Processo C‑131/12

Google Spain SL

e

Google Inc.

contra

Agencia Española de Protección de Datos (AEPD)

e

Mario Costeja González

(pedido de decisão prejudicial
apresentado pela Audiencia Nacional)

«Dados pessoais — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento desses dados — Diretiva 95/46/CE — Artigos 2.°, 4.°, 12.° e 14.° — Âmbito de aplicação material e territorial — Motores de busca na Internet — Tratamento de dados contidos em sítios web — Pesquisa, indexação e armazenamento desses dados — Responsabilidade do operador do motor de busca — Estabelecimento no território de um Estado‑Membro — Alcance das obrigações desse operador e dos direitos da pessoa em causa — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 7.° e 8.°»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 13 de maio de 2014

1.        Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46, artigo 2.° — Tratamento de dados pessoais — Conceito — Atividade de um motor de busca que consiste em localizar informações publicadas ou inseridas na Internet por terceiros, indexá‑las, armazená‑las e colocá‑las à disposição dos internautas — Inclusão — Responsável pelo tratamento — Conceito — Operador de um motor de busca — Inclusão

[Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 2.°, alíneas b) e d)]

2.        Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46 — Respeito dos direitos fundamentais — Respeito pela vida privada e proteção de dados pessoais — Justo equilíbrio entre o direito à informação e os direitos garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.° e 8.°; Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho)

3.        Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46, artigo 4.° — Direito nacional aplicável — Tratamento de dados no contexto das atividades do estabelecimento de um operador de um motor de busca situado no território de um Estado‑Membro — Alcance — Promoção e venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado‑Membro — Inclusão

[Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 1, alínea a)]

4.        Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46, artigos 12.° e 14.° — Direito de acesso da pessoa em causa aos dados pessoais e direito de oposição ao seu tratamento — Direito de pedir a supressão das ligações a páginas web da lista de resultados — Requisitos

[Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 12.°, alínea b), e 14.°, primeiro parágrafo, alínea a)]

5.        Aproximação das legislações — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46, artigos 12.° e 14.° — Direito de acesso da pessoa em causa aos dados pessoais e direito de oposição ao seu tratamento — Pesquisa efetuada através de um motor de busca a partir do nome de uma pessoa — Divulgação de uma lista de resultados — Direito de pedir que essa informação deixe de estar à disposição do grande público

[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.° e 8.°; Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 6.°, n.° 1, alíneas c) a e), 12.°, alínea b), e 14.°, primeiro parágrafo, alínea a)]

1.        O artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 95/46, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, a atividade de um motor de busca que consiste em encontrar informações publicadas ou inseridas na Internet por terceiros, indexá‑las automaticamente, armazená‑las temporariamente e, por último, pô‑las à disposição dos internautas por determinada ordem de preferência deve ser qualificada de tratamento de dados pessoais quando essas informações contenham dados pessoais.

Esta interpretação não é prejudicada pelo facto de esses dados já terem sido publicados na Internet e não serem alterados pelo motor de busca. Com efeito, as operações referidas nesta disposição devem também ser qualificadas de tratamento desse tipo, no caso de serem exclusivamente relativas a informações já publicadas nos mesmos termos nos meios de comunicação social.

Por outro lado, o operador de um motor de busca deve ser considerado responsável pelo dito tratamento de dados pessoais, na aceção do referido artigo 2.°, alínea d), da referida diretiva. Com efeito, na medida em que a atividade de um motor de busca é suscetível de afetar, significativamente e por acréscimo à dos editores de sítios web, os direitos fundamentais à vida privada e à proteção dos dados pessoais, o operador desse motor, como pessoa que determina as finalidades e os meios dessa atividade, deve assegurar, no âmbito das suas responsabilidades, das suas competências e das suas possibilidades, que essa atividade satisfaça as exigências da Diretiva 95/46, para que as garantias nesta previstas possam produzir pleno efeito e possa efetivamente realizar‑se uma proteção eficaz e completa das pessoas em causa, designadamente do seu direito ao respeito pela sua vida privada.

(cf. n.os 29, 30, 38, 41, disp. 1)

2.        Um tratamento de dados pessoais realizado pelo operador de um motor de busca é suscetível de afetar significativamente os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais, quando a pesquisa através desse motor seja efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, uma vez que o referido tratamento permite a qualquer internauta obter, com a lista de resultados, uma visão global estruturada das informações sobre essa pessoa, que se podem encontrar na Internet, respeitantes, potencialmente, a numerosos aspetos da sua vida privada e que, sem o referido motor de busca, não poderiam ou só muito dificilmente poderiam ter sido relacionadas, e, deste modo, estabelecer um perfil mais ou menos detalhado da pessoa em causa. Isto é tanto mais verdade quanto a Internet e os motores de busca conferem às informações contidas em tal lista de resultados um caráter de ubiquidade. Atendendo à gravidade potencial desta ingerência, a mesma não pode ser justificada apenas pelo interesse económico do operador de tal motor nesse tratamento. Deve, designadamente, encontrar‑se um justo equilíbrio entre o interesse legítimo dos internautas à informação e os direitos fundamentais da pessoa em causa nos termos dos artigos 7.° e 8.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

(cf. n.os 36, 38, 80, 81, 97)

3.        O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 95/46, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que é efetuado um tratamento de dados pessoais no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável por esse tratamento no território de um Estado‑Membro, na aceção desta disposição, quando o operador de um motor de busca cria num Estado‑Membro uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado‑Membro.

Com efeito, nestas circunstâncias, as atividades do operador do motor de busca e as do seu estabelecimento situado num Estado‑Membro, embora distintas, estão indissociavelmente ligadas, uma vez que as atividades relativas aos espaços publicitários constituem o meio para tornar o motor de busca em causa economicamente rentável e que esse motor é, ao mesmo tempo, o meio que permite realizar essas atividades.

(cf. n.os 51, 55, 56, 60, disp. 2)

4.        Os artigos 12.°, alínea b), e 14.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, devem ser interpretados no sentido de que, para respeitar os direitos previstos nestas disposições e desde que as condições por elas previstas estejam efetivamente satisfeitas, o operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, as ligações a outras páginas web publicadas por terceiros e que contenham informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, isto, se for caso disso, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita.

A este respeito, na medida em que a inclusão na lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, de uma página web e das informações sobre essa pessoa nela contidas facilita sensivelmente a acessibilidade dessas informações a qualquer internauta que efetue uma pesquisa sobre a pessoa em causa e pode ter um papel decisivo na difusão das referidas informações, o tratamento de dados pessoais realizado pelo operador de um motor de busca é suscetível de constituir uma ingerência mais importante no direito fundamental ao respeito pela vida privada da pessoa em causa do que a publicação pelo editor dessa página web.

(cf. n.os 87, 88, disp. 3)

5.        Decorre destas exigências, previstas no artigo 6.°, n.° 1, alíneas c) a e), da Diretiva 95/46, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, que mesmo um tratamento inicialmente lícito de dados exatos se pode tornar, com o tempo, incompatível com esta diretiva, quando esses dados já não sejam necessários atendendo às finalidades para que foram recolhidos ou tratados. Assim, na hipótese de se concluir, no seguimento de um pedido da pessoa em causa ao abrigo do artigo 12.°, alínea b), da Diretiva 95/46, que a inclusão na lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do seu nome, de ligações a páginas web publicadas legalmente por terceiros e que contenham informações verdadeiras sobre a sua pessoa, é, na situação atual, incompatível com o referido artigo 6.°, n.° 1, alíneas c) a e), devido ao facto de essas informações serem, tendo em conta todas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, inadequadas, não serem pertinentes ou já não serem pertinentes ou serem excessivas atendendo às finalidades do tratamento em causa realizado pelo operador do motor de busca, as informações e as ligações em causa da referida lista de resultados devem ser suprimidas.

Neste contesto, a constatação de um direito da pessoa em causa de que a informação sobre a sua pessoa deixe de ser associada ao seu nome através de uma lista de resultados não pressupõe que a inclusão da informação em questão na lista de resultados cause prejuízo à pessoa em causa.

Na medida em que a pessoa em causa pode, tendo em conta os seus direitos fundamentais nos termos dos artigos 7.° e 8.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, requerer que a informação em questão deixe de estar à disposição do grande público através da sua inclusão numa lista de resultados deste tipo, esses direitos prevalecem, em princípio, não só sobre o interesse económico do operador do motor de busca mas também sobre o interesse desse público em encontrar a referida informação durante uma pesquisa sobre o nome dessa pessoa. No entanto, não será esse o caso se se afigurar que, por razões especiais, como o papel desempenhado por essa pessoa na vida pública, a ingerência nos seus direitos fundamentais é justificada pelo interesse preponderante do referido público em ter acesso à informação em questão em virtude dessa inclusão.

(cf. n.os 93, 94, 96‑99, disp. 4)