Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER
apresentadas em 7 de Setembro de 2004 (1)



Processo C‑207/03



Novartis AG

University College London


e


Institute of Microbiology and Epidemiology

contra

Comptroller-General of Patents, Designs and Trade Marks for the United Kingdom


e processo C‑252/03



Ministre de l'économie

contra

Millenium Pharmaceuticals Inc.


[pedidos de decisão prejudicial apresentados pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Divisions (Patents Court) e pela Cour administrative du Grand-Duché de Luxembourg]


«Espaço Económico Europeu – Medicamentos – Regulamento (CEE) n.° 1768/92 – Certificados complementares de protecção – Duração – Cômputo – Interpretação do artigo 13.° do regulamento – Primeira autorização de comercialização na ‘Comunidade’ – Autorizações suíᄃas que produzem efeitos automáticos no Liechtenstein – Certificados cuja vigência foi calculada de forma errónea – Rectificação pelas autoridades nacionais»






I – Introdução

1.       A Suíça e o Liechtenstein mantêm uma união aduaneira desde 1924  (2) , que, a partir de 1 de Abril de 1980, abrange as patentes, âmbito no qual funciona um único instituto, o suíço, que emite títulos dotados de eficácia nos dois territórios  (3) , de modo que as autorizações de comercialização de medicamentos concedidas pelo primeiro país são automaticamente reconhecidas no segundo  (4) .

2.       O referido Principado faz parte do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»), no qual se aplica o Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos  (5) .

3.       Os órgãos jurisdicionais que intentaram os presentes processos prejudiciais pretendem saber se as licenças para distribuição de fármacos emitidas pelas administrações helvéticas podem constituir uma «primeira autorização na Comunidade» e, por conseguinte, se deve tomar‑se em consideração a data de concessão para o cálculo da duração do certificado complementar de protecção. A esta questão básica, a High Court of Justice acrescenta outra, para determinar se as autoridades dos Estados‑Membros do EEE estão obrigadas a rectificar os atestados cuja vigência tenha sido calculada de forma errada.

II – Enquadramento jurídico

A – Regulamento (CEE) n.° 1768/92

4.       Este regulamento cria um novo título de propriedade intelectual, acessória a uma patente previamente concedida  (6) , com o objectivo de prolongar o prazo dos direitos que esta última atribui.

5.       O regulamento foi aprovado em apoio da investigação farmacêutica, de modo a evitar que os centros situados nos Estados‑Membros se desloquem para os países que oferecem mais protecção (segundo e quinto considerandos). Com efeito, a referida actividade requer importantes investimentos  (7) , que apenas podem ser rentáveis se quem a promove conseguir durante um período suficiente o monopólio na exploração dos seus resultados. No entanto, para tutelar o direito à saúde  (8) , a comercialização de um medicamento está condicionada à emissão de uma autorização, com uma tramitação lenta e complexa  (9) , de maneira que o período decorrido entre a apresentação do pedido de patente e a obtenção da autorização para distribuir o produto no mercado reduz consideravelmente o tempo de aproveitamento exclusivo  (10) , desincentiva os investidores e prejudica a investigação científica neste sector (terceiro e quarto considerandos)  (11) .

6.       A França e a Itália fizeram frente à situação instituindo certificados complementares de protecção  (12) . Para evitar o risco de uma evolução heterogénea nos diversos membros da União, susceptível de colocar obstáculos à livre circulação dos medicamentos no mercado interno, o Regulamento n.° 1768/92 prevê uma solução uniforme no âmbito comunitário, mediante a criação de um certificado para os preparados cuja distribuição tenha sido autorizada, acessível nas mesmas condições em todos os Estados‑Membros, para o proprietário da patente, quer seja nacional ou europeia (sexto e sétimo considerandos)  (13) .

7.       Podem beneficiar desse documento, que confere direitos idênticos e impõe limitações e obrigações iguais ao título que complementa (artigo 5.°), os particulares protegidos no território de um Estado‑Membro, cuja venda esteja sujeita a um procedimento prévio de autorização por força da Directiva 65/65/CEE  (14) ou da Directiva 81/851/CEE  (15) (artigo 2.°).

8.       A sua emissão requer: 1) que o produto esteja protegido por uma patente de base em vigor; 2) que disfrute, enquanto medicamento, da sua primeira autorização válida de colocação no mercado, nos termos das directivas referidas; e 3) que não tenha sido já objecto de um certificado anterior (artigo 3.°).

9.       O pedido deve ser efectuado no prazo de seis meses a contar da data em que o produto obteve a referida autorização, excepto se for anterior à concessão da patente, caso em que o prazo começa a contar a partir deste segundo momento (artigo 7.°).

10.     Para o legislador comunitário, a meta consiste em que o dono da invenção disfrute, no máximo, de quinze anos de exclusividade, a partir da primeira autorização de distribuição do medicamento na Comunidade (oitavo considerando). Para o efeito, o artigo 13.° regula a duração do título da seguinte maneira:

«1. O certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade, reduzido [de] um período de cinco anos  (16) .

       2. Não obstante o disposto no n.° 1, o período de validade do certificado não pode exceder cinco anos a contar da data em que produzir efeitos»  (17) .

11.     As decisões relativas aos pedidos dos certificados, bem como as decisões que julgam as acções de anulação contra aquelas intentadas, são recorríveis nos termos previstos pelas legislações nacionais contra decisões análogas tomadas em matéria de patentes (artigo 17.°, conjugado com os artigos 10.° e 15.°).

B – Acordo sobre o Espaço Económico Europeu  (18)

12.     Assinado no Porto em 2 de Maio de 1992 e em vigor desde 1 de Janeiro de 1994, o referido acordo tem por objecto a criação de um âmbito económico homogéneo, onde se garantam as liberdades de circulação (artigo 1.°, n.os 1 e 2), no território definido no artigo 126.°, n.° 1, ou seja, o correspondente às então Comunidades Europeias e aos Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre. Por conseguinte, a delimitação incluía, em princípio, o Liechtenstein e a Suíça, membros da referida associação, mas, por referendo realizado no mês de Dezembro de 1992, a Confederação Helvética renunciou a ser parte no acordo.

13.     A fim de comprovar que a união regional entre ambos os países não colocava obstáculos ao bom funcionamento do acordo, a sua entrada em vigor foi adiada, para o referido Principado, para 1 de Maio de 1995  (19) .

14.     Segundo o artigo 7.°, alínea a), os regulamentos da Comunidade são vinculativos para as partes contratantes, incorporando‑se na íntegra nos respectivas ordens jurídicas, e segundo o artigo 65.°, n.° 2, o protocolo 28  (20) e o anexo XVII  (21) contêm, para o efeito, modalidades e disposições específicas relativas à propriedade intelectual, industrial e comercial.

15.     A lista do anexo XVII, na redacção dada pela Decisão n.° 7/94 do Comité Misto do EEE  (22) , inclui o Regulamento n.° 1768/92. Em conformidade com a introdução do próprio anexo, que remete para o protocolo 1, sobre as adaptações horizontais  (23) , as referências a territórios do referido acto comunitário devem ser entendidas como referências ao território dos signatários, tal como definido no artigo 126.°

16.     Por seu turno, o anexo II do acordo EEE  (24) , alterado pela Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE, já referida, consagra o chamado «princípio de comercialização paralela», ao prever que, no que se refere aos produtos abrangidos pelos actos referidos no anexo, o Liechtenstein poderá aplicar, além da legislação do EEE, as regulamentação técnica e as normas suíças decorrentes da sua união regional com a Suíça. As disposições sobre a livre circulação de mercadorias só são aplicáveis às exportações do Liechtenstein para as outras partes contratantes se os produtos se adaptarem às exigências impostas pelo acervo jurídico do EEE. O capítulo XIII deste anexo refere a legislação comunitária sobre medicamentos, mencionando as Directivas 65/65 e 81/851.

C – Alterações do Regulamento n.° 1768/92 decorrentes do acordo EEE com relevância para os presentes processos

17.     A alínea b) do artigo 3.° indica que, «[p]ara efeitos do n.° 1 do artigo 19.° do regulamento e dos artigos conexos, uma autorização de colocação do produto no mercado concedida nos termos da legislação nacional de um Estado da EFTA é tratada como uma autorização concedida nos termos do disposto na Directiva 65/65/CEE ou na Directiva 81/851/CEE, conforme o caso»  (25) .

18.     Em relação ao primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 19.°, «[p]ode ser concedido um certificado para qualquer produto que, em 2 de Janeiro de 1993, esteja protegido por uma patente de base e para o qual tenha sido obtida uma primeira autorização de colocação no mercado dos territórios das partes contratantes, como medicamento, após 1 de Janeiro de 1985»  (26) .

19.     De acordo com a introdução do anexo XVII, conjugada com o ponto 8 do protocolo 1, a referência feita pelo artigo 13.°, n.° 1, do regulamento à data de autorização inicial de colocação no mercado da Comunidade deve entender‑se como sendo feita ao momento em que essa autorização é concedida, pela primeira vez, num dos Estados do EEE.

20.     Por último, a Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE alterou o anexo XVII, acrescentando uma alínea d) ao ponto 6, segundo a qual, «[t]endo em conta a união sobre patentes entre o Liechtenstein e a Suíça, o Liechtenstein não emitirá qualquer certificado complementar de protecção para os medicamentos como previsto neste regulamento» (anexo 10).

III – Matéria de facto, litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A – Processo C‑207/03

21.     A Novartis AG, a University College of London e o Institute of Microbiology and Epidemology (a seguir «Novartis e outros») são titulares dos direitos sobre dois medicamentos com patentes válidas: um imunosupressor, utilizado em operações cirúrgicas de transplante de órgãos, denominado basiliximab, e uma combinação de artemether e de lumefantrin contra a malária  (27)

22.     Em 7 de Abril de 1998 e em 22 de Janeiro de 1999, as autoridades suíças concederam as autorizações em causa para os dois produtos, as quais foram reconhecidas automaticamente no Liechtenstein.

23.     Deste modo, o basiliximab beneficiou de uma licença emitida em 9 de Outubro de 1998 pela Comissão das Comunidades Europeias, através do procedimento instituído pelo Regulamento (CEE) n.° 2309/93  (28) , enquanto a composição contra a malária foi objecto de uma autorização nacional concedida pela British Medicines Control Agency em 30 de Novembro de 1999.

24.     O director‑adjunto do United Kingdom Patent Office (Instituto de Patentes do Reino Unido), agindo em nome do examinador, decidiu, em 12 de Fevereiro de 2003, que a duração do certificado complementar de protecção devia ser calculada tendo em conta as datas acordadas pelas autoridades helvéticas. A Novartis e outros impugnaram esta decisão com o argumento de que o cômputo deve ser efectuado tendo em conta o momento em que foi concedida a primeira autorização por um Estado do EEE  (29) .

25.     Colocado o debate nestes termos, a High Court of Justice formula as seguintes questões:

«1)       Deve a data de concessão de uma autorização de introdução no mercado na Suíça, a qual é automaticamente reconhecida no Liechtenstein, ser considerada a primeira autorização de introdução de um medicamento no mercado para efeitos do cálculo do prazo de validade de um certificado complementar de protecção, nos termos do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92 (na redacção que lhe foi dada pelo acordo EEE)?

2)       A autoridade competente no quadro do EEE é obrigada a rectificar quaisquer certificados complementares de protecção existentes, cujo período de validade tenha sido calculado de maneira errónea?»

B – Processo C‑252/03

26.     Ao incorporar a Cor Therapeutics Inc., a Millenium Pharmaceuticals Inc. (a seguir «Millenium») tornou‑se titular dos direitos sobre o medicamento eptifibatide, para pacientes que sofrem de doenças cardio‑vasculares, o qual está protegido por uma patente válida  (30) .

27.     As autoridades suíças concederam uma primeira autorização de colocação no mercado em 27 de Fevereiro de 1997, enquanto a Comissão, aplicando o Regulamento (CEE) n.° 2309/93, emitiu outra em 1 de Julho de 1999.

28.     Em 15 de Dezembro desse ano, a Millenium solicitou ao Ministério da Economia do Luxemburgo um certificado complementar de protecção, que foi expedido em 15 de Fevereiro de 2000, fixando a sua validade tendo em conta a data da licença helvética.

29.     Inconformada com esta decisão, a referida companhia impugnou‑a no Tribunal administratif du Grand‑Duché de Luxembourg, que, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, deu provimento ao recurso, alterou o acto impugnado e ordenou a substituição, no documento, do dia 27 de Fevereiro de 1997 por 1 de Julho de 1999, como data da primeira autorização de colocação no mercado.

30.     Em sede de recurso de apelação, a Cour administrative suspendeu o processo e colocou a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

«Uma autorização de introdução no mercado passada pelas autoridades suíças constitui uma primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, na acepção do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.     No processo C‑207/03, apresentaram observações escritas, no prazo estabelecido pelo artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, a Novartis e o., os Governos da Islândia, do Liechtenstein, da Noruega, dos Países Baixos e do Reino Unido, bem como a Comissão e o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA). No processo C‑252/03, além dos referidos governos, com excepção do norueguês e do do Reino Unido, intervieram o Governo luxemburguês, as duas instituições referidas e a Millenium.

32.     Em 8 de Julho de 2004, celebrou‑se uma audiência comum, à qual, com excepção do Governo neerlandês, assistiram, para apresentar oralmente as suas alegações, os representantes dos intervenientes na fase escrita.

V – Análise das questões prejudiciais

A – Sobre as autorizações suíças de colocação no mercado e os certificados complementares de protecção no EEE (primeira questão)

33.     A dúvida do órgão jurisdicional administrativo luxemburguês, que coincide com a pergunta inicial da High Court, diz respeito ao relevo a dar às autorizações de comercialização concedidas na Suíça, que, por força da união com o Liechtenstein, produzem efeitos imediatos neste Principado. Em concreto, trata‑se da questão de saber se podem constituir a primeira autorização no território do EEE e servir para calcular o período de validade do certificado complementar de protecção, em conformidade com o disposto no artigo 13.° do regulamento.

34.     As posições adoptadas nos processos prejudiciais estão bem definidas e são opostas. As companhias farmacêuticas demandantes, o Órgão de Fiscalização da EFTA e os Governos islandês, do Liechtenstein, neerlandês e norueguês sustentam que as licenças emitidas na Suíça não devem estar sujeitas a essa condição, ao passo que o Governo do Reino Unido e o luxemburguês, assim como a Comissão, defendem o contrário.

35.     Este último grupo apoia a sua posição numa interpretação literal e teleológica do Regulamento n.° 1768/92, bem como no facto de, no seu entender, a própria distribuição com base numa autorização é o elemento decisivo para responder à questão, independentemente da aptidão dessa autorização para permitir o acesso do medicamento ao território do EEE. No entanto, os outros intervenientes põem a tónica neste último ponto, tendo em conta que as licenças concedidas na Suíça não satisfazem os requisitos legais exigidos no território do acordo e que, por conseguinte, não admitem a livre circulação do produto no mercado interno, pelo que entendem que a data da sua emissão não pode ser usada como referência para calcular o prazo de validade do certificado complementar. De forma surpreendente, também sustentam a sua tese, segundo afirmam, numa exegese fiel da letra e dos objectivos do referido regulamento, tendo em conta também os seus antecedentes.

36.     Desta forma, os interessados nestes processos prejudiciais esgrimem os mesmos argumentos para propor resultados diferentes.

37.     Existe um ponto no qual todos os intervenientes, sem excepção, estão de acordo: as autorizações emitidas na Suíça não abrem o território do EEE aos medicamentos que abrangem. A partir daqui, tudo são discrepâncias, visto que fazem decorrer desta circunstância consequências radicalmente diferentes: para uns, demonstra que as autorizações helvéticas não constituem um elemento de referência para calcular o período acrescentado de protecção, enquanto para outros carece de relevância.

38.     Para mediar o debate e oferecer uma resposta segura, é necessário analisar o chamado princípio de comercialização paralela existente no mercado do Liechtenstein.

1.     Os medicamentos no duplo circuito comercial liechtensteiniano

39.     O princípio de comercialização paralela, proclamado no anexo II do acordo EEE, é o resultado da participação do Principado em zonas económicas distintas, que se regem por normas distintas, não susceptíveis de homologação. Dois regimes jurídicos coincidem num mesmo âmbito: um preside às relações entre a Suíça e o Liechtenstein, o outro disciplina a inclusão deste último no EEE. Caso não haja conflito, ambos os sistemas são permeáveis, nada impede, como critério geral, que um produto procedente da confederação passe do território do seu associado para outro membro do EEE e vice‑versa. No caso oposto, erguem‑se as barreiras e os circuitos ficam estanques, de modo que as mercadorias autorizadas no Liechtenstein só podem ser exportadas para os outros Estados signatários do acordo se respeitarem as suas regras  (31) . Em definitivo, os géneros que circulam sem entraves dentro da união aduaneira não gozam, apenas por este facto, da mesma liberdade no EEE.

40.     Por conseguinte, no mercado liechtensteiniano circulam simultaneamente medicamentos autorizados em conformidade com as disposições do EEE e outros baseados no sistema helvético, mas, por força do referido princípio da comercialização paralela, as licenças suíças, que produzem efeitos automáticos no âmbito do acordo com o Liechtenstein, só permitem a entrada do medicamento noutros Estados do acordo se satisfizerem os requisitos exigidos pela legislação aplicável: as Directivas 65/65 e 81/851 (actualmente, a Directiva 2001/83, alterada pelas Directivas 2004/27 e 2004/24). Assim se compreende que os produtos originários do país alpino não podem ser distribuídos ipso facto no EEE; como expliquei na nota 4, a partir de 1 de Maio de 1998, e por força da Arzneimittelgesetz‑EEE, o Principado concede autorizações de colocação no mercado de acordo com o direito comunitário, o que confirma que as licenças do país vizinho não são válidas fora dos limites da união aduaneira que ambos mantêm.

41.     Contudo, esta inadequação, na qual todas as observações coincidem, permite preteri‑las para efeitos do cálculo da vigência da protecção complementar? A resposta tem de ser procurada nos objectivos do regulamento.

2.     A finalidade do Regulamento n.° 1768/92

42.     A análise dos considerandos deste diploma mostra que o objectivo principal que levou o legislador a aprová‑lo não foi garantir a livre circulação dos medicamentos, mas sim criar as condições necessárias para que a investigação farmacêutica seja rentável e evitar que as empresas do sector abandonem o território da União, sem deixar de ter presentes outros interesses merecedores de tutela jurídica, como os da saúde pública, dos consumidores e os da indústria de medicamentos genéricos  (32) . O comércio sem entraves dos medicamentos no âmbito comunitário é um efeito reflexo dessa meta principal, de modo que, a fim de evitar uma compartimentação do mercado interno através de normas nacionais heterogéneas, se impõe uma regulação uniforme. É certo que esta fundamentação secundária se tornou primordial para justificar a competência da Comunidade e encontrar a sua base jurídica no artigo 100.°‑A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE), mas esta circunstância não obriga, porém, a observar o seu conteúdo nem a interpretar as suas disposições segundo o prisma exclusivo do estabelecimento e do funcionamento do mercado comum, independentemente de quaisquer outras razões determinantes da adopção da norma  (33) .

43.     Indiscutivelmente, para dar uma resposta aos órgãos jurisdicionais de reenvio, é irrelevante que as licenças de colocação no mercado concedidas pela Suíça não autorizem a circulação dos medicamentos que abrangem no território do EEE, com excepção do Liechtenstein.° Assim o demonstra o facto de as licenças concedidas pelos Estados‑Membros no âmbito das Directivas 65/65 e 75/319 ou no âmbito da Directiva 2001/83, recentemente alterada, também não legitimarem a livre distribuição do produto no mercado dos outros países comunitários.

44.     Estas disposições têm por objectivo aproximar as legislações nacionais sobre, entre outros aspectos, as autorizações de colocação no mercado de especialidades farmacêuticas, criando até um comité ad hoc com funções consultivas e disciplinando um procedimento de reconhecimento mútuo das licenças concedidas, mas, em qualquer caso, a competência para autorizar a circulação de um produto no território de um Estado‑Membro corresponde às suas autoridades, que não estão vinculadas pela licença concedida noutro Estado‑Membro da Comunidade  (34) . Nas conclusões no processo Generics (UK) e o., já referidas, sugeri que «[a] maior parte dos medicamentos são comercializados após a obtenção de uma autorização nacional, concedida pela autoridade competente de um Estado‑Membro e com validade nesse Estado» (n.° 5). O próprio Tribunal de Justiça, no acórdão de 16 de Dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May Baker  (35) , declarou que, em regra, «nenhuma especialidade farmacêutica pode ser posta à venda num Estado‑Membro, sem que tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de colocação no mercado» (n.° 23).

45.     É assim supérfluo, o debate suscitado neste ponto, uma vez que, como alega a Comissão nas suas observações, não existe vínculo funcional entre essas autorizações e o comércio livre dos medicamentos no mercado interno.

46.     A chave da resposta encontra‑se noutro lugar.

3.     A comercialização numa parte do território do EEE

47.     O Regulamento n.° 1768/92 prolonga a protecção concedida às inovações no sector farmacêutico com a finalidade de fomentar a investigação no território da União, fazendo‑o de maneira homogénea, de modo que, como precisou o advogado‑geral F. G. Jacobs no n.° 44 das conclusões no processo Espanha/Conselho, já referidas, a consequência mais significativa do referido regulamento é que a protecção dos produtos abrangidos por um certificado termina ao mesmo tempo em todos os Estados‑Membros em que o certificado tiver sido emitido, ainda que o pedido da patente de base tenha sido apresentado em anos diferentes  (36) . O Tribunal de Justiça seguiu esta posição no n.° 34 do acórdão proferido no mesmo litígio, declarando que o referido regulamento prevê «uma duração uniforme de protecção». Noutro acórdão proferido dois anos depois, no processo Yamanouchi Pharmaceutical  (37) , fez referência à mesma ideia ao especificar que, no que diz respeito à primeira licença da Comunidade, o regulamento impede que, nos Estados‑Membros onde a autorização de colocação no mercado de um determinado produto tenha sido emitida com muito atraso, possa ainda ser concedida uma prorrogação, quando já não seria possível fazê‑lo nos restantes Estados comunitários. «O regulamento tem por fim evitar a concessão de certificados com prazos de validade diferentes em função dos Estados‑Membros» (n.° 25).

48.     Este aspecto específico, no qual a norma introduz igualdade, justifica o sistema, dando razão a quem, como a Comissão e os Governos luxemburguês e do Reino Unido, sustentam que as licenças concedidas pelas autoridades suíças, que de forma automática, produzem efeitos no Liechtenstein, devem ser tomadas em consideração no cálculo da duração da protecção complementar.

49.     O objectivo do regulamento não consiste em uniformizar as autorizações de colocação no mercado, mas antes em criar um sistema único de prorrogação e, ao fazer com que o monopólio no direito de exploração tenha a mesma vigência em todo o território do EEE, o dado decisivo reside no momento em que esse direito se inicia, ou seja, a data a partir da qual o medicamento pode ser legalmente comercializado numa parte do seu território  (38) , qualquer que ela seja  (39) , independentemente do título habilitador, quer seja uma licença nacional emitida por um Estado‑Membro no âmbito das referidas directivas, quer seja uma licença centralizada emitida com base no Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho (actualmente Regulamento n.° 726/2004  (40) ), quer seja qualquer outro que, em conformidade com o sistema de fontes, legitime a sua circulação.

50.     Nesta última categoria, incluem‑se, como avancei nos n.os 17 a 19 destas conclusões, as licenças que os Estados da EFTA concederam com base nas respectivas legislações nacionais, não adaptadas às directivas sectoriais, bem como os concedidos pelas autoridades suíças, também não adequados às exigências da ordem jurídica comunitária, visto que uns e outros permitem que os medicamentos sejam distribuídos numa parte do EEE. A analogia estabelecida, com um argumento ad absurdum, por alguns dos intervenientes entre as licenças emitidas pela Suíça e as emitidos pelas autoridades nipónicas ou americanas está fora de questão, porque estas últimas, ao contrário das primeiras, não permitem comercializar um produto farmacêutico em lugar algum do mercado interno. O elemento de referência é o facto, juridicamente relevante, da legítima distribuição dos produtos numa parte do território do EEE  (41) , sendo irrelevante saber se ela ocorre com base em títulos que permitem a livre circulação em todo o referido território  (42) .

51.     Deste modo se afasta o risco, assinalado por alguns dos intervenientes, de estender as consequências de um acordo – a união aduaneira entre o Liechtenstein e a Suíça – para além dos seus limites estritos – os outros Estados‑Membros do EEE – infringindo os princípios que presidem ao direito internacional, porque não se dá eficácia a uma norma de uma ordem jurídica estrangeira, mas sim a um facto com relevância jurídica verificado na própria ordem jurídica.

52.     Assim, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda aos órgãos jurisdicionais nacionais que colocaram estas questões prejudiciais, declarando que as licenças de distribuição emitidas pelas autoridades suíças, que produzem efeitos imediatos no Liechtenstein, podem constituir a «primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade», na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, servindo a data da sua emissão para calcular o período de validade dos certificados complementares de protecção.

4.     A irrelevância dos argumentos contrários

53.     O Tribunal de Justiça reconheceu no referido acórdão Hässle que a «primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade» deve ser concedida com base na Directiva 65/65, em qualquer dos Estados‑Membros (n.os 58 e 78, bem como n.° 2 do dispositivo). Mas não se pode separar esta afirmação do seu contexto, dado que mostra, em primeiro lugar, que pretendia deixar de fora do conceito outro tipo de licenças ratione materiae, como as relativas aos preços e aos reembolsos de medicamentos e, em segundo lugar, que nos factos do litígio no processo principal não estava implicado nenhum Estado‑Membro do EEE que não fosse ao mesmo tempo membro da União Europeia, pelo que não era necessário fazer referência à redacção do Regulamento n.° 1768/92 resultante do acordo, dos seus protocolos e dos seus anexos, assim como das decisões adoptadas pelos órgãos directores do EEE.

54.     Como recordou o Tribunal de Justiça no próprio acórdão Hässle (n.° 72), as expressões «primeira autorização de colocação no mercado» ou «primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade» não devem ser interpretadas de forma diferente, em função da disposição do regulamento em que aparecem. Em suma, quando o artigo 13.° faz referência a este conceito, inclui também as autorizações concedidas em conformidade com as legislações nacionais dos Estados da Associação Europeia de Comércio Livre, como dispõem os artigos 3.°, alínea b), e 19.°, n.° 1, na redacção dada pelo anexo XVII (n.° 6) do acordo, logo que adoptada a Decisão n.° 7/94 do Comité Misto (v. n.os 17 e 18, supra).

55.     Por outro lado, o Liechtenstein não pode emitir certificados complementares de protecção, circunstância que, como refere a Comissão, constitui a consequência lógica de não conceder patentes e carece de relevância para a decisão da questão prejudicial, uma vez que o elemento fulcral, já referido, reside no momento a partir do qual um produto farmacêutico pode ser legalmente comercializado numa parte do território do EEE, facto que permite fixar o dies ad quem do período para cálculo da prorrogação. Portanto, embora o titular de uma invenção que abrange o território do Principado não tenha direito a um certificado em conformidade com o Regulamento n.° 1768/92, no mercado do referido país nunca haverá lugar a uma prorrogação temporal da protecção que seja uniforme com a dos restantes países do EEE  (43) ; mas, esta diferença, imposta pela situação particular do Liechtenstein, é a condição exigida ao EEE para admitir um membro especial, que mantém uma união na matéria com um Estado terceiro, pelo que não pode servir de argumento para se abstrair do objectivo do regulamento, que visa compensar o intervalo de tempo entre o pedido do privilégio no país onde posteriormente se pede o certificado e a data na qual verdadeiramente se pôde distribuir o produto pela primeira vez no mercado interno.

56.     A solução preconizada pela Novartis e outros (a preterição das autorizações helvéticas) ignoraria o referido objectivo, deixando sem solução a disfunção denunciada, visto que, em qualquer caso, as autoridades do Liechtenstein continuariam sem competência para emitir os certificados.

57.     Além disso, a sua posição ignora o objectivo do Regulamento n.° 1768/92, que consiste em reconhecer ao titular de uma patente e de um certificado o direito de beneficiar na Comunidade de um período máximo de quinze anos de exclusividade (oitavo considerando). Com efeito, de acordo com a sua tese, por exemplo para o basiliximab, a Novartis e o. disporiam desse monopólio até 8 de Outubro de 2013 (v. nota 29), tendo podido comercializá‑lo no território do EEE desde 7 de Abril de 1998, por força da autorização concedida nessa data pelas autoridades suíças, válida no Liechtenstein.

58.     A legitimação das licenças do país alpino implica que se conte às empresas farmacêuticas o período de tempo em que comercializam o produto num mercado, o do pequeno Principado, com apenas 32 mil potenciais consumidores. No entanto, independentemente do facto de essa consequência poder igualmente ser imputada às licenças emitidas por outros Estados‑Membros de reduzida população  (44) , importa lembrar que o legislador comunitário teve presente, ao adoptar o referido regulamento, a protecção de outros interesses legítimos, em especial os da saúde pública, ou seja, segundo apreciou o Tribunal de Justiça no acórdão Espanha/Conselho, já referido, os interesses legítimos dos consumidores e os dos produtores de genéricos. Esta posição dos demandantes no litígio principal reflecte o enfoque errado de que partem, atribuindo de forma indevida ao referido acto comunitário um objectivo orientado para a livre circulação dos medicamentos.

59.     Aqueles que se opõem à solução que preconizo sustentam que a redacção do artigo 3.°, alínea b), assim como a do artigo 19.°, n.° 1, derivada da Decisão n.° 7/94 do Comité Misto, pretendia oferecer uma fórmula transitória para que as autorizações concedidas pela Áustria, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia antes da sua inclusão no EEE pudessem servir de base para o cálculo da validade dos certificados complementares de protecção. Esta afirmação constitui uma verdadeira ficta confessio, uma vez que, além de que nada impede a atribuição do mesmo carácter provisório à situação do Liechtenstein – pelo menos em parte – até 1998  (45) , ano em que criou a Kontrollstelle für Arzneimitteln (organismo de controlo dos medicamentos), órgão competente para conceder autorizações de colocação no mercado, e adaptou a sua legislação ao acervo comunitário, pressupõe um reconhecimento implícito de que o Regulamento n.° 1768/92 não pretende harmonizar as condições para a sua aprovação, mas antes unificar em todo o território do EEE a duração da protecção exclusiva conferida por uma patente de um produto farmacêutico, servindo para esse fim as licenças emitidas pelos membros da Associação Europeia do Comércio Livre antes de adaptarem as suas ordens jurídicas às exigências do sistema jurídico comunitário.

60.     O Órgão de Fiscalização da Associação Europeia do Comércio Livre e os governos do Liechtenstein, da Islândia e dos Países Baixos alegam que, quando se adoptou a Decisão n.° 7/94 do Comité Misto, alterando os artigos 3.°, alínea b), e 19.°, n.° 1, do referido regulamento, o primeiro dos países ainda não pertencia ao EEE, pelo que as referidas disposições não podem dizer respeito a autorizações que, como as emitidas pela Confederação Helvética, Estado‑Membro da referida associação, abrem o mercado do Principado aos produtos farmacêuticos. No entanto, penso que o argumento fraqueja em dois aspectos. Em primeiro lugar, não se pode ignorar que, à época, o Liechtenstein participava como observador e que no horizonte se vislumbrava a sua incorporação definitiva no EEE, uma vez superadas as dificuldades decorrentes da união aduaneira com o país vizinho, pelo que não parece razoável defender, sem qualquer dúvida, que no processo de adopção da decisão não foi considerada a sua posição particular.

61.     Em segundo lugar, já afirmei que é manifesta a vontade dos autores da decisão de terem em conta as licenças emitidas pelos Estados da Associação Europeia de Comércio Livre à margem das normas comunitárias, o que também se aplica às suíças que, por força do acordo com o Liechtenstein, produzem efeitos automáticos neste país, parte integrante do EEE. Além disso, o Conselho do EEE, na Decisão n.° 1/95 (anexo 10), precisou que o referido Principado não emitiria certificados complementares de protecção após fazer referência à Decisão n.° 7/94 do Comité Misto, sem que tivesse necessidade de especificar que onde se fazia referência às autorizações concedidas em conformidade com as legislações nacionais dos Estados da Associação Europeia do Comércio Livre não se deviam considerar incluídas as autorizações que, emitidas por um membro – a Suíça –, permitem a comercialização de medicamentos no Liechtenstein.

B – Quanto à rectificação dos certificados complementares de protecção calculados de forma errada (segunda questão prejudicial)

62.     Tendo em conta que a resposta sugerida para a primeira questão prejudicial coincide com a preconizada pelo United Kingdom Patent Office, a segunda, apenas suscitada pela High Court of Justice, é hipotética, dado que não existiria erro no cálculo da prorrogação correspondente à Novartis e o. Nestas circunstâncias, não é necessária uma interpretação do Tribunal de Justiça.

63.     Não obstante, na eventualidade de o acórdão do Luxemburgo tomar outros caminhos e considerar incorrecta a decisão que se encontra na origem do litígio principal, nos números seguintes analiso esta segunda questão, embora a título meramente subsidiário.

64.     Antes de prosseguir, convém precisar que a questão, tal como formulada pelo órgão a quo, é inadmissível, dado que não tem relação com o objecto do litígio suscitado no tribunal britânico. Com efeito, a acção intentada pela Novartis e o. visa a rectificação da resolução emitida pelo United Kingdom Patent Office, pretendendo que as autorizações de colocação no mercado suíças não sejam tomadas em consideração no cálculo da validade dos certificados complementares de protecção e que, portanto, se prolongue a vida destes últimos, utilizando como referência as autorizações posteriores emitidas pela Comissão e pela British Medicines Control Agency  (46) . Para decidir, a High Court não precisa de saber se uma autoridade nacional deve rectificar as condições de qualquer desses documentos, cuja duração foi erradamente fixada  (47) , sendo suficiente saber se, uma vez corrigido judicialmente um cálculo errado, o órgão administrativo competente está obrigado a rectificá‑lo. É nestes termos que se deve entender, na minha opinião, a dúvida dos juízes de reenvio.

65.     Os intervenientes que deram o seu parecer sobre este aspecto mantêm posições coincidentes, sendo as diferenças meramente de matiz.

66.     Uma aproximação à resposta infere‑se da letra das disposições do Regulamento n.° 1768/92, em cujo artigo 17.° se lê que, perante as resoluções adoptadas em sua aplicação, podem ser interpostos os recursos previstos pela legislação nacional contra as decisões análogas em matéria de patentes. Igual critério é seguido pelo Regulamento (CE) n.° 1610/96  (48) , relativo aos produtos fitofarmacêuticos, visto que, no seu artigo 17.°, n.° 2, permite interpor recurso contra a concessão do certificado tendo em vista «rectificar»  (49) o seu prazo, quando estiver incorrecta a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade; além disso, nos termos do décimo sétimo considerando, o referido artigo 17.°, n.° 2 é válido para interpretar o artigo 17.° do Regulamento n.° 1768/92.

67.     Assim, as autoridades nacionais estão obrigadas a rectificar as datas que determinam o período de vigência do certificado se, ao fixá‑las, incorreram em erro. No acórdão Hässle, o Tribunal de Justiça manifestou‑se neste sentido (n.° 88)  (50) .

68.     Ainda que não existissem as anteriores previsões normativas, os princípios que presidem à ordem jurídica comunitária conduziriam a igual resultado.

69.     Se uma autoridade nacional confundir ou realizar uma interpretação incorrecta do referido Regulamento n.° 1768/92, da qual resulte um cálculo errado (por excesso ou por defeito) da duração do certificado complementar de protecção, quebra a uniformidade visada por esta norma do direito comunitário, ficando aberta a possibilidade de o período suplementar de prorrogação ser diferente de um Estado para outro, consequência que o legislador quis manifestamente evitar.

70.     A anterior tese tem por base a primazia do direito comunitário  (51) e a necessidade de que, para assegurar o seu efeito útil, pleno e uniforme  (52) , as autoridades nacionais, no âmbito das suas competências, garantam a observância das normas que integram esse corpus jurídico, em especial dos seus regulamentos, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça  (53) . Este último, no exercício da competência que lhe é atribuída pelo artigo 234.° CE, esclarece e precisa o seu significado e o seu alcance, mostrando assim a maneira como devem ou deviam ter sido interpretadas e aplicadas desde o momento da sua entrada em vigor  (54) .

71.     Nestes termos, como regra geral, as autoridades judiciais estão obrigadas, salvo casos excepcionais, a aplicar as normas comunitárias de acordo com o alcance fixado pelo Tribunal de Justiça, incluindo as relações jurídicas surgidas e constituídas antes da decisão prejudicial, quando estejam preenchidos os requisitos necessários para aceder à fiscalização jurisdicional  (55) . Da mesma forma e pelas mesmas razões, igual dever incumbe às autoridades administrativas  (56) .

72.     Um duplo limite surge, contudo, no horizonte. O primeiro consiste no facto de, na ausência de regulamentação comunitária, competir aos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros regular as modalidades processuais para obter a rectificação, mediante normas que, em qualquer caso, concedam aos direitos derivados do sistema jurídico europeu um nível de protecção idêntico ao que é concedido aos baseados nas normas nacionais (princípio de equivalência), regulando vias que não tornem difícil ou praticamente impossível o exercício das acções pertinentes (princípio de efectividade)  (57) .

73.     O segundo limite, reflexo do primeiro, encontra‑se no necessário respeito da segurança jurídica, regra axial da ordem jurídica da União Europeia, que impede a reapreciação de decisões irrecorríveis e insusceptíveis de revisão aquando do conhecimento da decisão prejudicial. Nos termos do acórdão Kühne & Heitz, o direito comunitário não exige, em princípio, que um órgão administrativo reconsidere uma decisão definitiva (por esgotamento das vias de recurso ou devido à expiração dos prazos razoáveis para interposição de recurso), a menos que a ordem jurídica nacional permita a sua revisão, sempre que, neste último caso, estejam presentes os requisitos estritos indicados no própria sentença  (58) .

74.     Os princípios conduzem, deste modo, à mesma conclusão que a letra da lei: a revisão deve adaptar‑se às vias previstas pela legislação interna em matéria de patentes nacionais, como dispõem os artigos 17.° dos dois regulamentos referidos.

75.     Por conseguinte, quando, em conformidade com as previsões da ordem jurídica interna, a decisão administrativa que decide um pedido é susceptível de reexame, as autoridades nacionais estão obrigadas a rectificar, pelas vias previstas no seu direito, os certificados complementares de protecção cuja duração tenha sido calculada de forma errada.

VI – Conclusão

76.     Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões colocadas pela High Court of Justice (England & Wales) e pela Cour administrative du Grand‑Duché de Luxembourg da seguinte forma:

1)
Por força do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos, as autorizações para a sua distribuição emitidas na Suíça que, no âmbito da união aduaneira com o Liechtenstein, produzem efeitos imediatos neste país, constituem uma «primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade».

2)
As autoridades dos Estados do EEE estão obrigadas a rectificar as datas que determinam o período de vigência dos certificados complementares de protecção se, ao fixá‑las, tiverem incorrido em erro, sempre que, em conformidade com as previsões da respectiva ordem jurídica interna, a decisão seja susceptível de reconsideração.


1
Língua original: espanhol.


2
Tratado (Zollvertrag) de 29 de Março de 1923 entre a Suíça e o Liechtenstein, relativo à incorporação do Principado no territorio aduaneiro suíço (Liechtenstein Landesgesetzblatt, a seguir «LGBl.», 1923, n.° 24). Como indica o título deste instrumento internacional, os dois países não formam, na realidade, uma união aduaneira, com uma pauta aduaneira comum, o Liechtenstein é que se integrou no sistema helvético.


3
Tratado (Patentschutzvertrag) de 22 de Dezembro de 1978, sobre a protecção de patentes (LGBl. 1980, n.° 31), alterado pelo Convénio Adicional (Ergänzungsvereinbarung) de 2 de Novembro de 1994 (LGBl. 1995, n.° 80), que entrou em vigor em 1 de Maio de 1995. Segundo estas disposições, as duas partes formam um território único na matéria de que trata (artigo 1.°), de maneira que um mesmo título produz efeitos jurídicos na totalidade do referido âmbito espacial (artigo 4.°, n.° 1). As tarefas de execução administrativa competem às autoridades suíças (artigo 7.°) e estão atribuídas ao Eidgenössisches Amt für geistiges Eigentum (Instituto federal para a protecção da propriedade intelectual). Na exposição que apresentou no litígio pendente na High Court, o Sr. Frick, Primeiro‑Ministro do Liechtenstein entre Dezembro de 1993 e Abril de 2001, explica que, como consequência do Tratado, o seu país não tem um instituto de patentes e não tem competência para outorgar este tipo de diplomas, razão pela qual os diplomas emitidos na Suíça produzem efeitos imediatos no Principado: não existem, assim, licenças limitadas a um ou a outro Estado (n.os 29 a 32).


4
Desde 1973, por força de uma troca de notas (LGBl. 1973, n.° 20/1), o Liechtenstein aceita automaticamente as autorizações concedidas pelo Interkantonale Kontrollstelle (Instituto suíço de controlo de medicamentos), organismo regulado na Interkantonale Vereinbarung (Amtliche Sammlung des Bundesrechts – a seguir «AG» – 1972, 1026; LGBl. 1973, n.° 20/2). Entre 1990 e 2001, aplicou a Heilmittelgesetz (Lei sobre os medicamentos), de 24 de Outubro de 1990 (LGBl. 1990, n.° 75), cujo artigo 7.°, n.° 2, se limitava a dispor que a comercialização de um produto terapêutico seria aprovada logo que inscrita no referido organismo helvético. Através da Arzneimittelgesetz‑EEE (Lei sobre a comercialização de medicamentos no EEE), de 18 de Dezembro de 1997 (LGBl. 1998, n.° 45), a partir de 1 de Maio de 1998, o Principado instituiu um sistema de autorizações em conformidade com as exigências comunitárias, como consequência das obrigações decorrentes da sua integração no EEE. Em 15 de Dezembro de 2000, com data de entrada em vigor em 1 de Janeiro seguinte, a Suíça adoptou a Heilmittelgesetz (Systematische Sammlung des Bundesrechts – a seguir «SR» – 812.21), que substitui a Interkantonale Vereinbarung e cria um novo organismo (o Schweizerisches Heilmittelinstitut – Instituto suíço de medicamentos) que sucede ao Interkantonale Kontrollstelle. Da conjugação destas últimas normas, assim como da troca de notas de 11 de Dezembro de 2001 (AS 2002, 2788), resulta que coexistem no Liechtenstein dois regimes sobre as autorizações: o suíço, que produz os seus efeitos na união aduaneira com o referido país, e o próprio, ajustado às exigências do EEE.


5
JO L 182, p. 1.


6
A anterior caracterização deve‑se a Galloux, J.‑C., «Le certificat complémentaire de protection pour les produits phytopharmaceutiques (Règlement (CE) n.° 1610/96 du Parlement européen et du Conseil)», inLa semaine juridique, n.° 49, 1996, I 609, pp. 499‑504. Embora o referido trabalho se centre no certificado para os produtos fitossanitários, a qualificação é também aplicável ao previsto para os medicamentos. Na verdade, ambas as disposições comunitárias foram adoptadas tendo em conta a mesma ordem de razões, sendo a sua estrutura e o seu conteúdo quase idênticos.


7
Nas conclusões ao processo em que foi proferido o acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o. (C‑368/96, Colect., p. I‑7967), destaquei o esforço inovador das empresas, imprescindível para garantir que na Comunidade existe uma indústria farmacêutica sólida (n.° 50).


8
A protecção da saúde pública é uma finalidade essencial das directivas que adiante analisarei nas notas 14 e 15, como indiquei nas conclusões referidas na nota anterior e o próprio Tribunal de Justiça salientou, no n.° 22 do acórdão proferido no referido processo. Anos antes, o Tribunal manifestou‑se no mesmo sentido no acórdão de 7 de Dezembro de 1993, Pierrel e o. (C‑83/92, Colect., p. I‑6419), embora com a precisão de que, ao mesmo tempo, se deve garantir a livre circulação dos produtos farmacêuticos na Comunidade (n.° 7). A garantia daquele bem colectivo como objectivo principal da legislação comunitária na matéria foi recentemente reiterado nos acórdãos de 1 de Abril de 2004, Kohlpharma (C‑112/02), n.° 14, e de 29 de Abril de 2004, Novartis e o. (C‑106/01, Colect., p. I‑0000, n.° 30).


9
Quando apresentou a Proposta de regulamento [COM (1990), JO C 114, p. 10], a Comissão estimou em quatro anos o tempo médio necessário para obter uma autorização de comercialização de um produto farmacêutico (n.° 51 da exposição de motivos da proposta). No entanto, Bloch, J. F., e Schmitt, P., referem uma década («Le certificat complémentaire de protection institué par le Règlement n.° 1768/92 du 18 juin 1992», in Gazette du Palais, 1993, pp. 1280‑1283).


10
O Convénio sobre concessão de patentes europeias, assinado em Munique em 5 de Outubro de 1973, e do qual fazem parte a Suíça e o Liechtenstein, tem uma validade de 25 anos a partir da data da petição (artigo 63.°, n.° 1).


11
Galloux, J.‑C., op cit., refere que, desse modo, os titulares de patentes sobre produtos cuja comercialização está sujeita a uma autorização recebem um tratamento desfavorável em relação ao dispensado aos proprietários de patentes «comuns».


12
Leis de 25 de Junho de 1990 (França) e de 19 de Outubro de 1991 (Itália), que estabeleceram um período máximo de protecção de 7 e 18 anos, respectivamente.


13
Sobre as razões que levaram à adopção do regulamento e os objectivos por ele prosseguidos, v. as conclusões apresentadas por F. G. Jacobs e N. Fennelly, nos dias 9 de Março de 1995 e 3 de Outubro de 1996, respectivamente, nos processos em que foram proferidos os acórdãos de 13 de Julho de 1995, Espanha/Conselho (C‑350/92, Colect., p. I‑1985), e de 23 de Janeiro de 1997, Biogen (C‑181/95, Colect., p. I‑357). Recentemente, o advogado‑geral F. G. Jacobs vincou o propósito de evitar uma evolução díspar nas diversas legislações nacionais (v. o n.° 44 das suas conclusões de 29 de Abril de 2004, no processo Pharmacia Italia, C‑31/03, cujo acórdão ainda não foi proferido).


14
Directiva do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), alterada e completada pela Directiva 75/319/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, Segunda Directiva com o mesmo nome (JO L 147, p. 13; EE 13 F4 p. 92). Ambos os textos foram substituídos pela Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), cujo artigo 128.°, segundo parágrafo, prevê que as referências feitas às directivas revogadas devem entender‑se como feitas à nova disposição. Esta última foi alterada, por seu turno, pelas Directivas 2004/27/CE e 2004/24/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, adoptadas em 31 de Março de 2004 (JO L 136, pp. 34 e 85).


15
Directiva do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos medicamentos veterinários (JO L 317, p. 1; EE 13 F12 p. 3), revogada e substituída pela Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos veterinários (JO L 311, p. 1), cujo artigo 96.° contém a mesma indicação que o artigo 128.°, segundo parágrafo, da Directiva 2001/83. A Directiva 2001/82 foi alterada pela Directiva 2004/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (JO L 136, p. 58).


16
No n.° 8 das conclusões no processo Espanha/Conselho, já referidas, o advogado‑geral F. G. Jacobs explica com um exemplo o alcance desta norma: «[…] Suponha‑se que foi apresentado em 1990 um pedido de patente de base, expirando a patente em 2010. Se a autorização de comercialização for concedida em 1997, o certificado começará a produzir efeitos em 2010, por um período de sete anos menos cinco, expirando assim em 2012».


17
Através desta limitação temporal, procura‑se tutelar outros interesses em jogo, como o da saúde pública, referido no nono considerando do regulamento, que, com a mesma intenção, também indica que a protecção se limita estritamente ao produto abrangido pela autorização de colocação no mercado na sua qualidade de medicamento.


18
JO L 1, de 3 de Janeiro de 1994, p. 3.


19
V. o artigo 1.°, n.° 2, do protocolo de 17 de Março de 1993, que adapta o acordo (JO L 1, de 3 de Janeiro de 1994, p. 572), conjugado com o artigo 121.°, alínea a), deste último e o artigo 7.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE, de 10 de Março de 1995 (JO L 86, p. 58).


20
JO L 1, de 3 de Janeiro de 1994, p. 194. O artigo 1.°, n.° 1, deste protocolo precisa que a expressão «propriedade intelectual» inclui a protecção da propriedade industrial e comercial.


21
JO 1994, L 1, p. 482.


22
Decisão de 21 de Março de 1994 (JO L 160, p. 1).


23
JO 1994, L 1, p. 37.


24
JO 1994, L 1, p. 263.


25
Texto resultante das alterações introduzidas pelo anexo XVII (n.° 6), com a redacção da Decisão n.° 7/94 do Comité Misto do EEE, já referida.


26
É a redacção dada pelos actos referidos na nota anterior.


27
.Basiliximab: patente EP 0 449 769, cujo pedido foi apresentado em 13 de Março de 1991. Combinação de artemether e de lumefantrin: patente EP 0 500 823, pedida em 5 de Junho de 1991.


28
Regulamento do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1).


29
Conforme o critério do Patent Office, o certificado relativo ao basiliximab (CCP SPC/GB/00/012) expiraria em 6 de Abril de 2013 e o correspondente à combinação de artemether e de lumefantrin (CCP SPC/GB/00/13), em 21 de Janeiro de 2014. A tese dos demandantes atrasaria esse momento 8 de Outubro de 2013 e para 29 de Novembro de 2014, respectivamente.


30
Patente EP 0 477 295 B1, apresentada em 15 de Junho de 1990.


31
O Governo do Liechtenstein explica nas observações escritas que existe um sistema de controlo, com a finalidade de vigiar o fluxo de mercadorias no interior do seu país e de evitar que se infiltrem num circuito géneros não conformes com as normas que o regem (n.° 34 das suas observações escritas).


32
No acórdão Espanha/Conselho, já referido, o Tribunal de Justiça tomou‑os em consideração (n.os 38 e 39). O advogado‑geral F. G. Jacobs, nas conclusões que apresentou no mesmo processo, sublinhou também que o objectivo do regulamento não é contribuir para a livre circulação dos medicamentos (n.os 44 e 45).


33
Em todo o caso, como referiu o advogado‑geral F. G. Jacobs nas conclusões referidas na nota anterior, com base no acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho (C‑300/89, Colect., p. I‑2867), «as medidas adoptadas com base no artigo 100.°‑A do Tratado não necessitam de contribuir directamente para a liberdade de circulação de mercadorias» (n.° 45).


34
É o que resulta dos artigos 3.°, 4.° e 5.° da Directiva 65/65; 9.°, 10.°, 11.° e 12.° da Directiva 75/319; e 17.° e 39.° da Directiva 2001/83, na redacção dada pela Directiva 2004/27.


35
Processo C‑94/98, Colect., p. I‑8789.


36
O referido advogado‑geral ilustra a afirmação com o seguinte exemplo: «Suponha‑se que o pedido de protecção da patente foi apresentado em 1990, no Estado‑Membro A, e em 1991, no Estado‑Membro B, terminando a protecção da patente, respectivamente, em 2010 e 2011. A autorização de comercialização do produto é concedida em primeiro lugar no Estado‑Membro C, em 1998. Isto leva ao seguinte cálculo da duração do certificado. No Estado‑Membro A, essa duração é de oito (1990‑1998) menos cinco anos, produzindo o certificado efeitos de 2010 a 2013. No Estado‑Membro B, a duração é de sete (1991‑1998) menos cinco anos, produzindo o certificado efeitos a partir de 2011 e expirando, também, em 2013» (n.° 44 in fine). Tais considerações podem ler‑se nas conclusões que a advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentou em 26 de Fevereiro de 2002, no processo em que foi proferido o acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Hässle (C‑127/00, Colect., p. I‑0000, n.° 85).


37
Acórdão de 12 de Junho de 1997 (C‑110/95, Colect., p. I‑3251).


38
Nas conclusões no processo Pharmacia Italia, já referido, o advogado‑geral F. G. Jacobs explica que o regulamento pretende alargar a protecção da patente, ou seja, quer ampliar o período de exclusividade, para compensar o tempo perdido pela ausência de uma autorização de venda do produto. Entende, assim, que o ponto de inflexão se encontra na primeira distribuição dos medicamentos, momento em que os lucros comerciais começam a existir (n.° 45). As anteriores considerações levam o referido advogado‑geral a afirmar que, para esse efeito, é indiferente que a primeira licença seja utilizada na medicina humana ou na veterinária. Deve extrapolar‑se o argumento para o presente processo para concordar que parece irrelevante o lugar do território do EEE onde se produza esse evento; a ideia central é que o produto pode ser vendido, possibilitando ao titular amortizar as despesas efectuadas com a sua obtenção.


39
Nas conclusões no processo em que foi proferido o acórdão Hässle, já referido, a advogada‑geral C. Stix‑Hackl faz referência a esta ideia, indicando que a primeira autorização não é a que foi concedida pelo Estado‑Membro no qual se pede o certificado, mas a que levou a comercializar pela primeira vez o produto como medicamento num dos países comunitários (n.os 84 e 85).


40
Regulamento (CE) n.° 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1), cujo artigo 88.° revoga o Regulamento (CEE) n.° 2309/93.


41
O Tribunal de Justiça destacou este carácter no acórdão Yamanouchi Pharmaceutical, já referido, ao indicar que o critério da primeira autorização só é necessário para determinar a duração do certificado (n.° 23) e ao precisar que a sua função tem carácter puramente temporal (n.° 24).


42
Uma boa prova disso é o facto de a redacção do artigo 13.°, n.° 1, aludir à «data da primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade» (o sublinhado é meu). Refere‑se, assim, a um dado de facto, determinado por um acto jurídico que habilita a distribuição do produto num sector do mercado interno, sem exigir que essa licença autorize a venda em todo o seu território. Por esta razão, a Decisão n.° 7/94 do Comité Misto pôde alterar o artigo 3.°, alínea b), e equiparar as licenças concedidas em conformidade com as legislações nacionais pelos Estados da Associação Europeia do Comércio Livre às emitidas pelos países comunitários de acordo com as disposições harmonizadas com base nas Directivas 65/65 e 81/851.


43
É evidente que os certificados complementares de protecção emitidos pelas autoridades helvéticas produzem efeitos imediatos no território do Liechtenstein (artigos 2.° a 4.° do Ergänzungsvereinbarung). O regime suíço é idêntico ao previsto no regulamento: a prorrogação, que tem início quando expira o período de protecção concedido pela patente, é igual ao tempo decorrido entre o pedido desta última e a concessão da primeira autorização de colocação no mercado menos cinco anos, com um máximo de cinco anos (§ 140e da Bundesgesetz über die Erfindungspatente – Lei federal sobre patentes – SR 232.14).


44
Não deve esquecer‑se que a autorização concedida por um Estado‑Membro não tem como consequência automática a abertura dos mercados dos outros países do EEE.


45
Situação assumida e reconhecida pelos órgãos do EEE na Decisão n.° 1/95 do Conselho.


46
É o que resulta do exposto nos anteriores n.os 21 e segs. das presentes conclusões.


47
Como resulta do número 44 do despacho de reenvio.


48
Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos (JO L 198, p. 30).


49
A edição espanhola do regulamento utiliza o termo «reducir»; no entanto, outras versões linguísticas utilizam significados equivalentes à palavra castelhana «rectificar»: «berichtigen» (alemã), «rectifier» (francesa), «rectifying» (inglesa), «ottenere la rettifica» (italiana) e «rectificar» (portuguesa).


50
No referido acórdão, interpretou os artigos 15.° e 19.° do regulamento, precisando que o segundo é violado se o certificado contiver um erro sobre a data da primeira autorização de colocação no mercado, salientando‑se que, na verdade, antecede o momento assinalado para aceder ao regime transitório, pelo que, nesses casos, o documento é nulo por força do artigo 15.° (n.° 89), ao passo que, se existir inexactidão mas a data correcta for posterior à indicada no referido artigo 19.°, o certificado é válido, bastando rectificar a data do termo da validade (n.° 88). A advogada‑geral C. Stix‑Hackl, nas conclusões já referidas (n.° 105), explicou que a revisão a que o artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1610/96 faz referência está pensada para o caso de a duração do certificado ser determinada em contradição com o disposto no artigo 13.° do regulamento, devido, por exemplo, ao facto de no pedido se ter mencionado um dia errado.


51
Proclamado no acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa/Enel (6/64, Colect. 1962‑1964, p. 549).


52
V. acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal (106/77, Colect., p. 243). Kovar, R., em «Relações entre o direito comunitário e os direitos nacionais», na obra colectiva Trinta anos de direito comunitário, ed. Comissão das Comunidades Europeias, col. Pespectivas Europeias, 1981, p. 118, salientou que os imperativos de unidade, de uniformidade e de eficácia são a tradução jurídica do objectivo político da construção europeia sobre o qual assenta o princípio da primazia.


53
A interpretação dada pelo Tribunal a uma disposição de um regulamento tem consequências em todos os Estados‑Membros [acórdão de 17 de Abril de 1986, Países Baixos/Reed (59/85, Colect., p. 1283), n.° 13].


54
Este princípio, pela primeira vez enunciado no acórdão de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana (61/79, Recueil, p. 1205, n.° 16), foi acolhido, recentemente, no acórdão de 13 de Janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, Colect., p. I‑0000, n.° 21). Não obstante, tem um claro precedente no acórdão de 27 de Março de 1963, Da Costa en Schaake NV e o. (processos apensos 28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233), no qual o Tribunal de Justiça declarou que «quando […] interpreta o Tratado, no âmbito concreto de um litígio pendente perante um órgão jurisdicional nacional, limita‑se a deduzir da sua letra e espírito o significado das normas comunitárias, ficando a aplicação ao caso concreto das normas assim interpretadas reservada ao juiz nacional. […] Corresponde esta concepção à função atribuída ao Tribunal […] e que visa assegurar a unidade de interpretação do direito comunitário». A obrigação das autoridades nacionais, em especial dos juízes, de aplicar a norma conforme à exegese do Tribunal de Justiça representa assim um corolário da repartição de competências que justifica o processo prejudicial, que, como há alguns anos sublinhou Robert Lecourt (Le juge devant le Marché Commun, ed. Institut Universitaire des Hautes Études Internationales, Genebra, 1970, p. 50), estabelecendo uma diferença entre a interpretação e a aplicação, permite conciliar a legítima autoridade do juiz com a necessária uniformidade do direito comunitário.


55
O Tribunal de Justiça assim o aceitou no referido acórdão Denkavit italiana (n.os 16 e segs.). Nas conclusões apresentadas em 17 de Junho de 2003 no processo Kühne & Heitz, o advogado‑geral P. Léger nota que a referida obrigação permite evitar que o direito comunitário possa sofrer distorções de aplicação no tempo, em detrimento da sua aplicação uniforme e da sua plena eficácia, inscrevendo‑se necessariamente no quadro do objectivo prosseguido pelo processo prejudicial que consiste em assegurar, graças a um mecanismo de cooperação jurisdicional, uma aplicação uniforme das suas normas (n.° 39).


56
No n.° 22 do acórdão Kühne & Heitz, pode ler‑se que os órgãos administrativos nacionais devem aplicar o direito às regras de direito comunitário, mesmo a relações jurídicas nascidas e constituídas antes de proferido o acórdão do Tribunal de Justiça que decidiu o pedido de interpretação.


57
É conhecida a doutrina do Tribunal de Justiça sobre este ponto relativo ao exercício das acções processuais que visam obter o reembolso dos impostos que reverteram para os cofres públicos em violação do ordenamento da União. A jurisprudência teve início com dois acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe (33/76, Colect., p. 813) e Cornet (45/76, Recueil, p. 2043, Colect., p. 835), sendo uma das suas manifestações mais recentes os acórdãos de 10 de Setembro de 2002, Prisco e Caser (C‑216/99 e C‑222/99, Colect., p. I‑6761), e de 2 de Outubro de 2003, Weber's Wine e o. (C‑147/01, Colect., p. I‑0000).


58
Este acórdão tem como pano de fundo o direito neerlandês, no qual se admite o reexame dos actos definitivos, salvo se forem prejudicados os direitos de terceiros. O Tribunal de Justiça afirma que, nesses casos, a revisão se impõe por força do princípio da cooperação do artigo 10.° CE se a decisão controvertida se tornou definitiva com base num acórdão do órgão jurisdicional que decide em última instância, assente numa interpretação do direito europeu que, tendo em conta a jurisprudência comunitária posterior, é errada, e adoptada sem submeter a questão, a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça, sempre que o interessado se tenha dirigido ao órgão administrativo imediatamente após ter tido conhecimento da referida jurisprudência.