Language of document : ECLI:EU:C:2016:453

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

16 de junho de 2016 (*)

«Incumprimento de Estado – Artigo 110.° TFUE – Imposições internas – Imposições discriminatórias – Veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros – Determinação do valor tributável – Taxa de desvalorização»

No processo C‑200/15,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, que deu entrada em 29 de abril de 2015,

Comissão Europeia, representada por M. Wasmeier e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, A. Cunha, A. Brigas Afonso e N. da Silva Vitorino, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta o valor real destes e, em particular, que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem qualquer outra desvalorização desses veículos no caso de veículos com mais de cinco anos, a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 1.° do Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.° 22‑A/2007 [Diário da República, 1.ª série, n.° 124, 1.° suplemento, de 29 de junho de 2007, p. 4164‑(2)]:

«O imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.»

3        Nos termos do artigo 2.° deste código, conforme alterado pela Lei n.° 66‑B/2012, de 31 de dezembro de 2012 (Diário da República, 1.ª série, n.° 252, 1.° suplemento, de 31 de dezembro de 2012), estão sujeitos ao imposto os automóveis ligeiros de passageiros, os automóveis ligeiros de utilização mista, os automóveis ligeiros de mercadorias, os automóveis de passageiros com mais de 3 500 kg e com lotação não superior a nove lugares, as autocaravanas e os motociclos, triciclos e quadriciclos. Estão excluídos da incidência do imposto os veículos não motorizados, as ambulâncias e os automóveis ligeiros de mercadorias que não apresentem cabina integrada na carroçaria, sem tração às quatro rodas.

4        Nos termos do artigo 5.° do mesmo código, conforme alterado pela Lei n.° 66‑B/2012, constituem factos geradores do imposto sobre veículos o fabrico, a montagem, a admissão ou a importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. O termo «admissão» significa a entrada de um veículo originário de outro Estado‑Membro ou em livre prática neste último. O termo «importação» significa a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

5        O artigo 6.° do Código do Imposto sobre Veículos dispõe que este imposto se torna exigível, nomeadamente, no momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos ou no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou da declaração complementar de veículos pelos particulares.

6        Com a epígrafe «Taxas – veículos usados», o artigo 11.° do referido código, conforme alterado, pela última vez, pela Lei n.° 55‑A/2010, de 31 de dezembro de 2010 (Diário da República, 1.ª série, n.° 253, 1.° suplemento, de 31 de dezembro de 2010), dispõe:

«1.      O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas [da União] atribuídas por outros Estados‑Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respetivo custo de impacte ambiental:

TABELA D

Tempo de uso

Percentagem de redução

Mais de um a dois anos

20

Mais de dois a três anos

28

Mais de três a quatro anos

35

Mais de quatro a cinco anos

43

Mais de cinco anos

52


2.      Para efeitos de aplicação do número anterior, entende‑se por ‘tempo de uso’ o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3.      Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.° 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.° 1 do artigo 27.°, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) × (Y + C)

em que:

ISV      representa o montante do imposto a pagar;

V      representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência indicado nas publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado, ponderado, mediante avaliação do veículo, caso se justifique, em função de determinados fatores concretos, como a quilometragem, o estado mecânico e a conservação;

VR      é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando‑se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y      representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C      é o ‘custo de impacte ambiental’, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4.      Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume‑se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.° 1.»

 Procedimento pré‑contencioso

7        Na sequência de uma troca de correspondência entre os serviços da Comissão e a Administração portuguesa, a Comissão dirigiu à República Portuguesa, em 22 de novembro de 2012, uma notificação para cumprir na qual considerou que o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos não observa o artigo 110.° TFUE. A este respeito, a Comissão salientou que do referido artigo 11.° resulta uma discriminação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros na medida em que o montante do referido imposto calculado nos termos deste último artigo não reflete a desvalorização real sofrida pelos veículos automóveis usados similares já matriculados em Portugal e, em particular, na medida em que, por um lado, nenhuma desvalorização dos veículos automóveis usados importados com menos de um ano é tida em conta e, por outro, a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos é limitada a 52%.

8        Na sua resposta de 30 de janeiro de 2013, a República Portuguesa contestou esta acusação. Alegou que o regime nacional de tributação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros não é discriminatório, uma vez que as tabelas de percentagens fixas e a possibilidade de os sujeitos passivos pedirem uma avaliação do veículo, previstas no artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, são suscetíveis de garantir que o montante deste imposto não excede o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados em Portugal.

9        Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, por carta de 27 de janeiro de 2014, a Comissão dirigiu à República Portuguesa um parecer fundamentado no qual insistia que o método de cálculo do imposto sobre os veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, conforme previsto na regulamentação nacional em causa, constitui uma violação do artigo 110.° TFUE, na medida em que a desvalorização real dos referidos veículos não é considerada para efeitos do cálculo do montante desse imposto.

10      A República Portuguesa respondeu ao parecer fundamentado por carta de 28 de março de 2014, mantendo a sua posição.

11      Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

12      A Comissão alega que a taxa do imposto sobre veículos usados admitidos em Portugal, calculada em função de uma tabela de percentagens fixas, não reflete de modo adequado a desvalorização destes veículos, uma vez que, como decorre do artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos, a desvalorização dos veículos utilizados há menos de um ano não é tomada em consideração e a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos é limitada a 52%. No entendimento da Comissão, esta disposição é, pois, discriminatória.

13      A Comissão considera que, conforme o Tribunal de Justiça já referiu nos acórdãos de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin (C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78), e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia (C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 30), a depreciação de um veículo começa no momento da sua compra ou da sua entrada em serviço. Ora, devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE.

14      Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizar‑se depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.

15      Por outro lado, a Comissão salienta que, nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto. No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro Estado‑Membro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.

16      A Comissão recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, não basta, para evitar que um determinado sistema de tributação seja contrário ao artigo 110.° TFUE, que o proprietário de um veículo tenha possibilidade de requerer uma avaliação equitativa e, por outro, se a legislação nacional tiver previsto uma tabela de percentagens fixas, é necessário que esta tabela permita fixar o valor dos veículos usados num nível muito próximo do seu valor real e que o sujeito passivo possa contestar a aplicação desse método de cálculo. Ora, a tabela de percentagens fixas prevista no Código do Imposto sobre Veículos não permite fixar o valor dos veículos usados de acordo com estes requisitos, tanto mais que esta tabela foi organizada de acordo com um único critério, a saber, a idade do veículo, sem tomar em consideração a quilometragem.

17      A República Portuguesa pede que a ação seja julgada improcedente. Alega que o método de cálculo do imposto baseado na avaliação de cada veículo apresenta, como, no seu entender, o Tribunal de Justiça reconhece no seu acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), grandes dificuldades e gera custos elevados, quer para a Administração tributária quer para os contribuintes, bem como perdas de tempo e uma significativa carga burocrática. A elaboração de tabelas gerais que tenham em conta a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo também apresenta dificuldades.

18      A República Portuguesa, em execução do acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), adotou um sistema misto de tributação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, baseado em dois modelos de cálculo do imposto, ou seja, numa tabela de percentagens fixas e numa avaliação dos veículos. Este sistema vigora desde 2002 e teve, além disso, o apoio implícito da Comissão no âmbito da execução do referido acórdão. Neste sistema, aplica‑se uma tabela de percentagens fixas à maioria dos veículos tributáveis, ao passo que a avaliação é efetuada, em princípio, para os veículos não especificados nesta tabela, se o sujeito passivo a requerer. A República Portuguesa procurou, assim, aproveitar as vantagens dos dois modelos de cálculo e reduzir os inconvenientes administrativos resultantes da avaliação de cada veículo importado, bem como as dificuldades de elaboração e aplicação de uma tabela exaustiva que tenha em conta todos os critérios acima referidos.

19      Por outro lado, ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.

20      A República Portuguesa acrescenta que a criação dos escalões da tabela de percentagens fixas que figura no artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos teve por base razões de ordem prática, dado que a maioria dos veículos automóveis usados importados para Portugal e provenientes de outros Estados‑Membros são veículos que têm entre um e cinco anos. No que respeita aos outros veículos, o sujeito passivo terá mais interesse em requerer a sua avaliação, dado que este método de cálculo do imposto é, com maior probabilidade, mais favorável. Por outro lado, a aplicação da tabela de percentagens fixas mostra‑se, frequentemente, mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, nomeadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico.

21      Em conclusão, o sistema misto de tributação dos veículos usados está concebido de forma a excluir qualquer efeito discriminatório e garante que o montante do imposto devido não excede, em caso algum, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados similares matriculados no território nacional. É, por conseguinte, compatível com o artigo 110.° TFUE.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

22      A título preliminar, importa referir que a Comissão solicita, no petitum da petição, que figura no n.° 1 do presente acórdão, que seja declarado que a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território nacional, um método de cálculo da desvalorização destes veículos «que não tem em conta o valor real do veículo e, em particular, que não tem em conta a desvalorização antes de o veículo atingir 1 ano, nem qualquer outra desvalorização no caso de veículos com mais de 5 anos». A este respeito, embora a Comissão utilize a expressão «em particular», decorre do corpo da sua petição que a Comissão formula, na realidade, duas acusações, a saber, por um lado, para efeitos do cálculo do imposto sobre os veículos em causa, a não tomada em consideração da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há menos de um ano e, por outro, a determinação de um limite máximo de 52% da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos. Nestas circunstâncias, deve entender‑se que a ação intentada pela Comissão abrange estas duas acusações.

23      Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24      Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).

25      Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26      Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

27      No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

28      Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

29      Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

30      Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

31      Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE.

32      A este respeito, não procede o argumento da República Portuguesa segundo o qual a aplicação da tabela de percentagens fixas é frequentemente mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, designadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico. Com efeito, ainda que esta afirmação procedesse, esta tabela continuaria a ser, pelo menos nalguns dos casos indicados no n.° 30 do presente acórdão, discriminatória.

33      Há também que rejeitar o argumento da República Portuguesa segundo o qual o sistema de tributação misto dos veículos usados, baseado numa tabela de percentagens fixas e, complementarmente, quando o sujeito passivo o pretenda, numa avaliação do veículo, está organizado de modo a excluir qualquer efeito discriminatório, pelo que é compatível com o artigo 110.° TFUE.

34      Com efeito, não basta, para evitar que um sistema de tributação seja contrário a este artigo, que o sujeito passivo tenha possibilidade de requerer uma avaliação do veículo em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 41). Esta possibilidade não atenua o facto de que a tabela de percentagens fixas aplicável, a não ser que o sujeito passivo requeira uma avaliação do veículo, é discriminatória e não permite garantir que os veículos usados importados de outros Estados‑Membros sejam sujeitos a um imposto que não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.

35      Do mesmo modo, há que afastar os argumentos da República Portuguesa relativos ao facto de o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos assentar em razões de ordem prática, uma vez que, por um lado, a maioria dos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal são veículos que têm entre um e cinco anos e que, por outro, tanto a aplicação do método de cálculo do imposto baseado na avaliação de todos os veículos automóveis em causa como a conceção e a aplicação de uma tabela que tenha exaustivamente em conta todos os critérios, tais como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, gerariam inconvenientes administrativos, custos elevados e perdas de tempo.

36      A este respeito, no que se refere às dificuldades práticas relacionadas com o cálculo do valor real dos veículos usados para efeitos de cálculo do imposto em litígio, admitindo que a existência dessas dificuldades possa ser comprovada, elas não podem justificar a aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros Estados‑Membros, contrárias ao artigo 110.° TFUE (v. acórdão de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 19).

37      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles. Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 29).

38      Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa.

39      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.° 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 28).

40      Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

41      Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.

 Quanto às despesas

42      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

1)      A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: português.