Language of document : ECLI:EU:C:2009:257

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de Abril de 2009 (*)

«Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Competências especiais – Artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), segundo travessão – Conceito de ‘prestação de serviços’ – Concessão de direitos de propriedade intelectual»

No processo C‑533/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 13 de Novembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Novembro de 2007, no processo

Falco Privatstiftung,

Thomas Rabitsch

contra

Gisela Weller‑Lindhorst,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, T. von Danwitz, E. Juhász, G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Novembro de 2008,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Falco Privatstiftung e de T. Rabitsch, por M. Walter, Rechtsanwalt,

–        em representação de G. Weller‑Lindhorst, por T. Wallentin, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por J. Kemper e M. Lumma, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por C. Gibbs, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 27 de Janeiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2        Esse pedido foi apresentado num âmbito de um litígio que opõe a Falco Privatstiftung, fundação com sede em Viena (Áustria), e T. Rabitsch, residente em Viena (Áustria), a G. Weller‑Lindhorst, residente em Munique (Alemanha), relativo, por um lado, ao cumprimento de um contrato em virtude do qual os recorrentes no processo principal autorizaram a recorrida no processo principal a comercializar, na Áustria, na Alemanha e na Suíça, gravações vídeo de um concerto e, por outro, à comercialização, efectuada sem base contratual, de gravações áudio desse concerto.

 Quadro jurídico

 Convenção de Bruxelas

3        Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»):

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

1)      Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deva ser cumprida; […]»

 Regulamento n.° 44/2001

4        O segundo considerando do Regulamento n.° 44/2001 enuncia:

«Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo […] regulamento.»

5        Nos termos do décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001:

«As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. […]»

6        O décimo segundo considerando do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:

«O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

7        O décimo nono considerando do Regulamento n.° 44/2001 prevê:

«Para assegurar a continuidade entre a Convenção de Bruxelas e o […] regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deve ser assegurada no que diz respeito à interpretação das disposições da Convenção de Bruxelas pelo Tribunal de Justiça […]»

8        As regras de competência introduzidas pelo Regulamento n.° 44/2001 figuram no seu capítulo II, constituído pelos artigos 2.° a 31.°

9        O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que faz parte da secção 1, intitulada «Disposições gerais» do referido capítulo II, enuncia:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

10      O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que figura na mesma secção, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

11      Nos termos do artigo 5.° do Regulamento n.° 44/2001, que figura na secção 2, intitulada «Competências especiais», do capítulo II desse regulamento:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1.      a)     Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)      Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

–        no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

–        no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)      Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

[…]

3.      Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Resulta da decisão de reenvio que os recorrentes no processo principal pedem o pagamento de uma contrapartida financeira com base no montante, que é em parte conhecido, das vendas de gravações vídeo de um concerto. Pedem igualmente que a recorrida no processo principal seja condenada a calcular o montante total das vendas de gravações vídeo e áudio realizadas e a pagar a contrapartida financeira suplementar correspondente. Como fundamento dos seus pedidos, os recorrentes no processo principal invocam, no que respeita à venda de gravações vídeo, as estipulações do contrato que as ligam à sua co‑contratante e, no que respeita à venda de gravações áudio, a violação dos direitos de autor, uma vez que desprovida de base contratual.

13      Em primeira instância, o Handelsgericht Wien, tribunal onde os recorrentes no processo principal propuseram a acção, declarou‑se competente para conhecer dos pedidos dos recorrentes, em aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. Considerou que, tendo em conta a relação estreita entre os direitos invocados, a sua competência abrangia igualmente as contrapartidas financeiras relativas às gravações vídeo devidas em aplicação do contrato em causa, o que foi contestado pela recorrida no processo principal.

14      Em sede de recurso, o Oberlandesgericht Wien considerou que o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 não era aplicável aos direitos de natureza contratual, como também não o era o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do mesmo regulamento, uma vez que o contrato em causa não era um contrato de prestação de serviços na acepção dessa disposição.

15      O Oberster Gerichtshof, chamado a pronunciar‑se em sede de recurso de «Revision» respeitante apenas aos pedidos relativos à difusão de gravações vídeo, observa que o conceito de «prestação de serviços» não é definido no âmbito do Regulamento n.° 44/2001. Referindo‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de livre prestação de serviços e a certas directivas em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») que privilegiam uma acepção ampla do conceito de serviços, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante o direito de exploração desse direito contra remuneração, deve ser qualificado de contrato relativo à «prestação de serviços», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001. Se for esse o caso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o lugar da prestação do referido serviço e sobre a questão de saber se o tribunal competente também pode decidir no que respeita às contrapartidas financeiras relativas à exploração dos direitos de autor em causa noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

16      Na hipótese de a competência judiciária não se basear no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, por força do disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, há que aplicar a regra enunciada no n.° 1, alínea a), do referido artigo 5.° Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, o lugar do cumprimento da obrigação em questão é determinante, em virtude do acórdão de 6 de Outubro de 1976, De Bloos (14/76, Colect., p. 605), e deve ser fixado em função do direito aplicável ao contrato em causa no processo principal, em aplicação do acórdão de 6 de Outubro de 1976, Industrie Tessili Italiana Como (12/76, Colect., p. 585).

17      Tendo em conta todas as considerações que precedem, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um contrato através do qual o titular de um direito de propriedade intelectual permite ao seu co‑contratante a exploração desse direito (contrato de licença) constitui um contrato de «prestação de serviços» na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento […] n.° 44/2001 […]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão:

a)      Os serviços consideram‑se prestados no local de um Estado‑Membro no qual a exploração do direito é permitida nos termos do contrato e onde, de facto, tem efectivamente lugar?

b)      Ou consideram‑se os serviços prestados no domicílio ou no local da sede do licenciante?

c)      Em caso de resposta afirmativa à [segunda] questão, [alínea a)], ou à [segunda] questão, [alínea b)], o tribunal competente pode também decidir relativamente à contrapartida [financeira] pela utilização da licença noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro?

3)      Em caso de resposta negativa à [primeira] questão ou à [segunda] questão, [alínea a)], [bem como à segunda questão, alínea b)]: a competência relativamente ao pagamento da contrapartida [financeira] pela utilização da licença, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Regulamento [n.° 44/2001], deve continuar a ser apreciada à luz dos princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da [Convenção de Bruxelas]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, é um contrato de prestação de serviços, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001.

19      Refira‑se, desde já, que a redacção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001 não permite, por si só, responder à questão submetida, uma vez que esta disposição não define o conceito de contrato de prestação de serviços.

20      Por conseguinte, há que interpretar o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001 à luz da génese, dos objectivos e da sistemática do referido regulamento (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Julho de 2006, Reisch Montage, C‑103/05, Colect., p. I‑6827, n.° 29; de 14 de Dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, Colect., p. I‑12041, n.os 16 e 22, e de 3 de Maio de 2007, Color Drack, C‑386/05, Colect., p. I‑3699, n.° 18).

21      A este respeito, resulta do segundo e do décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001 que este visa unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, por meio de regras de competência que apresentem um elevado grau de certeza jurídica.

22      O Regulamento n.° 44/2001 prossegue, assim, um objectivo de segurança jurídica que consiste em reforçar a protecção jurídica das pessoas estabelecidas na Comunidade Europeia, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele em que pode ser demandado (v. acórdãos, já referidos, Reisch Montage, n.os 24 e 25, e Color Drack, n.° 20).

23      As regras de competência estabelecidas pelo Regulamento n.° 44/2001 articulam‑se, com este fim, em torno do princípio de que em geral é competente o tribunal do domicílio do requerido, enunciado no seu artigo 2.° e completado por competências especiais (v. acórdãos, já referidos, Reisch Montage, n.° 22, e Color Drack, n.° 21).

24      Assim, a regra da competência do tribunal do domicílio do requerido é completada, no artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, por uma regra de competência especial em matéria contratual. Esta última regra, que responde a uma preocupação de proximidade, tem como fundamento a existência de um elemento de conexão estreito entre o contrato e o tribunal chamado a decidir do mesmo.

25      Em aplicação da referida regra, o requerido também pode ser demandado no tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida, presumindo‑se que este tribunal tem um elemento de conexão estreito com o contrato.

26      A fim de reforçar o objectivo primordial da segurança jurídica que rege as regras de competência que enuncia, o Regulamento n.° 44/2001 define autonomamente este critério de conexão no que respeita aos contratos de prestação de serviços.

27      Com efeito, por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001, o lugar de cumprimento da obrigação que serve de fundamento ao pedido é o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou deviam ter sido prestados.

28      É à luz destas considerações que há que determinar se um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, é um contrato de prestação de serviços, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001.

29      A este respeito, como alegam os Governos alemão, italiano e do Reino Unido nas observações que submeteram ao Tribunal de Justiça, o conceito de serviços implica, pelo menos, que a parte que os presta efectue uma actividade determinada em contrapartida de uma remuneração.

30      Ora, o contrato mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração não implica tal actividade.

31      Com efeito, mediante tal contrato, o titular do direito concedido obriga‑se unicamente, face ao seu co‑contratante, a não contestar a exploração desse direito por este último. Como a advogada‑geral sublinhou no n.° 58 das suas conclusões, o titular do direito de propriedade intelectual não efectua nenhuma prestação ao conceder a exploração desse direito, obrigando‑se unicamente a permitir que o seu co‑contratante explore livremente tal direito.

32      A este respeito, é indiferente que o co‑contratante do licenciante seja ou não obrigado a explorar o direito de propriedade intelectual concedido.

33      Esta análise não é susceptível de ser posta em causa por argumentos baseados na interpretação do conceito de «serviços» na acepção do artigo 50.° CE ou de outros instrumentos de direito comunitário derivado que não o Regulamento n.° 44/2001 ou ainda da economia e da sistemática do artigo 5.°, n.° 1, deste regulamento.

34      Em primeiro lugar, nenhum elemento baseado na economia ou na sistemática do Regulamento n.° 44/2001 exige que se interprete o conceito de «prestação de serviços» que figura no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do referido regulamento, à luz das soluções adoptadas pelo Tribunal de Justiça em matéria de livre prestação de serviços na acepção do artigo 50.° CE.

35      Se neste domínio se verificam nalguns casos interpretações amplas do conceito de serviços, esta abordagem é justificada pela preocupação de assegurar que o maior número possível de actividades económicas não pertencentes ao âmbito da livre circulação de mercadorias, de capitais ou de pessoas seja, ainda assim, abrangido pela aplicação do Tratado CE.

36      Ora, na sistemática do Regulamento n.° 44/2001, o facto de um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, não constituir um contrato de prestação de serviços, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, desse regulamento, não obsta a que esse contrato esteja submetido ao referido regulamento, nomeadamente às suas outras regras de competência judiciária.

37      A sistemática e a economia das regras de competência enunciadas pelo Regulamento n.° 44/2001 requerem, pelo contrário, uma interpretação restritiva das regras de competências especiais, entre as quais a que figura, em matéria contratual, no artigo 5.°, n.° 1, do referido regulamento, que derrogam o princípio geral da competência dos tribunais do domicílio do requerido.

38      Por motivos similares, tão‑pouco há que, em segundo lugar, interpretar o conceito de «prestação de serviços», que figura no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001, à luz da definição do conceito de «serviços» constante das directivas comunitárias em matéria de IVA.

39      Como a advogada‑geral salientou nos n.os 71 e 72 das suas conclusões, a definição deste último conceito formulada pelas directivas em matéria de IVA é uma definição negativa que, pela sua própria natureza, é necessariamente ampla, uma vez que o conceito de «prestação de serviços» é aí definido como qualquer operação que não constitua uma entrega de bens. Assim, essas directivas consideram operações tributáveis no interior do território da Comunidade apenas duas categorias de actividades económicas, a saber, a entrega de bens e a prestação de serviços.

40      Ora, no âmbito do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, não se tratando de um contrato de venda de mercadorias, a competência judiciária não é, por esse facto, determinada unicamente com base nas regras aplicáveis aos contratos de prestação de serviços. Com efeito, o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), desse regulamento é aplicável aos contratos que não são contratos de venda de mercadorias nem contratos de prestação de serviços, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do referido regulamento.

41      Por fim, em terceiro lugar, a análise segundo a qual um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, não é um contrato de prestação de serviços, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001, tão‑pouco pode ser posta em causa pela necessidade, avançada pela Comissão das Comunidades Europeias, de delimitar de forma ampla o âmbito de aplicação do referido artigo 5.°, n.° 1, alínea b), em relação ao mesmo artigo 5, n.° 1, alínea a).

42      Com efeito, há que recordar que resulta da sistemática do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 que o legislador comunitário adoptou regras de competência distintas para os contratos de venda de mercadorias e para os contratos de prestação de serviços, por um lado, e para qualquer outro tipo de contrato não especificamente abrangido pelo referido regulamento, por outro.

43      Ora, alargar o âmbito de aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001 equivaleria a contornar a intenção do legislador comunitário nesta matéria e afectaria o efeito útil do referido artigo 5.°, n.° 1, alíneas c) e a).

44      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, não é um contrato de prestação de serviços na acepção desta disposição.

 Quanto à segunda questão

45      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto à terceira questão

46      Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, para determinar, em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, o tribunal competente para conhecer de um pedido de pagamento da remuneração devida por força de um contrato mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito, devem continuar a ser tidos em conta os princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas.

47      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em especial, se há que interpretar o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 no sentido de que, por um lado, o conceito de «obrigação», que figura neste artigo, remete para a obrigação que decorre do contrato e cujo incumprimento é invocado para justificar a acção judicial e, por outro, o lugar onde essa obrigação foi ou deve ser cumprida deve ser determinado em conformidade com a lei que regula essa obrigação de acordo com as regras de conflito do tribunal chamado a decidir o litígio, como o Tribunal de Justiça já declarou a propósito do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas (v., respectivamente, no que respeita ao conceito de «obrigação» constante do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, acórdãos De Bloos, já referido, n.° 13; de 15 de Janeiro de 1987, Shenavai, 266/85, Colect., p. 239, n.° 9; de 29 de Junho de 1994, Custom Made Commercial, C‑288/92, Colect., p. I‑2913, n.° 23; de 5 de Outubro de 1999, Leathertex, C‑420/97, Colect., p. I‑6747, n.° 31, e de 19 de Fevereiro de 2002, Besix, C‑256/00, Colect., p. I‑1699, n.° 44, bem como, no que respeita ao lugar de cumprimento dessa obrigação na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, acórdãos Industrie Tessili Italiana Como, já referido, n.° 13; Custom Made Commercial, já referido, n.° 26; de 28 de Setembro de 1999, GIE Groupe Concorde e o., C‑440/97, Colect., p. I‑6307, n.° 32; Leathertex, já referido, n.° 33, e Besix, já referido, n.os 33 e 36).

48      A este respeito, há que observar que os termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 são rigorosamente idênticos aos do artigo 5.°, n.° 1, primeiro período, da Convenção de Bruxelas.

49      Neste ponto, o Regulamento n.° 44/2001 inspira‑se largamente na Convenção de Bruxelas, com a qual o legislador comunitário pretendeu assegurar uma verdadeira continuidade, como resulta do décimo nono considerando do referido regulamento.

50      Com efeito, o Regulamento n.° 44/2001 tem na realidade como objectivo actualizar a Convenção de Bruxelas, mas também conservar a sua estrutura e os seus princípios fundamentais e assegurar a sua continuidade.

51      Ora, na falta de qualquer motivo que imponha uma interpretação diferente, a exigência de coerência implica que ao artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 seja reconhecido um alcance idêntico ao da disposição correspondente da Convenção de Bruxelas, de modo a assegurar uma interpretação uniforme da Convenção de Bruxelas e do Regulamento n.° 44/2001 (v., neste sentido, acórdão de 1 de Outubro de 2002, Henkel, C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.° 49).

52      Como o Governo italiano invocou nas suas observações, as disposições da Convenção de Bruxelas que foram retomadas sem alterações no Regulamento n.° 44/2001 devem, pois, continuar a receber a mesma interpretação no âmbito do referido regulamento, tanto mais que este regulamento substituiu a Convenção de Bruxelas nas relações entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos Henkel, já referido, n.° 49, e de 8 de Maio de 2003, Gantner Electronic, C‑111/01, Colect., p. I‑4207, n.° 28).

53      Como salientado pelo Governo do Reino Unido nas suas observações, esta continuidade interpretativa é, além disso, conforme às exigências de segurança jurídica que impõem que não se ponha em causa jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça que o legislador comunitário entendeu não alterar.

54      A este respeito, e como sublinhado pela advogada‑geral nos n.os 94 e 95 das suas conclusões, resulta tanto dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 44/2001 como da estrutura do seu artigo 5.°, n.° 1, que foi apenas em relação aos contratos de venda de mercadorias e de prestação de serviços que o legislador comunitário pretendeu, por um lado, deixar de ter em conta a obrigação controvertida, atendo‑se à obrigação característica dos contratos, e, por outro, definir autonomamente o lugar de cumprimento enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual.

55      Consequentemente, há que considerar que o legislador comunitário pretendeu, no âmbito do Regulamento n.° 44/2001, preservar, em relação a todos os contratos que não sejam contratos de venda de mercadorias e de prestação de serviços, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça no contexto da Convenção de Bruxelas no que respeita, designadamente, à obrigação a tomar em consideração e à determinação do seu lugar de cumprimento.

56      Portanto, ao artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 deve ser reconhecido um alcance idêntico ao do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas.

57      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à terceira questão que, para determinar, em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, o tribunal competente para conhecer de um pedido de pagamento da remuneração devida por força de um contrato mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito, devem continuar a ser tidos em conta os princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que um contrato, mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, não é um contrato de prestação de serviços na acepção dessa disposição.

2)      Para determinar, em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, o tribunal competente para conhecer de um pedido de pagamento da remuneração devida por força de um contrato mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co‑contratante a faculdade de explorar tal direito, devem continuar a ser tidos em conta os princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conforme alterada pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.