Language of document : ECLI:EU:C:2018:275

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

17 de abril de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Imposições internas — Proibição de imposições discriminatórias — Artigo 110.° TFUE — Imposto único sobre a circulação dos veículos automóveis — Fixação da taxa de tributação em função da data da primeira matrícula do veículo no Estado‑Membro da tributação — Veículos automóveis usados e importados de outros Estados‑Membros — Não consideração da data da primeira matrícula noutro Estado‑Membro»

No processo C‑640/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (Portugal), por decisão de 18 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de novembro de 2017, no processo

Luís Manuel dos Santos

contra

Fazenda Pública,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Malenovský, presidente de secção, D. Šváby e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 110.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Luís Manuel dos Santos à Fazenda Pública (Portugal) a propósito da liquidação do Imposto Único de Circulação, referente a 2014, que lhe foi exigido relativamente a um veículo automóvel usado e importado de outro Estado‑Membro.

 Quadro jurídico

3        O artigo 2.°, n.° 1, do Código do Imposto Único de Circulação (a seguir «CIUC») dispõe:

«O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:

a)      Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2 500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código;

b)      Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 2.° do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2 500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

4        O demandante no processo principal é proprietário em Portugal de um veículo automóvel usado que importou do Reino Unido. Ao veículo, que foi matriculado pela primeira vez em 20 de outubro de 1966 neste último Estado‑Membro, foi atribuída nova matrícula em Portugal em 31 de maio de 2013, ou seja, posteriormente à entrada em vigor do CIUC, em 1 de julho de 2007.

5        Em 31 de dezembro de 2014, foi‑lhe exigido o montante de 131,40 euros a título do Imposto Único de Circulação referente ao ano de 2014 pelo referido veículo.

6        Considerando ser objeto de tratamento discriminatório, o demandante no processo principal intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação contra a liquidação do referido imposto. Alega, designadamente, que os veículos importados após 1 de julho de 2007 e os veículos da mesma idade importados e registados antes de 1 de julho de 2007 são objeto de um tratamento fiscal diferenciado, apesar de terem as mesmas características, o que é incompatível com o princípio da livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros consagrado no artigo 110.° TFUE.

7        A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio expõe que o veículo importado pelo demandante no processo principal, matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro em 20 de outubro de 1966, está sujeito ao Imposto Único de Circulação, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do CIUC, uma vez que foi importado para Portugal e que lhe foi atribuída nova matrícula após 1 de julho de 2007, quando estaria isento do referido imposto se tivesse sido matriculado pela primeira vez em Portugal. Assim, o referido veículo está sujeito àquele imposto unicamente porque foi matriculado pela primeira vez num Estado‑Membro diferente de Portugal.

8        Nestas circunstâncias, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (Portugal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros, plasmado no artigo 110.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), opõe‑se a uma norma de direito interno [alínea b) da norma do artigo 2.°, n.° 1, do CIUC] quando interpretada no sentido de que o imposto único de circulação não deve ter em conta a data da primeira matrícula quando esta tenha sido atribuída noutro Estado‑Membro, relevando apenas a data da matrícula em Portugal, se desta interpretação resulta uma tributação superior dos veículos importados de outro Estado‑Membro?»

 Quanto à questão prejudicial

9        Ao abrigo do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando, designadamente, a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

10      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente processo.

11      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado‑Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado‑Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado‑Membro ser superior à dos veículos não importados similares.

12      Há que começar por recordar que o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. Este artigo visa eliminar qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias aos produtos provenientes de outros Estados‑Membros (Acórdão de 9 de junho de 2016, Budişan, C‑586/14, EU:C:2016:421, n.° 19 e jurisprudência referida).

13      Para o efeito, o artigo 110.°, primeiro parágrafo, TFUE proíbe os Estados‑Membros de fazerem incidir sobre os produtos dos outros Estados‑Membros imposições internas superiores às que incidem sobre os produtos nacionais similares (Acórdão de 9 de junho de 2016, Budişan, C‑586/14, EU:C:2016:421, n.° 20).

14      A este respeito, segundo jurisprudência constante, um sistema de tributação só pode ser considerado compatível com o artigo 110.° TFUE se se demonstrar que está organizado de modo a excluir, em todas as hipóteses, que os produtos importados sejam tributados mais fortemente do que os produtos nacionais e, portanto, que não comporta, em caso algum, efeitos discriminatórios (Acórdãos de 19 de março de 2009, Comissão/Finlândia, C‑10/08, não publicado, EU:C:2009:171, n.° 24, e de 19 de dezembro de 2013, X, C‑437/12, EU:C:2013:857, n.° 28).

15      Por outro lado, o Tribunal já declarou que, em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados (Acórdãos de 17 de julho de 2008, Krawczyński, C‑426/07, EU:C:2008:434, n.° 31, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C‑2/09, EU:C:2010:312, n.° 31).

16      Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado‑Membro são produtos nacionais do mesmo, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado‑Membro, devem ser considerados produtos análogos aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado‑Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados‑Membros constituem produtos concorrentes (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu, C‑263/10, não publicado, EU:C:2011:466, n.° 24).

17      Daqui resulta que o artigo 110.° TFUE obriga cada Estado‑Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu, C‑263/10, não publicado, EU:C:2011:466, n.° 25).

18      No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que o Imposto Único de Circulação em causa no processo principal é cobrado anualmente sobre, nomeadamente, qualquer veículo automóvel ligeiro de passageiros matriculado ou registado em Portugal, variando o seu montante, designadamente, em função da data da primeira matrícula do veículo considerado em Portugal. Este imposto é, pois, aplicável tanto aos veículos novos como aos veículos usados e aos veículos importados de outros Estados‑Membros e matriculados pela primeira vez em Portugal, como ainda aos veículos já presentes no mercado nacional.

19      No entanto, os veículos automóveis ligeiros de passageiros, como o veículo importado em causa no processo principal, estão isentos de Imposto Único de Circulação caso tenham sido matriculados em Portugal antes de 1981, ao passo que os veículos similares matriculados noutro Estado‑Membro antes de 1981 estão sujeitos ao referido imposto, por terem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após essa data.

20      Por outro lado, esses mesmos veículos integram a categoria A quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal entre 1981 e 1 de julho de 2007, data de entrada em vigor do CIUC, e a categoria B quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após 1 de julho de 2007. Em contrapartida, os veículos similares que tenham sido importados de outro Estado‑Membro e matriculados em Portugal após 1 de julho de 2007 integram a categoria B, mesmo quando tiverem sido matriculados pela primeira vez noutro Estado‑Membro antes dessa data. Os veículos importados para Portugal após 1 de julho de 2007 e matriculados pela primeira vez noutro Estado‑Membro antes de 1 de julho de 2007 são, assim, objeto de uma tributação sistematicamente superior à tributação de que são objeto os veículos similares não importados e matriculados pela primeira vez em Portugal antes dessa mesma data.

21      Consequentemente, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica aos veículos usados e importados de outros Estados‑Membros após 1 de julho de 2007 uma tributação sistematicamente superior à que incide sobre os veículos usados nacionais similares, na medida em que não tem em conta a data da primeira matrícula dos veículos importados nos outros Estados‑Membros. Desta forma, tem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar, assim, a importação de veículos usados similares.

22      Atendendo às considerações expostas, há que responder à questão prejudicial que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado‑Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado‑Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado‑Membro ser superior à dos veículos não importados similares.

 Quanto às despesas

23      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse EstadoMembro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro EstadoMembro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro EstadoMembro ser superior à dos veículos não importados similares.

Feito no Luxemburgo, em 17 de abril de 2018.

O Secretário

 

O Presidente da Oitava Secção

A. Calot Escobar

 

J. Malenovský


*      Língua do processo: português.