Language of document : ECLI:EU:C:2015:468

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de julho de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial – Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça – Direito de autor e direitos conexos na sociedade da informação – Diretiva 2001/29/CE – Artigo 3.°, n.° 1 – Conceito de ‘comunicação ao público’ – Difusão de obras num café‑restaurante através de um aparelho de rádio ligado a colunas»

No processo C‑151/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal da Relação de Coimbra (Portugal), por decisão de 18 de março de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de março de 2015, no processo

Sociedade Portuguesa de Autores CRL

contra

Ministério Público,

Carlos Manuel Prata Pereira Sá Meneses,

Sandra Carla Ferreira Cardoso,

Douros Bar Lda,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Sociedade Portuguesa de Autores CRL (a seguir «SPA») ao Ministério Público, a Carlos Manuel Prata Pereira Sá Meneses, a Sandra Carla Ferreira Cardoso e à Douros Bar Lda, a respeito da transmissão, pelas pessoas que exploram um café‑restaurante, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, de obras musicais e obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes presentes nesse estabelecimento.

 Quadro jurídico

3        O considerando 23 da Diretiva 2001/29 enuncia:

«A presente diretiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros atos.»

4        O artigo 3.° da referida diretiva, com a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5        A SPA intentou uma ação penal contra as pessoas que exploram num estabelecimento comercial, a saber, um café‑restaurante, que dispunha, nas suas instalações, de um aparelho de rádio ao qual estavam ligadas oito colunas que transmitiam para os clientes presentes obras musicais e obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio.

6        A SPA considera que essas pessoas cometeram uma infração, que consiste na usurpação de um direito, em razão de uma falta de autorização dos autores, na medida em que a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a oito colunas, de obras musicais e de obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes presentes num estabelecimento comercial constitui, em seu entender, um ato de «comunicação ao público» dessas obras, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, para o qual é necessária a autorização dos autores.

7        Uma vez que as pessoas visadas pela ação penal foram absolvidas em primeira instância, a SPA recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [Deve o] conceito de comunicação de obra ao público previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [200l/29 ser interpretado no sentido de que abrange] a transmissão de obras radiodifundidas, em estabelecimentos comerciais, como bares, cafés, restaurantes, ou outros com características semelhantes, através de aparelhos televisores recetores e cuja difusão é ampliada por colunas e/ou amplificadores, configurando, nessa medida, uma nova utilização de obras protegidas pelo direito de autor?

2)      A utilização de colunas e/ou amplificadores, ou seja, de meios técnicos distintos do aparelho televisivo recetor para ampliar a receção de som influencia a resposta à questão anterior?»

 Quanto às questões prejudiciais

8        Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, a qualquer momento, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

9        Esta disposição deve ser aplicada no âmbito do presente reenvio prejudicial.

10      Cumpre sublinhar liminarmente que, embora as questões prejudiciais tenham por objeto a transmissão de obras radiofundidas através de aparelhos televisores recetores, decorre, todavia, do dossiê transmitido ao Tribunal de Justiça que o litígio no processo principal diz respeito à transmissão de obras radiodifundidas através de um aparelho de rádio.

11      Estas questões, que convém examinar conjuntamente, devem, portanto, ser entendidas no sentido de que, com as mesmas, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que exploram um café‑restaurante, de obras musicais e obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontram presentes nesse estabelecimento.

12      Há que recordar que a Diretiva 2001/29 tem por principal objetivo instituir um elevado nível de proteção dos autores, que lhes permita receberem uma remuneração adequada pela utilização das suas obras, designadamente na comunicação destas ao público. Daqui decorre que o conceito de «comunicação ao público», que figura no artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, deve ser entendido em sentido lato, como aliás enuncia expressamente o considerando 23 da referida diretiva (acórdãos ITV Broadcasting e o., C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 20 e jurisprudência aí referida, e OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 23).

13      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, em primeiro lugar, que se deve entender o conceito de «comunicação» no sentido de que visa toda e qualquer transmissão de obras protegidas, independentemente do meio ou procedimento técnico utilizados (acórdãos Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 193, e OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 25).

14      Seguindo esta interpretação, o Tribunal de Justiça já declarou que o proprietário de um pub procede a uma comunicação ao transmitir deliberadamente obras radiodifundidas, através de um ecrã de televisão e de altifalantes, aos clientes que se encontram nesse estabelecimento (acórdão Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 196).

15      Ora, esta situação é comparável à que está em causa no processo principal, na qual as pessoas que exploram um café‑restaurante transmitem deliberadamente obras radiodifundidas protegidas, através de um aparelho de rádio e de colunas, aos clientes que se encontram presentes nesse estabelecimento.

16      É verdade que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não constitui uma «comunicação» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 um mero meio técnico para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura (acórdão ITV Broadcasting e o., C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

17      Todavia, a circunstância, objeto da segunda questão submetida, de a intervenção em causa no processo principal implicar a utilização de colunas e/ou amplificadores a fim de aumentar a difusão do som não é suscetível de afetar a conclusão de que essa intervenção não constitui um simples meio técnico para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura, uma vez que a referida intervenção constitui um ato sem o qual os clientes do estabelecimento em causa não podem, em princípio, usufruir das obras difundidas, apesar de se encontrarem no interior da referida zona (v., neste sentido, acórdão SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 42).

18      Em segundo lugar, para estarem abrangidas pelo conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, é ainda necessário que as obras protegidas sejam efetivamente comunicadas a um «público».

19      A este respeito, cumpre recordar que o conceito de «público», a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, além disso, um número de pessoas bastante importante (acórdãos ITV Broadcasting e o., C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 32, e OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 27).

20      Ora, à semelhança dos clientes de um hotel, os clientes de um café‑restaurante sucedem‑se rapidamente e representam geralmente um número de pessoas bastante importante, pelo que devem ser considerados como público, atendendo ao objetivo principal da Diretiva 2001/29, recordado no n.° 12 do presente despacho (v., neste sentido, acórdão SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 38).

21      Além disso, para estar abrangida pelo conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, é necessário ainda que a obra radiodifundida seja transmitida a um público novo, isto é, a um público que não tenha sido tomado em consideração pelos autores das obras protegidas quando autorizaram a sua utilização através da comunicação ao público original (acórdãos Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 197 e jurisprudência aí referida, e OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 31).

22      Importa salientar que, ao autorizar a radiodifusão das suas obras, esses autores só tomam em consideração, em princípio, os detentores de aparelhos de televisão que, individualmente ou na sua esfera privada ou familiar, recebem o sinal e veem as emissões. Ora, a partir do momento em que a transmissão de uma obra radiodifundida se faz num lugar acessível ao público e se destina a um público suplementar, ao qual o detentor do aparelho de televisão permite a escuta ou a visualização da obra, tal intervenção deliberada deve ser considerada um ato pelo qual a obra em questão é comunicada a um público novo (v., por analogia, acórdão Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 198).

23      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que constitui transmissão a um público novo a transmissão de obras radiodifundidas, pelo proprietário de um pub, aos clientes presentes nesse estabelecimento, pois esses clientes constituem um público suplementar que não foi tido em consideração pelos autores aquando da autorização da radiodifusão das suas obras (acórdão Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 199).

24      Para que haja «comunicação ao público», a obra radiodifundida deve, além disso, ser transmitida a um «público não presente no local de onde provêm as comunicações», na aceção do considerando 23 da Diretiva 2001/29. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que um elemento de contacto físico e direto está ausente no caso de transmissão de uma obra radiodifundida, num local como um pub, através de um ecrã de televisão e de altifalantes, o público que se encontra presente no local em que é feita a transmissão não está presente no local de onde provém a comunicação, na aceção desse considerando 23, ou seja, no local da representação radiodifundida (v., neste sentido, acórdãos SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 40, e Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 203).

25      A situação descrita no número anterior do presente despacho é comparável à que está em causa no processo principal, em que a transmissão de uma obra radiodifundida é realizada, num café‑restaurante, através de um aparelho de rádio e de colunas.

26      Em terceiro lugar, decorre de jurisprudência do Tribunal de Justiça que o caráter lucrativo de uma «comunicação», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, não é irrelevante (acórdão Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 204 e jurisprudência aí referida).

27      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que o proprietário de um café‑restaurante procede, com fim lucrativo, à transmissão de obras radiodifundidas nesse estabelecimento, em que essa transmissão é suscetível de atrair clientes interessados pelas obras assim transmitidas e em que a referida transmissão se repercute, consequentemente, na frequência do estabelecimento e, in fine, nos seus resultados económicos, essa transmissão constitui uma comunicação ao público com caráter lucrativo (acórdão Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 205 e 206).

28      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que exploram um café‑restaurante, de obras musicais e de obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontram presentes nesse estabelecimento.

 Quanto às despesas

29      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que exploram um café‑restaurante, de obras musicais e de obras musico‑literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontram presentes nesse estabelecimento.

Assinaturas


* Língua do processo: português.