Language of document : ECLI:EU:C:2007:436

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 18 de Julho de 2007 1(1)

Processo C‑167/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino da Suécia

«Bebidas alcoólicas – Tributação diferenciada do vinho e da cerveja»





1.        O presente processo tem por objecto uma acção nos termos do artigo 226.° CE intentada pela Comissão das Comunidades Europeias contra o Reino da Suécia, destinada a obter a declaração de que o referido Estado‑Membro, ao aplicar um sistema de imposições internas que indirectamente protege a cerveja, produto essencialmente nacional, relativamente ao vinho, principalmente importado de outros Estados‑Membros, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE.

I –    A regulamentação nacional controvertida

2.        Na Suécia, o imposto sobre os produtos alcoólicos (2) é determinado com base no título alcoométrico volúmico adquirido (teor em álcool) das bebidas.

3.        Resulta dos autos que, quando da adesão do Reino da Suécia à União Europeia, em 1995, a cerveja com um teor alcoólico superior a 3,5% vol. (denominada cerveja forte) (3) estava sujeita a um imposto substancialmente equivalente ao aplicado ao vinho com um teor alcoólico que rondasse os 11% vol.

4.        Em 1 de Janeiro de 1997, o Parlamento sueco decidiu reduzir o imposto sobre o consumo de cerveja. O Governo demandado sustentou na contestação que essa decisão se justificava pela exigência de contrariar, após a adesão da Suécia à União, o crescente comércio transfronteiriço de cerveja com a Dinamarca, induzido pelo nível de tributação diferente em vigor nesses dois países.

5.        Sob pressão da Comissão, que tinha manifestado dúvidas acerca da compatibilidade do regime de tributação da cerveja e do vinho resultante da alteração introduzida em 1997 com o artigo 90.°, segundo parágrafo, CE o Parlamento sueco decidiu reduzir o imposto especial de consumo sobre o vinho com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2001.

6.        Nos termos do regime actualmente em vigor por força dos artigos 2.° e 3.° do lagen (1994:1564) om alkoholskatt (4), o imposto sobre o fabrico e o consumo de cerveja e de vinho foi fixado do seguinte modo.

7.        É devido um imposto especial de consumo por litro de cerveja à razão de 1,47 coroas suecas (SEK) por volume de álcool. As cervejas cujo teor em álcool não ultrapasse 2,8% vol. são isentas [artigo 2.° do lagen (1994:1564) om alkoholskatt].

8.        É devido um imposto especial de consumo por litro de vinho com base num montante fixo, que aumenta em função do teor alcoólico da bebida e estabelecido à razão de:

7,58 SEK para um teor alcoólico superior a 2,25% vol., embora inferior ou igual a 4,5% vol.;

11,20 SEK para um teor alcoólico superior a 4,5% vol., embora inferior ou igual a 7% vol.;

15,41 SEK para um teor alcoólico superior a 7% vol., embora inferior ou igual a 8,5% vol.;

22,08 SEK para um teor alcoólico superior a 8,5% vol., embora inferior ou igual a 15% vol.;

45,17 SEK para um teor alcoólico superior a 15% vol., embora inferior ou igual a 18% vol.

9.        Os vinhos cujo teor em álcool não ultrapasse 2,25% vol. estão isentos de imposto [artigo 2.° do lagen (1994:1564) om alkoholskatt].

10.      Na Suécia, existe um regime de monopólio legal para a venda a retalho de vinho, cerveja forte e bebidas espirituosas. A gestão do monopólio foi confiada à Systembolaget Aktiebolag (a seguir «Systembolaget»), uma sociedade inteiramente detida pelo Estado.

II – A fase pré‑contenciosa

11.      Na sequência de denúncias em que se referia o carácter discriminatório do regime sueco dos impostos especiais de consumo sobre o vinho e a cerveja, a Comissão enviou à Suécia, em 28 de Fevereiro de 2000, uma primeira notificação para cumprir na qual afirmava que, com base nas informações em sua posse, esse regime parecia contrariar o artigo 90.° CE, uma vez que, sujeitando o vinho a uma tributação mais elevada do que a cerveja, quer em termos absolutos quer de percentagem sobre o preço final do produto, produzia o efeito de cristalizar os hábitos de consumo, reforçando a vantagem da cerveja – produto nacional – em detrimento do potencial comercial do vinho – produto importado de outros Estados‑Membros.

12.      O Reino da Suécia respondeu através de dois ofícios datados de 10 de Maio e de 20 de Novembro de 2000, nos quais observava que um regime fiscal em que os impostos especiais de consumo sobre os produtos alcoólicos são estabelecidos em função do teor alcoólico das bebidas não contraria o artigo 90.° CE. Todavia, declarou‑se disposto a reduzir o imposto especial de consumo sobre o vinho por volume de álcool, até um nível substancialmente equivalente ao do imposto especial de consumo sobre a cerveja, de modo a restabelecer a relação de tributação que existia entre os dois produtos anteriormente a 1 de Janeiro de 1997.

13.      Em 19 de Junho de 2001, foi notificado ao Governo sueco um parecer fundamentado, ao qual o Governo sueco respondeu em dois ofícios, o primeiro de 13 de Julho de 2001 e o segundo de 17 de Dezembro de 2001, através dos quais informava a Comissão da redução do imposto especial de consumo sobre o vinho em 18,8% a partir de 1 de Dezembro de 2001.

14.      A Comissão, por considerar que a alteração efectuada não eliminava o carácter discriminatório do regime fiscal sueco, enviou ao Reino da Suécia, em 1 de Julho de 2002, uma segunda notificação para cumprir. Este respondeu por ofício de 24 de Setembro de 2002.

15.      Em 9 de Julho de 2004, a Comissão notificou um segundo parecer fundamentado ao Governo sueco, convidando‑o a adoptar os procedimentos necessários para se conformar a esse mesmo parecer no prazo de dois meses.

16.      Depois de pedir uma prorrogação do prazo, que a Comissão lhe concedeu, o Governo sueco respondeu por ofício de 7 de Outubro de 2004, contestando todas as acusações.

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

17.      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Abril de 2005, a Comissão intentou a presente acção.

18.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2005, a República da Letónia foi admitida a intervir no processo em apoio das conclusões do demandado.

19.      Em conformidade com o artigo 44.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o processo foi atribuído à Grande Secção na sequência do pedido apresentado nesse sentido pelo Reino da Suécia por ofício de 4 de Abril de 2006.

20.      A Comissão e o Reino da Suécia foram ouvidos na audiência de 8 de Maio de 2007.

21.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE ao aplicar impostos internos por força dos quais a cerveja produzida principalmente na Suécia é protegida indirectamente contra o vinho importado principalmente de outros Estados‑Membros;

–        condenar o Reino da Suécia nas despesas.

22.      O Reino da Suécia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao pedido;

–        condenar a Comissão nas despesas.

23.      A República da Letónia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao pedido.

IV – Análise jurídica

A –    Argumentos das partes

24.      A Comissão entende que as disposições fiscais suecas controvertidas têm carácter discriminatório e produzem um efeito proteccionista sobre o comércio da cerveja, produto principalmente local, em detrimento do comércio do vinho, essencialmente importado de outros Estados‑Membros. Por essa razão, tais disposições violam o artigo 90.°, segundo parágrafo, CE.

25.      A Comissão observa que o imposto especial de consumo por volume de álcool cobrado sobre um vinho com um teor alcoólico médio é cerca de 20% superior ao imposto especial de consumo sobre a cerveja. A incidência de tal diferença sobre o preço final dos produtos é, além disso, reforçada por efeito da aplicação do IVA de 25%, calculado sobre o preço de base que inclui o direito especial de consumo.

26.      Segundo a Comissão, existe uma relação de concorrência entre a cerveja forte (de teor alcoólico superior a 3,5% vol.) e o vinho da categoria intermédia, de teor alcoólico entre 8,5% e 15% vol. (5) e pertencente a uma categoria de preços entre 49 SEK e 70 SEK (6). Uma vez que a venda a retalho de ambos os produtos está sujeita ao monopólio do Estado, estes encontram‑se em concorrência entre si nos mesmos pontos de venda, pertencentes ao circuito da Systembolaget, ou então nos locais de restauração possuidores de uma licença especial. A Comissão entende que a circunstância de os consumidores serem obrigados a dirigir‑se à Systembolaget para adquirir os produtos em questão reforça o seu grau de substituibilidade.

27.      A instituição demandante considera que o regime fiscal a que estão sujeitos o vinho e a cerveja determina uma contenção do consumo potencial de vinho e tem o efeito de proteger, pelo menos indirectamente, o comércio da cerveja.

28.      Os dados estatísticos em que a Comissão se baseia (7) demonstram que o nível de tributação dos produtos em causa condiciona o comportamento dos consumidores. Em especial, resulta desses dados que em 1997, ano em que foi reduzido o imposto especial de consumo sobre a cerveja, as vendas dessa bebida aumentaram, enquanto que as de vinho sofreram uma inflexão. Do mesmo modo, em 2002, após a diminuição do imposto especial de consumo sobre o vinho, as vendas desse produto registaram o mais forte crescimento entre 1995 e 2004.

29.      A Comissão observa que a incidência do imposto especial de consumo sobre o preço final dos vinhos cujo teor alcoólico se situa entre 8,5% e 15% vol. é maior na categoria de preços situada entre 41 SEK e 70 SEK, que corresponde à categoria de produto em que se realizam cerca de 80% das vendas totais. Esta incidência, além disso, é significativamente mais forte do que a que se observa na cerveja da categoria mais vendida, qualquer que seja a quantidade de produto tida como referência para efeitos da avaliação (8).

30.      O Reino da Suécia não contesta as alegações da Comissão relativas ao carácter de produto essencialmente nacional da cerveja e de produto principalmente importado do vinho, à diferença nas modalidades de determinação dos impostos especiais de consumo a que estão sujeitos os dois produtos e, enfim, à existência entre estes de um certo grau de concorrência (9), embora, segundo o referido Estado, não exista entre esses produtos um grau de substituibilidade completo e não se vislumbre claramente quais as categorias de vinho e de cerveja que se encontram em concorrência entre si na acepção do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE (10).

31.      O Governo sueco, apoiado pela República da Letónia, entende todavia que as disposições fiscais controvertidas não têm por objecto ou por efeito proteger indirectamente a produção de cerveja da concorrência do vinho e que não pode ser acusado de violação do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE.

32.      Segundo o referido Governo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que para que tal violação possa considerar‑se concretizada é necessário demonstrar que o imposto em causa afecta a relação de concorrência entre os produtos em causa, diminuindo o consumo potencial do produto importado em benefício do produto nacional concorrente. Tal demonstração não pode deixar de considerar a diferença entre os preços de venda dos produtos e a incidência do imposto sobre os mesmos a fim de se determinar se a diferente carga fiscal que onera os referidos produtos é susceptível de orientar a escolha dos consumidores.

33.      No caso presente, a comparação entre o preço médio final de um litro de cerveja forte da categoria mais vendida e de um litro de vinho (11) com um teor alcoólico de cerca de 11% da categoria mais vendida e mais barata demonstra que a diferença de tributação entre os dois produtos não é susceptível de influenciar o comportamento dos consumidores. Com efeito, mesmo que o vinho fosse onerado com os mesmos impostos especiais de consumo cobrados sobre a cerveja, o seu preço seria cerca do dobro do da cerveja. Perante estes dados, o Governo demandado e o Governo interveniente entendem que a Comissão não demonstrou que o sistema fiscal sueco tem o efeito de proteger a produção de cerveja da concorrência do vinho. A República da Letónia observa, além disso, que resulta dos dados estatísticos que, no período de 1997 a 2004, o consumo de vinho na Suécia cresceu mais do que o consumo da cerveja.

34.      O Governo demandado concorda com a Comissão ao considerar que o consumidor sueco é sensível às variações de preço dos produtos. Todavia, a circunstância de este reagir a uma redução dos preços com um aumento do consumo não implica, segundo esse Governo, que por isso seja igualmente alterado o comportamento na escolha entre as diferentes categorias de bebidas alcoólicas. Quanto a esse ponto, o Governo letão observa que a procura dos produtos em causa é relativamente pouco elástica às variações de preço e que este não parece ser um factor determinante na escolha dos consumidores.

35.      O Governo sueco alega, além disso, que as estatísticas de venda da Systembolaget apresentadas pela instituição demandante não estão completas, uma vez que, por um lado, não têm em conta as vendas efectuadas através do circuito da restauração e, por outro, não permitem distinguir os dados relativos às vendas dos vinhos da categoria que se encontra em concorrência com a cerveja forte. Na contestação, o Estado‑Membro demandado reproduz uma tabela relativa às vendas dos produtos em causa no período de 1996 a 2004, que combina os dados provenientes das estatísticas da Systembolaget, do Skatteverket (administração sueca das contribuições directas e indirectas) e da Svenska Bryggareföreningen (federação sueca que reagrupa os produtores de cerveja, cidra, soda e água) (12).

36.      Em conclusão, o Governo sueco, apoiado pelo Governo letão, entende que a Comissão não provou o efeito proteccionista do regime fiscal em causa e, por conseguinte, não provou a violação do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE que lhe é imputada no presente processo.

B –    Apreciação

37.      Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 90.° CE:

«Nenhum Estado‑Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados‑Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.»

38.      O segundo parágrafo dispõe:

«Além disso, nenhum Estado‑Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados‑Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.»

39.      Segundo jurisprudência constante, o artigo 90.° CE, no seu conjunto, tem por fim assegurar a livre circulação das mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de todas as formas de proteccionismo que possam resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias em relação a produtos dos outros Estados‑Membros e garantir a perfeita neutralidade das imposições internas face à concorrência entre produtos nacionais e produtos importados (13). Para esse fim, o primeiro parágrafo do referido artigo proíbe qualquer disposição tributária que tenha o efeito de onerar, mediante qualquer dispositivo fiscal, mais gravosamente os produtos importados do que os produtos nacionais similares, enquanto o segundo parágrafo, tal como esclareceu o Tribunal de Justiça, tem designadamente a função de bloquear qualquer forma de proteccionismo fiscal indirecto no caso de produtos importados que, sem serem similares, na acepção do primeiro parágrafo a produtos nacionais, estão, apesar disso, numa relação de concorrência, ainda que parcial, indirecta ou potencial, com alguns deles (14).

40.      A verificação da compatibilidade de um determinado regime fiscal nacional com a proibição de imposições internas discriminatórias constante do artigo 90.° CE exige uma apreciação complexa, articulada em várias fases.

41.      Tal apreciação implica, antes de mais, uma investigação destinada a definir a relação intercorrente entre os produtos nacionais e importados a que se aplica o regime em causa.

42.      No primeiro parágrafo do artigo 90.° CE, a referida relação é expressa em termos de similitude entre os produtos, enquanto que para efeitos da aplicação do segundo parágrafo se exige, com base no já declarado pelo Tribunal de Justiça, a existência de uma relação de concorrência, que pode ser apenas parcial, indirecta ou potencial, desde que não seja puramente ocasional, mas sim duradoura e circunstanciada (15).

43.      O Tribunal de Justiça precisou igualmente que para determinar a existência de uma relação de concorrência na acepção do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE há que considerar «não apenas o estado actual do mercado, mas ainda as possibilidades de evolução no contexto da livre circulação de mercadorias à escala da Comunidade e as novas virtualidades de substituição entre produtos que a intensificação das trocas pode revelar, por forma a desenvolver ao máximo as complementaridades entre as economias dos Estados‑Membros» (16).

44.      Baseando‑se nesses elementos, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um «certo grau de substituibilidade» entre o vinho e a cerveja, devido, segundo afirmou o Tribunal de Justiça, à sua idoneidade para satisfazer, em certa medida, necessidades idênticas (17). Essa apreciação, efectuada no contexto de um processo em que o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre a compatibilidade do regime fiscal do vinho em vigor no Reino Unido, foi confirmada em acórdão posterior, em relação às percentagens de IVA sobre vinho e cerveja aplicadas na Bélgica (18).

45.      Ao afirmar a existência de uma relação de concorrência entre o vinho e a cerveja, a Tribunal de Justiça não deixou de salientar as diferenças significativas entre os dois produtos em termos de características qualitativas (em primeiro lugar, a diferente graduação alcoólica), métodos de produção (o vinho é um produto essencialmente agrícola e, como tal, sujeito à aleatoriedade dos factores climatéricos, enquanto a cerveja é um produto principalmente industrial) e a estrutura de preços. Tendo em consideração estas diferenças, além da extrema variedade dos vinhos, pelas suas propriedades, qualidade e preço, o Tribunal de Justiça circunscreveu a relação de concorrência entre as bebidas em causa que é relevante no plano fiscal, admitindo‑a unicamente para «os vinhos mais acessíveis ao grande público que são, em geral, os mais leves e os menos caros» (19).

46.      No caso que constitui objecto do presente processo, é pacífico entre as partes que o vinho é um produto essencialmente importado, enquanto a cerveja é um produto principalmente nacional.

47.      Além disso, o Governo demandado não contesta a alegação da Comissão segundo a qual o mercado sueco não possui características que não permitem reconhecer uma relação de concorrência, tal como já foi admitido pelo Tribunal de Justiça, entre os vinhos pertencentes à categoria dos mais baratos e a cerveja forte, produtos que ocupam a percentagem mais elevada dos respectivos mercados. Embora existam algumas diferenças de opiniões entre as partes quanto à determinação da categoria de vinhos que concorre efectivamente com a cerveja no mercado sueco, quer se trate de proceder à sua identificação com base no teor alcoólico (8,5% a 15% vol. para a Comissão e 11% vol. para o Governo sueco) ou com base na categoria de preços, existe no entanto uma concordância de fundo substancial sobre o facto de os produtos em causa serem caracterizados por um certo grau de substituibilidade.

48.      O primeiro requisito de aplicabilidade do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE, está portanto preenchido.

49.      A verificação da compatibilidade de uma determinada disposição fiscal nacional com o artigo 90.° CE exige, em segundo lugar, uma comparação entre os regimes fiscais a que estão submetidos os produtos em causa, a fim de se determinar a eventual diferença de tributação a que estão sujeitos e o respectivo montante.

50.      Quando, como no caso em apreço, o objecto da referida comparação sejam produtos com características que os tornam substancialmente diferentes, embora parcialmente substituíveis, pode ser difícil, em determinados casos, encontrar os critérios que permitam fazer uma comparação correcta.

51.      No acórdão sobre o regime fiscal do vinho no Reino Unido, o Tribunal de Justiça entendeu que a metodologia mais adequada para apreciar a relação de tributação entre a cerveja e o vinho se devia basear numa comparação da carga fiscal relativamente a três factores diferentes: volume, teor alcoólico e preços dos produtos (20).

52.      Aplicando essa metodologia ao caso em apreço, obtemos os seguintes resultados.

53.      No que respeita à comparação dos níveis de tributação relativamente ao volume (21), dado que o imposto especial de consumo sobre um litro de cerveja com um teor alcoólico médio (5,2% vol.) (22) é de 7,64 SEK (23) e o que se aplica a um litro de vinho com um teor alcoólico superior a 8,5% e inferior ou igual a 15% vol. é de 22,08 SEK, conclui‑se que a tributação do vinho por referência ao volume é cerca de três vezes (24) superior à da cerveja. No caso em apreço, todavia, esse resultado não é particularmente significativo, dado que uma diferença de tributação relativamente ao volume é normal no caso de um sistema fiscal que utiliza o teor alcoólico como base de tributação.

54.      Quanto à diferença do imposto especial de consumo relativamente ao teor alcoólico, um vinho com um teor alcoólico de 12,5% vol. é tributado por volume de álcool em cerca de mais 20% do que a cerveja (1,77 SEK contra 1,47 SEK) e um vinho com um teor alcoólico de cerca de 11% vol. é tributado em cerca de mais 36% (2 SEK contra 1,47 SEK). Um vinho ainda mais ligeiro, com um teor alcoólico de 10% vol., é tributado por volume de álcool quase mais 50% do que a cerveja. Basta salientar que o teor alcoólico constitui o parâmetro de apreciação certamente mais relevante no caso em apreço, sendo considerado a base de tributação para efeitos da determinação do imposto especial de consumo.

55.      É mais espinhosa a apreciação comparativa da incidência da imposição sobre o preço final dos produtos em causa. A dificuldade deve‑se essencialmente ao desacordo entre as partes acerca dos preços que devem ser considerados como base do cálculo. Segundo a Comissão, que se baseia nas estatísticas oficiais da Systembolaget, a categoria de preços pertinentes, em que se realiza cerca de 79% das vendas de vinho, situa‑se entre as 41 SEK e as 70 SEK para uma garrafa de 75 cl (entre 55 SEK e 93 SEK por litro). O preço médio, no consumo, de um litro de vinho com um teor alcoólico de 12,5% vol. seria de 65,33 SEK, enquanto o preço médio, no consumo, de um litro de cerveja com um teor alcoólico de 5,2% vol. seria de 30,33 SEK. O Governo sueco entende, no entanto, que é mais exacto considerar um preço médio de venda de um litro de vinho com um teor alcoólico de 12,5% vol. de 69,58 SEK (25). Tomando como base de cálculo os dados fornecidos pela Comissão, o imposto especial de consumo representa 33,8% do preço final e o preço base do vinho (30,18 SEK/l) aumenta cerca de 73% após a aplicação do imposto especial de consumo e cerca de 116% após a aplicação do IVA. Em contrapartida, partindo dos dados do Governo sueco, com um preço de base do vinho de 33,584 SEK/l, esses valores são respectivamente de 31,7%, 54,7% e 107%. No que respeita à cerveja, com base nos dados fornecidos pela Comissão e não contestados pelo Reino da Suécia (26), o imposto especial de consumo representa cerca de 25,2% do preço final e o preço base de um litro de cerveja (16,62 SEK) aumenta 45,9% após a aplicação do imposto especial de consumo e 82,4% após a aplicação do IVA. É evidente que dentro da categoria dos vinhos tributados a 22,08 SEK/l (de 8,5% a 15% de teor alcoólico), a incidência da fiscalidade sobre a estrutura dos preços é percentualmente mais elevada para os vinhos menos caros e de graduação alcoólica inferior.

56.      Os dados acima referidos demonstram, seja qual for o parâmetro de comparação considerado, que as categorias de vinho que se encontram em concorrência com a cerveja estão sujeitas a um imposto especial de consumo significativamente mais elevado do que o que se aplica à cerveja.

57.      A verificação da compatibilidade de um regime fiscal nacional com a proibição do artigo 90.° CE exige, enfim, a prova do carácter discriminatório desse regime.

58.      A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que, no que se refere ao primeiro parágrafo do artigo 90.° CE, o carácter discriminatório resulta da própria disparidade de tratamento fiscal, uma vez que, tratando‑se de produtos similares, em larga medida comparáveis, a proibição prevista por essa disposição aplica‑se a partir do momento em que um sistema fiscal atinge um produto importado mais gravosamente do que o produto nacional. Pelo contrário, no caso do segundo parágrafo, tendo em conta a dificuldade de estabelecer comparações suficientemente precisas entre os produtos em causa, a apreciação deve ser efectuada, segundo o Tribunal de Justiça, com base num critério mais global, ou seja, o do carácter indirectamente protector do dispositivo fiscal considerado (27).

59.      Essa apreciação é sem dúvida a mais delicada entre as que devem ser efectuadas no âmbito do artigo 90.° CE e, no contexto de uma acção de incumprimento, pode implicar para a Comissão um ónus de prova difícil de cumprir.

60.      Com a intenção de aligeirar esse ónus, o Tribunal de Justiça precisou que, para efeitos da aplicação do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE basta que se demonstre que um determinado regime fiscal, «tendo em conta as suas características próprias, é susceptível de provocar o efeito proteccionista a que se refere o Tratado» (28). O Tribunal de Justiça prosseguiu afirmando que «[sem] desconhecer a importância dos elementos de apreciação que é possível extrair de dados estatísticos que permitam medir o efeito de um determinado dispositivo fiscal, não pode exigir‑se à Comissão que forneça indicações quantificadas sobre a consistência concreta do efeito protector do sistema fiscal criticado» (29).

61.      No acórdão relativo ao regime fiscal do vinho e da cerveja na Bélgica, o Tribunal de Justiça, todavia, rejeitou a tese da Comissão segundo a qual, uma vez demonstrada a relação de concorrência entre os dois produtos, qualquer diferença nas taxas dos impostos aplicadas à mesma base tributável é incompatível com o artigo 90.°, segundo parágrafo, CE e esclareceu que a apreciação da compatibilidade de um determinado encargo fiscal com a referida disposição «deve fazer‑se em relação às incidências desse encargo fiscal nas relações de concorrência entre os produtos considerados» (30). Segundo o Tribunal de Justiça, «a questão essencial é a de saber se esse encargo é ou não susceptível de influenciar o mercado em causa ao diminuir o consumo potencial dos produtos importados em proveito dos nacionais concorrentes» (31). No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça afirmou igualmente que «não se poderia, aquando da apreciação da realidade do efeito protector, abstrair da diferença existente entre os respectivos preços de venda da cerveja e do vinho em concorrência com ela».

62.      Baseando‑se neste precedente, o Reino da Suécia sustenta, no presente processo, que a Comissão não assumiu o ónus da prova que lhe incumbia, uma vez que não teve em consideração a significativa diferença de preços existente entre os dois produtos em causa, que a levou a excluir uma possível influência da disparidade de tributação a que os referidos produtos estão sujeitos sobre as escolhas do consumidor.

63.      No que respeita à argumentação central do Governo demandado, em que este baseia o essencial da sua defesa, parece‑me oportuno analisar desde logo a sua correcção, antes de avançar na minha análise. Nessa perspectiva, é necessário relembrar resumidamente o contexto em que se inscreve o acórdão que está na origem da acusação suscitada pelo Reino da Suécia, bem como a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou nessa ocasião.

64.      No litígio que é objecto do processo em que foi proferido o acórdão referido, a Comissão acusou o Reino da Bélgica de aplicar uma taxa de IVA sobre o vinho superior em cerca de 6% à estabelecida para a cerveja. No fim da sua análise, o Tribunal de Justiça concluiu que a disparidade de tratamento fiscal em causa não era susceptível de influenciar a escolha do consumidor. Em especial, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão não demonstrou que a diferença entre os preços respectivos da cerveja e do vinho em concorrência entre si fosse de tal modo baixa que a diferença de 6% existente entre as taxas de IVA aplicadas aos dois produtos pudesse influenciar o comportamento do consumidor e ter, por conseguinte, um efeito proteccionista em benefício da cerveja (32).

65.      Uma análise mais pormenorizada dos dados do processo permite compreender melhor o alcance das conclusões a que chegou o Tribunal de Justiça e apreciar, como sugere o Reino da Suécia, se é correcto transpor para o caso vertente a solução seguida naquele processo.

66.      O Governo belga sustentava que o preço de um litro de cerveja, incluindo impostos, era de 29,75 francos belgas (BFR), e o de um litro de vinho de qualidade comparável de 125 BFR. Uma vez que os argumentos da Comissão que contestavam esses dados foram integralmente rejeitados, deve deduzir‑se daí que o Tribunal de Justiça fundou a sua própria análise nesses mesmos dados. O preço de venda ao consumidor do vinho na Bélgica, incluindo IVA, era portanto cerca de quatro vezes (33) o da cerveja, enquanto a diferença entre as taxas de IVA aplicadas respectivamente ao vinho e à cerveja era, como vimos supra, de 6% (25% para o vinho e 19% para a cerveja).

67.      Nas suas conclusões (34), seguidas, em substância, pelo Tribunal de Justiça quanto a este ponto, o advogado‑geral J. L. Vilaça observou que se se tivesse procedido à uniformização da taxa de IVA de 25%, aumentando portanto a taxa aplicada à cerveja em 6 pontos percentuais, a diferença de preços entre os dois produtos reduzir‑se‑ia em 1,5 BFR (de 95,25 BFR para 93,75 BFR), e a uniformização ao nível de 19% reduzi‑la‑ia em 6 BFR (de 95,25 BFR para 89,25 BFR). Em qualquer dos casos, a relação de preços entre o vinho e a cerveja não sofria grandes alterações (‑1,5% no caso de uniformização da taxa ao nível de 25% e ‑6,3% no caso de uniformização da taxa ao nível de 19%). No primeiro caso, que é o mais provável, atendendo às declarações do Governo belga durante o processo, o preço de um litro de cerveja sofreria um aumento de 5%, enquanto no segundo caso o preço de um litro de vinho diminuiria 4,8% (35).

68.      Importa, neste ponto, comparar os dados de que dispomos no caso vertente com os dados expostos acima, a fim de se determinar se podemos chegar, neste caso, às mesmas conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou no acórdão Comissão/Bélgica.

69.      Partindo dos dados fornecidos ou não contestados pelo Reino da Suécia (36) e aplicando a um litro de vinho com um teor alcoólico de 12,5% vol. a taxa do imposto especial de consumo para a cerveja, ou seja, 1,47 SEK por volume de álcool, obtemos como resultado uma diminuição do preço, em termos absolutos, de 4,63 SEK/l (0,50 EUR) (37) e, em termos percentuais, de 6,65%. A relação de preço entre o vinho e a cerveja diminuiria 11,8% mantendo‑se na ordem de 2 para 1 (38).

70.      Será possível, perante estes dados, concluir, por analogia com o que foi decidido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Bélgica, já referido, que a diferença de preços entre a cerveja e o vinho na Suécia é de tal modo relevante que o desfasamento de 20% (39) existente entre as taxas do imposto especial de consumo aplicadas às duas bebidas não é susceptível de influenciar o comportamento do consumidor?

71.      Em minha opinião, a resposta deve ser negativa. A comparação entre os dados relativos ao presente processo e os do que deu origem ao acórdão Comissão/Bélgica não permite, com efeito, considerar que os dois casos são comparáveis. Se o Tribunal de Justiça pôde sustentar no acórdão referido que, devido a um relação de 1 para 4 entre o preço da cerveja e o do vinho, uma eventual diminuição do preço do vinho de cerca de 5% não parece susceptível de influenciar as escolhas do consumidor, o mesmo não se pode afirmar com segurança, sem ter em conta outros factores, quando a referida relação é de 1 para 2 e a eventual redução do preço do vinho atinge os 6,5% (40). Em princípio, quanto menor for a relação entre os preços de dois produtos concorrentes entre si, maior é o grau de substituibilidade entre eles e, consequentemente, menor será a dimensão da variação de preço susceptível de determinar um efeito de substituição.

72.      À luz do exposto, entendo que deve ser rejeitada a tese do Reino da Suécia, com base na qual, considerando apenas a diferença de preço existente entre o vinho e a cerveja, é possível excluir que a diferença entre as taxas do imposto especial de consumo aplicadas aos dois produtos possa ter incidência na escolha do consumidor.

73.      Uma vez que cheguei a esta conclusão tendo em conta os dados fornecidos pelo Governo demandado, não me debruço sobre a questão, amplamente debatida entre as partes no decurso da fase escrita do processo, da correcção do método de comparação seguido pelo Governo sueco, que consiste em comparar os preços de um litro de vinho e de um litro de cerveja. A esse propósito, limito‑me a salientar que o método sugerido pela Comissão, que consiste em comparar os preços de um copo de vinho e de uma caneca de cerveja de volumes diferentes, não parece o mais indicado, tendo em conta, designadamente, as modalidades de comercialização dos produtos em questão. Com efeito, estes são vendidos sobretudo nos locais de venda da Systembolaget (41), em condições que tornam certamente mais imediata uma comparação dos preços das bebidas por litro, dada igualmente a propensão do consumidor médio sueco, referida pelo Governo demandado nos seus articulados, para a aquisição de vinhos embalados nos chamados Bag in Box (42). No entanto, a Comissão, tendo em conta os hábitos do consumidor sueco e as características do mercado, não forneceu elementos que permitam considerar o seu método de comparação mais pertinente do que o sugerido pelo Governo demandado.

74.      Neste ponto, há que apreciar se os elementos apresentados pela Comissão são suficientes para demonstrar a idoneidade do regime fiscal em causa para produzir um efeito proteccionista em relação à cerveja e em detrimento do vinho.

75.      Segundo a Comissão, resulta claramente das estatísticas da Systembolaget que o comportamento dos consumidores é influenciado pelas variações de preço induzidas pelas variações da taxa do imposto especial de consumo dos produtos em questão. A Comissão observa que as estatísticas para 1997, ano em que entrou em vigor a reforma fiscal que reduziu em cerca de 40 pontos percentuais a taxa do imposto sobre a cerveja, demonstram, por um lado, que as vendas desta bebida registaram um aumento de 8,9%, com uma inversão da tendência relativamente aos anos anteriores, em que tinham sofrido uma inflexão significativa, e, por outro lado, que as vendas de vinho diminuíram 3,7%. Em 2002, ano em que a taxa do imposto especial de consumo sobre o vinho diminuiu 18,8%, as vendas deste produto aumentaram 11%. A Comissão sublinha, além disso, que no período compreendido entre 1997 e 2001 as vendas de vinho registaram um crescimento global, tendo as vendas de cerveja aumentado claramente mais em termos percentuais. Enfim, a Comissão indica que, enquanto em 1995 as vendas de vinho, em termos de volume, eram substancialmente equivalentes às da cerveja (cerca de 103 milhões de litros para cada bebida), o volume de cerveja vendido em 2004 (cerca de 173 milhões de litros) ultrapassava em cerca de 20% o do vinho (cerca de 139 milhões de litros). Essa diferença surgida após a reforma fiscal de 1997 seria de atribuir, segundo a Comissão, à diferença entre as taxas das duas bebidas introduzida pela referida reforma.

76.      Os dados apresentados pela demandante não me parecem particularmente significativos, antes de mais, e sobretudo, porque se referem genericamente às vendas de vinho e de cerveja e não permitem, portanto, considerar isoladamente o ritmo das vendas das categorias concorrentes entre si. Em segundo lugar, sendo certo que das estatísticas apresentadas pela Comissão resulta que, a partir de 1997 e até 2003, as vendas de cerveja continuaram a aumentar, essa progressão não é constante. Em 1998, o ano seguinte à redução da taxa, o aumento das vendas foi apenas de 2,8%, o que representa o valor mínimo no período de 1997 a 2003, quando em 1999 se registou um aumento das vendas de 15,4%, em larga medida superior ao obtido em 1997, correspondente à redução da taxa do imposto especial de consumo. Os anos posteriores a 1999, à excepção de 2003, revelam um aumento das vendas quase constante, de cerca de 10%. Esses dados permitem, em minha opinião, supor que outros factores, além do factor fiscal, influenciaram o ritmo crescente das vendas de cerveja no período de referência e, consequentemente, a disparidade entre os volumes de venda de vinho e de cerveja criada no decurso do referido período. No que respeita ao vinho, as estatísticas de vendas da Systembolaget revelam já uma inflexão em 1997, ano da aplicação da taxa reduzida do imposto especial de consumo para a cerveja, todavia, logo no ano seguinte, as vendas aumentaram novamente com uma taxa de crescimento de 2,7%, quase idêntica à registada no mesmo ano para a cerveja (2,8%). Desde 1998, o ritmo das vendas de vinho foi crescente, embora não constante.

77.      À luz das considerações precedentes, sou de opinião que os dados apresentados pela Comissão permitem no máximo demonstrar a sensibilidade do consumidor sueco às mudanças de preço induzidas pelas alterações do regime fiscal das bebidas em questão, sensibilidade essa que, em coerência com os hábitos de consumo locais, que privilegiam tradicionalmente a cerveja, se verifica ser mais elevada no caso do vinho (43). Verifica‑se, além disso, que o efeito de expansão das vendas decorrente de uma diminuição da taxa do imposto especial de consumo tem uma duração limitada no tempo e esgota‑se provavelmente no primeiro ano após a entrada em vigor da alteração fiscal.

78.      Embora das estatísticas apresentadas pela Comissão se possa deduzir uma certa elasticidade da procura dos produtos em questão em função do preço, factor esse, aliás, não contestado pelo Reino da Suécia (44), todavia, em minha opinião, não é possível retirar daí dados suficientemente relevantes quanto à incidência das variações de preços sobre a relação de concorrência entre os referidos produtos, de modo a permitir verificar que os aumentos das vendas de cerveja e de vinho em 1997 e em 2002, respectivamente, são imputáveis pelo menos em parte a um efeito de substituição. Semelhante incidência depende do grau de concorrência existente entre os produtos e, portanto, do coeficiente de elasticidade cruzada da procura, factores sobre os quais a Comissão não forneceu nenhum elemento de apreciação.

79.      Neste ponto, há que perguntar qual é em concreto o ónus da prova que impende sobre a Comissão no âmbito de uma acção de incumprimento com base no artigo 90.°, segundo parágrafo, CE.

80.      Já se afirmou que o Tribunal de Justiça não exige a verificação, através de dados estatísticos ou de estudos econométricos, de um efeito proteccionista real do regime fiscal impugnado, nem essa demonstração poderia razoavelmente ser exigida à Comissão (45), mas sim a prova da idoneidade desse regime para produzir tal efeito. Por outras palavras, incumbe à Comissão efectuar uma análise do conjunto das características objectivas do dispositivo fiscal em causa, a fim de apreciar se, tendo em conta a situação fiscal anterior à sua introdução e as características do mercado, existem elementos suficientes para presumir um impacto desse regime fiscal no consumo potencial dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros e na relação de concorrência entre os produtos de que se trata (46). Em presença de indícios susceptíveis de confirmar a tese da Comissão, compete ao Governo interessado justificar a diferença de tratamento fiscal em causa (47) e/ou fornecer elementos susceptíveis de excluir uma violação do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE (48).

81.      Essa repartição do ónus da prova não é, aliás, infirmada pelo acórdão Comissão/Bélgica, já referido, em que os dados apresentados pelo Governo belga, contestados sem sucesso pela Comissão, permitiram confirmar a neutralidade substancial da taxa de IVA diferenciada aplicada ao vinho e à cerveja na relação de concorrência entre os referidos produtos, invalidando a tese da Comissão sobre um possível efeito proteccionista do regime fiscal a que estavam sujeitos.

82.      Existem no caso vertente indícios suficientes para presumir o carácter proteccionista do regime fiscal controvertido?

83.      Partamos de uma análise das características desse regime. Tal como admitiu o próprio Governo sueco, a reforma fiscal de 1997, que reduziu em 40% a taxa do imposto especial de consumo sobre a cerveja, alterou a paridade fiscal anteriormente existente entre a cerveja forte e o vinho com um teor alcoólico de cerca de 11% vol (49). Com base no regime actualmente em vigor, embora o imposto especial de consumo seja fixado para a cerveja e para o vinho em função do título alcoométrico volúmico, e portanto, com base num critério objectivo que reflecte as características dos produtos, o método de cálculo, no entanto, é diferente (50). O imposto especial de consumo sobre a cerveja, com efeito, é determinado multiplicando um montante fixo pelo título alcoométrico volúmico da bebida, de modo que a tributação por volume de álcool permanece idêntica qualquer que seja a graduação da bebida, enquanto que o vinho está subdividido em cinco categorias segundo o teor em álcool e, dentro de cada categoria, a tributação por volume de álcool varia entre um máximo, para os vinhos com menor teor alcoólico, e um mínimo, para os vinhos com maior teor alcoólico. Na quarta categoria, que compreende os vinhos em concorrência com a cerveja forte, essa tributação varia entre 2,45 SEK por volume de álcool, para os vinhos com um teor alcoólico de 9% vol., e 1,47 SEK para os vinhos com um teor alcoólico de 15% vol. A incidência da tributação é, portanto, maior para os vinhos mais ligeiros que são também os mais baratos e que estão numa relação de concorrência mais directa com a cerveja.

84.      Em segundo lugar, há que apreciar a diferença de tributação dos produtos em causa a que conduz a aplicação do regime descrito acima. Ora, como já observámos anteriormente (51), uma comparação da carga fiscal a que estão sujeitos respectivamente o vinho e a cerveja revela que, seja qual for o parâmetro de comparação tido em consideração (volume, graduação alcoólica ou preços dos produtos), as categorias de vinho que se encontram em concorrência com a cerveja estão sujeitas a um imposto especial de consumo significativamente mais elevado do que aquele que se aplica a esta bebida.

85.      Quanto às características do mercado, a sensibilidade do consumidor sueco às variações de preço induzidas pelas alterações do regime fiscal a que estão sujeitos os produtos em questão é substancialmente incontroversa. Além disso, a comparação entre os preços das bebidas em questão, efectuada com base nos dados fornecidos pelo Governo sueco, não permitiu excluir um possível impacto sobre a concorrência da diferença de tributação a que as referidas bebidas estão sujeitas (52). As estatísticas apresentadas pelo Governo sueco, das quais resulta que entre 1996 e 2003 as vendas de vinho aumentaram de modo percentualmente superior às da cerveja, não constituem por si só prova da ausência de um efeito proteccionista do regime fiscal em causa (53).

86.      Nessas circunstâncias, entendo que existem no caso vertente elementos suficientes para considerar que o regime fiscal em causa pode afectar o consumo potencial de vinho e desfavorecer este produto, principalmente importado de outros Estados‑Membros, em relação à cerveja, essencialmente de produção nacional, na medida em que esta «constitui [a referência] mais próxima do ponto de vista da concorrência]» (54). Em minha opinião, os argumentos do Reino da Suécia não são susceptíveis de infirmar esta conclusão. Entendo, portanto, que deve ser dado provimento ao recurso.

V –    Quanto às despesas

87.      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Atentas as conclusões a que cheguei no que respeita ao Reino da Suécia e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, considero que, efectivamente, o Reino da Suécia deve ser condenado nas despesas.

88.      A República da Letónia, interveniente no presente processo, suportará as suas próprias despesas, em conformidade com o disposto no n.° 4 do referido artigo.

VI – Conclusões

89.      Com base no conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne:

–        Declarar que, ao aplicar aos vinhos em concorrência com a cerveja um imposto especial de consumo mais elevado do que aquele que pesa sobre a cerveja, o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 90.°, segundo parágrafo, CE.

–        Condenar o Reino da Suécia nas despesas.

–        Declarar que a República da Letónia suporta as suas próprias despesas.


1 – Língua original: italiano.


2 – Nos termos do artigo 3.° do capítulo I da Alkohollag (1994:1738, lei sobre os produtos alcoólicos), entende‑se por bebida alcoólica uma bebida com um teor alcoólico superior a 2,25% vol. As bebidas alcoólicas subdividem‑se em bebidas espirituosas, vinho, cerveja forte e cerveja.


3 – Segundo a definição do artigo 6.° do capítulo I da Alkohollag mencionada na nota anterior.


4 – Lei de 15 de Dezembro de 1994 relativa aos impostos especiais de consumo sobre os produtos alcoólicos.


5 – Nos cálculos que visam demonstrar as suas próprias alegações, a Comissão dá como exemplo um vinho com um teor alcoólico de 12,5% vol.


6 – O dado relativo à categoria de preços apenas aparece expressamente na réplica. Na petição, a Comissão refere‑se genericamente aos «vinhos ligeiros baratos» ou aos «vinhos de mesa baratos».


7 – A Comissão baseia‑se principalmente nas estatísticas de venda da Systembolaget publicadas na página Internet desta última.


8 – Na petição, a Comissão compara a incidência do imposto especial de consumo sobre o preço final de uma garrafa (de 75 cl para o vinho e de 33 cl para a cerveja), de um litro e de um copo do produto (de 15 cl para o vinho e de 33 cl para a cerveja).


9 – O Governo demandado entende que essa relação existe entre as cervejas fortes mais vendidas e os vinhos mais difundidos e mais baratos com um teor alcoólico de cerca de 11% vol.


10 – Na tréplica, o Reino da Suécia interroga‑se acerca da intensidade e do carácter unívoco das condições de concorrência entre os dois produtos.


11 – Na réplica, a Comissão sustenta que o método de comparação dos preços mais adequado do ponto de vista do consumidor é o que utiliza como quantidade de referência um copo de vinho e um copo de cerveja e contesta a abordagem do Governo sueco que consiste em ter em consideração os preços por litro. O Governo sueco entende, no entanto, que o método indicado pela Comissão não conduz a resultados claros.


12 – Os dados não acessíveis ao público em que se baseiam as estatísticas são apresentados pelo Governo sueco na tréplica.


13 – V., entre outros, acórdãos de 9 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica (356/85, Colect., p. 3299, n.° 6), e de 11 de Julho de 1989, Comissão/Itália (323/87, Colect., p. 2275, n.° 7).


14 – Nesse sentido, v. acórdãos de 4 de Abril de 1968, Fink‑Frucht (27/67, Recueil, p. 327, Colect. 1965‑1968, p. 825). V. igualmente, entre outros, acórdãos de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/França (168/78, Recueil, p. 347, n.° 6), e acórdão Comissão/Bélgica, já referido (n.° 7).


15 – Acórdão Fink‑Frucht, já referido, supra. Existe, todavia, na jurisprudência do Tribunal de Justiça uma tendência para não atribuir excessiva importância à distinção entre os conceitos de «similitude» e de «concorrência» e para «globalizar» a apreciação a efectuar com base no artigo 90.° CE. Em diversos acórdãos, o Tribunal de Justiça absteve‑se de qualificar os produtos em causa como similares ou concorrentes, limitando‑se a reconhecer a existência de uma relação de concorrência pelo menos potencial ou indirecta entre eles. Nesse sentido, v. acórdãos de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/França, já referido, Comissão/Itália (169/78, Recueil, p. 385), e Comissão/Dinamarca (171/78, Recueil, p. 447). Recentemente, v., por exemplo, acórdão de 18 de Abril de 1991, Comissão/Grécia (C‑230/89, Colect., p. I‑1909).


16 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido (170/78, Recueil, p. 417, n.° 6).


17 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 14).


18 – O Tribunal de Justiça entendeu que as características do mercado belga não permitiam voltar a pôr em causa a apreciação efectuada em relação ao mercado britânico, v. acórdão de 9 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica, já referido (n.° 11).


19 – Acórdão de 12 de Julho de 1983, Comissão/Reino Unido (170/78, Recueil, p. 2265, n.° 12). V., igualmente, acórdãos Comissão/Bélgica, já referido (n.° 11), e de 17 de Junho de 1999, Socridis (C‑166/98, Colect., p. I‑3791).


20 – Acórdão de 12 de Julho de 1983, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 18).


21 – Considerando um volume idêntico para as duas bebidas.


22 – Trata‑se do teor alcoólico a que a Comissão e o Governo sueco se referem para a cerveja.


23 – A cerveja é tributada à razão de 1,47 SEK por litro por volume de álcool: 1,47 x 5,2 = 7,64.


24 – 2,89.


25 – Esse preço resultaria da média dos preços dos 22 vinhos, vendidos em garrafa ou em embalagens de cartão, mais vendidos na categoria de preços entre 61 SEK e 70 SEK, em que se realizam a maior parte das vendas.


26 – O preço médio de consumo de um litro de cerveja com um teor alcoólico de 5,2% é de 30,33 SEK.


27 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 9). V., anteriormente, acórdão Fink‑Frucht, já referido. Todavia, a tendência da jurisprudência para «globalizar» a apreciação com base no artigo 90.° CE, sem distinguir nitidamente entre a aplicação do primeiro ou do segundo parágrafo (v. nota 15, supra) leva a considerar o efeito proteccionista do regime fiscal impugnado como critério prevalecente para reconhecer a existência de uma violação dessa disposição.


28 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 10). O sublinhado é meu.


29 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 10).


30 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido (n.° 15).


31 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido (n.° 16). O sublinhado é meu.


32 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido (n.° 18).


33 – 4,2 vezes. Tendo em consideração os preços isentos de IVA (100 BFR para o vinho e 25 BFR para a cerveja), a diferença era exactamente de 1 para 4.


34 – Apresentadas em 26 de Fevereiro de 1987 no processo Comissão/Bélgica, já referido (Colect., p. 3299, n.os 102 e segs.).


35 – V. conclusões do advogado‑geral J. L. Vilaça, já referidas (n.° 109).


36 – A comparação é efectuada relativamente ao preço médio de um litro de vinho de teor alcoólico de 12,5% vol. Basta salientar que se fossem tidos em consideração vinhos mais ligeiros e menos caros, compreendidos na categoria de impostos que aqui importa, a diferença de preço em relação à cerveja seria menos marcada, enquanto que, como vimos anteriormente, a diferença de tributação em detrimento do vinho seria mais elevada.


37 – O cálculo tem igualmente em conta a aplicação de IVA à taxa de 25%.


38 – Passaria de 2,3 para 2,1.


39 – Comparando o imposto especial de consumo cobrado por volume de álcool e tendo em consideração um vinho de teor alcoólico de 12,5% vol.


40 – Mas esta aumenta quando se têm em conta vinhos de baixo teor alcoólico e preço inferior.


41 – As vendas nos locais de restauração autorizados não parecem ultrapassar 10% do total.


42 – O sistema Bag in Box é um método de embalagem de líquidos em que a matéria‑prima é fechada numa bolsa que pode ser de plástico ou de alumínio e em que esta, por sua vez, é inserida numa caixa de cartão com o objectivo de facilitar o manuseamento e o armazenamento. As razões do sucesso deste tipo de embalagem prendem‑se com a conveniência e a característica de manter inalterada a frescura dos líquidos limitando a entrada de ar. Normalmente, estes tipos de embalagem para vinho têm uma capacidade de 3, 5, 10 ou 20 litros.


43 – As estatísticas apresentadas pela Comissão revelam um aumento das vendas de vinho em 2002 maior do que o registado em 1997 para a cerveja, apesar de a redução da taxa do imposto especial de consumo ter sido de cerca de metade da que foi anteriormente aplicada à cerveja.


44 – O aumento das vendas de vinho em 2002, após a redução do imposto especial de consumo, resulta igualmente das estatísticas apresentadas pelo Reino da Suécia. Resulta, além disso, dos articulados do Governo demandado que é precisamente a elasticidade mais ou menos elevada mas, de qualquer modo, apreciável da procura de bebidas alcoólicas em geral que permitiu à Suécia utilizar tradicionalmente o instrumento fiscal para intervir nos preços e, portanto, nos hábitos de consumo. No passado, o aumento da taxa sobre os produtos com elevado teor alcoólico, juntamente com outras medidas de carácter não fiscal, permitiu por exemplo ao Governo orientar os consumidores dessas bebidas para produtos de teor alcoólico inferior, designadamente o vinho.


45 – Tal prova pode ser especialmente difícil de apresentar, quando se trate de produtos só parcialmente substituíveis.


46 – É claro que o ónus da prova que incumbe à Comissão será menos premente se a relação de concorrência entre os produtos em questão for mais directa até coincidir substancialmente com o argumento de uma diferença de tributação no caso de se tratar de produtos praticamente similares.


47 – V., por exemplo, o processo relativo ao tratamento fiscal do álcool desnaturado em Itália, acórdão de 14 de Janeiro de 1981, Vinal (46/80, Recueil, p. 77).


48 – Há que precisar que não se realiza desse modo uma inversão do ónus da prova, competindo sempre à Comissão fornecer elementos probatórios suficientes para demonstrar prima facie a existência de um efeito protector.


49 – Segundo referiu o próprio Governo demandado.


50 – Não resulta dos autos se, antes da primeira alteração introduzida em 1997, o método de cálculo do imposto especial de consumo do vinho e da cerveja era o mesmo.


51 – V. n.os 52 a 56, supra.


52 – V. n.os 63 a 73, supra.


53 – V. acórdão Comissão/França, processo 168/78, já referido.


54 – Neste sentido, v. acórdão de 12 de Julho de 1983, Comissão/Reino Unido, já referido (n.° 27).