Language of document : ECLI:EU:C:2017:774

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

19 de outubro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Decisão de Execução (UE) 2015/72 — Lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica — Redução da superfície de um sítio — Erro científico — Validade»

No processo C‑281/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por decisão de 18 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de maio de 2016, no processo

Vereniging Hoekschewaards Landschap

contra

Staatssecretaris van Economische Zaken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de maio de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Vereniging Hoekschewaards Landschap, por A. Jonkhoff e W. Zwier, advocaten,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, B. Koopman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve e C. Hermes, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade da Decisão de Execução (UE) 2015/72 da Comissão, de 3 de dezembro de 2014, que adota a oitava atualização da lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2015, L 18, p. 385).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vereniging Hoekschewaards Landschap à Staatssecretaris van Economische Zaken (Secretaria de Estado da Economia, Países Baixos) (a seguir «Secretaria de Estado»), a respeito da legalidade de uma decisão de redução da superfície de uma zona especial de conservação (a seguir «ZEC»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 92/43/CEE

3        O artigo 1.o da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2006/105/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO 2006, L 363, p. 368) (a seguir «diretiva “habitats”»), tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      Conservação: o conjunto das medidas necessárias para manter ou restabelecer os habitats naturais e as populações de espécies da fauna e da flora selvagens num estado favorável, tal como definido nas alíneas e) e i);

[…]

e)      Estado de conservação de um habitat natural: o efeito de conjunto das influências que atuam sobre o habitat natural em causa, bem como sobre as espécies típicas que nele vivem, suscetíveis de afetar a longo prazo a sua repartição natural, a sua estrutura e as suas funções, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas no território referido no artigo 2.o

O “estado de conservação” de um habitat natural será considerado “favorável” sempre que:

–        a sua área de repartição natural e as superfícies que dentro dela abrange forem estáveis ou estiverem em expansão e

e

–        a estrutura e as funções específicas necessárias à sua manutenção a longo prazo existirem e forem suscetíveis de continuar a existir num futuro previsível e

e

–        o estado de conservação das espécies típicas for favorável na aceção da alínea i);

[…]

i)      Estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, atuando sobre a espécie em causa, podem afetar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.o

O “estado de conservação” será considerado “favorável” sempre que:

–        os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é suscetível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence

e

–        a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível

e

–        existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo;

[…]

k)      Sítio de importância comunitária: um sítio que, na ou nas regiões biogeográficas a que pertence, contribua de forma significativa para manter ou restabelecer um tipo de habitat natural do anexo I ou uma espécie do anexo II, num estado de conservação favorável, e possa também contribuir de forma significativa para a coerência da rede Natura 2000 referida no artigo 3.o e/ou contribua de forma significativa para manter a diversidade biológica na região ou regiões biogeográficas envolvidas.

[…]

l)      [ZEC]: um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um ato regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado;

[…]»

4        O artigo 2.o da diretiva «habitats» dispõe:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado [FUE] é aplicável.

2.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

3.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.»

5        O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva prevê:

«É criada uma rede ecológica europeia coerente de [ZEC] denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.»

6        Nos termos do artigo 4.o da referida diretiva:

«1.      Com base nos critérios estabelecidos no anexo III (fase 1) e nas informações científicas pertinentes, cada Estado‑Membro proporá uma lista dos sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies do anexo II (nativas do seu território) que tais sítios alojam. […] Os Estados‑Membros proporão, se necessário, adaptações à referida lista em função dos resultados da vigilância a que se refere o artigo 11.o

[…]

2.      Com base nos critérios constantes do anexo III (fase 2) e no âmbito de cada uma das nove regiões biogeográficas a que se refere a alínea c), subalínea iii), do artigo 1.o e do conjunto do território a que se refere o n.o 1 do artigo 2.o, a Comissão elaborará, em concertação com cada Estado‑Membro, e a partir das listas dos Estados‑Membros, um projeto de lista dos sítios de importância comunitária do qual constarão os que integrem um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias.

[…]

A lista dos sítios selecionados como de importância comunitária, que indique os que integram um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias, será elaborada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.o

[…]

4.      A partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.o 2, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como [ZEC], o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, por um lado, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios, por outro.

[…]»

7        O artigo 9.o da diretiva «habitats» enuncia o seguinte:

«De acordo com o procedimento previsto no artigo [19].°, a Comissão procederá a uma avaliação periódica do contributo da rede Natura 2000 para a realização dos objetivos previstos nos artigos 2.o e 3.o Neste contexto, pode prever‑se a desclassificação de uma [ZEC] sempre que a evolução natural registada na vigilância prevista no artigo [11].° a justifique.»

8        O artigo 11.o dessa diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros assegurarão a vigilância do estado de conservação das espécies e habitats referidos no artigo 2.o, tendo especialmente em conta os tipos de habitat natural e as espécies prioritárias.»

9        O anexo III da referida diretiva fixa os critérios de seleção dos sítios suscetíveis de ser identificados como sítios de importância comunitária (a seguir «SIC») e designados como ZEC. No que se refere mais especificamente aos critérios relativos à fase 1, que consiste na «[a]valiação a nível nacional da importância relativa dos [sítios] para cada tipo de habitat natural do anexo I e para cada espécie do anexo II (incluindo os tipos de habitats naturais prioritários e as espécies prioritárias)», estes anexo contém a seguinte passagem:

«A.      Critérios de avaliação do [sítio] para um determinado tipo de habitat natural do anexo I

a)      Grau de representatividade do tipo de habitat natural para o [sítio].

b)      Superfície do [sítio] coberta pelo tipo de habitat natural relativamente à superfície total coberta por esse tipo de habitat natural no território nacional.

c)      Grau de conservação da estrutura e das funções do tipo de habitat natural em questão e possibilidade de restauro.

d)      Avaliação global do valor do [sítio] para a conservação do tipo de habitat natural em questão.

B.      Critérios de avaliação do [sítio] para uma espécie determinada do anexo II

a)      Extensão e densidade da população da espécie presente no [sítio] relativamente às populações presentes no território nacional.

b)      Grau de conservação dos elementos do habitat importantes para a espécie considerada e possibilidade de restauro.

c)      Grau de isolamento da população presente no [sítio] relativamente à área de repartição natural da espécie.

d)      Avaliação global do valor do [sítio] para a conservação da espécie considerada.»

 Decisões adotadas pela Comissão nos termos do artigo 4.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da diretiva «habitats»

10      Com a sua Decisão 2004/813/CE, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2004, L 387, p. 1), a Comissão, por proposta do Reino dos Países Baixos, selecionou o sítio de Haringvliet (Países Baixos) como SIC, com o código NL 1000015, para uma superfície de 11 108 hectares (ha).

11      As sete atualizações sucessivas da lista dos SIC da região biogeográfica atlântica mantiveram o sítio de Haringvliet nesta lista, para a mesma superfície.

12      Em contrapartida, com a Decisão de Execução 2015/72, que procedeu à oitava atualização da referida lista, a Comissão só considerou o sítio de Haringvliet como SIC para uma superfície de 10 988 ha.

 Direito neerlandês

13      O artigo10.°a, n.o 1, da Natuurbeschermingswet 1998 (Lei de proteção da natureza de 1998), de 25 de maio de 1998, tem a seguinte redação:

«O nosso Ministro designa os sítios para efeitos de execução […] da diretiva [“habitats”].»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

14      Resulta do pedido de decisão prejudicial que o Leenheerenpolder é um pólder com uma superfície de cerca de 110 ha que fazia parte do sítio de Haringvliet quando este foi incluído, pela Decisão 2004/813, na lista dos SIC da região biogeográfica atlântica, atendendo às possibilidades de restauro que esse pólder oferecia para os tipos de habitats naturais e de espécies presentes noutros locais no SIC de Haringvliet. Com efeito, estava previsto que o Leenheerenpolder, então composto por terras agrícolas e que não abrigava nenhum dos tipos de habitats naturais e de espécies protegidas noutros locais no referido SIC, fosse submetido a uma ação dita de «despolderização», que consistia na sua transformação numa zona natural sujeita à ação das marés a fim de desenvolver o seu potencial.

15      Por decisão de 4 de julho de 2013, o Reino dos Países Baixos, com base no artigo 10.oa da Lei de proteção da natureza de 1998, designou o sítio de Haringvliet como ZEC, excluindo não obstante desta zona o Leenheerenpolder. Por acórdão de 1 de outubro de 2014, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) anulou essa decisão, na medida em que o Leenheerenpolder não fazia parte desta ZEC. Com efeito, esse órgão jurisdicional considerou que, uma vez que o Leenheerenpolder estava incluído nos limites do SIC de Haringvliet conforme reconhecidos pela Comissão na sua Decisão de 2004/813, o Reino dos Países Baixos estava obrigado, nos termos do artigo 4.o, n.o 4, da diretiva «habitats», a integrar esse pólder nos limites da ZEC.

16      Em outubro de 2013, o Reino dos Países Baixos propôs à Comissão que retirasse o Leenheerenpolder do SIC de Haringvliet e, portanto, que reduzisse a superfície deste em conformidade.

17      Por carta de 10 de setembro de 2014, a Comissão pediu a este Estado‑Membro explicações adicionais sobre este projeto de redução da superfície do SIC de Haringvliet.

18      Por carta de 30 de setembro de 2014, a Secretaria de Estado informou a Comissão de que o Leenheerenpolder não continha valores naturais e que os projetos iniciais destinados a reconverter este pólder tinham sido abandonados porque o restauro das zonas húmidas de Beningerwaard, de Tiengemeten e de pólderes de tamanho mais reduzido do SIC de Haringvliet era suficiente para alcançar os objetivos de conservação deste SIC. A Secretaria de Estado acrescentou, nesta carta, que o abandono do projeto de despolderização estava relacionado com razões políticas, sociais e orçamentais.

19      Por carta de 24 de outubro de 2014, os serviços da Comissão responderam que aceitavam a proposta de alteração do SIC de Haringvliet, tendo em conta, por um lado, a avaliação favorável realizada pelas autoridades neerlandesas do potencial de restabelecimento presente noutras partes deste sítio e, por outro, o facto de já ter sido executado ou estar prevista a execução de um certo número de medidas de restabelecimento noutros locais. Nesta carta, a Comissão entendeu que a proposta inicial de integrar o Leenheerenpolder no SIC de Haringvliet constituía um «erro científico».

20      Com a Decisão de Execução 2015/72, a Comissão, embora mantendo o sítio de Haringvliet na lista dos SIC da região biogeográfica atlântica, excluiu o Leenheerenpolder deste sítio.

21      Por decisão de 28 de abril de 2015, a Secretaria de Estado, com base no artigo 10.oa, n.o 1, da Lei de proteção da natureza de 1998 e para dar cumprimento à Decisão de Execução 2015/72, designou o SIC de Haringvliet como ZEC, excluindo desta o Leenheerenpolder.

22      Por considerar que este pólder oferecia um potencial único de restauro de uma natureza estuarina que não existia noutros locais no SIC de Haringvliet, a Vereniging Hoekschewaards Landschap interpôs recurso da decisão de 28 de abril de 2015 no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

23      O Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) sublinha que a Secretaria de Estado alegou perante ele que o erro científico residia no facto de ter, erradamente, considerado, quando tinha proposto a inscrição do sítio de Haringvliet na lista dos SIC, que o Leenheerenpolder era não só adequado mas também necessário para alcançar os objetivos de conservação desse sítio. Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, nestas circunstâncias, na medida em que o pedido do Reino do Países Baixos esteja suportado por dados suficientes, a redução de superfície do referido sítio pode ser justificada por tal motivo.

24      Nestas condições, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A Decisão de Execução [2015/72] é válida na medida em que prevê a inclusão nesta lista do sítio [de Haringvliet] sem que o Leenheerenpolder faça parte do mesmo?»

 Quanto à questão prejudicial

25      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a redução da superfície do sítio de Haringvliet por exclusão do Leenheerenpolder, pelo facto de a inclusão inicial deste último no referido sítio ter resultado de um erro científico, é válida.

26      A título preliminar, importa observar que o presente processo não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 9.o da diretiva «habitats», segundo o qual pode prever‑se a desclassificação de uma ZEC «sempre que a evolução natural registada na vigilância prevista no artigo [11].° a justifique», uma vez que o Reino dos Países Baixos não invocou tal evolução.

27      Com efeito, embora, com a Decisão 2004/813, a Comissão tenha, mediante proposta do Reino dos Países Baixos e em aplicação dos critérios enumerados no anexo III da diretiva «habitats», integrado o Leenheerenpolder no SIC de Haringvliet atendendo ao seu potencial para o restauro dos tipos de habitats naturais e das espécies presentes nesse SIC, essa instituição justificou a retirada, através da Decisão de Execução 2015/72, do referido pólder do SIC de Haringvliet pelo facto de a sua inclusão inicial no referido SIC ter constituído um erro científico.

28      Por conseguinte, para responder à questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça, importa examinar se a diretiva «habitats» autoriza a Comissão a reduzir, mediante proposta do Estado‑Membro em causa, a superfície de um SIC, no caso de a inscrição inicial do sítio na lista dos SIC estar viciada de um erro científico e, sendo caso disso, se a redução em causa no processo principal foi licitamente justificada por tal erro.

29      A este propósito, saliente‑se que o Tribunal de Justiça declarou, a respeito da Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125), que um erro de notificação à Comissão aquando da designação de uma zona de proteção especial podia implicar a redução da superfície dessa zona em razão da retificação desse erro (v., neste sentido, acórdão de 25 de novembro de 1999, Comissão/França, C‑96/98, EU:C:1999:580, n.o 55). No processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça constatou que o erro administrativo cometido, que dizia respeito à indicação da superfície, podia ser corrigido procedendo‑se à adaptação da zona de proteção em causa.

30      Além disso, na falta de disposições especiais na diretiva «habitats», há que considerar que a adaptação da lista dos SIC que os Estados‑Membros propõem à Comissão por força do artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva pode incluir a redução da superfície de um sítio, a qual deve ser efetuada seguindo o mesmo procedimento que a inscrição do sítio na referida lista (v., por analogia, acórdão de 3 de abril de 2014, Cascina Tre Pini, C‑301/12, EU:C:2014:214, n.o 26).

31      A este respeito, importa recordar que, para elaborar um projeto de lista dos SIC, de natureza a conduzir à constituição de uma rede ecológica europeia coerente de ZEC, a Comissão deve dispor de um inventário exaustivo dos sítios que revestem, a nível nacional, um interesse ecológico relevante, tendo em conta o objetivo de conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, prosseguido pela diretiva «habitats» (acórdão de 7 de novembro de 2000, First Corporate Shipping, C‑371/98, EU:C:2000:600, n.o 22).

32      É apenas deste modo que é possível realizar o objetivo, a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva «habitats», de manutenção ou de restabelecimento, num estado de conservação favorável, dos tipos de habitats naturais e dos habitats das espécies em causa na sua área de repartição natural, que se pode situar num ou noutro lado de uma ou várias fronteiras internas da União Europeia. Com efeito, resulta do artigo 1.o, alíneas e) e i), desta diretiva, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, da mesma diretiva, que o estado de conservação favorável de um habitat natural ou de uma espécie deve ser apreciado relativamente ao conjunto do território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável (acórdão de 7 de novembro de 2000, First Corporate Shipping, C‑371/98, EU:C:2000:600, n.o 23).

33      Ora, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva «habitats», um sítio é proposto pelo Estado‑Membro interessado com base nos critérios estabelecidos no anexo III desta diretiva e nas informações científicas pertinentes. Daqui decorre, à luz da jurisprudência referida no n.o 29 do presente acórdão, que a revelação, com base em elementos de ordem científica, da existência de um erro que vicia essas informações científicas pertinentes pode justificar, sendo caso disso, a redução da superfície de um SIC.

34      Esta interpretação é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual não se deve usar em vão recursos para a gestão de um sítio que se revele inútil para a conservação dos habitats naturais e das espécies (v., neste sentido, acórdão de 3 de abril de 2014, Cascina Tre Pini, C‑301/12, EU:C:2014:214, n.o 28).

35      Todavia, embora seja verdade que os Estados‑Membros dispõem de uma certa margem de apreciação quando propõem, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva «habitats», uma lista de sítios suscetíveis de ser identificados como SIC (acórdão de 3 de abril de 2014, Cascina Tre Pini, C‑301/12, EU:C:2014:214, n.o 27), não podem, em contrapartida, dispor da mesma margem de apreciação quando sugerem à Comissão que proceda à redução da superfície de um SIC.

36      Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 28 das suas conclusões, dado que a inscrição de um sítio na lista permite pressupor que o mesmo assume, no seu conjunto, relevância para o objetivo de conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, prosseguido pela diretiva «habitats», a proposta de um Estado‑Membro de reduzir a superfície de um sítio da lista exige a demonstração de que as zonas em causa não revestem, a nível nacional, um interesse substancial para a realização deste objetivo. Além disso, a Comissão apenas deve aceitar e implementar a proposta caso conclua que estas zonas não são necessárias também do ponto de vista do conjunto da União.

37      No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as autoridades neerlandesas justificaram o pedido feito à Comissão de retirar o Leenheerenpolder do SIC de Haringvliet não pelo facto de ter sido cometido um erro, quando da proposta referida no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva «habitats», no que respeita ao valor ecológico desse pólder e à sua capacidade para contribuir para a realização dos objetivos desta diretiva, conforme resultam dos seus artigos 2.o e 3.o, mas pelo facto de ter sido emitida em 2011 uma decisão de reavaliação da política nacional em matéria de natureza. Em especial, essas autoridades não sustentaram em momento algum que o potencial do referido pólder quanto ao restauro dos tipos de habitats naturais e das espécies em causa, através da transformação desta zona agrícola em zona natural sujeita à ação das marés, tinha desaparecido. De resto, numa correspondência enviada à Comissão em 30 de setembro de 2014, as referidas autoridades indicaram que o projeto que previa o desenvolvimento de valores naturais nesse pólder tinha sido abandonado por razões políticas, sociais e orçamentais, tendo em conta o facto de que os desenvolvimentos que já tinham sido parcialmente realizados noutras partes do sítio de Haringvliet eram suficientes para alcançar os objetivos deste sítio.

38      A este respeito, o Governo neerlandês confirmou, na audiência, que o Reino dos Países Baixos não tinha invocado a existência de um «erro científico» quando submeteu à Comissão a sua proposta de redução da superfície do SIC de Haringvliet.

39      Além disso, por seu turno, a Comissão não forneceu ao Tribunal de Justiça nenhum elemento científico probatório suscetível de demonstrar que tal erro tivesse viciado esta proposta inicial.

40      Consequentemente, a Comissão não podia legalmente, quando da oitava atualização da lista dos SIC da região biogeográfica atlântica através da Decisão de Execução 2015/72, basear‑se na existência de um erro científico cometido inicialmente para inscrever o sítio de Haringvliet nesta lista sem aí incluir o Leenheerenpolder.

41      Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que a Decisão de Execução 2015/72 é inválida, na medida em que, com esta decisão, o sítio de Haringvliet foi inscrito na lista dos SIC da região biogeográfica atlântica sem que o Leenheerenpolder faça parte do mesmo.

 Quanto às despesas

42      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

A Decisão de Execução (UE) 2015/72 da Comissão, de 3 de dezembro de 2014, que adota a oitava atualização da lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, é inválida, na medida em que, com esta decisão, o sítio de Haringvliet (NL 1000015) foi inscrito nesta lista sem que o Leenheerenpolder faça parte do mesmo.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.