ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

20 de Outubro de 2011 (*)

«Recursos de decisões do Tribunal Geral – Pedidos de registo de marcas comunitárias que representam uma garrafa esmerilada branca e uma garrafa esmerilada negra mate – Recusa de registo – Falta de carácter distintivo»

Nos processos apensos C‑344/10 P e C‑345/10 P,

que têm por objecto recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 7 de Julho de 2010,

Freixenet SA, com sede em Sant Sadurní d’Anoia (Espanha), representada por F. de Visscher, E. Cornu e D. Moreau, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis (relator) e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Maio de 2011,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar as causas sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus recursos, a Freixenet SA (a seguir «Freixenet») pede a anulação dos acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de Abril de 2010, Freixenet/IHMI (Garrafa esmerilada branca) (T‑109/08, a seguir «acórdão T‑109/08»), e Freixenet/IHMI (Garrafa esmerilada negra mate) (T‑110/08, a seguir «acórdão T‑110/08») (a seguir, em conjunto, «acórdãos recorridos»), que negaram provimento aos seus recursos interpostos, respectivamente, das decisões da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 30 de Outubro de 2007 (processo R 97/2001‑1) e de 20 de Novembro de 2007 (processo R 104/2001‑1), a respeito de pedidos de registo de sinais que representam uma garrafa esmerilada branca e uma garrafa esmerilada negra mate como marcas comunitárias (a seguir «decisões controvertidas»).

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de Abril de 2009. No entanto, tendo em conta a data em que os factos ocorreram, os presentes litígios regem‑se pelo Regulamento n.° 40/94.

3        Em conformidade com o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo às marcas desprovidas de carácter distintivo.

4        Por força do artigo 7.°, n.° 3, deste regulamento, o motivo absoluto de recusa previsto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do dito regulamento não se opõe ao registo de uma marca se esta, na sequência da utilização, tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos para os quais foi pedido o registo.

5        O artigo 38.°, n.° 3, do mesmo regulamento prevê que o pedido só pode ser recusado depois de ter sido dada ao requerente a possibilidade de o retirar ou modificar, ou de apresentar as suas observações.

6        O artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94 dispõe:

«As decisões do [IHMI] serão fundamentadas. Essas decisões só se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se.»

 Factos na origem dos litígios

7        Em 1 de Abril de 1996, a Freixenet apresentou ao IHMI dois pedidos de registo de marcas comunitárias relativas às representações controvertidas. Nestes pedidos, a Freixenet indicava que as marcas cujo registo foi pedido se integravam na categoria «outra» e consistiam na forma de apresentação de um produto. No pedido que deu origem ao acórdão T‑109/08, a Freixenet reivindicava a cor «dourado mate» e descreveu a marca como uma «garrafa esmerilada branca que, quando está cheia de vinho, assume uma aparência dourada mate como se estivesse gelada». No pedido que deu origem ao acórdão T‑110/08, a Freixenet reivindicava a cor «negro mate» e descrevia a marca como uma «garrafa esmerilada negra mate». Por outro lado, figurava em anexo aos referidos pedidos uma declaração na qual a Freixenet afirmava que «a marca não tinha por objecto obter a protecção privada e exclusiva da forma da garrafa, mas sim do aspecto específico da sua superfície».

8        Os produtos para os quais o registo foi pedido pertencem à classe 33 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição, a saber: «Vinhos espumantes».

9        Por decisões de 29 de Novembro de 2000, o examinador do IHMI rejeitou os pedidos de registo de marcas apresentados pelo facto de as marcas em causa serem desprovidas de carácter distintivo e as provas apresentadas pela Freixenet não permitirem concluir pela existência de um carácter distintivo das mesmas na sequência da utilização, na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

10      Por decisões de 11 de Fevereiro de 2004, tomadas nos processos R 97/2001‑4 e R 104/2001‑4, a Quarta Câmara de Recurso do IHMI negou provimento aos recursos interpostos pela Freixenet das decisões do referido examinador.

11      Nos acórdãos de 4 de Outubro de 2006, Freixenet/IHMI (Forma de uma garrafa esmerilada branca) (T‑190/04), e Freixenet/IHMI (Forma de uma garrafa esmerilada negra mate) (T‑188/04), o Tribunal Geral anulou estas decisões ao considerar que esta Câmara de Recurso tinha violado o artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94 e o princípio do respeito pelos direitos de defesa.

12      Por decisões de 12 de Dezembro de 2006, o Presidium das Câmaras de Recurso do IHMI reenviou os processos para a Primeira Câmara de Recurso.

13      Através de cartas de 18 de Junho de 2007, e tendo em conta que o Tribunal Geral censurou a Quarta Câmara de Recurso do IHMI de ter baseado as suas decisões em provas que não tinham sido previamente trazidas ao conhecimento da Freixenet, a Primeira Câmara de Recurso do IHMI forneceu a esta última ilustrações das garrafas que foram referidas nas decisões da Quarta Câmara de Recurso anuladas pelo Tribunal Geral assim como os endereços das hiperligações Internet referidas nas decisões do examinador de 29 de Novembro de 2000.

14      Por cartas de 9 de Agosto de 2007, a Freixenet apresentou as suas observações sobre as informações acima referidas.

15      Através das decisões controvertidas, a Primeira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento aos recursos que lhe foram submetidos.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdãos recorridos

16      Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de Fevereiro de 2008, a Freixenet interpôs dois recursos pedindo a anulação das decisões controvertidas e a declaração de que os pedidos de registo de marcas comunitárias relativos às representações controvertidas satisfazem as condições previstas para serem publicados em conformidade com o artigo 40.° do Regulamento n.° 40/94.

17      Em apoio destes recursos, a Freixenet invocou três fundamentos, baseados na violação, respectivamente, do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento e do artigo 7.°, n.° 3, do dito regulamento.

18      Através dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral rejeitou estes três fundamentos e negou provimento aos referidos recursos na sua totalidade.

19      Em particular, no que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, baseada na violação da obrigação de fundamentação referida na primeira frase do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 20 dos acórdãos recorridos, que a Câmara de Recurso não tinha de fazer referências precisas a elementos dos autos quando se referia de maneira expressa à experiência prática geralmente adquirida com a comercialização de produtos de largo consumo para concluir que as marcas cujo registo foi pedido eram desprovidas de carácter distintivo na acepção no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento. Portanto, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 21 desses acórdãos, esta primeira parte.

20      No âmbito da dita primeira parte, o Tribunal Geral salientou igualmente, nos n.os 22 dos acórdãos recorridos, que a Câmara de Recurso tinha alicerçado a sua tese, segundo a qual a experiência quotidiana confirma a ideia de que a verdadeira marca do vinho espumante é representada pelo rótulo, ao ter destacado que «as ilustrações referidas na decisão da Quarta Câmara de Recurso, enviadas à [Freixenet], e as que a [Freixenet] tinha ela própria conseguido encontrar no decurso das suas investigações, constituíam a melhor prova». O Tribunal Geral considerou, nos n.os 23 desses acórdãos, que todas estas ilustrações confirmavam a ideia segundo a qual a verdadeira marca do vinho espumante é representada pelo rótulo e não pela forma do seu acondicionamento, o que constituía a fundamentação avançada pela Câmara de Recurso para basear as decisões controvertidas.

21      No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do direito a ser ouvido referido na segunda frase do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 44 dos acórdãos recorridos, que, segundo a Primeira Câmara de Recurso do IHMI, o elemento essencial que permite ao consumidor relevante identificar a origem do produto é o rótulo aposto na garrafa de vinho espumante, mais do que a forma da garrafa ou o seu aspecto exterior. O Tribunal Geral precisou, nos n.os 45 desses acórdãos, que essa apreciação representava a posição final adoptada pelo IHMI e que a mesma não precisava, em princípio, de ser submetida para observações à Freixenet. Segundo o Tribunal Geral, a referida apreciação não assentava em elementos de facto recolhidos oficiosamente pela Câmara de Recurso, mas inseria‑se no prolongamento da argumentação invocada pelo examinador em 19 de Novembro de 1998, que informava a Freixenet que a marca cujo registo tinha sido pedido revestia o aspecto habitual de uma garrafa de vinho espumante e era por isso desprovida de qualquer carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento.

22      No âmbito desta segunda parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral salientou igualmente, nos n.os 46 dos referidos acórdãos, que as deduções feitas da experiência prática, ou seja, a importância do rótulo aposto num vinho espumante enquanto elemento que permite ao consumidor relevante determinar a origem do produto e a variedade das apresentações, podem ser consideradas do conhecimento geral e, nomeadamente, da Freixenet. Segundo o Tribunal Geral, estas deduções pertencem à categoria de factos notórios, cuja exactidão não tinha de ser estabelecida pelo IHMI. O Tribunal Geral salientou, por outro lado, que esta argumentação desenvolvida a título principal pela Câmara de Recurso nas decisões controvertidas se insere no contexto das discussões mantidas entre a Freixenet e o IHMI no que diz respeito aos elementos a tomar em conta para estabelecer o carácter distintivo das marcas cujo registo foi pedido.

23      Nos n.os 47 dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral indicou que a ideia segundo a qual o rótulo constitui o elemento de referência para o consumidor de vinho espumante, o qual não se baseia nos outros elementos, como a cor do vidro da garrafa ou o aspecto da sua superfície, constitui o elemento central do raciocínio do IHMI e é apenas uma constatação resultante da experiência prática. Tendo em conta que essa ideia não podia ser ignorada pela Freixenet, o Tribunal Geral considerou que esta estava portanto em perfeitas condições de refutar a ideia defendida pelo examinador, depois pela Primeira Câmara de Recurso do IHMI, para estabelecer a falta de carácter distintivo das marcas cujo registo foi pedido e podia assim alegar que não era o rótulo, mas o acondicionamento do vinho espumante, que era habitualmente tomado em consideração pelo consumidor relevante na escolha desse produto.

24      Por outro lado, ao verificar que a Freixenet tinha tido a oportunidade de apresentar as suas observações sobre as ilustrações das garrafas referidas nas decisões da Quarta Câmara de Recurso do IHMI, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 48 desses acórdãos, que esta não tinha portanto fundamento para invocar, a este respeito, a violação da segunda frase do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94.

25      O Tribunal Geral concluiu, nos n.os 49 dos acórdãos recorridos, que a Freixenet tinha sido ouvida em conformidade com a segunda frase do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, na medida em que pôde tomar posição sobre as razões pelas quais o IHMI pretendia rejeitar os pedidos de registo de marcas, porquanto estas não apresentariam o carácter distintivo necessário a este respeito. O Tribunal Geral considerou, em seguida, nos n.os 50 desses acórdãos, que a Freixenet alegava sem razão que a Câmara de Recurso tinha violado esta disposição ao não a convidar a apresentar as suas observações sobre factos notórios que não podia ignorar e que constituíam a posição final do IHMI ou sobre as referidas ilustrações das garrafas. Portanto, o Tribunal Geral rejeitou a segunda parte do primeiro fundamento.

26      Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal Geral salientou, nomeadamente, nos n.os 75 e 74, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que, no que respeita à apreciação propriamente dita do carácter distintivo das marcas cujo registo foi pedido, a Câmara de Recurso do IHMI tinha considerado que a cor e a matização do vidro da garrafa não podiam «funcionar como marca» para o vinho espumante. Por outro lado, o Tribunal Geral referiu, nos n.os 76 e 75, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que, neste contexto, a Freixenet alegava o carácter original destas marcas em 1 de Abril de 1996, o qual não foi contestado enquanto tal pela referida Câmara de Recurso nas decisões controvertidas. Segundo o Tribunal Geral, essa originalidade não bastaria todavia para estabelecer o carácter distintivo das referidas marcas no que diz respeito aos produtos em causa e ao público relevante.

27      Nos n.os 79 e 78, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, o Tribunal Geral considerou que as duas apreciações factuais da Câmara de Recurso do IHMI, não contestadas enquanto tal pela Freixenet e respeitantes, por um lado, ao facto de nenhuma garrafa ser vendida sem rótulo ou menção equivalente e, por outro lado, ao facto de a própria Freixenet utilizar a marca FREIXENET nas garrafas para as quais pedia o registo enquanto marcas, permitiriam confirmar a ideia retirada da experiência prática, segundo a qual a cor e a matização do vidro da garrafa não poderiam «funcionar como marca» para o vinho espumante no que diz respeito ao público relevante.

28      No âmbito deste segundo fundamento, o Tribunal Geral recordou, por outro lado, nos n.os 81 e 80, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que o aspecto original das marcas cujo registo foi pedido não foi contestado. O que foi contestado dizia respeito ao facto de a grande maioria dos consumidores não reconhecer o aspecto das garrafas como um elemento útil para determinar a origem do vinho espumante em causa, preferindo o rótulo.

29      Por outro lado, nos n.os 82 e 81, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, o Tribunal Geral considerou que, relativamente ao argumento baseado no facto de nenhuma das ilustrações de garrafas de vinhos espumantes evocadas nas decisões controvertidas se referir a uma garrafa comercializada à data em que o registo de marcas foi pedido, basta salientar que este argumento foi inútil, já que a Câmara de Recurso do IHMI tinha correctamente sublinhado, nessas decisões, que «não exist[ia] nenhum precedente de empresas vinícolas a oferecer vinho ao público em garrafas sem inscrições, confiando unicamente ou principalmente na forma da garrafa enquanto indicador da origem industrial ou comercial do produto». O Tribunal Geral concluiu que, em todo o caso, mesmo supondo que a Freixenet foi a primeira a usar o acondicionamento para o qual o registo de marcas foi pedido, não deixa de ser verdade que a originalidade deste acondicionamento não seria bastante, uma vez que o consumidor tem em conta, qualquer que seja a data, um outro elemento para se decidir no momento da compra, considerando a grande variedade de apresentações disponíveis nas lojas.

30      Consequentemente, nos n.os 85 e 84, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, o Tribunal Geral decidiu que a Câmara de Recurso teve razão em considerar que as marcas cujo registo foi pedido eram desprovidas de carácter distintivo e, portanto, rejeitou o segundo fundamento.

31      No que respeita ao terceiro fundamento, baseado na violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal Geral salientou nomeadamente, nos n.os 113 e 108, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que era incontestável que nove dos quinze Estados‑Membros que compunham a Comunidade Europeia no momento da entrega dos pedidos de registo não estavam abrangidos pelos estudos de mercado apresentados pela Freixenet.

32      O Tribunal Geral precisou, por outro lado, nos n.os 122 e 118, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que para as marcas cujo registo foi pedido, uma vez que eram constituídas pela apresentação de um produto, não existia obstáculo linguístico ao seu registo e era portanto, em princípio, em qualquer parte da Comunidade onde o carácter distintivo intrínseco fazia falta que convinha estabelecer a aquisição de carácter distintivo pela utilização, de maneira a que estas pudessem ser susceptíveis de registo, por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

33      O Tribunal Geral concluiu, nos n.os 123 e 119, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que, na falta de provas suficientemente convincentes para catorze dos quinze Estados‑Membros em causa, a aquisição de carácter distintivo pela utilização em Espanha não poderia, portanto, ser considerada como bastante para a obtenção de registo de uma marca comunitária, a qual tem um carácter unitário e produz os seus efeitos no conjunto da Comunidade. O Tribunal Geral considerou igualmente que a Freixenet não podia invocar para esse efeito e por analogia o acórdão de 6 de Outubro de 2009, PAGO International (C‑301/07, Colect., p. I‑9429), respeitante a um pedido de decisão prejudicial que tinha por objecto o artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 e a questão da protecção conferida a título de prestígio a uma marca comunitária já registada. Consequentemente, o Tribunal Geral considerou que a Câmara de Recurso do IHMI decidiu correctamente considerar que as provas fornecidas pela Freixenet eram insuficientes para demonstrar o carácter distintivo adquirido pela utilização de sinais cujo registo foi pedido e, portanto, rejeitou o terceiro fundamento.

 Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

34      A Freixenet conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular os acórdãos recorridos;

–        julgar procedentes os seus pedidos formulados perante o Tribunal Geral; e

–        condenar o IHMI nas despesas.

35      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento aos recursos; e

–        condenar a Freixenet nas despesas.

36      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2010, os processos C‑344/10 P e C‑345/10 P foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto aos presentes recursos

37      Em apoio dos seus recursos, a Freixenet invoca três fundamentos, baseados, respectivamente, o primeiro, na violação dos artigos 38.°, n.° 3, e 73.° do Regulamento n.° 40/94, bem como do artigo 296.° TFUE e do artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, o segundo, na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento e, o terceiro, na violação do artigo 7.°, n.° 3, do referido regulamento. Importa analisar, em primeiro lugar, o segundo fundamento.

 Argumentos das partes

38      Com o seu segundo fundamento, a Freixenet sustenta que o Tribunal Geral violou o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 ao considerar, nos acórdãos recorridos, que a Câmara de Recurso do IHMI não estava obrigada a avançar elementos concretos em apoio das suas recusas de registo, podendo limitar‑se à afirmação de um facto aparentemente notório para negar o carácter distintivo das marcas cujo registo foi pedido, apesar de ela ter fornecido indicações concretas e fundadas que demonstram o carácter original destas marcas na data relevante, de modo que estas divergiam de maneira significativa da norma ou dos hábitos do sector em causa. A partir do momento em que, segundo a jurisprudência, a apreciação do poder distintivo deve ser concreta, o IHMI deve responder concretamente aos elementos concretos trazidos pelo requerente e não se pode contentar com negações vagas e gerais, como o Tribunal Geral terá erradamente admitido nos acórdãos recorridos.

39      Por outro lado, a Freixenet insiste no facto de as marcas cujo registo foi pedido se demarcarem de maneira substancial das normas do sector em 1 de Abril de 1996 e refere que, a este respeito, o carácter original destas marcas foi reconhecido quer pela Câmara de Recurso do IHMI quer pelo Tribunal Geral nos n.os 76 e 81 do acórdão T‑109/08 e nos n.os 75 e 80 do acórdão T‑110/08. Alega que, na medida em que, em conformidade com a jurisprudência, basta uma aptidão de distinção da origem do produto para que o motivo de recusa abrangido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não seja aplicável e tendo em conta o facto de que estas marcas estavam dotadas de um mínimo de carácter distintivo, algo que o Tribunal Geral tinha admitido ao qualificá‑las como originais, este cometeu um erro de direito, em violação desta disposição, ao recusar o carácter distintivo às ditas marcas, ainda que o critério da protecção estivesse preenchido.

40      A Freixenet censura igualmente o Tribunal Geral de ter violado o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 pela relevância que deu à necessidade de combinar um elemento nominativo com as marcas cujo registo foi pedido perfilhando, nos n.os 82 e 81, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, o entendimento da Câmara de Recurso do IHMI segundo o qual «não existe nenhum precedente de empresas vinícolas a oferecer vinho ao público em garrafas sem inscrições, confiando unicamente ou principalmente na forma da garrafa enquanto indicador da origem industrial ou comercial do produto». O Tribunal Geral terá assim incorrectamente presumido que um sinal que não seja o nominativo carecia de poder distintivo, uma vez que não era utilizado em combinação com um elemento nominativo, quando nem este regulamento nem a jurisprudência sujeitam o registo de uma marca constituída pela forma de apresentação de um produto ou da apresentação do seu acondicionamento à presença de inscrições ou elementos nominativos.

41      O IHMI contesta esta argumentação da Freixenet e alega que este segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal

42      Resulta de jurisprudência assente que o carácter distintivo de uma marca, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, significa que essa marca permite identificar o produto para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esse produto dos de outras empresas (v., designadamente, acórdãos de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colect., p. I‑5089, n.° 34; de 7 de Outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colect., p. I‑9165, n.° 29; e de 25 de Outubro de 2007, Develey/IHMI, C‑238/06 P, Colect., p. I‑9375, n.° 79).

43      Esse carácter distintivo deve ser apreciado, por um lado, com referência aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, à luz da percepção que deles tem o público relevante (v., designadamente, acórdãos Henkel/IHMI, já referido, n.° 35; de 22 de Junho de 2006, Storck/IHMI, C‑25/05 P, Colect., p. I‑5719, n.° 25; e Develey/IHMI, já referido, n.° 79).

44      No caso vertente, como o Tribunal Geral salientou nos n.os 69 e 68, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, não se contesta que os produtos em causa, isto é, vinhos espumantes, sejam produtos de consumo corrente e que o público‑alvo seja constituído pelo grande público dos quinze Estados‑Membros que constituíam a Comunidade no momento da entrega dos pedidos de registo.

45      Segundo jurisprudência igualmente assente, os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não são diferentes dos critérios aplicáveis às outras categorias de marcas (v., designadamente, acórdãos Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 30; de 12 de Janeiro de 2006, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, C‑173/04 P, Colect., p. I‑551, n.° 27; Storck/IHMI, já referido, n.° 26; e de 4 de Outubro de 2007, Henkel/IHMI, C‑144/06 P, Colect., p. I‑8109, n.° 36)

46      No entanto, na aplicação desses critérios, há que atender ao facto de que a percepção do consumidor médio não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela aparência do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou na do seu acondicionamento, na falta de qualquer elemento gráfico ou textual, podendo, por isso, tornar‑se mais difícil provar o carácter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Mag Instrument/IHMI, n.° 30; Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, n.° 28; e Storck/IHMI, n.° 27).

47      Nestas condições, só não é desprovida de carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, uma marca que, de forma significativa, diverge da norma ou dos hábitos do sector e, por essa razão, é susceptível de cumprir a sua função essencial de origem (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Mag Instrument/IHMI, n.° 31; Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, n.° 31; e Storck/IHMI, n.° 28).

48      Essa jurisprudência, desenvolvida a respeito das marcas tridimensionais compostas pela aparência do próprio produto ou pelo seu acondicionamento, como os líquidos, que são geralmente comercializados embalados por razões ligadas à própria natureza do produto (v. acórdãos, já referidos, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, n.° 29, e de 4 de Outubro de 2007, Henkel/IHMI, n.° 38), também é válida quando, como no caso em apreço, a marca cujo registo é pedido é uma marca «outra» constituída pela aspecto específico da embalagem de um produto líquido. Com efeito, neste caso, a marca também não constitui um sinal independente do aspecto da embalagem necessária dos produtos que designa (v., neste sentido, acórdão Storck/IHMI, já referido, n.° 29).

49      Embora o Tribunal Geral tenha identificado correctamente, nos n.os 63 a 67 e 62 a 66, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, os critérios determinados pela jurisprudência, decorre todavia desses acórdãos que o Tribunal Geral não seguiu essa jurisprudência quando da apreciação do caso vertente.

50      Com efeito, em vez de verificar se as marcas cujo registo era pedido divergiam de maneira significativa da norma ou dos hábitos do sector, o Tribunal Geral limitou‑se a constatar de maneira geral, nos n.os 79 e 78, respectivamente, dos acórdãos T‑109/08 e T‑110/08, que, não sendo vendida nenhuma garrafa sem rótulo nem menção equivalente, apenas esse elemento nominativo permitiria determinar a origem do vinho espumante em causa recusando que a cor e a matização do vidro da garrafa pudessem «funcionar como marca» para o vinho espumante no que diz respeito ao público relevante, uma vez que não são utilizadas em combinação com um elemento nominativo.

51      Esta apreciação conduz sistematicamente à exclusão da protecção que pode ser conferida pelo Regulamento n.° 40/94 das marcas constituídas pela aparência do acondicionamento do próprio produto sem inscrições ou elementos nominativos.

52      Assim, o Tribunal Geral cometeu uma violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 (v., neste sentido, acórdão de 20 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI, C‑389/99 P, Colect., p. I‑6251, n.° 45).

53      Nestas condições, procede o segundo fundamento invocado pela Freixenet e devem ser anulados os acórdãos recorridos, sem que seja necessário proceder à análise dos outros fundamentos dos recursos.

 Quanto aos recursos no Tribunal Geral

54      Em conformidade com o disposto no artigo 61.°, primeiro parágrafo, segunda frase, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir o litígio, se estiver em condições de ser julgado. Deve salientar‑se que tal acontece no caso em apreço.

55      No que respeita aos pedidos da Freixenet apresentados no Tribunal Geral, com vista à anulação das decisões controvertidas e baseados na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, deve ser‑lhes dado provimento pelos motivos expostos nos n.os 45 a 52 do presente acórdão. Com efeito, a Câmara de Recurso do IHMI cometeu o mesmo erro de direito que o Tribunal Geral ao considerar, nos n.os 34 e 37 e 31 e 34, respectivamente, das decisões de 30 de Outubro e de 20 de Novembro de 2007, que «o aspecto formal não cumpr[ia] a função de marca, mas o rótulo, sim», e ao não analisar, portanto, se as marcas cujo registo foi pedido divergiam de maneira tão significativa da norma ou dos hábitos do sector que tinham carácter distintivo.

56      Nestas condições, devem ser anuladas as decisões controvertidas, sem que seja necessário proceder à análise dos outros fundamentos invocados pela Freixenet no âmbito dos seus recursos no Tribunal Geral.

 Quanto às despesas

57      Nos termos do artigo 122.° do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso nos termos do artigo 118.° do dito regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Freixenet pedido a condenação do IHMI e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas relativas tanto aos processos em primeira instância como aos recursos.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Os acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de Abril de 2010, Freixenet/IHMI (Garrafa esmerilada branca) (T‑109/08), e Freixenet/IHMI (Garrafa esmerilada negra mate) (T‑110/08), são anulados.

2)      As decisões da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 30 de Outubro de 2007 (processo R 97/2001‑1) e de 20 de Novembro de 2007 (processo R 104/2001‑1), são anuladas.

3)      O Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) é condenado nas despesas relativas tanto aos processos em primeira instância como aos recursos.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.