, e sobre a situação dessas pessoas após a transferência (JO L 254, p. 1, a seguir, respetivamente «decisão impugnada» e «Acordo UE‑Maurícia»), e, por outro, a manutenção dos efeitos desta decisão.

 Quadro jurídico

2        O título V do Tratado UE contém um capítulo 2, intitulado «Disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum», do qual faz parte o artigo 36.° TUE, que dispõe:

«O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança consulta regularmente o Parlamento Europeu sobre os principais aspetos e as opções fundamentais da política externa e de segurança comum e da política comum de segurança e defesa, e informa‑o sobre a evolução destas políticas. O Alto Representante vela por que as opiniões daquela instituição sejam devidamente tidas em conta. Os representantes especiais podem ser associados à informação do Parlamento Europeu.

O Parlamento Europeu pode dirigir perguntas ou apresentar recomendações ao Conselho e ao Alto Representante. Procederá duas vezes por ano a um debate sobre os progressos realizados na execução da política externa e de segurança comum, incluindo a política comum de segurança e defesa.»

3        O artigo 37.° TUE, que figura nesse mesmo capítulo, tem a seguinte redação:

«A União pode celebrar acordos com um ou mais Estados ou organizações internacionais nos domínios que se insiram no âmbito do presente capítulo.»

4        O artigo 218.° TFUE tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo das disposições específicas do artigo 207.°, os acordos entre a União e países terceiros ou organizações internacionais são negociados e celebrados de acordo com o processo a seguir enunciado.

2.      O Conselho autoriza a abertura das negociações, define as diretrizes de negociação, autoriza a assinatura e celebra os acordos.

3.      A Comissão, ou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança nos casos em que o acordo projetado incida exclusiva ou principalmente sobre a política externa e de segurança comum [a seguir ‘PESC’], apresenta recomendações ao Conselho, que adota uma decisão que autoriza a abertura das negociações e que designa, em função da matéria do acordo projetado, o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União.

[...]

5.      O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor.

6.      O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão de celebração do acordo.

Exceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a [PESC], o Conselho adota a decisão de celebração do acordo:

a)       Após aprovação do Parlamento Europeu, nos seguintes casos:

      [...]

v)       Acordos que abranjam domínios aos quais seja aplicável o processo legislativo ordinário ou o processo legislativo especial, quando a aprovação do Parlamento Europeu é obrigatória.

[...]

b)       Após consulta ao Parlamento Europeu, nos restantes casos. [...]

[...]

10.      O Parlamento Europeu é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo.

[...]»

5        A Ação Comum 2008/851/PESC do Conselho, de 10 de novembro de 2008, relativa à operação militar da União Europeia tendo em vista contribuir para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália (JO L 301, p. 33), conforme alterada pela Decisão 2010/766/PESC do Conselho, de 7 de dezembro de 2010 (JO L 327, p. 49, a seguir «Ação Comum 2008/851»), baseia‑se nos artigos 14.° UE, 25.°, terceiro parágrafo, UE e 28.°, n.° 3, UE.

6        O artigo 1.° desta ação comum, intitulado «Missão», dispõe, no seu n.° 1:

«A União Europeia […] leva a cabo uma operação militar de apoio às Resoluções 1814 (2008), 1816 (2008) e 1838 (2008) do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) conforme com a ação autorizada em caso de pirataria em aplicação do artigo 100.° e seguintes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982 (a seguir designada ‘Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar’) e mediante, nomeadamente, compromissos assumidos com Estados terceiros, a seguir denominada ‘Atalanta’, tendo em vista contribuir:

¾        para a proteção dos navios do Programa Alimentar Mundial (PAM) que encaminham a ajuda alimentar para as populações deslocadas da Somália, nos termos do mandato definido na Resolução 1814 (2008) do CSNU.

¾        para a proteção dos navios vulneráveis que navegam nas costas da Somália, bem como para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália, nos termos do mandato definido na Resolução 1816 (2008) do CSNU.»

7        O artigo 2.° da referida ação comum, intitulado «Cumprimento», dispõe:

«Atalanta, nas condições fixadas pelo direito internacional aplicável, nomeadamente na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e pelas Resoluções 1814 (2008), 1816 (2008) e 1838 (2008) do CSNU, e no limite das capacidades disponíveis:

[...]

e)       Tendo em vista a eventual instauração de processos judiciais pelos Estados competentes nas condições previstas no artigo 12.°, pode deter, manter detidas e transferir as pessoas sobre as quais exista a suspeita de que, conforme indicado nos artigos 101.° e 103.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tencionam cometer, cometem ou cometeram atos de pirataria ou assaltos à mão armada nas zonas em que está presente, podendo ainda apresar os navios dos piratas ou assaltantes à mão armada ou os navios capturados na sequência de um ato de pirataria ou de um assalto à mão armada e que estejam na posse dos piratas, bem como os bens que se encontrem a bordo;

[...]»

8        O artigo 10.° da Ação Comum 2008/851, intitulado «Participação de Estados terceiros», tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo da autonomia de decisão da [União] e do quadro institucional único, e em conformidade com as orientações pertinentes do Conselho Europeu, podem convidar‑se Estados terceiros a participar na operação.

[...]

3.      As modalidades exatas da participação de Estados terceiros são objeto de acordos a celebrar nos termos do artigo [37.° TUE]. […]. Sempre que a [União] e um Estado terceiro tenham celebrado um acordo que estabeleça um quadro para a participação desse Estado nas operações da [União] no domínio da gestão de crises, as disposições desse acordo são aplicáveis no contexto da presente operação.

[...]

6.      As condições de transferência das pessoas detidas para um Estado terceiro que participe na operação, tendo em vista o exercício da respetiva jurisdição, são decididas por ocasião da celebração ou da execução dos acordos de participação a que se refere o n.° 3.»

9        Nos termos do artigo 12.° desta ação comum, intitulado «Transferência das pessoas detidas com vista ao exercício de competências jurisdicionais»:

«1.      Com base na aceitação pela Somália do exercício da competência jurisdicional por Estados‑Membros ou Estados terceiros, por um lado, e no artigo 105.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, por outro, não só as pessoas sobre as quais exista a suspeita de que, conforme indicado nos artigos 101.° e 103.° da referida Convenção, tencionam cometer, cometem ou cometeram atos de pirataria ou assaltos à mão armada nas águas territoriais da Somália ou em alto mar e que tenham sido capturadas e se encontrem detidas para instauração de processo judicial, mas igualmente os bens que tiverem servido para executar esses atos, são transferidos:

¾        para as autoridades competentes do Estado‑Membro ou do Estado terceiro participante na operação cuja bandeira é arvorada pelo navio que efetuou a captura, ou

¾        se tal Estado não pode ou não deseja exercer a sua jurisdição, para um Estado‑Membro ou Estado terceiro que deseje exercê‑la sobre as pessoas ou os bens supramencionados.

2.      Nenhuma das pessoas referidas no n.° 1 pode ser transferida para um Estado terceiro se as condições dessa transferência não tiverem sido decididas com esse Estado terceiro de modo conforme com o direito internacional aplicável, nomeadamente o direito internacional dos direitos humanos, para garantir, em especial, que ninguém seja sujeito à pena de morte, tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante.»

10      Nos termos do artigo 2.° do Acordo UE‑Maurícia, intitulado «Definições»:

«Para efeitos do presente Acordo, entende‑se por:

a)       ‘Força Naval liderada pela União Europeia (EUNAVFOR)’, o quartel‑general militar da UE e os contingentes nacionais que contribuem para a operação da UE ‘Atalanta’ e os respetivos navios, aeronaves e bens;

[...]»

11      O artigo 1.° do mesmo acordo, intitulado «Objetivo», dispõe:

«O presente acordo define as condições e modalidades:

a)       Da transferência das pessoas suspeitas de tentar cometer, de cometer ou de terem cometido atos de pirataria dentro da zona de operação da EUNAVFOR […];

b)       Da transferência, da EUNAVFOR para a Maurícia, dos bens conexos apreendidos pela EUNAVFOR; e

c)       Do tratamento dado às pessoas transferidas.»

12      Por outro lado, o Acordo UE‑Maurícia enuncia, no seu artigo 3.°, os princípios gerais que regem as modalidades e as condições de transferência para a República da Maurícia das pessoas suspeitas de atos de pirataria detidas pela EUNAVFOR e dos bens conexos apreendidos por esta. Além disso, este acordo regula, no artigo 4.°, o tratamento, os processos judiciais e o julgamento das pessoas transferidas, prevendo, no seu artigo 5.°, a proibição da aplicação da pena de morte às referidas pessoas. No seu artigo 6.°, o mesmo acordo prevê medidas relativas aos documentos relacionados com as transferências dessas pessoas, nomeadamente sobre os registos e notificações, e dispõe, no seu artigo 7.°, n.os 1 e 2, que, na medida dos meios e capacidades de que dispõe, a EUNAVFOR presta assistência à República da Maurícia para efeitos de inquérito e dos processos judiciais contra as pessoas transferidas. A este respeito, o artigo 7.°, n.° 3, do Acordo UE‑Maurícia prevê a possibilidade de as partes nesse acordo estabelecerem as modalidades de aplicação da assistência financeira, técnica e de outras formas de assistência destinadas a permitir a transferência e a detenção das pessoas transferidas, os inquéritos, os processos judiciais e o julgamento a elas respeitantes. Por último, o referido acordo fixa, nos seus artigos 10.° e 11.°, as regras relativas às modalidades da sua aplicação e à sua entrada em vigor.

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

13      Em 22 de março de 2010, o Conselho autorizou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança a abrir negociações com vista à celebração de acordos de transferência de pessoas entre a União e alguns Estados terceiros, incluindo a República da Maurícia.

14      Por carta do mesmo dia, o Conselho informou o Parlamento dessa decisão.

15      Na sequência das referidas negociações, em 12 de julho de 2011, o Conselho, com base nos artigos 37.° TUE e 218.°, n.os 5 e 6, TFUE, adotou a decisão impugnada, pela qual autorizou a assinatura do Acordo UE‑Maurícia. Essa decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 30 de setembro de 2011.

16      O Acordo UE‑Maurícia foi assinado em 14 de julho de 2011 e é aplicado provisoriamente desde então.

17      Por carta de 17 de outubro de 2011, o Conselho informou o Parlamento da adoção da decisão impugnada.

 Pedidos das partes e processo no Tribunal de Justiça

18      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão impugnada, ordenar a manutenção dos efeitos dessa decisão até a mesma ser substituída e condenar o Conselho nas despesas.

19      A título principal, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne declarar o recurso parcialmente inadmissível, negar provimento ao recurso quanto ao restante e condenar o Parlamento nas despesas. A título subsidiário, o Conselho pede que, no caso de o Tribunal decidir anular a decisão impugnada, que os efeitos da mesma sejam mantidos até à sua substituição.

20      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2012, a República Checa, a República Francesa, a República Italiana, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Conselho.

21      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2012, a Comissão foi admitida a intervir, na fase oral do processo, em apoio do Parlamento.

 Quanto ao recurso

22      O Parlamento invoca dois fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, à violação do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 218.°, n.° 10, TFUE.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE

 Argumentos das partes

23      Com o seu primeiro fundamento, o Parlamento alega que foi sem razão que o Conselho considerou que a decisão impugnada dizia respeito a um acordo que incide «exclusivamente» sobre a PESC na aceção do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE e que, consequentemente, essa decisão podia ser adotada sem que o Parlamento estivesse implicado.

24      O Parlamento, apoiado a este respeito pela Comissão, salienta, antes de mais, que o artigo 218.°, n.° 6, TFUE estabelece uma regra geral segundo a qual a celebração de um acordo internacional pelo Conselho deve, consoante os casos, ser antecedida da aprovação ou da consulta do Parlamento. Só a título excecional é que a primeira frase do segundo parágrafo do referido artigo 218.°, n.° 6, autoriza o Conselho a celebrar um acordo desse tipo sem a participação do Parlamento, «nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a [PESC]». Assim, tendo esta disposição caráter excecional, deve ser interpretada em sentido estrito, de modo que, quando um acordo incida não só sobre a PESC mas também sobre outras políticas da União, o Parlamento deve ser associado ao processo de celebração desse acordo.

25      No caso em apreço, o Acordo UE‑Maurícia, tendo em conta o seu objetivo e o seu conteúdo, incide não só sobre a PESC mas também sobre a cooperação judiciária em matéria penal, a cooperação policial e a cooperação para o desenvolvimento.

26      Com efeito, no que respeita, antes de mais, à cooperação judiciária em matéria penal, esse acordo, por um lado, contém várias disposições, nomeadamente os artigos 3.° a 7.°, que visam facilitar a cooperação entre a União e as Autoridades da República da Maurícia, quer quanto aos processos penais, incluindo a admissibilidade das provas, os direitos individuais e certos elementos específicos desses processos, quer quanto à execução das decisões na aceção do artigo 82.°, n.os 1, alínea d), e 2, alíneas a) e b), TFUE. Por outro lado, o referido acordo visa também, nomeadamente no seu artigo 7.°, n.° 3, o apoio à formação de magistrados e de funcionários de justiça, na aceção do artigo 82.°, n.° 1, alínea c), TFUE. Aliás, segundo o Parlamento, o facto de o artigo 11.°, n.° 5, do Acordo UE‑Maurícia prever que as funções exercidas pela EUNAVFOR ao abrigo desse acordo podem, em substância, ser executadas por autoridades administrativas, exclui a natureza militar dessas funções. A este propósito, a Comissão acrescenta que o objetivo e o conteúdo do Acordo UE‑Maurícia justificavam que o artigo 82.° TFUE fosse escolhido como base jurídica da decisão impugnada.

27      Seguidamente, no que respeita à cooperação policial, as atividades visadas nos artigos 6.° e 7.° do Acordo UE‑Maurícia incidem, nomeadamente, na «recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações», na aceção do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), TFUE, e decorrem das geralmente efetuadas pelos serviços de polícia na aceção do artigo 87.°, n.° 1, TFUE.

28      Por último, o referido acordo diz respeito à cooperação para o desenvolvimento, na medida em que os seus artigos 7.° e 10.°, n.° 2, alínea f), preveem a prestação de assistência à República da Maurícia, que é um país em desenvolvimento na aceção do artigo 208.° TFUE. Essa assistência é prestada para efeitos da «revisão da legislação, da formação dos investigadores e procuradores, do procedimento investigativo e judicial, e, em particular, as disposições relativas à conservação e entrega dos elementos de prova e ao procedimento de recurso».

29      O Parlamento e a Comissão concluem que, uma vez que o processo legislativo ordinário se aplica a esses domínios de ação da União, a decisão impugnada devia ter sido baseada no artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, alínea a), v), TFUE e, por conseguinte, adotada depois da aprovação do Parlamento.

30      O Conselho, apoiado por todos os Estados‑Membros intervenientes, responde, em substância, que a decisão impugnada se baseia corretamente no artigo 37.° TUE e no artigo 218.°, n.os 5 e 6, TFUE, uma vez que, segundo o seu objetivo e o seu conteúdo, o Acordo UE‑Maurícia incide exclusivamente sobre a PESC.

31      Com efeito, por um lado, esse acordo dá execução à Ação Comum 2008/851, nomeadamente, ao seu artigo 12.°, cuja finalidade é reforçar a segurança internacional no âmbito da política de segurança e defesa comum da União, o que, de resto, é confirmado pelo artigo 2.° da referida ação comum, que define as funções da Atalanta. Ora, em conformidade com o artigo 42.°, n.° 1, TUE, a referida política faz parte integrante da PESC.

32      Por outro lado, o conteúdo do referido acordo e, mais precisamente, o facto de uma pessoa suspeita de atos de pirataria ser transferida pela Atalanta para as autoridades da República da Maurícia, para efeitos de processos judiciais, não permitem deduzir que as ações levadas a cabo pela Atalanta constituem uma cooperação policial ou judiciária na aceção da parte III, título V, do Tratado FUE. Com efeito, embora algumas funções da Atalanta possam apresentar características semelhantes às das atividades policiais, os serviços utilizados não são, em geral, dotados de competências policiais ou judiciárias pela sua legislação nacional respetiva.

33      O Conselho acrescenta que o Acordo UE‑Maurícia inclui, em especial nos seus artigos 4.° a 6.° e 8.°, medidas que visam promover o Estado de Direito e o respeito dos direitos humanos pela República da Maurícia. Ora, segundo o artigo 21.°, n.° 2, alínea b), TUE, a promoção dos direitos do Homem nos Estados terceiros é um objetivo que faz parte da PESC.

34      O Conselho precisa também que nem a finalidade nem o conteúdo do referido acordo permitem concluir que o mesmo diz respeito ao espaço de liberdade, segurança e justiça ou à cooperação para o desenvolvimento.

35      Com efeito, por um lado, resulta nomeadamente dos artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE que qualquer medida respeitante ao espaço de liberdade, segurança e justiça, independentemente da sua eventual dimensão externa, deve ser tomada com o objetivo de aumentar a liberdade, a segurança e a justiça no interior da União. Ora, no caso em apreço, o Acordo UE‑Maurícia incide essencialmente sobre medidas tomadas para reforçar a segurança internacional ao largo da costa da Somália e, portanto, fora da União.

36      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já reconheceu que uma medida não faz parte da cooperação para o desenvolvimento quando tem por objeto principal a execução da PESC, apesar de contribuir para o desenvolvimento económico e social de países em vias de desenvolvimento (acórdão Comissão/Conselho, C‑91/05, EU:C:2008:288, n.° 72). No caso em apreço, a assistência prestada à República da Maurícia respeita a operações de transferência na aceção do Acordo UE‑Maurícia e à capacidade de esta última aplicar o referido acordo em conformidade com o direito internacional relativo aos direitos do Homem. Uma assistência dessa natureza não tem por objetivo o desenvolvimento da República da Maurícia, não constituindo, por conseguinte, uma medida de desenvolvimento.

37      O Parlamento replica, antes de mais, que o artigo 218.°, n.° 3, TFUE faz uma distinção entre os acordos que incidem «exclusivamente» sobre a PESC e os que incidem «principalmente» sobre a PESC. Assim, o n.° 6 do mesmo artigo só autoriza o Conselho a celebrar acordos sem associar o Parlamento quando os mesmos incidam «exclusivamente» sobre a PESC. Em contrapartida, quando esses acordos só incidam «principalmente» sobre a PESC e incluam medidas acessórias também relativas a outras políticas, o Conselho não os pode celebrar sem ter previamente associado o Parlamento.

38      Seguidamente, o Parlamento sustenta que o facto de a decisão impugnada dar execução à Ação Comum 2008/851 e de esta estar abrangida pela PESC não basta para concluir que a referida decisão também está abrangida por essa política. Com efeito, a Ação Comum 2008/851 e a decisão impugnada têm âmbitos de aplicação e objetivos diferentes, uma vez que a Atalanta é uma operação de caráter militar inserida na política de segurança e defesa comum, com o objetivo de capturar eventuais piratas, ao passo que as missões confiadas aos representantes da União e da EUNAVFOR ao abrigo do Acordo UE‑Maurícia, na medida em que preveem, nomeadamente, a eventual transferência posterior dos suspeitos e a instauração de processos judiciais contra os mesmos, não têm caráter militar e vão além do objetivo da Atalanta.

39      O Conselho e os Estados‑Membros intervenientes alegam, em substância, que a questão de saber se um acordo incide «exclusivamente» sobre a PESC na aceção do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE deve ser resolvida unicamente em função da base jurídica substantiva do referido acordo. Ora, um acordo como o que está em causa no caso em apreço, que se baseia apenas no artigo 37.° TUE, incide «exclusivamente» sobre a PESC.

40      Segundo o Conselho, essa abordagem não pode ser posta em causa pela distinção entre os termos «principalmente» e «exclusivamente» que figuram no artigo 218.°, n.os 3 e 6, TFUE. Com efeito, o n.° 3 do referido artigo, quando se refere aos acordos que incidem «exclusivamente ou principalmente» sobre a PESC, visa precisar a autoridade competente para apresentar recomendações ao Conselho no âmbito de um processo de negociação desses acordos, ao passo que o n.° 6 do mesmo artigo, quando menciona os acordos que incidem «exclusivamente» sobre a PESC, visa a celebração dos mesmos.

41      A República Checa acrescenta que o artigo 218.°, n.° 6, TFUE assenta num paralelismo entre os poderes do Parlamento a nível interno e externo. Assim, essa disposição tem como objetivo garantir que o Parlamento tenha o mesmo papel tanto na adoção de uma decisão de celebração de um acordo como na adoção de um ato interno. A este respeito, a República Checa, recordando que a disposição em causa só tem natureza processual, afirma que não são os processos que definem a base jurídica de um ato, mas é a base jurídica de um ato que determina os processos a seguir para o adotar.

42      O Reino da Suécia e o Reino Unido precisam que a interpretação do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, TFUE, defendida pelo Parlamento, por um lado, afeta o equilíbrio institucional estabelecido pelos Tratados, que preveem um papel muito limitado do Parlamento na execução da PESC, como decorre, nomeadamente do artigo 36.° TUE. Por outro, essa interpretação, ao restringir o âmbito de aplicação dos processos em matéria de PESC em benefício dos processos previstos no Tratado FUE, colidiria com o artigo 40.° TUE. Com efeito, este artigo garante que as competências decorrentes no Tratado FUE não invadem as previstas pela PESC. Aliás, a referida interpretação conferiria ao Parlamento um direito de veto em matéria de PESC, contrariamente à escolha feita pelos autores do Tratado de Lisboa de lhe atribuir um papel mais limitado no que respeita à ação da União no âmbito da PESC.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

43      Antes de mais, deve recordar‑se que a escolha da base jurídica de um ato da União se deve basear em elementos objetivos, suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato. Se o exame de uma medida demonstrar que esta prossegue duas finalidades ou que tem duas componentes e se uma dessas finalidades ou dessas componentes for identificável como sendo principal e a outra apenas acessória, o ato deve assentar numa única base jurídica, a saber, a exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante. Se, pelo contrário, a medida prosseguir simultaneamente vários objetivos ou tiver várias componentes que estão indissociavelmente ligadas, sem que uma seja acessória da outra, de modo que diferentes disposições do Tratado sejam aplicáveis, tal medida deve assentar, a título excecional, nas diferentes bases jurídicas correspondentes (v., neste sentido, acórdão Parlamento/Conselho, C‑130/10, EU:C:2012:472, n.os 42 a 44).

44      Ora, para delimitar o alcance do primeiro fundamento, há que observar que, com esse fundamento, o Parlamento, como, de resto, confirmou na audiência, não defende que a decisão impugnada devia ter assentado numa base jurídica substantiva diferente do artigo 37.° TUE, visto que o Parlamento reconhece expressamente que essa decisão e o Acordo UE‑Maurícia prosseguem uma finalidade abrangida pela PESC.

45      Além disso, o Parlamento reconhece que, apesar de a referida decisão e o referido acordo prosseguirem também finalidades abrangidas por outras políticas da União diferentes da PESC, essas finalidades são acessórias da abrangida por essa política e que, na medida em que esta última finalidade pode, assim, ser considerada a principal para efeitos da determinação da base jurídica da decisão impugnada, esta podia legitimamente basear‑se unicamente no artigo 37.° TUE, com exclusão de qualquer outra base jurídica substantiva.

46      Em contrapartida, o Parlamento alega que o facto de a decisão impugnada e o Acordo UE‑Maurícia prosseguirem, ainda que acessoriamente, finalidades diferentes das abrangidas pela PESC é suficiente para excluir o argumento de que a decisão é exclusivamente abrangida por essa política, na aceção do artigo 218.°, n.° 6, TFUE.

47      Esta interpretação da referida disposição não pode ser acolhida.

48      É certo que, em conformidade com o texto do artigo 218.°, n.° 6, TFUE, o Conselho adota a decisão de celebrar um acordo internacional após aprovação ou consulta do Parlamento, «[e]xceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a [PESC]».

49      No entanto, esta formulação, por si só, não permite chegar a uma interpretação inequívoca dessa disposição.

50      Em especial, quanto a uma decisão de celebração de um acordo que prossegue uma finalidade principal abrangida pela PESC, a referida formulação não permite estabelecer que, como pretende o Conselho, se possa considerar que uma decisão dessa natureza «incide exclusivamente sobre a [PESC]» pelo simples motivo de assentar numa base jurídica substantiva abrangida por essa política, com exclusão de outra base jurídica substantiva, nem que, como sustenta o Parlamento, se deva considerar que a referida decisão incide também sobre outros domínios do direito da União devido às suas finalidades acessórias diferentes da principal, abrangida pela PESC.

51      Nestas condições, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, se deve atender não apenas aos seus termos mas também aos seus objetivos e ao seu contexto (v., neste sentido, acórdão Klarenberg, C‑466/07, EU:C:2009:85, n.° 37, e Koushkaki, C‑84/12, EU:C:2013:862, n.° 34).

52      Quanto aos objetivos do artigo 218.° TFUE, há que salientar que, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, este artigo, para satisfazer as exigências de clareza, de coerência e de racionalização, passou a prever um processo unificado e de alcance geral no que respeita à negociação e à celebração de acordos internacionais que a União é competente para celebrar nos seus domínios de ação, incluindo a PESC, exceto quando os Tratados prevejam processos especiais.

53      Ora, esse processo, em virtude precisamente do seu caráter geral, deve ter em conta as especificidades previstas nos Tratados para cada domínio de ação da União, nomeadamente no que respeita às atribuições das instituições.

54      A este respeito, deve salientar‑se que, a fim de ter em consideração essas especificidades, o artigo 218.°, n.° 6, TFUE compreende três tipos de processos de celebração de um acordo internacional, prevendo cada um deles um papel diferente para o Parlamento. Assim, esta instituição pode ser chamada a aprovar a celebração de um acordo, ser simplesmente consultada a esse propósito ou ainda ser excluída do processo de celebração do acordo, sem prejuízo, contudo, do seu direito de ser imediata e plenamente informada em todas as fases do processo, em conformidade com o artigo 218.°, n.° 10, TFUE.

55      Como se pode deduzir nomeadamente do artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, alínea a), v), TFUE, esta distinção pretende refletir, no plano externo, a repartição dos poderes entre instituições, aplicável no plano interno. Com efeito, o Tratado de Lisboa, por um lado, exigiu a aprovação do Parlamento para a celebração de um acordo internacional, precisamente para os acordos em domínios aos quais, no plano interno, se aplica o processo legislativo ordinário, previsto no artigo 294.° TFUE, ou o processo legislativo especial, mas apenas quando este exige a aprovação do Parlamento. Por outro lado, a participação dessa instituição na celebração desse acordo só está excluída quando o mesmo incide exclusivamente sobre a PESC, no âmbito da qual o Tratado de Lisboa atribuiu um papel limitado ao Parlamento (v., neste sentido, acórdão Parlamento/Conselho, EU:C:2012:472, n.° 82).

56      Assim, como o advogado‑geral referiu, em substância, nos n.os 30 a 32 das suas conclusões, o artigo 218.°, n.° 6, TFUE estabelece uma simetria entre o processo de adoção das medidas da União no plano interno e o processo de adoção de acordos internacionais, a fim de garantir que, em relação a um determinado domínio, o Parlamento e o Conselho disponham dos mesmos poderes, no respeito do equilíbrio institucional previsto pelos Tratados.

57      Nestas condições, é precisamente para assegurar que essa simetria seja efetivamente respeitada que a regra desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual é a base jurídica substantiva de um ato que determina os processos a seguir para adotar esse ato (v. acórdão Parlamento/Conselho, EU:C:2012:472, n.° 80), vale não só para os processos previstos para a adoção de um ato interno mas também para os aplicáveis à celebração de acordos internacionais.

58      Consequentemente, no âmbito do processo de celebração de um acordo internacional em conformidade com o artigo 218.° TFUE, há que considerar que é a base jurídica substantiva da decisão relativa à celebração desse acordo que determina o tipo de processo aplicável nos termos do n.° 6 dessa disposição.

59      Em especial, quando a decisão de celebração do acordo em causa está legitimamente assente exclusivamente numa base jurídica substantiva abrangida pela PESC, é o tipo de processo previsto no artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, primeira frase, TFUE que é aplicável.

60      Esta interpretação justifica‑se sobretudo à luz das exigências associadas à segurança jurídica. Com efeito, ao alicerçar a base jurídica processual na base jurídica substantiva de um ato, esta interpretação permite determinar o processo aplicável com base em critérios objetivos, suscetíveis de fiscalização jurisdicional, como recordado no n.° 43 do presente acórdão. Por outro lado, isto assegura a coerência na escolha das bases jurídicas de um ato. Em contrapartida, a interpretação defendida pelo Parlamento teria por consequência introduzir um grau de incerteza e de incoerência nessa escolha, na medida em que seria suscetível de determinar a aplicação de processos diferentes a atos do direito da União que se baseiam numa única e mesma base jurídica substantiva.

61      Aliás, o contexto em que a disposição em causa se insere não permite justificar uma interpretação diferente. Em especial, tendo em conta os objetivos do artigo 218.° TFUE, o facto alegado pelo Parlamento de que o n.° 3 do artigo 218.° TFUE se refere aos acordos que incidem «exclusivamente ou principalmente» sobre a PESC, ao passo que o n.° 6 do mesmo artigo só menciona os acordos que incidem «exclusivamente» sobre a PESC, não pode fundamentar a interpretação desta última disposição dada pelo Parlamento. Por outro lado, esses números referem‑se a situações diferentes. Enquanto o n.° 3 do artigo 218.° TFUE visa precisar a autoridade competente para apresentar recomendações ao Conselho no âmbito do processo de negociação desses acordos e se situa, assim, numa fase prévia à celebração de um acordo internacional, o n.° 6 do mesmo artigo diz respeito à decisão do Conselho sobre a celebração desses acordos.

62      Nestas condições, a decisão impugnada podia ser adotada sem aprovação nem consulta do Parlamento.

63      Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 218.°, n.° 10, TFUE

 Argumentos das partes

64      Com o seu segundo fundamento, o Parlamento alega que, não o tendo informado «imediata e plenamente» em todas as fases da negociação e da celebração do acordo UE‑Maurícia, o Conselho violou o artigo 218.°, n.° 10, TFUE, aplicável a todos os acordos celebrados pela União, incluindo os que incidem sobre a PESC.

65      Em especial, o Parlamento não foi imediatamente informado, uma vez que o Conselho só lhe transmitiu os textos da decisão impugnada e do Acordo UE‑Maurícia em 17 de outubro de 2011, isto é, mais de três meses após a adoção dessa decisão e da assinatura do referido acordo, que tiveram lugar, respetivamente, em 12 de julho e 14 de julho de 2011, e 17 dias depois da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

66      O Conselho, cujos argumentos são, em substância, apoiados pela República Checa, pela República Francesa, pelo Reino da Suécia e pelo Reino Unido, invoca, a título principal, a inadmissibilidade do segundo fundamento. Com efeito, na medida em que a decisão impugnada incide exclusivamente sobre a PESC, o Tribunal de Justiça, tendo em conta o artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.° TFUE, não é competente para se pronunciar sobre a sua legalidade.

67      A título subsidiário, o Conselho sustenta que este fundamento é improcedente, na medida em que, na realidade, o Parlamento foi devidamente informado. Em especial, o prazo em que o Parlamento foi informado da decisão impugnada, ainda que tenha sido ligeiramente mais longo do que o habitual, continua a ser razoável, tendo em conta também o facto de o mesmo abranger a pausa de verão.

68      No que respeita à competência do Tribunal de Justiça, o Parlamento replica que o artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE só a exclui no que se refere às disposições específicas relativas à PESC, que figuram no capítulo 2 do título V do Tratado UE, e não no que concerne ao artigo 218.°, n.° 10, TFUE, cuja violação é alegada no segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

69      Antes de mais, quanto à questão da competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre o segundo fundamento, há que recordar que, como o Conselho alega, resulta do artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.°, primeiro parágrafo, TFUE que o Tribunal de Justiça não é, em princípio, competente no que respeita às disposições relativas à PESC bem como aos atos adotados com base nessas disposições.

70      Contudo, os referidos artigos 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, último período, e 275.°, primeiro parágrafo, introduzem uma derrogação à regra da competência geral que o artigo 19.° TUE confere ao Tribunal de Justiça para assegurar o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados, pelo que devem ser interpretados restritivamente.

71      No caso em apreço, há que observar que, embora a decisão impugnada tenha sido adotada com fundamento numa única base jurídica substantiva abrangida pela PESC, a saber, o artigo 37.° TUE, resulta do preâmbulo dessa decisão que a sua base jurídica processual é o artigo 218.°, n.os 5 e 6, TFUE, que regula o processo de assinatura e celebração dos acordos internacionais.

72      Ora, como precisado no n.° 52 do presente acórdão, o processo visado no artigo 218.° TFUE tem um alcance geral, sendo, consequentemente, aplicável, em princípio, a todos os acordos internacionais negociados e celebrados pela União em todos os seus domínios de ação, incluindo a PESC, que, contrariamente a outros domínios, não está sujeita a nenhum processo especial.

73      Nestas condições, não se pode defender que o alcance da limitação derrogatória à competência do Tribunal de Justiça prevista no artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.°, primeiro parágrafo, TFUE vai ao ponto de excluir a competência do Tribunal de Justiça para interpretar e aplicar uma disposição, como o artigo 218.° TFUE, que não está abrangida pela PESC, quando a mesma prevê o processo com base no qual é adotado um ato abrangido pela PESC.

74      Consequentemente, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o segundo fundamento.

75      Seguidamente, no que respeita à procedência deste fundamento, há que observar que o artigo 218.°, n.° 10, TFUE prevê que o Parlamento «é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo» de negociação e de celebração dos acordos internacionais previstos nesse artigo.

76      Ora, há que declarar que, no caso em apreço, o Parlamento não foi informado imediatamente em todas as fases do processo de negociação e de celebração do Acordo UE‑Maurícia.

77      Com efeito, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, depois de ter anunciado ao Parlamento a abertura das negociações, o Conselho só o informou da adoção da decisão impugnada e da assinatura do referido acordo três meses mais tarde e 17 dias depois da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

78      Daqui resulta que o Conselho violou o artigo 218.°, n.° 10, TFUE.

79      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do Conselho segundo o qual, em todo o caso, a decisão impugnada tinha sido publicada no Jornal Oficial da União Europeia e, por isso, o Parlamento tinha podido tomar conhecimento da mesma. Com efeito, essa publicação está prevista no artigo 297.° TFUE e responde às condições de publicidade a que os atos da União estão sujeitos para entrarem em vigor, ao passo que a exigência de informação decorrente do artigo 218.°, n.° 10, TFUE está prevista para assegurar que o Parlamento possa exercer uma fiscalização democrática sobre a ação exterior da União e, mais especificamente, verificar que as suas atribuições são respeitadas precisamente em consequência da escolha da base jurídica de uma decisão relativa à celebração de um acordo.

80      Por último, quanto às consequências da violação do artigo 218.°, n.° 10, TFUE para a validade da decisão impugnada, deve observar‑se que a regra processual prevista nesta disposição constitui uma formalidade essencial, na aceção do artigo 263.°, segundo parágrafo, TFUE, cuja violação determina a nulidade do ato afetado.

81      Com efeito, esta regra é a expressão dos princípios democráticos nos quais se funda a União. Em especial, o Tribunal de Justiça já declarou que a participação do Parlamento no processo decisório é o reflexo, ao nível da União, de um princípio democrático fundamental segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa (v., neste sentido, acórdãos Roquette Frères/Conselho, 138/79, EU:C:1980:249, n.° 33, e Parlamento/Conselho, EU:C:2012:472, n.° 81).

82      Nesta perspetiva, o Tratado de Lisboa valorizou mesmo, no plano sistemático, a importância da referida regra, ao inseri‑la numa disposição autónoma, aplicável a todos os tipos de processos previstos no artigo 218.° TFUE.

83      É verdade que, como recordado no n.° 55 do presente acórdão, o papel que o Tratado de Lisboa conferiu ao Parlamento em matéria de PESC continua a ser limitado.

84      Contudo, não se pode inferir daí que o Parlamento, estando excluído do processo de negociação e de celebração de um acordo que incide exclusivamente sobre a PESC, seja despojado de qualquer direito de controlo desta política da União.

85      Pelo contrário, é precisamente para esse efeito que a exigência de informação prevista no artigo 218.°, n.° 10, TFUE se aplica a qualquer processo de celebração de um acordo internacional, incluindo os acordos que incidem exclusivamente sobre a PESC.

86      Ora, na medida em que o Parlamento não é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo em conformidade com o artigo 218.°, n.° 10, TFUE, incluindo a que antecede a celebração do acordo, não está em condições de exercer o direito de controlo que os Tratados lhe conferiram em matéria de PESC e, se for o caso, de fazer valer o seu ponto de vista no que respeita, em especial, à base jurídica correta em que o ato em causa deve assentar. Assim, o não cumprimento desta exigência de informação prejudica as condições de exercício, pelo Parlamento, das suas funções no domínio da PESC e constitui, por conseguinte, uma violação de uma formalidade essencial.

87      Nestas condições, o segundo fundamento é procedente e a decisão impugnada deve, assim, ser anulada.

 Quanto à manutenção dos efeitos da decisão impugnada

88      Tanto o Parlamento e o Conselho como a maior parte dos Estados‑Membros intervenientes pedem ao Tribunal de Justiça que, caso venha a anular a decisão impugnada, mantenha os efeitos da decisão até a mesma ser substituída.

89      Nos termos do artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode indicar, quando considerar necessário, quais os efeitos de um ato anulado que se devem considerar subsistentes.

90      Ora, há que reconhecer que a anulação da decisão impugnada sem que os seus efeitos sejam mantidos é suscetível de entravar o desenvolvimento das operações efetuadas com base no Acordo UE‑Maurícia e, em especial, a plena eficácia dos processos judiciais e do julgamento das pessoas suspeitas de atos de pirataria detidas pela EUNAVFOR.

91      Consequentemente, o Tribunal de Justiça deve exercer o poder que o artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE lhe confere e manter os efeitos da decisão impugnada cuja anulação é determinada pelo presente acórdão.

 Quanto às despesas

92      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, por força do disposto no n.° 3 do mesmo artigo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

93      Tendo o Parlamento e o Conselho, no caso vertente, sido parcialmente vencidos, há que decidir que suportarão as suas próprias despesas.

94      Nos termos do artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É anulada a Decisão 2011/640/PESC do Conselho, de 12 de julho de 2011, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a República da Maurícia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República da Maurícia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos, e sobre a situação dessas pessoas após a transferência.

2)      Os efeitos da Decisão 2011/640 são mantidos em vigor.

3)      O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportam as suas próprias despesas.

4)      A República Checa, a República Francesa, a República Italiana, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.