ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

15 de março de 2012 (*)

«Direitos de autor e direitos conexos na sociedade da informação — Aplicabilidade direta, no ordenamento jurídico da União, da Convenção de Roma, do Acordo TRIPS e do WPPT — Diretiva 92/100/CE — Artigo 8.°, n.° 2 — Diretiva 2001/29/CE — Conceito de ‘comunicação ao público’ — Comunicação ao público de fonogramas difundidos pela rádio no consultório de um dentista»

No processo C‑135/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Corte d’appello di Torino (Itália), por decisão de 10 de fevereiro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de março de 2010, no processo

Società Consortile Fonografici (SCF)

contra

Marco Del Corso,

sendo interveniente:

Procuratore generale della Repubblica,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský (relator), E. Juhász, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de abril de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Società Consortile Fonografici (SCF), por L. Ubertazzi, F. Pocar e B. Ubertazzi, avvocati,

–        em representação de Marco Del Corso, por R. Longhin, A. Tigani Sava, L. Bontempi e V. Vaccaro, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Fitzsimons e J. Jeffers, barristers,

–        em representação do Governo grego, por G. Papadaki, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por J. Gstalter, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e S. La Pergola, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de junho de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61), e do artigo 3.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Società Consortile Fonografici (a seguir «SCF») a M. Del Corso, doutor em cirurgia dentária, a propósito da radiodifusão, no seu consultório dentário privado, de fonogramas objeto de proteção.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O Acordo sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (a seguir «Acordo TRIPS»), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), inclui uma parte II, sob a epígrafe «Normas relativas à existência, âmbito e exercício dos direitos de propriedade intelectual». Dessa parte consta o artigo 14.°, n.os 1, 2 e 6, do referido acordo, que prevê:

«1.      No que diz respeito à fixação da sua execução num fonograma, os artistas intérpretes ou executantes terão a possibilidade de impedir a realização, sem o seu consentimento, dos seguintes atos: a fixação da sua execução não fixada e a reprodução dessa fixação. Os artistas intérpretes ou executantes terão igualmente a possibilidade de impedir a realização, sem o seu consentimento, dos seguintes atos: a radiodifusão por meio de ondas radioelétricas e a comunicação ao público das suas execuções ao vivo.

2.      Os produtores de fonogramas gozarão do direito de autorizar ou proibir a reprodução direta ou indireta dos seus fonogramas.

[…]

6.      Os membros podem, relativamente aos direitos conferidos ao abrigo dos n.os 1, 2 e 3, prever condições, limitações, exceções e reservas na medida autorizada pela Convenção [Internacional para a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão, aprovada em Roma, em 26 de outubro de 1961 (a seguir «Convenção de Roma»)]. No entanto, as disposições do artigo 18.° da Convenção de Berna (1971) aplicar‑se‑ão igualmente, mutatis mutandis, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas sobre os fonogramas.»

4        A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou, em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre prestações e fonogramas (a seguir «WPPT») e o Tratado da OMPI sobre direito de autor (a seguir «WCT»). Estes dois tratados foram aprovados, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6).

5        O artigo 1.° do WPPT tem a seguinte redação:

«1.      Nenhuma das disposições do presente tratado poderá constituir uma derrogação das obrigações que vinculem as partes contratantes entre si ao abrigo da [Convenção de Roma].

2.      A proteção concedida ao abrigo do presente tratado deixa intacta e não afeta de modo algum a proteção conferida pelo direito de autor sobre obras literárias e artísticas. Consequentemente, nenhuma disposição do presente tratado pode ser interpretada em prejuízo dessa proteção.

3.      O presente tratado não se articula de forma alguma com quaisquer outros tratados, nem prejudica eventuais direitos e obrigações deles decorrentes.»

6        Nos termos do artigo 2.°, alínea b), do WPPT, para efeitos desse tratado, entende‑se por «fonograma» «a fixação dos sons de uma prestação ou de outros sons, ou de uma representação de sons, com exceção da fixação incorporada numa obra cinematográfica ou outra obra audiovisual».

7        O artigo 2.°, alínea d), do WPPT dispõe que se deve entender por «produtor de fonograma» «a pessoa singular ou coletiva que toma a iniciativa e é responsável pela primeira fixação dos sons de uma prestação ou de outros sons, ou de representações de sons».

8        O artigo 2.°, alínea g), estipula que se entende por «comunicação ao público» de uma prestação ou de um fonograma «[…] a difusão ao público por qualquer meio, com exceção da emissão de radiodifusão, de sons de uma prestação, ou dos sons ou das representações de sons fixados num fonograma. Para efeitos do disposto no artigo 15.°, a ‘comunicação ao público’ inclui a operação de tornar os sons ou representações de sons fixados num fonograma audíveis para o público».

9        Sob a epígrafe «Direito de colocação à disposição de prestações fixadas», o artigo 10.° do WPPT dispõe:

«Os artistas intérpretes ou executantes gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público das suas prestações fixadas em fonogramas, por fios ou sem fios, por forma a torná‑las acessíveis a membros do público a partir do local e no momento por eles escolhido individualmente.»

10      O artigo 14.° do WPPT, sob a epígrafe «Direito de colocação à disposição de fonogramas», prevê:

«Os produtores de fonogramas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público dos seus fonogramas, por fios ou sem fios, por forma a torná‑los acessíveis a membros do público a partir do local e no momento por eles escolhido individualmente.»

11      O artigo 15.° do WPPT, sob a epígrafe «Direito a remuneração pela radiodifusão e comunicação ao público», tem a seguinte redação:

«1.      Os artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas gozam do direito a uma remuneração equitativa e única pela utilização direta ou indireta de fonogramas publicados com fins comerciais para radiodifusão ou para qualquer comunicação ao público.

2.      As partes contratantes podem determinar na sua legislação nacional que a remuneração equitativa e única seja reclamada ao utilizador pelo artista intérprete ou executante ou pelo produtor de um fonograma, ou por ambos. As partes contratantes podem adotar legislação nacional que, na falta de acordo entre o artista intérprete ou executante e o produtor de um fonograma, determine as condições de repartição da remuneração equitativa e única entre os artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas.

3.      Qualquer parte contratante pode declarar, por notificação depositada junto do diretor‑geral da OMPI, que aplicará o disposto no n.° 1 unicamente em relação a certas utilizações, ou que limitará a sua aplicação de qualquer outro modo, ou que pura e simplesmente não aplicará essas disposições.

4.      Para efeitos do disposto no presente artigo, considerar‑se‑ão os fonogramas colocados à disposição do público, por fios ou sem fios, por forma a torná‑los acessíveis a membros do público a partir do local e no momento por eles escolhido individualmente, como tendo sido publicados com fins comerciais.»

12      Nos termos do artigo 23.°, n.° 1, do WPPT:

«As partes contratantes comprometem‑se a adotar, em conformidade com as respetivas ordens jurídicas, as medidas necessárias para assegurar a aplicação do presente tratado.»

13      O artigo 8.° do WCT, sob a epígrafe «Direito de comunicação ao público», dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 1, alínea ii), do artigo 11.°, no n.° 1, alíneas i) e ii), do artigo 11.°bis, no n.° 1, alínea ii), do artigo 11.°ter, no n.° 1, alínea ii), do artigo 14.° e no n.° 1 do artigo 14.°bis da Convenção de Berna, os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar qualquer comunicação ao público das suas obras, por fios ou sem fios, incluindo a colocação das suas obras à disposição do público, por forma a torná‑las acessíveis a membros do público a partir do local e no momento por eles escolhido individualmente.»

14      A União Europeia não é parte na Convenção de Roma, ao contrário de todos os Estados‑Membros da União, com exceção da República de Malta.

15      Nos termos do artigo 12.° da Convenção de Roma, relativo às utilizações secundárias de fonogramas:

«Quando um fonograma publicado com fins comerciais ou uma reprodução desse fonograma forem utilizados diretamente pela radiodifusão ou para qualquer comunicação ao público, o utilizador pagará uma remuneração equitativa e única aos artistas intérpretes ou executantes ou aos produtores de fonogramas ou aos dois. [...]»

 Direito da União

16      O último considerando da Decisão 94/800 tem a seguinte redação:

«Considerando que, pela sua natureza, o Acordo que institui a [OMC] e seus anexos não pode ser invocado diretamente nos tribunais da Comunidade e dos Estados‑Membros,»

17      A Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 376, p. 28), que entrou em vigor em 16 de janeiro de 2007, codificou e revogou a Diretiva 92/100.

18      Porém, atendendo à data dos factos do processo principal, este continua a ser regido pela Diretiva 92/100.

19      O sétimo considerando da Diretiva 92/100 tem a seguinte redação:

«Considerando que o trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige uma remuneração adequada na perspetiva da continuação desse trabalho criativo e artístico; que os investimentos exigidos em especial para a produção de fonogramas e filmes são especialmente elevados e arriscados; que o pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser assegurados efetivamente através de uma proteção legal adequada dos titulares envolvidos;»

20      O décimo considerando dessa diretiva dispõe:

«Considerando que a legislação dos Estados‑Membros deve ser aproximada de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direitos de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros;»

21      O artigo 8.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 92/100 dispõe:

«2.      Os Estados‑Membros deverão prever um direito tendente a garantir o pagamento de uma remuneração equitativa e única pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioelétricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público, bem como garantir a partilha de tal remuneração pelos artistas intérpretes ou executantes e pelos produtores dos fonogramas assim utilizados. Na falta de acordo entre os artistas intérpretes ou executantes e os produtores dos fonogramas, os Estados‑Membros poderão determinar as condições em que deverá ser por eles repartida a referida remuneração.

3.      Os Estados‑Membros deverão prever que as organizações de radiodifusão usufruam do direito exclusivo de permitir ou proibir a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas, bem como a comunicação ao público das mesmas, caso essa comunicação seja realizada em locais abertos ao público com entrada paga.»

22      O artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2006/115 enuncia:

«Os Estados‑Membros devem prever um direito que garanta, não só o pagamento de uma remuneração equitativa única pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioelétricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público, mas também a partilha de tal remuneração pelos artistas intérpretes ou executantes e pelos produtores dos fonogramas assim utilizados. Na falta de acordo entre os artistas intérpretes ou executantes e os produtores dos fonogramas, os Estados‑Membros podem determinar em que termos é por eles repartida a referida remuneração.»

23      O décimo quinto e vigésimo quinto considerandos da Diretiva 2001/29 têm a seguinte redação:

«(15) A Conferência Diplomática realizada sob os auspícios da [OMPI], em dezembro de 1996, conduziu à aprovação de dois novos tratados, o [WCT] e o [WPPT] […]. A presente diretiva destina‑se também a dar execução a algumas destas novas obrigações internacionais.

[…]

(25)      A insegurança jurídica quanto à natureza e ao nível de proteção dos atos de transmissão a pedido, através de redes, de obras protegidas pelo direito de autor ou de material protegido pelos direitos conexos deve ser ultrapassada através da adoção de uma proteção harmonizada a nível comunitário. Deve ficar claro que todos os titulares dos direitos reconhecidos pela diretiva têm o direito exclusivo de colocar à disposição do público obras ou qualquer outro material protegido no âmbito das transmissões interativas a pedido. Tais transmissões interativas a pedido caracterizam‑se pelo facto de qualquer pessoa poder aceder‑lhes a partir do local e no momento por ela escolhido.»

24      O artigo 3.° da Diretiva 2001/29 dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2.      Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

a)      Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

b)      Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

c)      Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes; e

d)      Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

 Direito nacional

25      O artigo 72.° da Lei n.° 633, relativa à proteção dos direitos de autor e de outros direitos ligados ao seu exercício (legge n° 633 recante protezione del diritto d’autore e di altri diritti connessi al suo esercizio), de 22 de abril de 1941 (Gazzetta ufficiale n.° 166, de 16 de julho de 1941), conforme substituída pelo artigo 11.° do Decreto Legislativo n.° 68, que transpõe a Diretiva 2001/29/CE sobre a harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (decreto legislativo n° 68, attuazione della direttiva 2001/29/CE sull’armonizzazione di taluni aspetti del diritto d’autore e dei diritti connessi nella società dell’informazione), de 9 de abril de 2003 (suplemento ordinário ao GURI n.° 87, de 14 de abril 2003), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «Lei de 1941»), dispõe:

«Sem prejuízo dos direitos conferidos ao autor nos termos do título I, o produtor de fonogramas goza do direito exclusivo, pelo período e nas condições previstas nos artigos seguintes:

a)      de autorizar a reprodução direta ou indireta, temporária ou permanente, dos seus fonogramas, por qualquer meio e sob qualquer forma, no todo ou em parte e seja qual for o método de duplicação;

b)      de autorizar a distribuição de exemplares dos seus fonogramas. O direito exclusivo de distribuição só se esgota no território da Comunidade Europeia quando a primeira venda do suporte que contém o fonograma seja realizada pelo produtor num Estado‑Membro ou com o seu consentimento;

c)      de autorizar o aluguer e o comodato de exemplares dos seus fonogramas. Este direito não se esgota com a venda ou distribuição, sob qualquer forma, dos exemplares;

d)      de autorizar a colocação à disposição do público dos seus fonogramas, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhido. Este direito não se esgota com qualquer ato de colocação à disposição do público.»

26      O artigo 73.°, n.° 1, da Lei de 1941, conforme substituído pelo artigo 12.° do Decreto Legislativo n.° 68, já referido, esclarece:

«O produtor de fonogramas e os artistas intérpretes ou executantes que tenham realizado a interpretação ou execução fixada ou reproduzida nos fonogramas, independentemente dos direitos de distribuição, aluguer e comodato que lhes são conferidos, têm direito a uma remuneração pela utilização com fins lucrativos dos fonogramas através de cinematografia, da difusão radiofónica e televisiva, incluindo a comunicação ao público via satélite, nos eventos públicos com dança, nos estabelecimentos públicos e por ocasião de qualquer outra utilização pública dos fonogramas. O exercício deste direito cabe ao produtor, o qual divide a remuneração com os artistas intérpretes ou executantes interessados.»

27      O artigo 73.°bis da Lei de 1941, aditado pelo artigo 9.° do Decreto Legislativo n.° 685 (decreto legislativo n° 685, attuazione della direttiva 92/100/CEE concernente il diritto di noleggio, il diritto di prestito e taluni diritti connessi al diritto d’autore in materia di proprieta intellettuale), de 16 de novembro de 1994 (GURI n.° 293, de 16 de dezembro de 1994), dispõe:

«1.      Os artistas intérpretes ou executantes e o produtor dos fonogramas utilizados têm direito a uma remuneração equitativa, mesmo quando a utilização prevista no artigo 73.° é efetuada sem fins lucrativos.

2.      Salvo acordo em contrário entre as partes, essa remuneração é determinada, cobrada e repartida segundo o disposto no regulamento [de aplicação da Lei de 1941].»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

28      A SCF desenvolve, em Itália e fora do território italiano, a atividade de «collecting», enquanto mandatária para a gestão, a cobrança e a distribuição dos direitos dos produtores de fonogramas seus associados.

29      No exercício da sua atividade de mandatária, a SCF encetara negociações com a Associação dos Dentistas Italianos (Associazione Nazionale Dentisti Italiani), com vista à celebração de um acordo coletivo sobre a fixação do montante de uma remuneração equitativa, na aceção dos artigos 73.° ou 73.°bis da Lei de 1941, para qualquer «comunicação ao público» de fonogramas, incluindo a efetuada nos consultórios dos profissionais liberais.

30      Como essas negociações fracassaram, a SCF propôs, no Tribunale di Torino, uma ação contra M. del Corso — citado em 16 de junho de 2006 –, em que pedia ao tribunal que declarasse que este difundia como música ambiente, no seu consultório privado de dentista, sito em Turim, fonogramas protegidos e que essa difusão, na medida em que constituía uma «comunicação ao público», na aceção da Lei de 1941, do direito internacional e do direito da União, estava sujeita ao pagamento de uma remuneração equitativa.

31      Em sua defesa, M. Del Corso alegou, nomeadamente, que, no seu consultório, a música era radiodifundida e que a SCF só podia invocar os direitos de autor caso tivesse sido utilizado o suporte no qual o fonograma estava fixado, ao passo que a remuneração pela audição da radiodifusão não era devida pelo ouvinte, mas sim pelo organismo de radiodifusão de emissões radiofónicas ou televisivas. Com efeito, a Lei de 1941 distingue expressamente entre a remuneração devida por um disco e a devida pela utilização de um aparelho de rádio.

32      Em todo o caso, M. del Corso invocou a inaplicabilidade, no caso vertente, dos artigos 73.° e 73.°bis da Lei de 1941. Com efeito, esses artigos dizem respeito, segundo afirma, às comunicações ao público efetuadas em locais públicos e quando de qualquer outra utilização pública de fonogramas. Ora, um consultório de dentista privado não pode ser qualificado de local público, diversamente das instalações dos serviços de saúde pública.

33      Por sentença de 20 de março de 2008, alterada por despacho de 16 de maio do mesmo ano, o Tribunale di Torino julgou improcedente o pedido da SCF, por considerar que, no caso concreto, estava excluída uma comunicação com fins lucrativos, que o género de música difundida no consultório de dentista não tinha influência na escolha do dentista pelo paciente e que a situação não se enquadrava nas previstas no artigo 73.°bis da Lei de 1941, uma vez que o consultório de dentista era privado e, por isso, não era equiparável a um lugar público ou aberto ao público, na medida em que os pacientes não formavam um público indiferenciado, mas sim eram individualizados e normalmente acediam a esse consultório mediante marcação prévia ou, em todo o caso, com o consentimento do cirurgião dentista.

34      A SCF recorreu desta sentença para a Corte d’appello di Torino.

35      Por considerar que havia dúvidas sobre a questão de saber se a difusão de fonogramas nos consultórios dos profissionais liberais, como consultórios dos dentistas, entrava no conceito de «comunicação ao público», na aceção das normas internacionais e da União, a Corte d’appello di Torino decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Convenção de Roma […], o Acordo TRIPS […] e o Tratado [WPPT] são imediatamente aplicáveis no ordenamento comunitário?

2)      As referidas fontes de direito internacional uniforme são também imediatamente vinculativas nas relações privadas?

3)      As noções de ‘comunicação ao público’ constantes dos referidos textos de direito internacional coincidem com as comunitárias, constantes das Diretivas [92/100] e [2001/29] e, em caso de resposta negativa, que fonte deve prevalecer?

4)      A difusão gratuita de fonogramas em consultórios particulares de odontologia, nos quais é exercida uma profissão liberal, destinada aos clientes e por estes fruída independentemente de um ato da sua vontade, constitui ‘comunicação ao público’ ou ‘colocação à disposição do público’, para efeitos de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva [2001/29]?

5)      Essa difusão dá direito ao recebimento de uma remuneração destinada aos produtores fonográficos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às três primeiras questões

36      Com as suas três primeiras questões prejudiciais, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, antes de mais, se a Convenção de Roma, o Acordo TRIPS e o WPPT são imediatamente aplicáveis no ordenamento jurídico da União e se os particulares podem invocá‑los diretamente. Em seguida, pretende saber se o conceito de «comunicação ao público» constante dessas convenções internacionais coincide com o constante das Diretivas 92/100 e 2001/29 e, em caso de resposta negativa, que fonte de direito deve prevalecer.

37      Em primeiro lugar, no que respeita à questão de saber se a Convenção de Roma, o Acordo TRIPS e o WPPT são imediatamente aplicáveis no ordenamento jurídico da União, recorde‑se desde já que, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, «[o]s acordos celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros».

38      O Acordo TRIPS e o WPPT foram assinados pela União e aprovados, respetivamente, pelas Decisões 94/800 e 2000/278. Consequentemente, esse acordo e esse tratado vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros.

39      Além disso, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, as disposições das convenções internacionais celebradas pela União fazem parte integrante do seu ordenamento jurídico (acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, Colet., p. 251, n.° 5; de 30 de setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colet., p. 3719, n.° 7; e de 22 de outubro de 2009, Bogiatzi, C‑301/08, Colet., p. I‑10185, n.° 23), pelo que são aplicáveis na União.

40      É o que sucede com os Acordos TRIPS e WPPT.

41      No que respeita à Convenção de Roma, importa salientar, por um lado, que a União não é parte contratante nela e, por outro, que não se pode considerar que substituiu os seus Estados‑Membros no domínio de aplicação desta Convenção, quanto mais não seja pelo facto de nem todos serem parte na referida Convenção (v., por analogia, acórdão de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer, C‑188/07, Colet., p. I‑4501, n.° 85).

42      Consequentemente, as disposições da Convenção de Roma não fazem parte do ordenamento jurídico da União.

43      Em segundo lugar, no que respeita à questão da possibilidade de os particulares invocarem diretamente as disposições do Acordo TRIPS e do WPPT, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não basta que aquelas façam parte do ordenamento jurídico da União. É ainda necessário que as mesmas se revelem, do ponto de vista do conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas e que a sua natureza e a sua sistemática não obstem a essa invocação (v., nesse sentido, acórdão Demirel, já referido, n.° 14; acórdãos de 16 de junho de 1998, Racke, C‑162/96, Colet., p. I‑3655, n.° 31, e de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colet., p. I‑403, n.° 39).

44      O primeiro requisito é cumprido quando as disposições invocadas contêm obrigações claras e precisas cuja execução ou cujos efeitos não estejam dependentes da prática de um ato posterior (v., nesse sentido, acórdãos de 15 de julho de 2004, Pêcheurs de l’étang de Berre, C‑213/03, Colet., p. I‑7357, n.° 39 e jurisprudência referida, e de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, Colet., p. I‑1255, n.° 44 e jurisprudência referida).

45      No que respeita ao Acordo TRIPS, recorde‑se que, segundo o último considerando da Decisão 94/800, o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio e seus anexos não pode ser invocado diretamente nos tribunais da União e dos Estados‑Membros.

46      Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que, tendo em conta a sua natureza e a sua sistemática, as disposições do Acordo TRIPS não têm efeito direto e não são suscetíveis de criar, para os particulares, direitos que estes possam invocar diretamente em juízo ao abrigo do direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 23 de novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colet., p. I‑8395, n.os 42 a 48; de 14 de dezembro de 2000, Dior e o., C‑300/98 e C‑392/98, Colet., p. I‑11307, n.° 44; e de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, Colet., p. I‑10989, n.° 54).

47      Quanto ao WPPT, há que salientar que, nos termos do seu artigo 23.°, n.° 1, as partes contratantes se comprometem a adotar, em conformidade com as respetivas ordens jurídicas, as medidas necessárias para assegurar a sua aplicação.

48      Daqui decorre que a aplicação das disposições do WPPT está dependente, quanto à sua execução ou aos seus efeitos, da prática de atos posteriores. Por isso, essas disposições não têm efeito direto no direito da União e não são suscetíveis de criar, para os particulares, direitos que estes possam invocar diretamente em juízo ao abrigo do direito da União.

49      Quanto à Convenção de Roma, recorde‑se que, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do WPPT, nenhuma das disposições deste poderá constituir uma derrogação das obrigações que vinculem as partes contratantes entre si ao abrigo da Convenção de Roma.

50      Daqui resulta que a União, embora não seja parte contratante na Convenção de Roma, é obrigada, por força do artigo 1.°, n.° 1, do WPPT, a não entravar as obrigações que para os Estados‑Membros decorrem dessa Convenção. Consequentemente, esta última Convenção produz efeitos indiretos na União.

51      No que respeita, em terceiro lugar, à questão das relações entre o conceito de «comunicação ao público» que consta, por um lado, do Acordo TRIPS, do WPPT e da Convenção de Roma, e, por outro, das Diretivas 92/100 e 2001/29, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os diplomas de direito comunitário devem ser interpretados, na medida do possível, à luz do direito internacional, em especial quando os referidos diplomas têm por objetivo, justamente, dar cumprimento a um acordo internacional celebrado pela União (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de julho de 1998, Bettati, C‑341/95, Colet., p. I‑4355, n.° 20, e de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, Colet., p. I‑11519, n.° 35).

52      A este respeito, é pacífico, como resulta do décimo quinto considerando da Diretiva 2001/29, que um dos objetivos prosseguidos por esta é o de dar execução a algumas das novas obrigações que incumbem à União por força do WCT e do WPPT, que, de acordo com o mesmo considerando, atualizam significativamente a proteção internacional do direito de autor e dos direitos conexos. Nestas condições, os conceitos constantes dessa diretiva devem ser interpretados, na medida do possível, à luz desses tratados (v., nesse sentido, acórdão de 17 de abril de 2008, Peek & Cloppenburg, C‑456/06, Colet., p. I‑2731, n.° 31).

53      Resulta, além disso, do décimo considerando da Diretiva 2001/29 que a legislação dos Estados‑Membros deve ser aproximada de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direitos de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros.

54      Uma vez que a referida diretiva visa harmonizar determinados aspetos no domínio da propriedade intelectual, com observância das convenções internacionais relevantes em matéria de direitos de autor e de direitos conexos, como, nomeadamente, a Convenção de Roma, o Acordo TRIPS e o WPPT, pressupõe‑se que aquela estabelece um conjunto de regras compatíveis com as constantes dessas convenções.

55      Decorre de todas estas considerações que os conceitos constantes das Diretivas 92/100 e 2001/29, como o de «comunicação ao público», devem ser interpretados à luz dos conceitos equivalentes constantes das referidas convenções internacionais e de modo a que continuem a ser compatíveis com estas últimas, tendo também em conta o contexto em que esses conceitos se inserem e a finalidade prosseguida pelas disposições convencionais relevantes em matéria de propriedade intelectual.

56      Atendendo às considerações que antecedem, há que responder à primeira e terceira questões que:

–        As disposições do Acordo TRIPS e do WPPT são aplicáveis no ordenamento jurídico da União;

–        A Convenção de Roma, porque não faz parte do ordenamento jurídico da União, não é aplicável nesta última, mas produz aí efeitos indiretos;

–        Os particulares não podem invocar diretamente a referida Convenção, nem o Acordo TRIPS, nem tão‑pouco o WPPT;

–        O conceito de «comunicação ao público» deve ser interpretado à luz dos conceitos equivalentes constantes da Convenção de Roma, do Acordo TRIPS e do WPPT e de modo a que continue a ser compatível com as referidas convenções, tendo também em conta o contexto em que esses conceitos se inserem e a finalidade prosseguida pelas disposições convencionais relevantes em matéria de propriedade intelectual.

 Quanto à quarta e quinta questões

 Observações preliminares

57      Com as suas quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a difusão gratuita de fonogramas, efetuada num consultório de dentista, no âmbito do exercício de uma profissão liberal, em benefício dos clientes, que dela fruem independentemente da sua vontade, constitui uma «comunicação ao público» ou uma «colocação à disposição do público», na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, e se essa difusão dá direito ao recebimento de uma remuneração para os produtores fonográficos.

58      A este respeito, note‑se, desde já, que o órgão jurisdicional de reenvio refere, no enunciado das ditas questões, o artigo 3.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, relativo ao direito exclusivo dos produtores de fonogramas de autorizar ou proibir a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, dos seus fonogramas, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

59      Como resulta da exposição de motivos da proposta de Diretiva 2001/29 [COM (1997) 628], corroborada pelo vigésimo quinto considerando dessa diretiva, a colocação à disposição do público, na aceção da referida disposição, visa as «transmissões interativas a pedido», que se caraterizam pelo facto de qualquer pessoa lhes poder aceder a partir do local e no momento por ela escolhido.

60      Ora, resulta da decisão de reenvio que, no processo principal, só está em causa a radiodifusão de música num consultório de dentista, destinada aos clientes que nele se encontram, e não a transmissão interativa a pedido.

61      No entanto, resulta da jurisprudência que, para dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram submetidas (acórdãos de 4 de maio de 2006, Haug, C‑286/05, Colet., p. I‑4121, n.° 17, e de 11 de março de 2008, Jager, C‑420/06, Colet., p. I‑1315, n.° 46).

62      Além disso, com vista a dar ao órgão jurisdicional nacional essa resposta útil, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União às quais o órgão jurisdicional de reenvio não tenha feito referência no enunciado das suas questões prejudiciais (acórdãos de 26 de junho de 2008, Wiedemann e Funk, C‑329/06 e C‑343/06, Colet., p. I‑4635, n.° 45, e de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, Colet., p. I‑11979, n.° 36).

63      A este respeito, importa notar que o artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100 visa garantir o pagamento de uma remuneração equitativa aos artistas intérpretes ou executantes e aos produtores dos fonogramas pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioelétricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público.

64      Nestes termos, há que entender a quarta e quinta questões no sentido de que se pretende saber, no essencial, se o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, deve ser interpretado no sentido de que cobre a difusão gratuita de fonogramas num consultório de dentista, no âmbito do exercício de uma profissão liberal, em benefício dos clientes, que dela fruem independentemente da sua vontade, e se essa difusão dá direito ao recebimento de uma remuneração para os produtores de fonogramas.

 Quanto à admissibilidade

65      M. del Corso entende que a quarta e quinta questões são inadmissíveis, uma vez que nunca reconheceu que, por meio do seu aparelho de radiodifusão, difundia, no seu consultório, para os seus pacientes, fonogramas protegidos, tanto mais que essa difusão de modo algum era efetuada em troca do pagamento, por aqueles, de um bilhete de entrada.

66      A este respeito, importa recordar que não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional nacional, apurar os factos que deram origem ao litígio no processo principal e tirar as respetivas consequências para a decisão que tem de proferir (v. acórdãos de 16 de setembro de 1999, WWF e o., C‑435/97, Colet. p. I‑5613, n.° 32, e de 11 de novembro de 2010, Danosa, C‑232/09, Colet., p. I‑11405, n.° 33).

67      Com efeito, no âmbito da repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais, em princípio, é da competência do órgão jurisdicional nacional verificar se estão reunidas as condições factuais para a aplicação de uma norma da União no processo aí pendente, podendo o Tribunal de Justiça, em sede de decisão prejudicial e se for caso disso, fornecer precisões destinadas a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (v., neste sentido, acórdão de 4 de julho de 2000, Haim, C‑424/97, Colet., p. I‑5123, n.° 58, e de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C‑22/08 e C‑23/08, Colet., p. I‑4585, n.° 23).

68      No caso vertente, como resulta da decisão de reenvio, a quarta e quinta questões assentam na premissa factual de que M. del Corso difundia para os seus pacientes obras protegidas.

69      Por conseguinte, há que julgar admissíveis estas questões e analisá‑las no quadro factual definido pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto ao mérito da causa

70      Quanto ao conceito de «comunicação ao público», note‑se desde já que esse conceito consta não só do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, disposição que é relevante no processo principal, mas também do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 e, designadamente, dos artigos 12.° da Convenção de Roma, 15.° do WPPT e 14.°, n.° 1, do Acordo TRIPS.

71      Como resulta do n.° 55 do presente acórdão, o conceito de «comunicação ao público» deve ser interpretado à luz dos conceitos equivalentes constantes da Convenção de Roma, do Acordo TRIPS e do WPPT e de modo a que continuem a ser compatíveis com estas convenções, tendo também em conta o contexto em que esses conceitos se inserem e a finalidade prosseguida pelas disposições das referidas convenções.

72      Importa recordar que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido. Esta disposição inspira‑se no artigo 8.° do WCT, que reproduz quase textualmente.

73      O artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100 impõe aos Estados‑Membros que prevejam um direito destinado a garantir o pagamento de uma remuneração equitativa e única pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioelétricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público, bem como garantir a partilha de tal remuneração pelos artistas intérpretes ou executantes e pelos produtores dos fonogramas assim utilizados. Esta disposição inspira‑se no artigo 12.° da Convenção de Roma, de que constitui também uma reprodução quase literal (v. acórdão de 6 de fevereiro de 2003, SENA, C‑245/00, Colet., p. I‑1251, n.° 35).

74      Resulta da comparação dos artigos 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 e 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100 que o conceito de «comunicação ao público» constante dessas disposições é utilizado em contextos que não são idênticos e tem em vista finalidades que, embora semelhantes, são parcialmente divergentes.

75      Com efeito, os autores têm, por força do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, um direito de natureza preventiva que lhes permite interpor‑se entre eventuais utilizadores da sua obra e a comunicação ao público que esses utilizadores podem pretender fazer, para proibir essa comunicação. Ao invés, os artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas beneficiam, por força do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, de um direito de natureza compensatória, que não é suscetível de ser exercido antes de um fonograma publicado para fins comerciais, ou uma reprodução desse fonograma, ser ou ter já sido utilizado para uma comunicação ao público por um utilizador.

76      Daqui resulta, no que respeita mais especificamente ao artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, por um lado, que essa disposição implica uma apreciação individualizada do conceito de comunicação ao público. O mesmo acontece com a identidade do utilizador e a questão da utilização do fonograma em causa.

77      Por outro lado, como o artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100 é exercido no caso de utilização da obra, verifica‑se, pois, que o direito a que essa disposição se refere é de natureza essencialmente económica.

78      Assim, para analisar se um utilizador pratica um ato de comunicação ao público, na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, importa, em consonância com a abordagem individualizada referida no n.° 76 do presente acórdão, apreciar a situação de um utilizador preciso, como a do conjunto de pessoas às quais aquele comunica os fonogramas protegidos.

79      Para efeitos da referida apreciação, importa ter em conta vários critérios complementares, de natureza não autónoma e interdependentes entre si. Consequentemente, há que os aplicar individualmente assim como na sua interação recíproca, sendo certo que, em diferentes situações concretas, podem estar presentes com uma intensidade muito variável.

80      É deste modo que incumbe ao órgão jurisdicional nacional proceder a uma apreciação global da situação dada.

81      A este respeito, importa observar que o Tribunal de Justiça já desenvolveu determinados critérios, no contexto algo diferente do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29.

82      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça já sublinhou o papel incontornável do utilizador. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu, quanto ao operador de um estabelecimento hoteleiro e de um café‑restaurante, que esse operador efetua um ato de comunicação, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, ao intervir, com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento, para dar aos seus clientes acesso a uma emissão radiodifundida que contém a obra protegida. Com efeito, se esta intervenção não se verificasse, estes clientes, embora se encontrem fisicamente no interior da zona de cobertura da referida emissão, não poderiam, em princípio, desfrutar da obra difundida (v., nesse sentido, acórdãos SGAE, já referido, n.° 42, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 195).

83      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça precisou determinados elementos inerentes ao conceito de público.

84      A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu que o «público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, por outro lado, um número de pessoas bastante importante (v., neste sentido, acórdãos de 2 de junho de 2005, Mediakabel, C‑89/04, Colet., p. I‑4891, n.° 30; de 14 de julho de 2005, Lagardère Active Broadcast, C‑192/04, Colet., p. I‑7199, n.° 31; e acórdão SGAE, já referido, n.os 37 e 38).

85      No que respeita, em primeiro lugar, ao caráter «indeterminado» do público, importa salientar que, de acordo com a definição do conceito de «transmissão pública (comunicação pública)» dada pelo glossário da OMPI que, sem ser vinculativa, contribui, no entanto, para a interpretação do conceito de público, trata‑se de «tornar uma obra […] percetível, de modo adequado, às pessoas em geral, por oposição a pessoas específicas pertencentes a um grupo privado».

86      Em seguida, quanto ao critério relativo a um «número de pessoas bastante importante», este visa indicar que o conceito de público inclui um certo limiar de minimis, excluindo deste conceito um conjunto de pessoas demasiado pequeno ou mesmo insignificante.

87      Para determinar este número, o Tribunal de Justiça teve em conta efeitos cumulativos que resultam da disponibilização das obras aos potenciais destinatários (v. acórdão SGAE, já referido, n.° 39). A este respeito, não só é relevante saber quantas pessoas têm acesso à mesma obra, paralelamente, mas também quantas delas têm, sucessivamente, acesso à mesma.

88      Em terceiro lugar, no n.° 204 do acórdão Football Association Premier League e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que o caráter lucrativo de uma comunicação ao público, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/100, não é irrelevante.

89      Daqui resulta que o mesmo deve valer, por maioria de razão, perante o direito a uma remuneração equitativa, conforme previsto no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, atendendo à natureza essencialmente económica desse direito.

90      Mais concretamente, o Tribunal de Justiça já decidiu que a intervenção efetuada pelo operador de um estabelecimento hoteleiro, destinada a dar aos seus clientes acesso a uma obra radiodifundida, deve ser considerada uma prestação de serviço suplementar realizada com o fim de dela retirar um determinado benefício, na medida em que a oferta desse serviço tem influência na categoria do seu estabelecimento e, portanto, no preço dos quartos. De igual modo, o Tribunal de Justiça decidiu que a transmissão de obras radiodifundidas pelo operador de um café‑restaurante é efetuada com o objetivo e é suscetível de se repercutir na frequência do estabelecimento e, finalmente, nos resultados económicos do mesmo (v., nesse sentido, acórdãos, já referidos, SGAE, n.° 44, e Football Association Premier League e o., n.° 205).

91      Subentende‑se, assim, segundo o Tribunal de Justiça, que o público objeto da comunicação é, por um lado, alvo do utilizador e, por outro, recetivo, de uma maneira ou de outra, à sua comunicação, e não «captado» por acaso.

92      É à luz, nomeadamente, destes critérios que importa apreciar se, num caso como o que está em causa no processo principal, um dentista que difunde fonogramas na presença dos seus pacientes, como música ambiente, pratica um ato de comunicação ao público, na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100.

93      Embora, em princípio, caiba aos órgãos jurisdicionais nacionais, como se indicou no n.° 80 do presente acórdão, determinar se é isso que sucede num caso concreto e proceder, a esse respeito, a todas as apreciações factuais definitivas, verifica‑se, contudo, que, no tocante ao processo principal, o Tribunal dispõe de todos os elementos necessários para apreciar se existe esse ato de comunicação ao público.

94      Deve salientar‑se, antes de mais, que, tal como sucedeu nos processos que deram origem aos acórdãos SGAE e Football Association Premier League e o., já referidos, os pacientes de um dentista, embora se encontrem no interior da zona de cobertura do sinal portador dos fonogramas, só podem desfrutar destes graças à intervenção deliberada do dentista. Por isso, há que considerar que esse dentista intervém deliberadamente na difusão desses fonogramas.

95      Em seguida, quanto aos clientes de um dentista como o que está em causa no processo principal, importa referir que estes formam, em regra, um conjunto de pessoas cuja composição está largamente estabilizada e que constituem por isso um conjunto determinado de destinatários potenciais, uma vez que as outras pessoas não têm, em princípio, acesso aos tratamentos desse dentista. Consequentemente, não se trata de «pessoas em geral», ao contrário da definição dada no n.° 85 do presente acórdão.

96      Por outro lado, no que respeita, em conformidade com o n.° 84 do presente acórdão, à importância do número de pessoas para as quais o dentista tornou audível o mesmo fonograma, importa salientar que, no tocante aos clientes de um dentista, essa pluralidade de pessoas é pouco importante, ou mesmo insignificante, dado que o círculo de pessoas presentes simultaneamente no seu consultório é, em geral, muito limitado. Além disso, embora os clientes se sucedam, não é menos verdade que esses clientes, que estão presentes um de cada vez, regra geral não são destinatários dos mesmos fonogramas, nomeadamente dos radiodifundidos.

97      Por último, é incontestável que, numa situação como a do processo principal, um dentista que difunde fonogramas na presença dos seus pacientes, como música ambiente, não pode razoavelmente esperar um aumento da clientela, só por causa dessa difusão, nem aumentar os preços dos tratamentos que presta. Por isso, essa difusão não é suscetível, per se, de ter repercussões nos rendimentos desse dentista.

98      Com efeito, os clientes de um dentista deslocam‑se a um consultório de dentista com o único objetivo de serem tratados, não sendo a difusão de fonogramas minimamente inerente à prática de tratamentos dentários. É fortuita e independentemente da sua vontade que beneficiam do acesso a determinados fonogramas, em função do momento da sua chegada ao consultório, do tempo de espera e da natureza do tratamento que lhes é prestado. Nestas condições, não se pode presumir que a clientela normal de um dentista seja recetiva à difusão em questão.

99      Consequentemente, essa difusão não pode ter caráter lucrativo, ao contrário do critério enunciado no n.° 90 do presente acórdão.

100    Decorre de todas as considerações que antecedem que um dentista como o em causa no processo principal, que difunde gratuitamente fonogramas no seu consultório, em benefício dos seus clientes, que deles fruem independentemente da sua vontade, não efetua uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100.

101    Daqui se conclui que o requisito estabelecido no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100 para que uma remuneração equitativa seja paga pelo utilizador, a saber, que este efetue uma «comunicação ao público» na aceção desta disposição, não é cumprido numa situação como a do processo principal.

102    Nestas condições, há que responder à quarta e quinta questões que o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, deve ser interpretado no sentido de que não cobre a difusão gratuita de fonogramas num consultório de dentista como o em causa no processo principal, no âmbito do exercício de uma profissão liberal, em benefício da clientela, que dela frui independentemente da sua vontade. Por conseguinte, essa difusão não dá direito ao recebimento de uma remuneração para os produtores de fonogramas.

 Quanto às despesas

103    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      As disposições do Acordo sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994), e do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre prestações e fonogramas, de 20 de dezembro de 1996, são aplicáveis no ordenamento jurídico da União.

A Convenção Internacional para a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão, aprovada em Roma, em 26 de outubro de 1961, porque não faz parte do ordenamento jurídico da União, não é aplicável nesta última, mas produz aí efeitos indiretos.

Os particulares não podem invocar diretamente a referida Convenção, nem o referido acordo, nem tão‑pouco o tratado supramencionado.

O conceito de «comunicação ao público» constante da Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, e da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado à luz dos conceitos equivalentes constantes da mesma Convenção, do referido acordo e do tratado supramencionado e de modo a que continue a ser compatível com estes últimos, tendo também em conta o contexto em que esses conceitos se inserem e a finalidade prosseguida pelas disposições convencionais relevantes em matéria de propriedade intelectual.

2)      O conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/100, deve ser interpretado no sentido de que não cobre a difusão gratuita de fonogramas num consultório de dentista como o em causa no processo principal, no âmbito do exercício de uma profissão liberal, em benefício da clientela, que dela frui independentemente da sua vontade. Por conseguinte, essa difusão não dá direito ao recebimento de uma remuneração para os produtores de fonogramas.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.