ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

3 de abril de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores — Artigo 1.o, n.o 2 — Âmbito de aplicação da diretiva — Cláusula que atribui a competência territorial ao órgão jurisdicional determinado em aplicação das regras gerais — Artigo 6.o, n.o 1 — Fiscalização oficiosa do caráter abusivo — Artigo 7.o, n.o 1 — Obrigações e poderes do juiz nacional»

No processo C‑266/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań, Polónia), por decisão de 11 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de abril de 2018, no processo

Aqua Med sp. z o.o.

contra

Irena Skóra,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Aqua Med sp. z o.o., por T. Babecki, radca prawny,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Ruiz García, M. Wilderspin e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), e o Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Aqua Med sp. z o.o. a Irena Skóra a propósito da competência territorial dos órgãos jurisdicionais nacionais para conhecer da ação destinada a obter o pagamento do preço de venda, intentada pelo profissional contra o consumidor.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/13

3        O décimo terceiro e vigésimo quarto considerandos da Diretiva 93/13 enunciam:

«Considerando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados‑Membros que estabelecem, direta ou indiretamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente diretiva as cláusulas que refletem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas bem como os princípios ou as disposições de convenções internacionais de que são parte os Estados‑Membros da Comunidade; que, neste contexto, a expressão “disposições legislativas ou regulamentares imperativas” que consta do n.o 2 do artigo 1.o abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições;

[…]

Considerando que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

4        O artigo 1.o desta diretiva prevê:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

2.      As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas […].»

5        O artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6        O artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva está redigido nos seguintes termos:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

 Regulamento (UE) n.o 1215/2012

7        O artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), prevê:

«A outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

 Direito polaco

8        O artigo 27.o do Kodeks postępowania cywilnego (Código de Processo Civil), que consta da secção 1, intitulada «Competência geral», do capítulo 2 deste código, dispõe:

«1.      A ação deve ser intentada no tribunal de primeira instância em cuja circunscrição se situa o domicílio do demandado.

2.      O domicílio é determinado segundo as disposições do Kodeks cywilny [Código Civil].»

9        O artigo 31.o do Código de Processo Civil, que faz parte da secção 2, intitulada «Competência alternativa», do capítulo 2 deste código, prevê:

«Uma ação abrangida pelas disposições da presente secção pode ser intentada nos termos das disposições em matéria de competência geral ou no tribunal designado segundo as disposições que se seguem.»

10      Na mesma secção 2, o artigo 34.o do referido código tem a seguinte redação:

«As ações relativas à celebração de um contrato, à determinação do seu conteúdo, à alteração do contrato ou à demonstração da existência do mesmo, à sua execução, à sua rescisão ou à sua anulação, bem como as ações de indemnização por não execução ou incorreta execução de um contrato, podem ser intentadas no tribunal do lugar de execução. Em caso de dúvida, o lugar de execução do contrato deve ser confirmado mediante documento comprovativo.»

11      O artigo 200.o do Código de Processo Civil prevê que um tribunal que se declare incompetente remeterá o processo ao tribunal competente.

12      Nos termos do artigo 202.o do referido código:

«A incompetência do tribunal, que pode ser suscitada com base no contrato celebrado entre as partes, só é tida em conta pelo tribunal em caso de exceção invocada pelo demandado, apresentada e devidamente fundamentada, antes de responder às acusações relativas ao mérito da causa. O tribunal não aprecia oficiosamente essa incompetência antes de a ação ter sido intentada. Salvo disposição especial em contrário, as circunstâncias que justificam a inadmissibilidade da ação, bem como os vícios quanto ao tipo de processo, a falta de mandato adequado do representante, a falta de capacidade judiciária do demandado, a falta na composição dos seus órgãos ou a inação do seu representante legal, podem ser examinadas oficiosamente pelo tribunal em qualquer fase do processo.»

13      A Diretiva 93/13 foi transposta para o direito polaco no Código Civil. O artigo 3853, n.o 23, deste código dispõe que são consideradas cláusulas abusivas, nomeadamente, as cláusulas que excluem a competência dos órgãos jurisdicionais polacos ou que atribuem competência a um tribunal arbitral situado na Polónia ou noutro Estado ou a uma outra autoridade, bem como as cláusulas que exigem o recurso a um órgão jurisdicional que, de acordo com a lei polaca, não é territorialmente competente.

14      O artigo 454.o do Código Civil enuncia:

«1.      Se o local da prestação não estiver definido nem resultar das características da obrigação, a prestação deve ser efetuada no local em que o devedor tinha o seu domicílio ou sede no momento em que surgiu a obrigação. No entanto, as prestações pecuniárias devem ser cumpridas no local do domicílio ou sede do credor no momento do cumprimento da prestação; se o credor tiver alterado o seu domicílio ou sede após a obrigação ter surgido, suportará o excedente dos custos de transferência gerados por essa alteração.

2.      Se a obrigação disser respeito à empresa do devedor ou do credor, é a sede da empresa que determina o local do cumprimento da obrigação.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A Aqua Med é um profissional com sede em Opalenica (Polónia). Em 29 de outubro de 2016, celebrou um contrato de compra e venda fora do estabelecimento comercial com Irena Skóra, a consumidora, residente em Legnica (Polónia), que tem por objeto um colchão, uma capa de colchão e uma almofada pelo preço de 1992 zlótis polacos (PLN) (cerca de 465 euros).

16      Segundo a cláusula que figura no capítulo 9, ponto 4, das condições gerais, que fazem parte integrante do referido contrato de compra e venda, «[o] tribunal competente para dirimir litígios entre as partes será o tribunal competente segundo as disposições em vigor».

17      Não tendo recebido, no prazo acordado, o preço de venda, a Aqua Med intentou uma ação, no Sąd Rejonowy w Nowym Tomyślu (Tribunal de Primeira Instância de Nowy Tomyśl, Polónia), em cuja circunscrição tem a sua sede. Considera que o litígio em causa é da competência territorial desse tribunal nos termos do artigo 34.o do Código de Processo Civil, segundo o qual a ação que tem por objeto a execução de um contrato é intentada no tribunal do lugar de execução. Segundo a Aqua Med, o pagamento devia, por força do artigo 454.o do Código Civil, ser efetuado por transferência para a sua conta bancária, na sua sede.

18      Por Despacho de 18 de outubro de 2017, o Sąd Rejonowy w Nowym Tomyślu (Tribunal de Primeira Instância de Nowy Tomyśl) declarou‑se incompetente e remeteu o processo ao tribunal de primeira instância em cuja circunscrição se situa o domicílio da demandada. Este primeiro tribunal considerou que, uma vez que se trata de um contrato entre um profissional e um consumidor, era necessário aplicar não apenas o direito nacional mas também o direito da União em matéria de proteção do consumidor, designadamente o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial o Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350), do qual resulta que os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de examinar oficiosamente as cláusulas abusivas nos contratos celebrados por profissionais com consumidores, incluindo as cláusulas relativas à competência jurisdicional.

19      Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional considerou que o artigo 202.o do Código de Processo Civil, que não permite o exame oficioso da competência pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, torna na prática impossível ou excessivamente difícil a aplicação da proteção jurídica concedida ao consumidor pelo direito da União.

20      Por força deste exame oficioso, o Sąd Rejonowy w Nowym Tomyślu (Tribunal de Primeira Instância de Nowy Tomyśl) examinou a sua própria competência territorial e considerou abusiva a cláusula contratual que permite a aplicação de uma disposição nacional segundo a qual o profissional pode intentar uma ação contra um consumidor no órgão jurisdicional em cuja circunscrição se situa a sede desse profissional.

21      Por conseguinte, o Sąd Rejonowy w Nowym Tomyślu (Tribunal de Primeira Instância de Nowy Tomyśl) rejeitou a cláusula contratual em causa e aplicou uma disposição legislativa, ou seja, o artigo 27.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, que rege a competência jurisdicional geral, pelo que o tribunal em cuja circunscrição se situa o local de residência da demandada é territorialmente competente.

22      A Aqua Med interpôs recurso do despacho do tribunal de primeira instância perante o Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań, Polónia), invocando uma violação da legislação nacional e uma aplicação incorreta do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13.

23      Esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à aplicação da Diretiva 93/13 pelo facto de a cláusula contratual em questão remeter para disposições nacionais aplicáveis independentemente da existência daquela. Um exame oficioso da sua competência territorial pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se equivaleria, no caso em apreço, à avaliação crítica da legislação nacional no que diz respeito à determinação desta competência em litígios relacionados com contratos de consumo. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o direito da União atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais esse poder e se o mesmo resulta das disposições da Diretiva 93/13. Em caso de resposta afirmativa, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio afastar a lei nacional, considerada contrária às disposições do direito da União segundo a jurisprudência resultante do Acórdão de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49), e aplicar a regra mais favorável ao consumidor, no caso em apreço, a regra geral que confere competência ao órgão jurisdicional em cuja circunscrição se situa o domicílio do demandado.

24      Em apoio destas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, segundo o qual os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do consumidor são os únicos competentes em caso de ação intentada contra o consumidor pela outra parte no contrato.

25      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a inclusão de uma cláusula de atribuição de competência como a que está em causa num contrato celebrado com um profissional por um consumidor pode induzir este último em erro, na medida em que é suscetível de lhe sugerir erradamente que essa cláusula lhe é favorável.

26      Nestas condições, o Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o exame oficioso, pelo órgão jurisdicional nacional, das cláusulas do contrato celebrado com o consumidor, relativas à determinação do órgão jurisdicional competente para apreciar um litígio, efetuado nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […] e da jurisprudência do Tribunal de Justiça […] (Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, EU:C:2009:350), incluir também as cláusulas do contrato que efetivamente regem a questão da competência para dirimir um litígio entre as partes, mas que ao fazê‑lo se limitam a remeter para a legislação nacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o exame efetuado pelo órgão jurisdicional conduzir à aplicação das regras de competência por forma a garantir ao consumidor a proteção que lhe confere a Diretiva 93/13, e, por conseguinte, a possibilidade de o processo ser apreciado pelo tribunal mais próximo do seu local de residência ou de estadia permanente?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

27      A título preliminar, importa recordar que, nos n.os 22 e 23 do Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350), o Tribunal de Justiça declarou que o sistema de proteção implementado pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, tendo em conta tal situação de inferioridade, a Diretiva 93/13 obriga os Estados‑Membros a preverem um mecanismo que garanta que qualquer cláusula contratual que não tenha sido negociada individualmente possa ser fiscalizada para apreciar o seu caráter eventualmente abusivo (Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria, C‑70/17, EU:C:2019:250, n.o 50). Neste contexto, o objetivo prosseguido pelo artigo 6.o desta diretiva não poderia ser atingido se os consumidores se vissem na obrigação de suscitar eles mesmos a questão do caráter abusivo de uma cláusula contratual e só se poderia garantir uma proteção efetiva dos consumidores se ao órgão jurisdicional nacional fosse reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma tal cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.o 26).

28      No entanto, esse exame oficioso pelo juiz nacional só pode ser exigido se se tratar de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, conforme definido no seu artigo 1.o Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, as disposições da mesma não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas.

29      Em conformidade com o décimo terceiro considerando da mesma diretiva, a expressão «disposições legislativas ou regulamentares imperativas» que consta do n.o 2 do artigo 1.o da Diretiva 93/13 abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições.

30      Por conseguinte, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que está excluída do âmbito de aplicação desta diretiva uma cláusula contratual, como a que está em causa no processo principal, que efetua, no que diz respeito à determinação da competência jurisdicional para dirimir os litígios entre as partes no contrato, uma remissão para o direito nacional aplicável.

31      A este respeito, importa recordar que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, que abrange as cláusulas contratuais que refletem disposições legislativas ou regulamentares imperativas, institui uma exclusão do âmbito de aplicação desta diretiva, sujeita, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a duas condições. Por um lado, a cláusula contratual deve refletir uma disposição legislativa ou regulamentar e, por outro, essa disposição deve ser imperativa (Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring, C‑51/17, EU:C:2018:750, n.o 52 e jurisprudência referida).

32      Embora a verificação da reunião dessas condições seja da competência do juiz nacional em cada caso concreto, cabe ao Tribunal de Justiça definir os critérios que lhe permitam decidir (v., por analogia, Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, Nagyszénás Településszolgáltatási Nonprofit Kft., C‑182/17, EU:C:2018:91, n.o 34 e jurisprudência referida).

33      Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a exclusão do âmbito de aplicação dessa diretiva, prevista no artigo 1.o, n.o 2, da mesma, abrange as normas do direito nacional aplicáveis às partes do contrato independentemente da sua escolha e as que são aplicáveis supletivamente, isto é, na falta de um acordo das partes a esse respeito. Essa exclusão é justificada pelo facto de ser legítimo presumir que o legislador nacional quis estabelecer um equilíbrio entre os direitos e obrigações das partes em certos contratos, equilíbrio que o legislador da União entendeu expressamente manter (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 43).

34      Além disso, o Tribunal de Justiça também declarou que um órgão jurisdicional nacional deve considerar o facto de que, tendo em conta em especial o objetivo da referida diretiva, ou seja, a proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas inseridas nos contratos celebrados com estes últimos por profissionais, a exceção instituída pelo artigo 1.o, n.o 2, da mesma diretiva é de interpretação estrita (Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring, C‑51/17, EU:C:2018:750, n.o 54 e jurisprudência referida).

35      No caso em apreço, resulta das constatações do órgão jurisdicional de reenvio que a cláusula do contrato em causa no processo principal está redigida em termos muito gerais, de tal forma que, por um lado, pode questionar‑se a sua utilidade, uma vez que remete para as disposições nacionais, que, como precisa esse órgão jurisdicional, se aplicam independentemente da existência dessa cláusula. Por outro lado, a referida cláusula não reflete, em rigor, uma disposição nacional específica, uma vez que as disposições nacionais para as quais remete preveem um conjunto de normas que regulam o método de determinação da competência jurisdicional, podendo o profissional escolher a que lhe é mais favorável.

36      Embora a cláusula em causa no processo principal remeta para a legislação nacional, a presunção de que o legislador nacional quis estabelecer um equilíbrio entre os direitos e obrigações das partes em certos contratos não pode justificar uma exclusão dessa cláusula do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Com efeito, nesse caso, trata‑se de apreciar a formulação da referida cláusula contratual e os seus efeitos nas expectativas do consumidor.

37      Tendo em conta a interpretação estrita da exceção prevista no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, resulta do que precede que não se pode entender que uma cláusula como a que está em causa no processo principal repercute uma disposição nacional.

38      Resulta do que precede que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não está excluída do âmbito de aplicação desta diretiva uma cláusula contratual, como a que está em causa no processo principal, que efetua uma remissão geral para o direito nacional aplicável, no que diz respeito à determinação da competência jurisdicional para dirimir os litígios entre as partes no contrato.

 Quanto à segunda questão

39      Embora a segunda questão não se refira especificamente à interpretação de um determinado texto do direito da União, é jurisprudência constante que cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as disposições de direito da União que necessitam de uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Surgicare, C‑662/13, EU:C:2015:89, n.o 17 e jurisprudência referida).

40      No presente caso, dado que as questões do Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań) têm como objetivo determinar o nível de proteção de que beneficiam os consumidores e os meios de recurso jurisdicional de que dispõem, importa incluir o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 entre os instrumentos do direito da União que aquele órgão jurisdicional pede ao Tribunal de Justiça que interprete (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2014, Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 45).

41      Por conseguinte, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais, para as quais remete uma cláusula do contrato, que permitem ao profissional optar, em caso de uma alegada não execução de um contrato pelo consumidor, entre o órgão jurisdicional competente do local de residência do demandado e o do lugar de execução do contrato.

42      Segundo o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o vigésimo quarto considerando da mesma, os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

43      Na sua jurisprudência constante, e como foi recordado no n.o 27 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça salientou a natureza e a importância do interesse público constituído pela proteção dos consumidores, que se encontram numa situação de inferioridade face aos profissionais (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 40 e jurisprudência referida).

44      No que diz respeito à competência territorial para conhecer de litígios entre um profissional e um consumidor, há que constatar que a Diretiva 93/13 não contém uma disposição expressa que determine o órgão jurisdicional competente.

45      Embora o artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio neste contexto, disponha que o órgão jurisdicional internacionalmente competente para conhecer da ação intentada contra o consumidor pela outra parte no contrato é o do Estado‑Membro do domicílio do consumidor, esta disposição não é aplicável num processo como o processo principal, que se caracteriza pela inexistência de indícios de uma situação transfronteiriça (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, C‑413/12, EU:C:2013:800, n.os 46 e 47).

46      Assim sendo, e como salienta a Comissão Europeia nas suas observações escritas, há que assegurar uma proteção efetiva dos direitos que são conferidos ao consumidor pela Diretiva 93/13.

47      Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, em várias ocasiões e tendo em conta os requisitos do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, o modo pelo qual os tribunais nacionais devem garantir a proteção dos direitos que os consumidores retiram desta diretiva, também é verdade que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis à análise do caráter alegadamente abusivo de uma cláusula contratual, e que, por conseguinte, estes se integram no ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros, desde que, contudo, não sejam menos favoráveis do que os procedimentos que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e prevejam uma tutela jurisdicional efetiva, conforme prevista no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 57 e jurisprudência referida).

48      No que se refere ao princípio da equivalência, importa salientar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que suscite dúvidas quanto à conformidade da legislação nacional em causa no processo principal com este princípio.

49      No tocante ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva, importa recordar que esta deve ser assegurada tanto no plano da designação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de ações baseadas no direito da União como no plano da definição das regras processuais relativas a tais ações (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 59 e jurisprudência referida).

50      O órgão jurisdicional nacional deve, neste contexto, apreciar se a disposição processual nacional garante o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e proceder a esta apreciação tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades perante as várias instâncias nacionais.

51      Por conseguinte, numa situação como a que está em causa no processo principal, importa verificar em que medida as disposições do direito nacional relativas à competência jurisdicional reduzem excessivamente o direito dos consumidores a uma tutela jurisdicional efetiva ou o exercício dos direitos que lhes são conferidos pela Diretiva 93/13.

52      Em princípio, uma disposição nacional que prevê, de forma alternativa, a competência do órgão jurisdicional do lugar de execução de um contrato de consumo não é, por si só, suscetível de implicar uma restrição excessiva do direito do consumidor a uma tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, essa competência não exclui a possibilidade de o consumidor participar no processo instaurado contra si e invocar os direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13. Além disso, qualquer órgão jurisdicional deve examinar oficiosamente o caráter abusivo das cláusulas contratuais de um contrato entre um profissional e um consumidor e tomar as medidas necessárias para garantir a proteção do consumidor contra as cláusulas abusivas.

53      No entanto, entre os meios adequados e eficazes que garantam aos consumidores o direito a uma tutela jurisdicional efetiva deve figurar a possibilidade de intervir no âmbito de uma ação intentada contra si por um profissional, em condições processuais aceitáveis, de tal modo que o exercício dos seus direitos não esteja sujeito a condições, nomeadamente de prazos e de custos, que restrinjam o exercício dos direitos garantidos pela Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 63 e jurisprudência referida).

54      Com efeito, as modalidades processuais que implicam custos demasiado elevados para o consumidor podem ter como consequência dissuadi‑lo de intervir, de forma útil, na defesa dos seus direitos no órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se pelo profissional. Poderia ter sido esse o caso se o recurso a um órgão jurisdicional muito afastado do domicílio do consumidor implicar para este custos de transporte demasiado elevados, suscetíveis de o dissuadir de comparecer no processo instaurado contra ele (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Baczó e Vizsnyiczai, C‑567/13, EU:C:2015:88, n.os 49 a 59).

55      Incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar se é esse o caso no processo principal.

56      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a regras processuais, para as quais remete uma cláusula do contrato, que permitem ao profissional optar, em caso de uma alegada não execução de um contrato pelo consumidor, entre o órgão jurisdicional competente do local de domicílio do demandado e o do lugar de execução do contrato, a não ser que a escolha do lugar de execução do contrato implique para o consumidor condições processuais suscetíveis de restringir excessivamente o direito a uma tutela jurisdicional efetiva que lhe é conferida pela ordem jurídica da União, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que não está excluída do âmbito de aplicação desta diretiva uma cláusula contratual, como a que está em causa no processo principal, que efetua uma remissão geral para o direito nacional aplicável, no que diz respeito à determinação da competência jurisdicional para dirimir os litígios entre as partes no contrato.

2)      O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a regras processuais, para as quais remete uma cláusula do contrato, que permitem ao profissional optar, em caso de uma alegada não execução de um contrato pelo consumidor, entre o órgão jurisdicional competente do local de domicílio do demandado e o do lugar de execução do contrato, a não ser que a escolha do lugar de execução do contrato implique para o consumidor condições processuais suscetíveis de restringir excessivamente o direito a uma tutela jurisdicional efetiva que lhe é conferida pela ordem jurídica da União, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.