Language of document : ECLI:EU:C:2017:935

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de dezembro de 2017 (*)

«Recurso de anulação — Ação externa da União Europeia — Artigo 216.o, n.o 1, TFUE — Artigo 218.o, n.o 9, TFUE — Estabelecimento da posição a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo internacional — Comissão de Revisão da Organização Intergovernamental para os Transportes Internacionais Ferroviários (OTIF) — Alteração da Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF) e dos seus apêndices — Competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros — Competência externa da União numa matéria em que a União até então não adotou regras comuns — Validade da Decisão 2014/699/UE — Dever de fundamentação — Princípio da cooperação leal»

No processo C‑600/14,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 22 de dezembro de 2014,

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

República Francesa, representada inicialmente por D. Colas, G. de Bergues e M. Hours, na qualidade de agentes, e em seguida por D. Colas e M.‑L. Kitamura, na qualidade de agentes,

Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Brodie, M. Holt e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por J. Holmes, QC,

intervenientes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por E. Finnegan, Z. Kupčová e J.‑P. Hix, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por F. Erlbacher, W. Mölls e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça, J. Malenovský e C. Vajda (relator), presidentes de secção, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de outubro de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a República Federal da Alemanha pede a anulação parcial da Decisão 2014/699/UE do Conselho, de 24 de junho de 2014, que estabelece a posição a adotar em nome da União Europeia na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF a respeito de determinadas alterações à Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF) e aos seus apêndices (JO 2014, L 293, p. 26, a seguir «decisão impugnada»).

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 COTIF

2        A Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários, de 9 de maio de 1980, conforme alterada pelo Protocolo de Vilnius, de 3 de junho de 1999 (a seguir «COTIF»), entrou em vigor em 1 de julho de 2006. Os 49 Estados que são partes na COTIF, entre os quais figuram todos os Estados‑Membros da União Europeia, com exceção da República de Chipre e da República de Malta, constituem a Organização Intergovernamental para os Transportes Internacionais Ferroviários (OTIF).

3        Por força do artigo 2.o, n.o 1, da COTIF, a OTIF tem como objetivo favorecer, melhorar e facilitar, a todos os níveis, o tráfego internacional ferroviário, nomeadamente estabelecer regimes de direito uniforme em diversos domínios jurídicos relativos ao tráfego internacional ferroviário.

4        Nos termos do artigo 6.o da COTIF, intitulado «Regras uniformes»:

«§ 1      O tráfego internacional ferroviário e a admissão de material ferroviário para utilização em tráfego internacional ferroviário são regulados, desde que não tenham sido feitas ou emitidas declarações ou reservas nos termos do [artigo] 42.o, [n.o]1, primeira frase:

[…]

b)      Pelas “Regras Uniformes Relativas ao Contrato de Transporte Internacional Ferroviário de Mercadorias (CIM)”, que constituem o apêndice B à [COTIF];

[…]

d)      Pelas “Regras Uniformes Relativas aos Contratos de Utilização de Veículos em Tráfego Internacional Ferroviário (CUV)”, que constituem o apêndice D à [COTIF];

e)      Pelas Regras Uniformes Relativas ao Contrato de Utilização da Infraestrutura em Tráfego Internacional Ferroviário (CUI), que constituem o apêndice E à [COTIF];

[…]

§ 2      As Regras Uniformes, o Regulamento e os regimes enumerados no n.o 1, incluindo os respetivos anexos, são parte integrante da [COTIF].»

5        O artigo 12.o, n.o 5, da COTIF prevê:

«Os veículos ferroviários só podem ser penhorados, em território que não seja o do Estado‑Membro no qual se localize a sede social do detentor, com base em sentença proferida pela autoridade judicial desse Estado. O termo “detentor” designa aquele que explora economicamente e de forma sustentável um veículo ferroviário enquanto meio de transporte, quer seja proprietário quer goze do direito de disposição.»

6        A Comissão de Revisão da OTIF é composta, em princípio, por todas as partes na COTIF.

7        Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, alíneas a) e b), da COTIF, a Comissão de Revisão da OTIF decide, nos limites das suas competências, as propostas de alteração da COTIF e, além disso, analisa as propostas a apresentar à assembleia‑geral da OTIF. As competências respetivas dessas duas instâncias da OTIF em matéria de alteração da COTIF estão determinadas no artigo 33.o desta Convenção.

 Acordo de adesão

8        O Acordo entre a União Europeia e a Organização Intergovernamental para os Transportes Internacionais Ferroviário sobre a Adesão da União Europeia à Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF), de 9 de maio de 1980, com a redação que lhe foi dada pelo Protocolo de Vilnius, de 3 de junho de 1999 (JO 2013, L 51, p. 8, a seguir «acordo de adesão»), assinado em 23 de junho de 2011, em Berna, entrou em vigor em 1 de julho de 2011, em conformidade com o seu artigo 9.o

9        O artigo 2.o do acordo de adesão estabelece:

«Sem prejuízo do objeto e da finalidade da [COTIF] de promover, melhorar e facilitar o transporte ferroviário internacional e sem prejuízo da sua plena aplicação, em relação às outras Partes na [COTIF], nas suas relações mútuas, as Partes na [COTIF] que são Estados‑Membros da União devem aplicar as regras da União, e não, por conseguinte, as regras decorrentes da [COTIF] exceto na medida em que não existam regras da União que regulem a matéria particular em causa.»

10      Nos termos do artigo 6.o deste acordo:

«1.      No que respeita a decisões relativas a matérias da competência exclusiva da União Europeia, esta exerce os direitos de voto dos seus Estados‑Membros nos termos da [COTIF].

2.      No que respeita a decisões relativas a matérias em que a União partilha competências com os seus Estados‑Membros, o voto é exercido ou pela União ou pelos seus Estados‑Membros.

3.      Sem prejuízo do disposto no n.o 7 do artigo 26.o da [COTIF], a União Europeia dispõe de um número de votos igual ao dos seus Estados‑Membros que são igualmente membros da [COTIF]. Quando a União Europeia vota, os seus Estados‑Membros não votam.

4.      A União informa as outras Partes Contratantes na [COTIF] de cada um dos casos em que exercerá os direitos de voto previstos nos n.os 1 a 3 relativamente aos diversos pontos inscritos na ordem de trabalhos da Assembleia‑Geral e dos outros órgãos deliberativos. Essa obrigação aplica‑se igualmente às decisões tomadas por correspondência. A referida informação deve ser prestada ao Secretário‑Geral da OTIF com antecedência suficiente para poder ser posta a circular juntamente com os documentos da reunião ou para permitir uma decisão por correspondência.»

11      O artigo 7.o do acordo de adesão estabelece:

«O âmbito da competência da União é descrito, em termos gerais, numa declaração por escrito apresentada pela União por ocasião da celebração do presente Acordo. Essa declaração pode ser alterada, se necessário, mediante notificação da União Europeia à OTIF. A declaração não substitui nem limita de forma alguma as matérias que possam ser objeto de notificações de competência da União anteriores à tomada de decisões, em sede da OTIF, por votação formal ou outro procedimento.»

 Direito da União

12      O acordo de adesão foi aprovado em nome da União pela Decisão 2013/103/UE do Conselho, de 16 de junho de 2011, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a Organização Intergovernamental para os Transportes Internacionais Ferroviários sobre a Adesão da União Europeia à Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF), de 9 de maio de 1980, com a redação que lhe foi dada pelo Protocolo de Vilnius, de 3 de junho de 1999 (JO 2013, L 51, p. 1).

13      No anexo I desta decisão figura uma declaração da União, feita aquando da assinatura do acordo de adesão, relativa ao exercício das competências.

14      Essa declaração tem a seguinte redação:

«No setor ferroviário, a União Europeia […] exerce uma competência partilhada com os Estados‑Membros da União […] por força dos artigos 90.o e 91.o [TFUE], em conjugação com o artigo 100.o, n.o 1, [e artigos 171.o e] 172.o do [referido Tratado].

[…]

Com base [nos artigos 91.o e 171.o TFUE], a União adotou um número substancial de diplomas legais aplicáveis ao transporte ferroviário.

Nos termos do direito da União, a União tem competência exclusiva em matérias do domínio do transporte ferroviário em que a [COTIF], ou diplomas legais adotados em conformidade com ela, afetam ou alteram o alcance das regras em vigor da União.

Nas matérias reguladas pela [COTIF], que são da competência exclusiva da União, os Estados‑Membros não têm competência.

Nos casos em que as regras vigentes da União não são afetadas pela [COTIF] ou por diplomas legais adotados em conformidade com ela, a União partilha com os Estados‑Membros a competência nas matérias relacionadas com a [COTIF].

No apêndice do presente Anexo, figura a lista dos diplomas legais da União em vigor à data do presente Acordo. O âmbito da competência da União decorrente dos referidos diplomas legais deve ser apreciado por referência às disposições específicas de cada diploma legal, especialmente na medida em que tais disposições estabeleçam regras comuns. A competência da União é suscetível de evoluir. No quadro do Tratado da União Europeia e do [Tratado] FUE, as instituições competentes da União podem tomar decisões que determinem o alcance das competências da União. A União reserva‑se, por conseguinte, o direito de alterar a presente declaração nessa conformidade, sem que tal constitua condição necessária para o exercício da sua competência nas matérias abrangidas pela [COTIF].»

15      O apêndice do anexo I da Decisão 2013/103 enumera os diplomas legais da União referentes a matérias que são objeto da COTIF.

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

16      Durante o mês de abril de 2014, o secretário‑geral da OTIF notificou os Estados‑Membros da COTIF das propostas de alteração da COTIF que deviam ser submetidas à Comissão de Revisão da OTIF na sua 25.a sessão, a ter lugar em Berna, de 25 a 27 de junho de 2014. Essas propostas de alteração incidiam, nomeadamente, sobre o apêndice B da COTIF, que se refere às regras uniformes relativas ao contrato de transporte internacional ferroviário de mercadorias (CIM) [a seguir «apêndice B (CIM)»], o apêndice D da COTIF, que se refere às regras uniformes relativas aos contratos de utilização de veículos em tráfego internacional ferroviário (CUV) [a seguir «apêndice D (CUV)»], em conjugação com o artigo 12.o da COTIF, e o apêndice E da COTIF, que se refere às regras uniformes relativas ao contrato de utilização da infraestrutura em tráfego internacional ferroviário (CUI) [a seguir «apêndice E (CUI)»]. Em 25 de abril e 27 de maio de 2014, respetivamente, a República Francesa e a República Federal da Alemanha apresentaram duas propostas referentes ao apêndice D (CUV) que foram igualmente submetidas à Comissão de Revisão da OTIF com vista a essa sessão.

17      Em 26 de maio de 2014, a Comissão Europeia apresentou, com vista à preparação da referida sessão, um documento de trabalho ao Grupo de Trabalho «Transportes terrestres» do Conselho da União Europeia, a respeito de determinadas alterações à COTIF. Em 5 de junho de 2014, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de decisão do Conselho que estabelecia a posição a adotar pela União na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF [COM(2014) 338 final, a seguir «proposta de decisão»]. No final das sessões de trabalho que tiveram lugar nos órgãos preparatórios, o Conselho, na sua reunião de 24 de junho de 2014, adotou a decisão impugnada, que estabelece as posições a adotar em nome da União, nomeadamente sobre as propostas de alteração do artigo 12.o da COTIF e dos seus apêndices B (CIM), D (CUV) e E (CUI) (a seguir, conjuntamente, «alterações controvertidas»).

18      A República Federal da Alemanha votou contra a referida proposta e fez a seguinte declaração aquando da adoção da decisão impugnada:

«A República Federal da Alemanha entende que a [União Europeia] não tem competência para as alterações do apêndice B ([…] CIM), do apêndice D ([…] CUV) e do apêndice E ([…] CUI) da [COTIF], e considera, por conseguinte, que não há lugar a coordenar a posição a adotar pela [União] na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, que se realizará de 25 a 27 de junho de 2014. Até à data, a [União] não exerceu a sua competência legislativa nos domínios do direito privado dos contratos relativos aos transportes regulados pelos referidos apêndices. Por conseguinte, os Estados‑Membros podem continuar a exercer a sua competência nos termos do segundo período do artigo 2.o, n.o 2, [TFUE]. Além disso, nos casos em que a competência é partilhada, o artigo 6.o, n.o 2, do Acordo entre a OTIF e a [União] relativo à adesão da [União] à [COTIF] prevê expressamente que os Estados‑Membros podem continuar a exercer de forma independente o seu direito de voto nesses domínios. [A República Federal da Alemanha] declara pela presente, a título cautelar, que recusa qualquer exercício do seu direito de voto pela Comissão Europeia.»

19      Nos termos dos considerandos 3 a 6, 9 e 11 da decisão impugnada:

«O Conselho da União Europeia,

Tendo em conta o Tratado [FUE], nomeadamente o artigo 91.o, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 9,

[…]

Considerando o seguinte:

[…]

(3)      A Comissão de Revisão criada em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, ponto c), da [COTIF], na sua 25.a sessão que se realizará de 25 a 27 de junho de 2014, deverá tomar uma decisão no que respeita a determinada alterações da [COTIF] e de alguns dos seus apêndices, a saber, os apêndices B ([…] CIM), D ([…] CUV), E ([…] CUI) […]

(4)      As alterações à [COTIF] têm por objetivo atualizar as atribuições da Comissão de Peritos Técnicos, bem como a definição de “detentor” para a alinhar pelo direito da União, e modificar certas regras respeitantes ao financiamento da [OTIF], às auditorias e aos relatórios, bem como introduzir algumas mudanças menores de natureza administrativa.

(5)      As alterações ao apêndice B (CIM) visam dar prioridade à apresentação em formato eletrónico da declaração de expedição e dos documentos que a acompanham e aclarar determinadas disposições do contrato de transporte.

(6)      As alterações ao apêndice D (CUV) apresentadas pelo Secretário‑Geral da OTIF visam aclarar as atribuições do detentor e da entidade de manutenção nos contratos de utilização de veículos em tráfego internacional ferroviário. A [República Francesa] apresentou separadamente uma proposta relativa à responsabilidade por danos causados pelos veículos. A [República Federal da Alemanha] apresentou também uma proposta respeitante ao âmbito de aplicação das regras uniformes CUV.

[…]

(9)      As alterações ao apêndice E (CUI) propostas pelo Comité Internacional dos Transportes Ferroviários (CIT) visam alargar ao transporte nacional ferroviário o âmbito das regras uniformes relativas ao contrato de utilização da infraestrutura, estabelecer a base jurídica das condições gerais de utilização da infraestrutura ferroviária e estender a responsabilidade do gestor da infraestrutura por perdas e danos causados pela infraestrutura.

[…]

(11)      As alterações propostas são, na sua maior parte, consentâneas com o direito e os objetivos estratégicos da União, pelo que a União lhes deverá dar o seu acordo. Certas alterações não têm incidências no direito da União, pelo que não é necessário definir a seu respeito uma posição a nível da União. Outras carecem, contudo, de discussão mais aprofundada ao nível da União, pelo que deverão ser rejeitadas na sessão da Comissão de Revisão; se estas últimas alterações forem aprovadas sem reformulação aceitável para a União, esta deverá formular uma objeção conforme previsto no artigo 35.o, n.o 4, da [COTIF]».

20      O artigo 1.o, n.o 1, da decisão impugnada dispõe que «[a] posição a adotar em nome da União na 25.a sessão da Comissão de Revisão criada pela [COTIF] é a definida no anexo [desta] decisão».

21      O ponto 3 do anexo da referida decisão enuncia, no que respeita aos diferentes pontos da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, a repartição das competências entre a União e os seus Estados‑Membros, o exercício dos direitos de voto e a posição coordenada recomendada. O ponto 4, em parte, bem como os pontos 5, 7 e 12 da referida ordem de trabalhos referem‑se às alterações controvertidas.

22      No que se refere ao ponto 4 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativo à revisão parcial da COTIF, o ponto 3 do anexo da decisão impugnada prevê:

«[…]

Competência: partilhada.

Exercício dos direitos de voto: Estados‑Membros:

Posição coordenada recomendada:

[…]

As alterações do artigo 12.o (Execução de sentenças. Penhoras) devem ser apoiadas dado que incidem sobre a definição de “detentor” em consonância com o direito da União.

[…]»

23      No que se refere ao ponto 5 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativo à revisão parcial do apêndice B (CIM), o ponto 3 do anexo da decisão impugnada dispõe:

«[…]

Competência: partilhada.

Exercício dos direitos de voto: União (artigos 6.o e 6.o‑A). Estados‑Membros (outros artigos)

Posição coordenada recomendada:

As alterações ao artigo 6.o e o artigo 6.o‑A têm incidências no direito da União, dada a utilização da declaração de expedição e dos documentos que a acompanham para os procedimentos aduaneiros, sanitários e fitossanitários. A União subscreve a intenção da OTIF de dar prioridade à declaração de expedição eletrónica. No entanto, a adoção de tais alterações nesta altura pode ter consequências indesejadas. O atual procedimento simplificado de trânsito aduaneiro por caminho de ferro é impossível sem documentos em papel. Portanto, se optarem pela declaração de expedição eletrónica, os caminhos de ferro terão de utilizar o procedimento normal de trânsito e o novo sistema de trânsito informatizado.

A Comissão já iniciou os preparativos com vista à discussão em grupo de trabalho da utilização de documentos de transporte eletrónicos para o trânsito ao abrigo do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1)]. A primeira reunião deste grupo de trabalho está agendada para 4‑5 de junho de 2014. A União subscreve igualmente a intenção de privilegiar a apresentação dos documentos de acompanhamento em formato eletrónico. Não há, todavia, base legal no direito da União vigente para obrigar à apresentação em formato eletrónico dos documentos (e.g. o documento veterinário comum de entrada e o documento comum de entrada) que devem acompanhar as mercadorias sujeitas a controlo sanitário ou fitossanitário, pelo que os referidos documentos têm de ser apresentados em papel. A Comissão preparou um projeto de Regulamento (relativo aos controlos oficiais) que permitirá a certificação eletrónica e que está atualmente em discussão no Parlamento Europeu e no Conselho. A sua adoção está prevista para finais de 2015/princípios de 2016, mas haverá um período de transição para a aplicação.

A União sugere, portanto, que não se delibere sobre esta matéria nessa sessão da Comissão de Revisão em apreço e que a OTIF e a União continuem a cooperar para que uma solução bem preparada possa ser apresentada por ocasião de uma próxima revisão do CIM, que conviria idealmente sincronizar com o Regulamento (UE) n.o 952/2013 e as respetivas disposições de execução, cuja entrada em vigor está prevista para 1 de maio de 2016. Alguns procedimentos por via eletrónica poderão ser introduzidos gradualmente, entre 2016 e 2020, de acordo com o artigo 278.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013.

[…]»

24      No que se refere ao ponto 7 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativo à revisão parcial do apêndice D (CUV), o ponto 3 do anexo da decisão impugnada dispõe:

«[…]

Competência: partilhada.

Exercício dos direitos de voto: União.

Posição da União recomendada: aceitar as alterações aos artigos 2.o e 9.o, visto aclararem as atribuições do detentor e da entidade de manutenção em consonância com o direito da União (Diretiva 2008/110/CE do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 16 de dezembro de 2008, que altera a Diretiva 2004/49/CE relativa à segurança dos caminhos de ferro da Comunidade (“diretiva relativa à segurança ferroviária”) (JO 2008, L 345, p. 62)]). Todavia, a alteração ao artigo 7.o proposta pela [República Francesa], que respeita à responsabilidade da pessoa que forneceu o veículo para utilização como meio de transporte em caso de danos resultantes de defeito do veículo, carece de uma análise mais aprofundada a nível da União antes de uma tomada de decisão pela OTIF. A União não está, portanto, em posição de apoiar esta proposta de alteração na presente [Comissão de Revisão da OTIF] e propõe o adiamento da decisão para a próxima Assembleia‑Geral de modo a melhor analisar esta questão. A União toma a mesma posição, ou seja, adiar a decisão para a próxima Assembleia‑Geral a fim de avaliar melhor a questão, relativamente à proposta da [República Federal da] Alemanha de um novo artigo 1.o‑A apresentada à OTIF durante a fase de coordenação da União.

Posição adicional da União recomendada: No documento CR 25/7 ADD 1, página 6, no final do ponto 8‑A, aditar: “The amendment to Article 9, paragraph 3, first indent, does not affect the existing allocation of liabilities between ECM and the keeper of the vehicles”.»

25      No que se refere ao ponto 12 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativo à revisão parcial do apêndice E (CUI), o ponto 3 do anexo da decisão impugnada dispõe:

«[…]

Competência: partilhada.

Exercício dos direitos de voto: União.

Posição coordenada recomendada: rejeitar as alterações. Propostas pelo [Comité Internacional dos transportes ferroviários], estas propostas compreendem o alargamento do âmbito de aplicação do [apêndice E (CUI)] ao tráfego nacional, a introdução de condições gerais contratualmente vinculativas e a extensão da responsabilidade do gestor da infraestrutura por danos. Embora possam merecer uma análise mais aprofundada, estas alterações não foram discutidas em nenhuma instância interna da OTIF anteriormente à sessão da [Comissão de Revisão da OTIF] e o seu impacto não pôde ser avaliado com profundidade suficiente. Afigura‑se prematuro alterar o [apêndice E (CUI) (consentâneo, na sua forma atual, com o direito da União) na sessão da [Comissão de Revisão da OTIF], na falta de preparação adequada.»

 Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26      A República Federal da Alemanha pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o artigo 1.o da decisão impugnada, conjugado com o ponto 3 do seu anexo, na medida em que se refere, por um lado, ao ponto 4 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, na parte em que esse ponto 4 diz respeito à alteração do artigo 12.o da COTIF, e, por outro, aos pontos 5, 7 e 12 dessa ordem de trabalhos, relativos às alterações aos apêndices B (CIM), D (CUV) e E (CUI); e

–        condenar o Conselho nas despesas.

27      O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        a título subsidiário, em caso de anulação da decisão impugnada, manter os efeitos desta; e

–        condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

28      Com decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de maio de 2015, a República Francesa e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha, ao passo que a Comissão foi admitida a intervir em apoio dos pedidos do Conselho.

 Quanto ao recurso

29      A República Federal da Alemanha invoca três fundamentos de recurso.

30      O primeiro fundamento é relativo à falta de competência da União e à violação do princípio da atribuição previsto no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, TUE. O segundo fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE. O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da cooperação leal, lido em conjugação com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência da União e à violação do princípio da atribuição previsto no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, TUE

 Argumentos das partes

31      Com o seu primeiro fundamento, a República Federal da Alemanha, apoiada pela República Francesa, alega que a União não tinha competência, por força do artigo 91.o TFUE e do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, para adotar a decisão impugnada, na medida em que tem por objeto as alterações controvertidas, e que, por conseguinte, o Conselho adotou esta decisão em violação do princípio da atribuição enunciado no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, TUE.

32      A República Federal da Alemanha sublinha que, no domínio dos transportes, em que se inserem a COTIF em geral e as alterações controvertidas em especial, a União e os Estados‑Membros gozam, tanto no plano interno como, em princípio, no plano externo, de uma competência partilhada, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea g), TFUE.

33      Segundo a República Federal da Alemanha, para se assegurar de que o Conselho dispõe de competência para adotar, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, uma posição a tomar em nome da União numa instância internacional, quando o ato adotado por essa instância visa a alteração de um acordo misto, como sucede no caso em apreço, há que verificar se as alterações propostas têm por objeto disposições do acordo que são da competência da União. Se assim não for, não pode ser adotada uma decisão que defina a posição da União.

34      Para efeitos dessa verificação, importa saber se a decisão da instância internacional em questão tem incidência direta no acervo da União, tal como precisado no n.o 64 do acórdão de 7 de outubro de 2014, Alemanha/Conselho (C‑399/12, EU:C:2014:2258), no sentido de que existem regras comuns da União que a decisão em causa corre o risco de prejudicar ou de alterar o alcance, na aceção da jurisprudência desenvolvida a partir do acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32). Segundo a República Federal da Alemanha, a existência de tal risco pressupõe assim que as alterações de disposições de um acordo internacional pertençam a um domínio em que a União já adotou regras comuns.

35      A República Federal da Alemanha sublinha que o Conselho, a quem, no caso em apreço, cabe demonstrar que as alterações controvertidas dizem respeito a um domínio compreendido no âmbito de aplicação de disposições existentes do direito da União, não fez essa demonstração na decisão impugnada. Em todo o caso, no domínio do direito privado dos contratos relativos ao transporte ferroviário transfronteiriço de mercadorias e pessoas, em que se inserem as alterações controvertidas, a União, até à data, não fez uso da sua competência interna para a adoção de regras comuns. A República Francesa acrescenta que não está prevista nenhuma iniciativa da União nos domínios em que incidem as alterações controvertidas.

36      A República Federal da Alemanha admite que, num domínio abrangido pela competência dos Estados‑Membros, as posições a adotar no quadro de uma instância internacional podem ser objeto de coordenação, em conformidade com o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Contudo, uma decisão do Conselho tomada ao abrigo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, não pode ser adotada nesse quadro.

37      Além disso, a República Federal da Alemanha considera que, no domínio do direito privado dos contratos relativos ao transporte, que é de competência partilhada, a União só pode exercer uma competência no plano externo a partir do momento em que tenha feito uso da sua competência no plano interno, sob pena de contornar o processo legislativo ordinário e de violar os direitos do Parlamento Europeu. Com efeito, tendo igualmente em conta a «cláusula de desconexão» prevista no artigo 2.o do acordo de adesão, os atos da Comissão de Revisão da OTIF têm, no direito da União, os mesmos efeitos que os regulamentos e as diretivas.

38      A República Federal da Alemanha, apoiada pela República Francesa, alega igualmente que, no domínio dos transportes, que é de competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros, os casos previstos no artigo 3.o, n.o 2, TFUE, a saber, aqueles em que a União dispõe de competência externa exclusiva, constituem as únicas situações em que a União pode celebrar um acordo internacional. Ora, no caso em apreço, não resulta de nenhum dos casos previstos no artigo 3.o, n.o 2, TFUE uma competência externa exclusiva. O referido Estado‑Membro acrescenta que, fora desses casos, a União não goza de competência externa.

39      No que se refere, mais precisamente, ao acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345), invocado pelo Conselho, a República Federal da Alemanha afirma que o seu alcance foi limitado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125). A República Francesa considera que, no presente caso, não se pode retirar qualquer ensinamento do primeiro desses acórdãos, dado que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça teve em conta a especificidade do domínio do ambiente em que os Tratados conferiram competência externa expressa à União. Ora, contrariamente a esse domínio, a política dos transportes não inclui, entre os seus objetivos, o desenvolvimento de uma política internacional.

40      A título principal, o Conselho defende que a União dispõe de competência exclusiva, por força do artigo 3.o, n.o 2, último membro de frase, TFUE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32), para estabelecer uma posição comum no que se refere às alterações controvertidas, apresentadas na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF.

41      A título subsidiário, o Conselho, apoiado pela Comissão, faz referência ao parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança, de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664, n.os 44 a 47), e aos acórdãos de 7 de outubro de 2004, Comissão/França (C‑239/03, EU:C:2004:598, n.o 30), e de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.o 95), e considera que a União é competente para adotar tal posição, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, a título de uma competência que partilha com os seus Estados‑Membros, mesmo na inexistência de regras da União em matéria de direito privado dos contratos relativos ao transporte. Segundo as referidas instituições, a ação da União no plano externo não está, ao contrário do que defende a República Federal da Alemanha, limitada às matérias que foram já objeto de regras comuns da União, mas estende‑se igualmente às matérias que ainda não foram ou só muito parcialmente foram objeto de regulamentação ao nível da União, que, por essa razão, não é suscetível de ser afetada. Igualmente, nesse último caso, a União é competente para adotar uma decisão nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, ao agir a título de uma competência externa partilhada, uma vez que essa competência está limitada, em conformidade com o Protocolo n.o (25) relativo ao exercício das competências partilhadas, anexado aos Tratados UE e FUE, aos elementos específicos regulados pela decisão da União em questão.

42      A Comissão acrescenta que a existência de uma competência externa partilhada não depende do exercício dessa competência no plano interno, decorrendo diretamente dos Tratados, mais precisamente do artigo 2.o, n.o 2, primeiro período, e do artigo 4.o, n.o 2, alínea g), TFUE. Com efeito, nenhuma disposição dos Tratados relativa às competências partilhadas prevê que essa competência, quando seja exercida pela primeira vez, apenas pode conduzir à adoção de atos da União que não se refiram às relações externas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

43      Com o seu primeiro fundamento, a República Federal da Alemanha sustenta, em substância, que o ponto 4 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, na medida em que respeita à alteração do artigo 12.o da COTIF, e os pontos 5, 7 e 12 da referida ordem de trabalhos, relativos às alterações dos apêndices B (CIM), D (CUV) e E (CUI) da COTIF, sobre os quais a decisão impugnada estabeleceu as posições a tomar em nome da União, não estão compreendidos na competência externa da União pelo facto de esta não ter adotado, anteriormente, as regras comuns suscetíveis de serem afetadas pelas referidas alterações, de modo que não cabe ao Conselho estabelecer, por força do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, as referidas posições. Ao atuar desta forma, o Conselho violou o princípio da atribuição enunciado no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, TUE.

44      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, primeiro período, TUE, «[a] delimitação das competências da União rege‑se pelo princípio da atribuição». O artigo 5.o, n.o 2, TUE dispõe, por um lado, que, «[em] virtude do [referido princípio], a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos» e, por outro, que «([a]s competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros». Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esse princípio deve ser respeitado tanto para a ação interna como para a ação internacional da União [parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996, EU:C:1996:140, n.o 24].

45      Como o Tribunal de Justiça recordou, nomeadamente, no parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.o 114), a competência da União para celebrar acordos internacionais pode resultar não só de uma atribuição expressa feita pelos Tratados como decorrer igualmente de modo implícito de outras disposições dos Tratados e dos atos adotados, no âmbito dessas disposições, pelas instituições da União. Em especial, sempre que o direito da União confira às referidas instituições competências no plano interno, com vista a realizar um objetivo determinado, a União é investida da competência para assumir as obrigações internacionais necessárias à realização desse objetivo, mesmo na falta de uma disposição expressa nesse sentido. O artigo 216.o, n.o 1, TFUE prevê atualmente esta última hipótese [parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção de Haia), de 14 de outubro de 2014, EU:C:2014:2303, n.o 67 e jurisprudência referida].

46      Além disso, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que deve fazer‑se uma distinção entre a existência de uma competência externa da União e a natureza exclusiva ou partilhada dessa eventual competência [parecer 1/76 (Acordo relativo à criação de um Fundo Europeu de Imobilização da Navegação Interna), de 26 de abril de 1977, EU:C:1977:63, n.os 3 e 4; parecer 2/91 (Convenção n.o 170 da OIT), de 19 de março de 1993, EU:C:1993:106, n.os 13 a 18; parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006, EU:C:2006:81, n.os 114 e 115; e acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda, C‑459/03, EU:C:2006:345, n.os 93 e 94; v., neste sentido, igualmente, parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança), de 6 de dezembro de 2001, EU:C:2001:664, n.os 44 a 47].

47      Esta distinção entre a existência de uma competência externa da União e a natureza exclusiva ou não dessa competência encontra expressão no Tratado FUE.

48      Nos termos do artigo 216.o, n.o 1, TFUE, «[a] União pode celebrar acordos com um ou mais países terceiros ou organizações internacionais quando os Tratados o prevejam ou quando a celebração de um acordo seja necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados ou quando tal celebração esteja prevista num ato juridicamente vinculativo da União ou seja suscetível de afetar normas comuns ou alterar o seu alcance».

49      Decorre da própria redação desta disposição, na qual não é feita nenhuma distinção segundo a natureza exclusiva ou partilhada da competência externa da União, que a União tem essa competência em quatro situações. Contrariamente aos argumentos apresentados pela República Federal da Alemanha, a hipótese de que a celebração de um acordo seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o seu alcance, caso em que a competência da União é, por força do artigo 3.o, n.o 2, TFUE, exclusiva, não constitui nenhuma dessas situações.

50      Além disso, resulta da comparação entre as redações respetivas do artigo 216.o, n.o 1, TFUE e do artigo 3.o, n.o 2, TFUE que os casos em que a União dispõe de competência externa, em conformidade com a primeira dessas disposições, não se limitam às diferentes hipóteses previstas na segunda dessas disposições, nas quais a União dispõe de competência externa exclusiva.

51      Daqui resulta que, contrariamente aos argumentos apresentados pela República Federal da Alemanha, pode existir uma competência externa da União fora das situações previstas no artigo 3.o, n.o 2, TFUE.

52      Neste contexto, a competência externa da União que decorre da segunda situação prevista no artigo 216.o, n.o 1, TFUE, que corresponde à hipótese em que a celebração de um acordo é «necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados», reflete a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 45 do presente acórdão. A competência externa da União nesta segunda situação não está, ao contrário da quarta situação prevista nessa disposição, sujeita a uma condição relativa à adoção prévia de regras da União suscetíveis de serem afetadas.

53      Importa assim verificar, no caso em apreço, se o facto de a União assumir obrigações internacionais relativas às alterações controvertidas «é necessári[o] para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados», na aceção do artigo 216.o, n.o 1, TFUE. Nesse caso, a União disporia da competência externa necessária para estabelecer posições quanto às alterações controvertidas, tenha ou não adotado, previamente, regras comuns nas matérias em causa, suscetíveis de serem afetadas pelas referidas alterações.

54      A este propósito, há que salientar que a decisão impugnada tem como objetivo estabelecer a posição a tomar em nome da União na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF no que respeita a certas alterações da COTIF. Como resulta do artigo 2.o da COTIF, a OTIF «tem como objetivo favorecer, melhorar e facilitar, a todos os níveis, o tráfego internacional ferroviário», nomeadamente, mediante o estabelecimento de regimes de direito uniformes em diversos domínios jurídicos relativos ao referido tráfego.

55      As alterações controvertidas referem‑se, por um lado, às regras uniformes relativas ao contrato de transporte internacional ferroviário de mercadorias, aos contratos de utilização de veículos em tráfego internacional e aos contratos de utilização da infraestrutura em tráfego internacional e, por outro, à estipulação da COTIF relativa à execução de sentenças proferidas por força das disposições dessa Convenção e à penhora de veículos ferroviários.

56      Referem‑se assim ao direito privado dos contratos de transporte internacional ferroviário, matéria compreendida, como reconheceram todas as partes, numa política da União, a saber, a política comum de transportes, objeto do título VI, intitulado «Os transportes», da terceira parte, intitulada «As políticas e ações internas da União», do Tratado FUE, e que, por conseguinte, se deve considerar que corresponde a um dos objetivos do Tratado FUE.

57      O título VI da terceira parte do Tratado FUE inclui, nomeadamente, o artigo 91.o, n.o 1, TFUE que prevê que, para efeitos de aplicação de uma política comum de transportes, e tendo em conta os aspetos específicos dos transportes, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, estabelecem, nomeadamente, «a) [r]egras comuns aplicáveis aos transportes internacionais efetuados a partir de ou com destino ao território de um Estado‑Membro, ou que atravessem o território de um ou mais Estados‑Membros», e «d) [q]uaisquer outras disposições adequadas». Este título inclui também o artigo 100.o TFUE, que, no seu n.o 1, enuncia que as disposições do referido título são aplicáveis, nomeadamente, aos transportes por caminho de ferro.

58      Deste modo, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 103 das suas conclusões, que as alterações controvertidas se inscrevem na realização dos objetivos do Tratado FUE, no âmbito da política comum dos transportes.

59      Em especial, as regras comuns previstas no artigo 91.o, n.o 1, alínea a), TFUE são aplicáveis «aos transportes internacionais efetuados a partir de ou com destino ao território de um Estado‑Membro, ou que atravessem o território de um ou mais Estados‑Membros». No seu acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32, n.os 26 e 27), o Tribunal de Justiça salientou, referindo‑se a esse domínio preciso, que esta disposição, que diz igualmente respeito, para a parte do trajeto situada em território da União, aos transportes efetuados a partir de ou com destino a Estados terceiros e que pressupõe, por isso, que a competência da União abrange as relações que se enquadram no direito internacional, implica, por isso, no referido domínio, a necessidade de acordos com os Estados terceiros interessados.

60      Uma vez que as estipulações da COTIF e dos seus apêndices a que se referem as alterações controvertidas visam instaurar normas harmonizadas a escala internacional, incluindo no que se refere aos transportes internacionais efetuados a partir do território ou com destino ao território de um Estado‑Membro, ou através do território de um ou de vários Estados‑Membros, às partes do trajeto efetuadas fora do território da União e, em princípio, igualmente às partes do referido trajeto efetuadas no território da União, deve considerar‑se que o facto de a União adotar uma posição sobre as referidas alterações contribui para alcançar os objetivos da política comum dos transportes, no âmbito da competência atribuída à União pelo artigo 91.o, n.o 1, TFUE, e que comporta igualmente um aspeto externo, como recordado no n.o 59 do presente acórdão. Consequentemente, esta tomada de posição é necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, na aceção do artigo 216.o, n.o 1, TFUE.

61      Tendo em conta as considerações que precedem, há que julgar improcedente, em primeiro lugar, a argumentação da República Federal da Alemanha e da República Francesa, segundo a qual, num domínio em que a União e os seus Estados‑Membros têm competência partilhada, não pode existir competência externa da União fora das situações previstas no artigo 3.o, n.o 2, TFUE.

62      Em segundo lugar, admitindo que o argumento da República Federal da Alemanha e da República Francesa, que visa contestar a existência de uma competência externa da União no caso em apreço, deva ser entendido no sentido de que, no domínio dos transportes, que, em virtude do artigo 4.o, n.o 2, alínea g), TFUE, é da competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros, a União não pode agir no plano externo antes de o fazer no plano interno mediante a adoção de regras comuns, em matérias em que foram assumidas obrigações internacionais, esse argumento não pode prosperar.

63      Com efeito, o Tribunal de Justiça, no acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.o 95 e jurisprudência referida), acerca da questão de saber se uma disposição de um acordo misto no domínio da proteção do ambiente, no qual a União e os seus Estados‑Membros têm competência partilhada, estava compreendida na competência da União, declarou que a União pode celebrar acordos no referido domínio mesmo que as matérias específicas cobertas por esses acordos não sejam ainda, ou sejam apenas parcialmente, objeto de uma regulamentação no plano interno que, por isso mesmo, não é suscetível de ser afetada.

64      Contrariamente ao que defende a República Federal da Alemanha, o Tribunal de Justiça não restringiu o alcance desta jurisprudência no acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125). Com efeito, a questão suscitada no processo que deu origem a esse acórdão não se referia, como decorre dos seus n.os 34 e 35, à existência de uma competência externa da União no domínio do ambiente, mas sobre a questão de saber se, na matéria específica coberta por uma disposição de um acordo misto, a União tinha exercido as suas competências e tinha adotado disposições relativas ao cumprimento das obrigações que dele decorriam.

65      É certo que a jurisprudência referida nos n.os 63 e 64 do presente acórdão se refere ao domínio do ambiente, no qual a União é investida, ao contrário do domínio dos transportes, de uma competência externa expressa, por força do artigo 191.o, n.o 1, quarto travessão, TFUE.

66      Contudo, há que salientar que resulta do atual artigo 2.o, n.o 2, primeiro período, TFUE, relativo às competências partilhadas, que, «[q]uando os Tratados atribuam à União competência partilhada com os Estados‑Membros em determinado domínio, a União e os Estados‑Membros podem legislar e adotar atos juridicamente vinculativos nesse domínio». Esta disposição não subordina a existência, na União, de uma competência externa partilhada com os seus Estados‑Membros à existência, nos Tratados, de uma disposição que confira expressamente à União essa competência externa.

67      O facto de que a existência de uma competência externa da União não depende, em nenhum caso, de ter a União exercido previamente a sua competência normativa interna no domínio em causa decorre igualmente do n.o 243 do parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017 (EU:C:2017:376), do qual resulta que as disposições pertinentes do acordo em causa, relativas aos investimentos estrangeiros diferentes dos diretos, são de competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros, apesar de ser pacífico entre as partes, como resulta dos n.os 229 e 230 do referido parecer, que a União não tinha agido de forma alguma no plano interno, mediante a adoção de regras de direito derivado, nesta matéria.

68      É certo que o Tribunal de Justiça constatou, no n.o 244 do referido parecer, que as disposições pertinentes do acordo em causa, relativas aos investimentos estrangeiros diferentes dos diretos, que são de competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros, não podiam ser aprovadas apenas pela União. Contudo, mediante esta constatação, o Tribunal de Justiça limitou‑se a registar a impossibilidade, salientada pelo Conselho durante o procedimento relativo a este parecer, de reunir no seu seio a maioria exigida para que a União pudesse exercer sozinha a competência externa que nessa matéria partilha com os seus Estados‑Membros.

69      Por outro lado, a República Federal da Alemanha não se pode basear no acórdão de 7 de outubro de 2014, Alemanha/Conselho (C‑399/12, EU:C:2014:2258). Como resulta dos n.os 51 e 52 desse acórdão, o Tribunal de Justiça teve em conta o facto de que o domínio da política agrícola comum, em especial a organização comum dos mercados vitivinícolas, foi amplamente regulamentado pelo legislador da União nos termos da sua competência baseada no artigo 43.o TFUE para determinar se a União podia aplicar o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, apesar de não ser parte no acordo internacional em causa no processo que deu origem ao referido acórdão. Ora, esta questão não se coloca no caso em apreço, uma vez que a União aderiu à COTIF com efeitos a partir de 1 de julho de 2011.

70      Em terceiro lugar, também não pode prosperar o argumento da República Federal da Alemanha relativo à subtração do processo legislativo ordinário e à violação dos poderes do Parlamento Europeu, pelo facto de o Conselho ter aplicado o artigo 218.o, n.o 9, TFUE em matérias em que a União não tinha, até então, adotado regras internas em conformidade com esse processo.

71      Além das considerações que figuram nos n.os 63 a 69 do presente acórdão, a redação do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, que habilita o Conselho, sob proposta da Comissão ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, a adotar uma decisão «em que se definam as posições a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, quando essa instância for chamada a adotar atos que produzam efeitos jurídicos», deve igualmente levar a julgar improcedente este argumento. Com efeito, o artigo 218.o, n.o 9, TFUE não limita a ação da União aos casos em que esta tenha adotado previamente regras internas em conformidade com o processo legislativo ordinário.

72      Em face das considerações que precedem, há que concluir que os pontos inscritos na ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativos às alterações controvertidas, a respeito dos quais o Conselho, com a decisão impugnada, estabeleceu as posições a adotar em nome da União, se inserem na competência externa da União. Por conseguinte, ao adotar a referida decisão, o Conselho não violou o princípio da atribuição enunciado no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, TUE.

73      Daqui resulta que o primeiro fundamento invocado pela República Federal da Alemanha deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação nos termos do artigo 296.o TFUE

 Argumentos das partes

74      No âmbito do seu segundo fundamento, a República Federal da Alemanha alega que a decisão impugnada enferma de falta de fundamentação, uma vez que o Conselho não demonstrou de forma alguma, nessa decisão, que os pontos objeto da tomada de posição da União diziam respeito a um domínio que já tinha sido amplamente regulado no direito da União. Impõe‑se uma clara delimitação das competências mais concretamente em caso de acordos mistos, por um lado, devido ao facto de as disposições dos referidos acordos serem aplicáveis tanto no direito da União como no direito nacional e, por outro, para determinar as competências dos diferentes atores nas instâncias das organizações internacionais. Ora, no caso em apreço, o Conselho não mencionou qualquer instrumento de direito da União no domínio em causa ou apenas fez referência a instrumentos relacionados com o direito público, apesar de as alterações controvertidas incidirem sobre o direito privado dos contratos de transporte.

75      Acresce que o Conselho não indicou na decisão impugnada nenhuma base jurídica material em que se baseasse uma competência externa material da União, dado que o artigo 91.o TFUE, a que faz referência, confere apenas uma competência interna à União.

76      Por outro lado, na audiência, a República Federal da Alemanha criticou o Conselho por este ter justificado na própria audiência, a existência de uma competência externa da União referindo‑se à segunda situação prevista no artigo 216.o, n.o 1, TFUE, quando não tinha mencionado esta disposição na decisão impugnada.

77      O Conselho, apoiado pela Comissão, alega que a decisão impugnada indica claramente a fundamentação que justifica a competência da União. As propostas de alteração da COTIF e dos seus apêndices, que se referem ao direito da União, bem como as disposições da União que podem ser afetadas pelas alterações controvertidas, são indicadas na referida decisão. Além disso, deve igualmente ter‑se em conta a fundamentação que figura nos documentos de trabalho da OTIF. O facto de, segundo a República Federal da Alemanha, as disposições do direito da União invocadas serem desprovidas de pertinência não pode pôr em causa a suficiência da fundamentação da decisão impugnada. De qualquer modo, numa matéria que é abrangida, pelo menos, pela competência partilhada entre a União e os Estados‑Membros da União, o Conselho teria cumprido o seu dever de fundamentação com uma simples referência à base jurídica adequada e com uma descrição da sua posição.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

78      Resulta do exame efetuado no âmbito do primeiro fundamento invocado pela República Federal da Alemanha que os pontos inscritos na ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, relativos às alterações controvertidas, são da competência da União, sem que seja necessário verificar para este efeito a existência de uma legislação interna da União na matéria em causa, que seja afetada pelas referidas alterações. Por conseguinte, o argumento da República Federal da Alemanha, mediante o qual critica o Conselho por não ter justificado, na decisão impugnada, o facto de essas alterações se referirem a um domínio já amplamente regulamentado pela União, deve ser julgado improcedente.

79      No que respeita à pretensa necessidade de indicar na decisão impugnada, além do artigo 91.o, n.o 1, TFUE, a segunda situação prevista no artigo 216.o, n.o 1, TFUE, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentação, consignado no artigo 296.o TFUE impõe que todos os atos abrangidos contenham uma exposição das razões que levaram a instituição a adotá‑los, de modo a que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização e que tanto os Estados‑Membros como os terceiros interessados conheçam as condições em que as instituições da União aplicaram o Tratado FUE (acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 37 e jurisprudência referida).

80      A indicação da base jurídica impõe‑se à luz do princípio da atribuição das competências consagrado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, segundo o qual a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos estabelecidos por estes últimos tanto para a ação interna como para a ação internacional da União. Com efeito, a escolha da base jurídica adequada reveste‑se de importância de natureza constitucional, porquanto, apenas dispondo de competências que lhe são atribuídas, a União tem de associar os atos que aprova às disposições do Tratado FUE que a habilitam efetivamente para esse efeito [acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, nos 48 e 49].

81      A indicação da base jurídica reveste‑se igualmente de uma importância especial para preservar as prerrogativas das instituições da União intervenientes no âmbito do procedimento de adoção de um ato [acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 50].

82      Por outro lado, essa indicação impõe‑se em virtude do dever de fundamentação que decorre do artigo 296.o TFUE. Este dever, que se justifica, nomeadamente, pela exigência de que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização, aplica‑se, em princípio, a qualquer ato da União que produza efeitos jurídicos [acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 52].

83      O Tribunal de Justiça também já declarou que o imperativo da segurança jurídica impõe que qualquer ato que vise produzir efeitos jurídicos tire a sua força vinculativa de uma disposição de direito da União, que deve expressamente ser referida como sua base legal e que prescreva a forma jurídica de que o ato se deve revestir [acórdãos de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 39, e de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 53].

84      Por outro lado, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que a alegada omissão da referência a uma disposição precisa do Tratado, como, no caso em apreço, o artigo 216.o, n.o 1, TFUE, para o qual remete a República Federal da Alemanha, não constitui um vício substancial quando a base jurídica de um ato puder ser determinada com base noutros elementos deste, desde que os interessados e o Tribunal de Justiça não sejam deixados na incerteza quanto à base jurídica precisa [v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 55 e jurisprudência referida].

85      Assim sucede no caso em apreço, uma vez que a base jurídica material e processual da decisão impugnada pode ser determinada com clareza.

86      Com efeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, uma vez que a decisão impugnada faz expressamente referência ao artigo 91.o TFUE, o Conselho indicou corretamente nessa decisão a sua base jurídica material. Na medida em que a República Federal da Alemanha baseia o seu argumento no facto de o referido artigo 91.o não ser suscetível de conferir uma competência externa à União, basta salientar que esse argumento se baseia na própria existência de uma competência, pelo que não pode ser utilmente invocado em apoio de um fundamento relativo à violação do dever de fundamentação.

87      Em segundo lugar, importa constatar que o Conselho fundamentou suficientemente a decisão impugnada à luz do critério da necessidade previsto na segunda situação visada no artigo 216.o, n.o 1, TFUE, tendo em conta igualmente o facto de a fundamentação exigida por essa segunda situação ser diferente da exigida pelo artigo 3.o, n.o 2, TFUE.

88      Com efeito, o primeiro e terceiro períodos do considerando 11 da decisão impugnada, lidos em conjugação como os fundamentos, reproduzidos nos n.os 22 a 25 do presente acórdão, que enunciam as posições estabelecidas em nome da União a respeito dos pontos 4, 5, 7 e 12 da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF no anexo da referida decisão, salientam a necessidade de velar para que seja garantida a coerência entre as regras do direito internacional em matéria de transporte internacional ferroviário e o direito da União e, por conseguinte, a necessidade de uma ação externa da União para tal fim.

89      Por outro lado, embora sendo certo que o artigo 216.o, n.o 1, TFUE enumera as diferentes situações em que a União está habilitada para celebrar um acordo internacional, não estabelece, ao contrário do artigo 352.o TFUE, nenhuma exigência de forma ou processual para tal fim. Consequentemente, a forma do ato e o processo que deve ser seguido devem ser determinados com referência às outras disposições dos Tratados.

90      Em terceiro lugar, há que salientar que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, mencionado como base jurídica processual da decisão impugnada, define o processo que deve ser seguido para a sua adoção.

91      Nestas condições, há que, em quarto lugar, salientar que o presente processo é diferente daquele que deu origem ao acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803). Com efeito, no processo que deu origem ao referido acórdão, o Conselho não indicou a base jurídica material e processual do ato impugnado e nenhum dos seus elementos permitia determiná‑la.

92      Consequentemente, à luz das considerações que precedem, a falta de menção expressa, na decisão impugnada, à segunda situação visada no artigo 216.o, n.o 1, TFUE não gera nenhuma confusão quanto à natureza e ao alcance da referida decisão nem quanto ao processo a seguir para a sua adoção, pelo que não pode levar à sua anulação parcial.

93      Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento invocado pela República Federal da Alemanha.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da cooperação leal, lido em conjugação com o princípio da tutela jurisdicional efetiva

 Argumentos das partes

94      No âmbito do seu terceiro fundamento, a República Federal da Alemanha recorda que o princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, não só obriga os Estados‑Membros a tomar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União como também impõe às suas instituições deveres recíprocos de cooperação leal com os Estados‑Membros.

95      Impõe‑se mais concretamente uma cooperação estreita no exercício dos direitos pela União e pelos seus Estados‑Membros na sua qualidade de membros de uma organização internacional. Em caso de desacordo entre a União e os seus Estados‑Membros sobre a delimitação das competências, as instituições da União devem, com efeito, colaborar de boa‑fé para clarificar a situação e superar as dificuldades encontradas. Deste modo, essas instituições devem organizar o processo com vista à adoção de um ato jurídico, de maneira a garantir que o Estado‑Membro que contesta a competência da União possa submeter o assunto ao Tribunal de Justiça com suficiente antecedência, para obter uma clarificação sobre a questão da competência.

96      A República Federal da Alemanha acrescenta que o princípio da tutela jurisdicional efetiva, que pode igualmente ser invocado pelos Estados‑Membros, exige também que o processo de adoção de um ato jurídico seja organizado de maneira a que os Estados‑Membros disponham de um prazo suficiente, entre a data de adoção desse ato e a data a partir da qual este último produz efeitos irreversíveis, para se dirigir aos órgãos jurisdicionais da União para requerer, se for caso disso, a suspensão da execução do ato em questão.

97      A República Federal da Alemanha considera que o artigo 263.o TFUE, que confere aos Estados‑Membros um direito de recurso privilegiado, fica assim privado de efeito útil quando o prazo que decorre entre a data de adoção do ato jurídico e a data em que este produz efeitos irreversíveis é tão curto que torna impossível a interposição de um recurso nos órgãos jurisdicionais da União em tempo oportuno.

98      No caso em apreço, embora a República Federal da Alemanha tivesse manifestado as suas reservas no que diz respeito às competências da União imediatamente após a apresentação da proposta de decisão pela Comissão, em 5 de junho de 2014, o Conselho esperou até 24 de junho de 2014, ou seja, até à véspera da abertura da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, para adotar a decisão impugnada, deixando assim menos de 24 horas à República Federal da Alemanha para recorrer ao Tribunal de Justiça. Este Estado‑Membro sublinha que não lhe foi possível, nesse lapso de tempo, concluir os procedimentos internos previstos para interpor no Tribunal de Justiça um recurso e um pedido de suspensão de execução.

99      Devido à falta de tutela jurisdicional, a República Federal da Alemanha viu‑se obrigada a votar contra a posição da União a fim de preservar as suas competências, razão pela qual a Comissão iniciou contra si um processo «EU Pilot» que podia, a qualquer momento, ser seguido de apresentação de uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE.

100    O Conselho, apoiado pela Comissão, alega que não lhe foi possível iniciar ou concluir os seus trabalhos antes. Com efeito, o secretário‑geral da OTIF transmitiu a maioria dos documentos de trabalho que continham as propostas de alteração inscritas na ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, em 25 de abril de 2014. Alguns documentos foram recebidos em 6 e 12 de maio de 2014 e uma proposta da República Federal da Alemanha relativa ao apêndice D (CUV) foi recebida em 3 de junho de 2014. Em 26 de maio de 2014, a Comissão apresentou ao grupo de trabalho competente do Conselho um primeiro documento que já continha soluções projetadas com vista a uma posição coordenada da União. Os trabalhos iniciados no grupo de trabalho continuaram em 5 e 16 de junho de 2014, com base na proposta de decisão que entretanto a Comissão transmitiu. Esta proposta, depois de ter sido aprovada em 17 de junho de 2014 pelo Comité dos Representantes Permanentes, foi adotada pelo Conselho em 24 de junho de 2014, isto é, em devido tempo, antes da abertura da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF, em 25 de junho de 2014.

101    O Conselho sublinha que o prazo de um mês no termo do qual concluiu o processo decisório é um prazo extremamente curto para a tramitação de questões técnicas e jurídicas complexas. Nesse processo, debateu, com a ajuda da Comissão, o mais precisamente possível, a sua posição com as delegações, nomeadamente para convencer a República Federal da Alemanha de que a União dispunha da competência exigida sobre os pontos da ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF a respeito dos quais este Estado‑Membro tinha manifestado dúvidas. Assim, o Conselho fez todo o possível para adotar a posição da União respeitando o princípio da cooperação leal.

102    Além disso, a exigência colocada pela República Federal da Alemanha, segundo a qual a posição da União devia ter sido adotada com a suficiente antecedência para lhe permitir pedir ao Tribunal de Justiça a suspensão da execução, é excessiva e irrealista. O facto de esse Estado‑Membro ter iniciado o presente processo demonstra precisamente que o princípio da tutela jurisdicional efetiva foi respeitado.

103    Por outro lado, o Conselho salienta que não se pode constatar que a decisão impugnada tenha produzido qualquer efeito irreversível no que respeita à República Federal da Alemanha, dado que, em conformidade com as regras aplicáveis, as alterações examinadas na 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF ou não foram definitivamente adotadas nessa sessão ou, se o foram, não entraram ainda em vigor. Além disso, segundo essas mesmas regras, a entrada em vigor dessas alterações podia ser impedida em caso de objeção formulada por um quarto dos Estados‑Membros da OTIF. Em todo o caso, na hipótese de o Tribunal de Justiça anular a decisão impugnada, o Conselho está obrigado, por força do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, a tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. Tal execução seria possível, uma vez que a União detém a maioria dos votos na OTIF.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

104    Com o seu terceiro fundamento, a República Federal da Alemanha critica o Conselho por não ter cumprido o seu dever de cooperação leal na organização do processo decisório para a adoção da decisão impugnada, uma vez que não lhe deixou um prazo suficiente para contestar a referida decisão no Tribunal de Justiça antes de esta produzir efeitos irreversíveis. Por conseguinte, o Conselho violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

105    Cabe recordar que, por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE, que consagra o princípio da cooperação leal, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.

106    Deste modo, há que apurar, tendo em conta o desenvolvimento do processo decisório, tal como foi descrito pelo Conselho e que não é contestado pela República Federal da Alemanha, se a referida instituição incumpriu o seu dever de cooperação leal.

107    Segundo parece, no caso em apreço, os debates que tiveram lugar no grupo de trabalho do Conselho com vista a estabelecer uma posição da União tiverem início em 26 de abril de 2014, ou seja, um dia depois de a maior parte dos documentos terem sido enviados pelo secretário‑geral da OTIF, e continuaram em duas reuniões posteriores, com base na proposta de decisão da Comissão. Além disso, decorre do desenvolvimento do processo, tal como descrito pelo Conselho e resumido no n.o 100 do presente acórdão, que esta instituição iniciou os debates prévios para a adoção de uma posição pela União sem esperar que lhe fossem transmitidos todos os documentos de trabalho elaborados para a 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF. As quatro reuniões do grupo de trabalho competente do Conselho e do Comité de Representantes Permanentes foram, nomeadamente, consagradas à clarificação da repartição das competências respetivas da União e dos Estados‑Membros no que se refere aos pontos inscritos na ordem de trabalhos da 25.a sessão da Comissão de Revisão da OTIF e a respeito dos quais a República Federal da Alemanha expressou as suas reservas. Por último, a República Federal da Alemanha não demonstrou que o prazo de uma semana que decorreu entre a aprovação da proposta de decisão pelo Comité dos Representantes Permanentes e a adoção da decisão impugnada pelo Conselho era excessivo ao ponto de poder suscitar dúvidas quanto ao respeito, por esta instituição, do seu dever de cooperação leal para com os Estados‑Membros.

108    No que se refere ao argumento relativo à violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, este assenta na premissa de que a República Federal da Alemanha ficou impossibilitada de apresentar, no Tribunal de Justiça, um recurso da decisão impugnada e de, ao mesmo tempo, pedir a suspensão da execução da referida decisão, antes que esta produzisse efeitos irreversíveis quando da 25.o sessão da Comissão de Revisão da OTIF. Ora, há que salientar que, em todo o caso, este argumento se baseia numa premissa errada. Com efeito, esse Estado‑Membro não demonstrou que a decisão impugnada tinha produzido esses efeitos quando da referida sessão, e também não refutou os argumentos invocados a esse respeito pelo Conselho em sua defesa, tal como resumidos no n.o 103 do presente acórdão. Por conseguinte, o argumento do referido Estado‑Membro relativo à violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva não pode prosperar.

109    Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

110    Resulta de todas as considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso da República Federal da Alemanha.

 Quanto às despesas

111    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

112    Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, há que decidir que a República Francesa, o Reino Unido e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

3)      A República Francesa, o Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, bem como a Comissão Europeia, suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.