ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

8 de julho de 2020 (*)

«Dumping — Importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (células) originários ou expedidos da China — Compromissos — Admissibilidade — Regulamento de Execução (UE) 2016/2146 — Anulação de faturas do compromisso — Aplicação de novas disposições no tempo»

No processo T‑110/17,

Jiangsu Seraphim Solar System Co. Ltd, com sede em Changzhou (China), representada por Y. Melin, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Kuplewatzky e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por H. Marcos Fraile, na qualidade de agente, assistida por N. Tuominen, avocate,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado à anulação parcial do Regulamento de Execução (UE) 2016/2146 da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, que denuncia a aceitação do compromisso relativo a dois produtores‑exportadores ao abrigo da Decisão de Execução 2013/707/UE que confirma a aceitação de um compromisso oferecido no âmbito dos processos antidumping e antissubvenções relativos às importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China durante o período de aplicação das medidas definitivas (JO 2016, L 333, p. 4), na medida em que respeita à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, J. Schwarcz (relator) e C. Iliopoulos, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, a Jiangsu Seraphim Solar System Co. Ltd, fabrica módulos fotovoltaicos de silício cristalino na China e exporta‑os para a União Europeia.

2        Em 4 de junho de 2013, a Comissão Europeia adotou o Regulamento (UE) n.o 513/2013, que institui um direito antidumping provisório sobre as importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave [ou seja, células e bolachas (wafers)] originários ou expedidos da República Popular da China e que altera o Regulamento (UE) n.o 182/2013, sujeitando a registo essas importações originárias ou expedidas da República Popular da China (JO 2013, L 152, p. 5).

3        Com a Decisão 2013/423/UE, de 2 de agosto de 2013, que aceita um compromisso oferecido no âmbito do processo antidumping relativo às importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave [ou seja, células e bolachas (wafers)] originários ou expedidos da República Popular da China (JO 2013, L 209, p. 26), a Comissão aceitou um compromisso de preços (a seguir «compromisso») proposto pela Câmara de Comércio Chinesa para a Importação e a Exportação de Máquinas e Produtos Eletrónicos (a seguir «CCCME»), em nome da recorrente e de vários outros produtores‑exportadores.

4        Em 2 de dezembro de 2013, o Conselho da União Europeia adotou o Regulamento de Execução (UE) n.o 1238/2013, que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China (JO 2013, L 325, p. 1).

5        Em 2 de dezembro de 2013, o Conselho adotou também o Regulamento de Execução (UE) n.o 1239/2013, que institui um direito de compensação definitivo sobre as importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China (JO 2013, L 325, p. 66).

6        O artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 preveem, nos mesmos termos, que a Comissão pode identificar transações para as quais se constitui uma «dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática» nas situações em que a aceitação do compromisso de preços é denunciada.

7        Com a sua Decisão de Execução 2013/707/UE, de 4 de dezembro de 2013, que confirma a aceitação de um compromisso oferecido no âmbito dos processos antidumping e antissubvenções relativos às importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China durante o período de aplicação das medidas definitivas (JO 2013, L 325, p. 214), a Comissão confirmou a aceitação do compromisso, conforme alterado a pedido da CCCME, por conta dos produtores‑exportadores chineses. Em 10 de setembro de 2014, a Comissão adotou a Decisão de Execução 2014/657/UE, que aceita uma proposta de um grupo de produtores‑exportadores, em conjunto com a CCCME, de clarificação no que respeita à implementação do compromisso referido na Decisão de Execução 2013/707 (JO 2014, L 270, p. 6).

8        O direito ad valorem total aplicável às importações de células e módulos fotovoltaicos originários da China para as empresas não incluídas na amostra que colaboraram e que estão inscritas na lista que figura no anexo I do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e no anexo 1 do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 é de 47,7 %. Corresponde a um direito antidumping de 41,3 % (artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013), ao qual acresce um direito de compensação de 6,4 % (artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013). As importações abrangidas pelo compromisso e pela Decisão de Execução 2013/707 estão isentas desses direitos por força do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013.

9        Por carta de 11 de outubro de 2016, a Comissão informou a recorrente de que tencionava denunciar a aceitação do compromisso, precisando os principais elementos e considerações em que se baseava. A esta carta estavam anexados um relatório de informação geral e um relatório específico sobre a recorrente.

10      No relatório específico sobre a recorrente, a Comissão indicava que pretendia denunciar a aceitação do compromisso e informava a recorrente, no título 4, com a epígrafe «Anulação das faturas do compromisso», de que pretendia, por um lado, anular as faturas do compromisso que acompanhavam as vendas feitas ao importador e, por outro, ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrassem a dívida aduaneira no caso de a recorrente não ter apresentado faturas do compromisso válidas no momento da aceitação da declaração de introdução das mercadorias em livre prática.

11      Por carta de 28 de outubro de 2016, a recorrente apresentou observações sobre o relatório de informação geral e sobre o relatório específico a seu respeito da Comissão. Explicava, em substância, que a Comissão não tinha o poder de anular as faturas, nem de ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrassem direitos como se não tivesse sido apresentada nenhuma fatura do compromisso. Segundo a recorrente, isso equivalia, na realidade, a conferir efeito retroativo à revogação do compromisso.

12      A Comissão confirmou a sua posição no Regulamento de Execução (UE) 2016/2146, de 7 de dezembro de 2016, que denuncia a aceitação do compromisso relativo a dois produtores‑exportadores ao abrigo da Decisão de Execução 2013/707 (JO 2016, L 333, p. 4; a seguir «regulamento impugnado»), adotado com base no artigo 8.o do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21; a seguir «regulamento antidumping de base»), e no artigo 13.o do Regulamento (UE) 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 55; a seguir «regulamento antissubvenções de base»).

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de fevereiro de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

14      A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de maio de 2017.

15      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de maio de 2017, o Conselho pediu para intervir em apoio das conclusões da Comissão. As partes principais não apresentaram observações a este respeito.

16      Por Despacho de 10 de julho de 2017, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Conselho, em apoio dos pedidos da Comissão.

17      O Conselho apresentou o articulado de intervenção em 27 de julho de 2017.

18      Por carta dirigida à Secretaria do Tribunal Geral em 12 de setembro de 2017, a Comissão indicou que não tinha observações sobre o articulado de intervenção.

19      A Comissão apresentou as suas observações sobre o articulado de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de setembro de 2017.

20      O recorrente apresentou a réplica na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de julho de 2017.

21      A Comissão apresentou a tréplica na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de outubro de 2017. Esta continha um pedido para desentranhamento do anexo C.3 da réplica dos autos. A recorrente apresentou as suas observações sobre este pedido em 9 de novembro de 2017.

22      A recorrente apresentou ainda no Tribunal Geral, após a apresentação da réplica e antes da audiência, um documento designado sob o número E.1, que remete para o procedimento nas Autoridades Aduaneiras nacionais suecas, relativo às importações em causa, objeto das faturas do compromisso anuladas pela Comissão. A Comissão tinha inicialmente pedido, no n.o 14 das observações apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de janeiro de 2019, que o Tribunal Geral declarasse esse anexo inadmissível e o afastasse os autos, enquanto prova nova. Na audiência, renunciou à sua exceção de inadmissibilidade.

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 2.o do regulamento impugnado, na medida em que lhe diz respeito;

–        condenar a Comissão e qualquer parte que possa ser autorizada a intervir em apoio da Comissão durante o processo a suportar as despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, julgar o fundamento único inadmissível;

–        a título ainda mais subsidiário, julgar o fundamento único improcedente e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na sua totalidade;

–        condenar a recorrente nas despesas.

25      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, julgar o recurso juridicamente improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo nas suas próprias despesas.

26      Na audiência, a recorrente pediu a apensação dos processos T‑781/17, Kraftpojkarna/Comissão, e T‑782/17, Wuxi Saijing Solar/Comissão, ao presente processo, para efeitos da decisão que põe termo à instância. Na sequência de uma questão do Tribunal Geral a este respeito, a Comissão e o Conselho opuseram‑se a essa apensação, sustentando, em substância, que esses processos não tinham o mesmo objeto. Em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o Presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral decidiu não apensar os referidos processos ao presente processo.

 Questão de direito

 Quanto ao objeto do recurso

27      A título preliminar, há que observar que, como resulta dos pedidos da recorrente, o presente recurso visa obter a anulação do artigo 2.o do regulamento impugnado, na medida em que diz respeito à recorrente. Este recurso tem, portanto, por objeto a legalidade da anulação das faturas do compromisso da recorrente e as respetivas consequências, nomeadamente, quanto à recuperação dos direitos antidumping e de compensação devidos. Por conseguinte, o presente processo não tem por objeto a questão de saber se foi validamente que a Comissão denunciou a sua aceitação dos compromissos da recorrente. Como salienta, acertadamente, a Comissão, a recorrente não contesta o artigo 1.o do regulamento impugnado, pelo qual a Comissão denunciou a aceitação dos compromissos, nem as regras processuais fixadas, nomeadamente, no artigo 3.o deste mesmo regulamento.

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à admissibilidade do recurso

28      A Comissão, apoiada pelo Conselho, alega que o recurso é inadmissível. Na medida em que a recorrente apenas visa o artigo 2.o do regulamento impugnado, deveria demonstrar que tem legitimidade ativa nos termos do artigo 263.o TFUE e, portanto, em especial, uma afetação direta. Deveria também demonstrar um interesse em agir relativamente à referida disposição do regulamento impugnado. A Comissão sustenta que, dado que não era a recorrente, mas sim a Seraphim Solar System GmbH, que devia pagar às autoridades nacionais os direitos antidumping e de compensação devidos como consequência jurídica da anulação das faturas emitidas pela recorrente, esta última não demonstrou uma afetação direta nem um interesse em agir. Segundo a Comissão, no caso em apreço, o regulamento impugnado não colocou a recorrente numa situação de desvantagem concreta (v., por analogia, Acórdão de 16 de março de 1978, Unicme e o./Conselho, 123/77, EU:C:1978:73).

29      A Comissão refere que incumbia à recorrente demonstrar que o artigo 2.o do regulamento impugnado produzia efeitos diretos na sua situação jurídica. Ora, a recorrente apenas contestou uma consequência específica da violação e da denúncia do seu compromisso, a saber, o facto de as faturas do compromisso terem sido anuladas e, consequentemente, outra empresa ter sido obrigada a pagar direitos antidumping e de compensação. A Comissão sustenta que a recorrente confunde as exigências aplicáveis à legitimidade ativa no que respeita ao regulamento impugnado, na sua globalidade, e ao respetivo artigo 2.o, em especial.

30      Segundo a Comissão, a recorrente não é individualmente afetada. Antes de mais, é inegável que a recorrente não era a destinatária do artigo 2.o do regulamento impugnado, que tem alcance geral. Em seguida, a Comissão sublinha que o facto de ser mencionada no regulamento impugnado na sua globalidade não era decisivo. Em seu entender, o regulamento impugnado não instituía direitos antidumping ou de compensação. Com efeito, os direitos sobre a importação do produto da recorrente são devidos desde o início, mas não foram cobrados em razão da isenção concedida atendendo à apresentação de faturas do compromisso. Mesmo depois da anulação dessas faturas, os direitos sobre as importações não eram cobrados à recorrente, mas sim às empresas Huashun Solar GmbH e Seraphim Solar System, como indicado no anexo I do regulamento impugnado, de modo que estas empresas são, segundo a Comissão, as únicas a que a referida disposição diz diretamente respeito.

31      Por último, a Comissão alega que a recorrente também não tem interesse em agir. Em seu entender, a recorrente não demonstrou em que medida a anulação do artigo 2.o do regulamento impugnado a podia beneficiar, tanto mais que a anulação das faturas não criava uma dívida aduaneira para a recorrente nem a exonerava de nenhuma obrigação.

32      A recorrente contesta as alegações da Comissão e do Conselho. Sustenta que o regulamento impugnado lhe diz direta e individualmente respeito, que tem interesse em agir e, portanto, que tem legitimidade para interpor o presente recurso.

33      A este respeito, há que referir que, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

34      Quanto ao requisito da afetação individual, importa recordar que, embora, face aos critérios do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, seja verdade que os regulamentos que instituem direitos antidumping têm, pela sua natureza e pelo seu alcance, caráter normativo na medida em que se aplicam à generalidade dos operadores económicos interessados, nem por isso está excluído que certas disposições desses regulamentos possam dizer individualmente respeito a certos operadores económicos (v. Despacho de 21 de janeiro de 2014, Bricmate/Conselho, T‑596/11, não publicado, EU:T:2014:53, n.o 23 e jurisprudência referida).

35      Daqui decorre que os atos que impõem direitos antidumping podem, sem perder o seu caráter regulador, em determinadas circunstâncias, dizer individualmente respeito a determinados operadores económicos (v. Despacho de 21 de janeiro de 2014, Bricmate/Conselho, T‑596/11, não publicado, EU:T:2014:53, n.o 24 e jurisprudência referida).

36      Quanto ao requisito de afetação direta, importa recordar que o requisito segundo o qual decisão que é objeto do recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, exige que estejam reunidos dois critérios cumulativos, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários responsáveis pela sua implementação, a qual tem uma natureza puramente automática e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. Despacho de 14 de janeiro de 2015, SolarWorld e o./Comissão, T‑507/13, EU:T:2015:23, n.o 40 e jurisprudência referida, confirmado pelo Despacho de 10 de março de 2016, SolarWorld/Comissão, C‑142/15 P, não publicado, EU:C:2016:163).

37      No que respeita às sociedades que oferecem um compromisso, a jurisprudência reconheceu que podem ser objeto de recurso, interposto nas jurisdições da União pelo exportador em causa, as decisões da Comissão respeitantes à denúncia da aceitação de um compromisso e do regulamento do Conselho que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações do referido exportador (v. Despacho de 14 de janeiro de 2015, SolarWorld e o./Comissão, T‑507/13, EU:T:2015:23, n.o 41 e jurisprudência referida).

38      As empresas exportadoras do produto sujeito a um direito antidumping a quem sejam imputadas as práticas de dumping e que possam demonstrar que foram identificadas nos atos das instituições são consideradas empresas às quais o regulamento que institui esse direito diz diretamente respeito (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Conselho/Marquis Energy, C‑466/16 P, EU:C:2019:156, n.o 54).

39      Além disso, segundo a jurisprudência, o simples facto de a aplicação de um ato cuja anulação é pedida ser efetuada através de uma medida nacional de execução não permite excluir que se possa considerar que o ato em causa diz diretamente respeito ao particular recorrente, desde que, todavia, o Estado‑Membro responsável pela execução desse ato não disponha de qualquer poder de apreciação autónomo (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2005, Land Oberösterreich e Áustria/Comissão, T‑366/03 e T‑235/04, EU:T:2005:347, n.o 29 e jurisprudência referida). Com efeito, nessa situação, a intervenção de uma decisão nacional tem caráter automático e deve considerar‑se que a situação jurídica do recorrente é diretamente afetada pela decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Ente per le Ville Vesuviane e Ente per le Ville Vesuviane/Comissão, C‑445/07 P e C‑455/07 P, EU:C:2009:529, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

40      Há igualmente que recordar que, segundo jurisprudência constante, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva apenas é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o ato impugnado seja anulado (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2008, Reliance Industries/Conselho e Comissão, T‑45/06, EU:T:2008:398, n.o 34 e jurisprudência referida).

–       Afetação individual

41      No caso em apreço, importa declarar que a recorrente é um produtor‑exportador do produto visado que cooperou plenamente com a Comissão no inquérito que conduziu à aplicação dos direitos antidumping e de compensação e cujo nome figura nos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013 que instituem os referidos direitos, bem como na aceitação do compromisso.

42      Além disso, a recorrente é explicitamente nomeada no regulamento impugnado. Por um lado, é mencionada no artigo 1.o do dispositivo do regulamento impugnado, relativo à denúncia dos compromissos que tinham sido anteriormente aceites pela Comissão. Por outro lado, é mencionada no considerando 31 desse mesmo regulamento como um dos dois produtores‑exportadores que emitiram faturas do compromisso ao abrigo do artigo 2.o do dispositivo deste mesmo regulamento. As faturas em causa no presente processo foram emitidas pela requerente à empresa Seraphim Solar System. O regulamento impugnado é relativo exclusivamente ao respeito dos compromissos dos dois produtores‑exportadores designados pelo nome, entre os quais a recorrente.

43      Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que o regulamento impugnado e o seu artigo 2.o dizem individualmente respeito à recorrente.

–       Afetação direta

44      No caso em apreço, a Comissão, depois de ter constatado a violação pela recorrente do compromisso proposto e denunciado a sua aceitação do referido compromisso, anulou, nos termos do artigo 2.o do regulamento impugnado, as faturas do compromisso emitidas pela recorrente correspondentes a determinadas transações específicas e, consequentemente, declarou que deviam ser cobrados os direitos definitivos devidos no que respeita a essas transações. Deste modo, as disposições impugnadas produziram diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente. Por outro lado, as consequências a retirar daí pelas Autoridades Aduaneiras nacionais prescreveram em razão das referidas disposições, sem que, nos termos destas últimas, essas autoridades pudessem reverter a anulação das faturas ou a cobrança dos direitos devidos.

45      Nestas circunstâncias, o regulamento impugnado, incluindo o seu artigo 2.o, dizem individualmente respeito à recorrente.

–       Interesse em agir

46      Importa observar que o facto, invocado pela Comissão, de as dívidas aduaneiras deverem ser pagas pelo importador, e não pelo produtor‑exportador, não obsta a que este último tenha interesse em obter a anulação de um ato que está na origem dessas dívidas.

47      A este respeito, importa salientar que a admissibilidade do recurso de um produtor‑exportador contra atos relativos à denúncia da aceitação de um compromisso e que instituem um direito antidumping definitivo sobre os produtos que fabrica e exporta no mercado da União é, implícita mas necessariamente, aceite pela jurisprudência (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2010, Usha Martin/Conselho e Comissão, T‑119/06, EU:T:2010:369, confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 22 de novembro de 2012, Usha Martin/Conselho e Comissão, C‑552/10 P, EU:C:2012:736). Numa configuração semelhante, importa deduzir que deve igualmente considera‑se que esse produtor‑exportador tem legitimidade para contestar a instituição do referido direito sobre os produtos que já exportou e cujas faturas do compromisso foram anuladas pela Comissão.

48      Além disso, é com razão que a recorrente alega que as disposições impugnadas, na medida em que contribuem para encarecer os seus produtos na importação, têm repercussões negativas nas suas relações comerciais com o importador dos produtos em causa, que o recurso, em caso de sucesso, é suscetível de eliminar.

49      Por conseguinte, a recorrente tem interesse em agir para pedir a anulação do artigo 2.o do regulamento impugnado. O recurso deve ser julgado admissível.

 Quanto à admissibilidade da exceção de ilegalidade da recorrente

50      A recorrente sustenta que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 são contrários ao artigo 8.o, n.os 1, 9 e 10, e ao artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 343, p. 51), conforme alterado, bem como ao artigo 13.o, n.os 1, 9 e 10, e ao artigo 16.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 597/2009 do Conselho, de 11 de junho de 2009, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 188, p. 93), na medida em que o Conselho, agindo na qualidade de autoridade de execução e não de legislador, não podia delegar na Comissão o poder de anular as faturas do compromisso mediante simples denúncia da aceitação de um compromisso nem ordenar às Autoridades Aduaneiras a cobrança de direitos sobre mercadorias já introduzidas em livre prática no território aduaneiro da União.

51      A Comissão, apoiada pelo Conselho, alega que o direito da recorrente de suscitar uma exceção de ilegalidade em conformidade com o artigo 277.o TFUE estava prescrito, em aplicação dos Acórdãos de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, EU:C:1994:90), e de 15 de fevereiro de 2001, Nachi Europe (C‑239/99, EU:C:2001:101).

52      A este respeito, segundo a Comissão, enquanto produtor‑exportador que colaborou nos inquéritos antidumping e antissubvenções, a recorrente gozava do direito limitado no tempo, que expirava em 3 de março de 2014, de interpor um recurso direto ao abrigo do artigo 263.o TFUE para contestar o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013. Por conseguinte, não pode agora invocar a exceção de ilegalidade nos termos do artigo 277.o TFUE para contestar estas disposições.

53      A Comissão sustenta que, por força do princípio da segurança jurídica, o caráter definitivo dos atos das instituições da União obsta a que sejam contestados após o termo do prazo de interposição de recurso contra esses atos previsto no artigo 263.o TFUE, mesmo no âmbito de uma exceção de ilegalidade suscitada em conformidade com o artigo 277.o TFUE contra os referidos atos. Esta conclusão aplica‑se também aos regulamentos que instituem direitos antidumping, devido à sua dupla natureza de atos com caráter normativo e de atos suscetíveis de dizer direta e individualmente respeito a certos operadores económicos.

54      Segundo a Comissão, no caso em apreço, é pacífico que a recorrente conhecia perfeitamente os Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013. Embora não tenha sido incluída na amostra, a recorrente participou ativamente no procedimento que deu origem à instituição de direitos antidumping e de compensação, a fim de ser beneficiada em relação aos produtores‑exportadores que não colaboraram. A recorrente figura nos anexos dos referidos regulamentos. Nestas circunstâncias, à semelhança de qualquer outro operador económico prudente, devia estar ao corrente do facto de o Conselho ter autorizado a Comissão a anular as faturas do compromisso e a ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrassem os direitos pelas faturas consideradas em violação do compromisso, de modo que o prazo de que dispunha para pôr em causa esse poder e, assim, proteger o seu interesse em contestar os regulamentos acima referidos, expirou em 3 de março de 2014.

55      A recorrente contesta as alegações da Comissão e do Conselho.

56      O Tribunal Geral salienta que, segundo jurisprudência constante, o artigo 277.o TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de contestar, com o objetivo de obter a anulação de uma decisão que a afeta direta e individualmente, a validade dos atos institucionais anteriores que constituem a base jurídica do ato impugnado, quando essa parte não dispunha do direito de interpor, nos termos do artigo 263.o TFUE, um recurso direto contra esses atos, de que sofreu assim as consequências sem ter podido pedir a sua anulação (v. Acórdão de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, EU:C:1979:53, n.o 39 e jurisprudência referida). Além disso, resulta claramente da jurisprudência que a invocação da exceção de ilegalidade só é possível se não houver outra via de recurso disponível (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf, C‑188/92, EU:C:1994:90, n.o 17; de 15 de fevereiro de 2001, Nachi Europe, C‑239/99, EU:C:2001:101, n.o 37; e de 8 de março de 2007, Roquette Frères, C‑441/05, EU:C:2007:150, n.o 40).

57      No caso em apreço, contrariamente ao que alega a Comissão, não se pode considerar que a recorrente tinha legitimidade para contestar, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, diretamente na sequência da respetiva adoção, o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, nem que o prazo para impugnar essas disposições tenha expirado em 3 de março de 2014.

58      A este respeito, importa sublinhar que o artigo 3.o do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 constituíram isenções a favor da requerente, na medida em que os produtos em questão, importados para a União, não estavam sujeitos ao pagamento dos direitos antidumping e de compensação definitivos, desde que estivessem preenchidas as condições previstas nos compromissos.

59      Além disso, no que respeita ao artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e ao artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, não se pode deixar de observar, como sustenta a recorrente, que estas disposições apenas visavam criar, a favor da Comissão, o direito de denunciar a aceitação dos compromissos concretos e anular as correspondentes faturas do compromisso.

60      Ora, por um lado, estava expressamente previsto, a este respeito, que a Comissão devia atuar através de medidas especiais, a saber, mediante a denúncia da aceitação de um compromisso, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 9, do Regulamento n.o 1225/2009 e o artigo 13.o, n.o 9, do Regulamento n.o 597/2009, através de um regulamento ou uma decisão, relativos a transações particulares e que declarassem as faturas do compromisso em causa nulas (v., neste sentido, Despacho de 14 de janeiro de 2015, SolarWorld e o./Comissão, T‑507/13, EU:T:2015:23, n.o 61). A situação do caso em apreço não é, portanto, comparável à situação em causa no Acórdão de 28 de fevereiro de 2017, Canadian Solar Emea e o./Conselho (T‑162/14, não publicado, EU:T:2017:124, n.o 47), a que a Comissão fez referência na audiência, sustentando que a recorrente tinha legitimidade para impugnar, desde a sua adoção, as disposições mencionadas no n.o 57, supra.

61      Por outro lado, como sustenta a recorrente, à data da adoção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, a questão de saber se essas disposições lhe iriam ser aplicadas era puramente hipotética.

62      Nestas circunstâncias, antes da aplicação concreta do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, que visavam todas as empresas que adotaram os compromissos em questão, não se podia considerar que essas disposições diziam diretamente respeito à recorrente. Também não tinha interesse em impugnar a sua legalidade no âmbito de um recurso de anulação durante o período indicado pela Comissão, que expirava em 3 de março de 2014. Mais especificamente, o interesse em agir da recorrente contra as disposições acima referidas não se podia basear na simples eventualidade de a Comissão lhe dirigir uma denúncia de aceitação dos compromissos seguida de uma revogação das respetivas faturas. A recorrente não tinha nenhuma razão para supor que se iria encontrar nessa situação hipotética.

63      Além disso, importa sublinhar que, diferentemente do Acórdão de 15 de fevereiro de 2001, Nachi Europe (C‑239/99, EU:C:2001:101, n.o 37), a que a Comissão faz referência, as disposições que, no caso em apreço, são objeto da exceção de ilegalidade não tinham a natureza de uma decisão individual. Pelo contrário, trata‑se de disposições de caráter geral, que deviam ser seguidas de medidas de execução subsequentes que podiam, eventualmente, prejudicar os interesses da recorrente (v., por analogia, Acórdão de 16 de março de 1978, Unicme e o./Conselho, 123/77, EU:C:1978:73, n.os 11 a 18). Nem o facto de a recorrente ter sido mencionada nos anexos dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013 nem o facto de que devia estar ao corrente da circunstância de o Conselho ter autorizado a Comissão a anular as faturas do compromisso tiveram como consequência permitir à recorrente impugnar as disposições referidas no n.o 57, supra, imediatamente na sequência da sua adoção.

64      Assim, na falta de interesse em agir contra estas disposições dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013 imediatamente na sequência da sua adoção, nada se opõe a que a recorrente invoque uma exceção de ilegalidade a respeito das mesmas no âmbito do presente recurso.

 Quanto ao mérito

65      A recorrente invoca um único fundamento em apoio do seu recurso. Em substância, alega que, com o regulamento impugnado, a Comissão violou o artigo 8.o, n.os 1, 9 e 10, e o artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base, bem como o artigo 13.o, n.os 1, 9 e 10, e o artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base, ao anular as faturas do compromisso e, em seguida, ao ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrassem direitos, como se não tivesse sido emitida nem comunicada às alfândegas nenhuma fatura do compromisso no momento em que as mercadorias foram colocadas em livre prática.

66      A recorrente fundamenta igualmente o seu recurso numa exceção de ilegalidade do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, baseada numa pretensa violação do artigo 8.o e do artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1225/2009, bem como do artigo 13.o e do artigo 16.o, n.o 5, do Regulamento n.o 597/2009, conforme aplicáveis à data da adoção dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013.

67      A título preliminar, importa observar que as disposições em causa, que fazem parte do regulamento antidumping de base e do regulamento antissubvenções de base (v. n.o 65, supra), aplicáveis à data da adoção do regulamento impugnado, são, em substância, idênticas às dos Regulamentos n.os 1225/2009 e 597/2009 (v. n.o 66, supra), no que respeita aos elementos pertinentes para a análise do presente processo. Portanto, no restante do acórdão, será feita referência aos regulamentos de base, salvo quando as disposições dos Regulamentos n.os 1225/2009 e 597/2009, aplicáveis ou invocadas consoante o caso, divirjam dos mesmos. Há que salientar que, embora os Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013 tenham sido adotados pelo Conselho, então dotado, ao abrigo dos Regulamentos n.os 1225/2009 e 597/2009, da competência de execução para instituir direitos definitivos, esta competência foi transferida para a Comissão pelo Regulamento (UE) n.o 37/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2014, que altera determinados regulamentos relativos à política comercial comum no que respeita aos procedimentos de adoção de certas medidas (JO 2014, L 18, p. 1).

68      A recorrente alega que resulta do artigo 8.o do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o do regulamento antissubvenções de base que, a partir do momento em que foram aceites compromissos de preços, enquanto esses compromissos estiverem em vigor, não se aplicam os direitos provisórios ou os direitos definitivos, consoante o caso. Em contrapartida, quando a aceitação do compromisso é denunciada na sequência da descoberta da violação, por um dos produtores‑exportadores que propuseram o compromisso, de certos termos deste último, resulta do artigo 8.o, n.o 9, do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o, n.o 9, do regulamento antissubvenções de base que os direitos, que não foram aplicados devido à aceitação do compromisso, se aplicam automaticamente. No entanto, segundo a recorrente, esses direitos dizem unicamente respeito às importações realizadas a partir da data da denúncia do compromisso. Isto resulta igualmente da prática da Comissão. Só recentemente é que a Comissão procedeu, em duas ocasiões, a anulações de faturas do compromisso do tipo das contidas no regulamento impugnado.

69      A recorrente alega que existem apenas duas exceções ao abrigo das quais a Comissão podia aplicar direitos retroativamente. A primeira diz respeito aos casos em que estão preenchidos os requisitos do artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base. Quando a Comissão suspeite da violação de um compromisso, pode decidir instituir direitos provisórios, os quais podem ser cobrados a título definitivo, caso se confirmem as suspeitas de violação.

70      A segunda exceção refere‑se, segundo a recorrente, às situações em que as importações foram registadas em conformidade com o artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base e o artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base. Se for ordenado às Autoridades Aduaneiras que registem as importações, o direito definitivo pode ser instituído retroativamente a partir da data do registo, desde que este tenha ocorrido, no máximo, 90 dias antes da instituição dos direitos provisórios.

71      Segundo a recorrente, a própria Comissão declarou que não havia base jurídica para uma denúncia retroativa das faturas do compromisso. Contesta que a Comissão possa sustentar que, no caso em apreço, tendo o inquérito antidumping sido concluído, a denúncia da aceitação do compromisso associado à anulação das faturas do compromisso não tinha efeito retroativo. A recorrente critica a Comissão por ter interpretado erradamente as disposições pertinentes.

72      Na réplica, a recorrente acrescenta que a fiscalização aduaneira e os controlos aduaneiros são competências das Autoridades Aduaneiras dos Estados‑Membros, em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1; a seguir «Código Aduaneiro da União»).

73      A Comissão sustenta, em substância, que o Conselho podia autorizá‑la, através dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013, a anular faturas do compromisso e a ordenar às Autoridades Aduaneiras nacionais que cobrassem os direitos relativos às importações realizadas em violação dos termos do compromisso.

74      Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que um compromisso de preços é um compromisso de obtenção de resultados. Um exportador relativamente ao qual se verificou que praticou dumping ou beneficiou de subvenções passíveis de medidas de compensação pode comprometer‑se a aumentar o preço das suas exportações de modo que elimine os efeitos prejudiciais das referidas práticas, demonstrando esse nível de preços pela emissão de faturas do compromisso. No entanto, deve respeitar o seu compromisso para poder continuar a beneficiar da isenção dos direitos antidumping ou de compensação que são normalmente devidos pelos produtos em causa, que foram objeto de dumping ou de subvenções. Um compromisso constitui, assim, uma exceção às condições que normalmente se aplicam aos produtos em causa. Em contrapartida, quando a fatura do compromisso não é apresentada ou quando se descobre posteriormente que não preenchia os requisitos exigidos, os direitos antidumping ou os direitos de compensação são novamente aplicáveis e as Autoridades Aduaneiras nacionais cobram os referidos direitos. A Comissão alega que, na medida em que um compromisso constitui uma exceção e um acordo especial, deve ser objeto de interpretação estrita. Celebrar um compromisso constitui um risco para a Comissão, ao qual acresce a dificuldade de o controlar. Compete a qualquer parte que o aceite assegurar o seu respeito efetivo e efetuar uma fiscalização eficaz quanto à sua execução, cooperando com a Comissão no âmbito de uma relação de confiança.

75      Por estas razões, o Tribunal de Justiça reconheceu que as instituições da União podiam aceitar, rejeitar e definir os termos de um compromisso de preços com base no seu poder de apreciação legislativo. Consequentemente, a Comissão pode sancionar qualquer violação de um compromisso ou da obrigação de cooperar no âmbito da sua execução, denunciando a sua aceitação e impondo os direitos antidumping e de compensação com base nos factos demonstrados no contexto do inquérito que conduziu ao compromisso de preços, em conformidade com o artigo 8.o, n.os 7 e 9, do regulamento antidumping de base e o artigo 13.o, n.os 7 e 9, do regulamento antissubvenções de base. Este poder sancionatório inclui o de anular as faturas do compromisso.

76      Em segundo lugar, a Comissão contesta o argumento da recorrente segundo o qual o Conselho não podia autorizá‑la, através dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013, a anular faturas relativas a mercadorias que já tinham sido colocadas em livre prática, na medida em que tal possibilidade não está prevista no regulamento antidumping de base nem no regulamento antissubvenções de base.

77      Antes de mais, a este respeito, a Comissão sustenta que tinha por missão geral fiscalizar os compromissos aceites nos termos do artigo 8.o do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o do regulamento antissubvenções de base, se necessário, com a ajuda das Autoridades Aduaneiras dos Estados‑Membros. A Comissão sustenta que estas disposições não se opõem à anulação das faturas do compromisso, mas simplesmente não fazer qualquer referência a essa anulação.

78      Em seguida, segundo a Comissão, o artigo 8.o, n.o 9, do regulamento antidumping de base e o artigo 13.o, n.o 9, do regulamento antissubvenções de base não definem a natureza das infrações ao compromisso nem determinam as circunstâncias em que é necessário denunciar a sua aceitação. Cabe às instituições impor certas exigências de conformidade, sendo a emissão das faturas do compromisso apenas um exemplo entre outros. A base jurídica para a definição destas modalidades técnicas nos regulamentos que instituem direitos definitivos encontra‑se no artigo 14.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base e no artigo 24.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base, segundo os quais os direitos são cobrados «pelos Estados‑Membros de acordo com a forma, a taxa e os outros elementos fixados no regulamento que os cria». A possibilidade de autorizar a Comissão a anular as faturas do compromisso decorre da sua missão geral que consiste em fiscalizar os compromissos, do poder do Conselho de fixar «outros elementos» para a cobrança dos direitos em causa e da obrigação dos produtores‑exportadores de permitirem uma fiscalização no âmbito de uma relação de confiança com a Comissão, a qual depende da fiabilidade dos documentos fornecidos.

79      Seguidamente, a Comissão sustenta que a obrigação de apresentar faturas do compromisso e a anulação destas últimas em caso de não conformidade com os compromissos assumidos não são novidade. No caso em apreço, a Comissão alega ter feito uso do seu poder de denunciar a aceitação do compromisso e de anular as correspondentes faturas, fundamentando adequadamente a sua decisão em relação à recorrente. Um direito antidumping ou de compensação devido nesse caso, em razão de uma fatura do compromisso anulada, visa simplesmente regularizar as circunstâncias. A anulação das faturas do compromisso visa reforçar a eficácia dos compromissos de preços aceites pela Comissão e reflete e complementa a competência das Autoridades Aduaneiras nacionais através de um instrumento adicional, que permite cobrar os direitos em caso de violação de um compromisso.

80      Depois, segundo a Comissão, a recorrente não pode invocar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. A Comissão alega que a isenção dos direitos antidumping e de compensação não constituía uma situação definitiva no momento da introdução em livre prática. Além disso, regras jurídicas claras tinham indicado à recorrente, desde o início, a possibilidade de anulação de faturas do compromisso, nomeadamente em caso de violação do compromisso.

81      A Comissão alega que são as Autoridades Aduaneiras nacionais que devem apreciar se são ou não capazes de cobrar os direitos aduaneiros pelas faturas, relativamente às quais expirou o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 103.o, n.o 2, do Código Aduaneiro da União, conforme aplicado aos direitos em causa pelo artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base. O artigo correspondente do regulamento antissubvenções de base é o artigo 24.o, n.o 1. A Comissão sustenta, nomeadamente, que, uma vez que os efeitos dessas anulações não se aplicavam ratione temporis numa data anterior a 23 de abril de 2014, isto é, a data de apresentação da primeira fatura do compromisso da recorrente, e ainda menos em 4 de dezembro de 2013, ou seja, a data de aplicação dos direitos sobre o produto em causa, não houve qualquer retroatividade na aceção do direito da União.

82      Segundo a Comissão, neste contexto e à luz do princípio da proteção dos recursos próprios da União, é evidente que, quando são apresentadas faturas do compromisso incorretas ou incompletas, aplica‑se o direito antidumping ou de compensação normal devido pelo produtor‑exportador em questão, como se este último não tivesse apresentado uma fatura do compromisso, e os direitos que não foram pagos em razão da apresentação dessas faturas do compromisso são então devidos, como se não houvesse isenção.

83      Por último, quanto às disposições do artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base e do artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base, a Comissão admite que não cobrem a prática denunciada.

84      Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que nunca houve uma prática que consista em isentar dos direitos antidumping ou de compensação as importações realizadas antes da denúncia da aceitação de um compromisso. Os únicos casos em que as faturas do compromisso não foram anuladas não se enquadram na categoria descrita pela recorrente. Mesmo que tal prática tivesse existido, não afetaria a legalidade do regulamento impugnado. Neste contexto, o n.o 33 da petição é inadmissível, porquanto viola o artigo 76.o, alínea f), do Regulamento de Processo, na medida em que não foi produzida nenhuma prova.

85      A Comissão sustenta que a posição da recorrente pode ser resumida no sentido de que a única consequência jurídica da violação de um compromisso é a sua denúncia para o futuro. Todas as transações baseadas em violações, efetuadas antes da adoção da decisão de denúncia, estão protegidas. Ora, a Comissão sublinha que nada no direito da União justifica uma proteção tão ampla de um operador económico que viola as obrigações que aceitou voluntariamente, em especial quando foi prevenido antecipadamente das consequências de tais atos.

86      Na tréplica, a Comissão sustenta, em substância, que a recorrente e ela concordam que, em princípio, podem ser instituídos direitos antidumping e de compensação a partir da violação do compromisso. A discordância incide apenas sobre o método a utilizar a este respeito. A Comissão considera que é inútil recorrer ao registo e a direitos provisórios quando o inquérito foi concluído e foram instituídos direitos definitivos. O método proposto pela recorrente não tem em conta o facto de a Comissão só poder iniciar o registo depois de detetar uma violação de um compromisso. A Comissão sustenta que seguiu o procedimento adequado. Com efeito, a anulação da fatura do compromisso é a única maneira de cobrar direitos a partir do evento factual constitutivo da infração. A Comissão sustenta também que há que distinguir entre a instituição dos direitos e a suspensão da respetiva cobrança. A situação do presente processo enquadra‑se neste segundo caso.

87      Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a fiscalização aduaneira e os controlos aduaneiros são competências das Autoridades Aduaneiras dos Estados‑Membros, a Comissão alega que este argumento foi apresentado, pela primeira vez, na réplica e que, portanto, é inadmissível com base no artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Em todo o caso, é improcedente.

88      A Comissão alega que é ponto assente que ordenou às Autoridades Aduaneiras que cobrassem os direitos antidumping e de compensação devidos sobre as importações do produto em causa, em conformidade com o artigo 2.o do regulamento impugnado. Afirma que, sem pretender usurpar as competências das autoridades nacionais, se impôs o dever de realizar certas atividades de controlo e de verificação da conformidade, ao abrigo dos poderes previstos no artigo 14.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base e no artigo 24.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base, de modo que proteja os recursos próprios da União.

89      Por último, a Comissão indica que o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão e o Conselho, na sua qualidade de autoridade executiva, alargaram os poderes da Comissão para lá do permitido pelos Tratados e pelo direito derivado é inadmissível, uma vez que se trata de um fundamento novo apresentado pela primeira vez na réplica, contrariamente às exigências do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Em todo o caso, segundo a Comissão, este argumento carece de clareza quanto à forma como o Conselho alargou as competências da Comissão.

90      O Conselho apoia, em substância, as alegações da Comissão. Em primeiro lugar, alega que a interpretação correta do artigo 8.o, n.o 9, do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o, n.o 9, do regulamento antissubvenções de base mostra que estas disposições autorizam a anulação das faturas do compromisso. Em segundo lugar, sustenta que os regulamentos acima referidos fornecem uma base jurídica que permite às instituições da União impor exigências de conformidade para a gestão dos compromissos de preços. Em terceiro lugar, segundo o Conselho, as cláusulas de anulação das faturas do compromisso correspondem à prática das instituições da União. Em quarto lugar, o Conselho afirma que a anulação das faturas do compromisso não é equivalente à imposição retroativa de direitos antidumping e de compensação, o que seria contrário ao direito da União.

91      A recorrente contesta tanto as alegações da Comissão como as do Conselho.

 Quanto ao quadro jurídico em que se enquadram os compromissos e as faturas do compromisso da recorrente

92      Recorde‑se que, segundo o artigo 8.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base, no caso de se verificar a existência de um dumping e de um prejuízo, a Comissão tem a faculdade de aceitar propostas mediante as quais os exportadores se comprometem voluntariamente e de modo satisfatório a rever os seus preços para evitar exportar os produtos em causa a preços de dumping, se estiver convencida que o efeito prejudicial do dumping é eliminado por esse compromisso.

93      No caso em apreço, por um lado, importa declarar que os direitos antidumping e de compensação definitivos foram fixados, com taxas que foram precisadas segundo categorias de empresas, nomeadamente em função do facto de se tratar de empresas que colaboraram no inquérito. Por outro lado, a aceitação dos compromissos em causa tinha como consequência isentar as empresas em causa do pagamento dos direitos antidumping e de compensação definitivos, como resultava do artigo 3.o, n.o 1, e do considerando 438 do Regulamento de Execução n.o 1238/2013, bem como do artigo 2.o, n.o 1, e do considerando 865 do Regulamento de Execução n.o 1239/2013.

94      A este respeito, já foi declarado na jurisprudência relativa a uma interpretação do regime aplicável aos compromissos nos termos do Regulamento n.o 1225/2009 que não é devido à adoção da decisão de aceitação dos compromissos que as importações que são objeto desses compromissos ficam isentas de direitos antidumping, sendo que a isenção resulta das disposições que são adotadas quer pela Comissão, no regulamento provisório antidumping alterado, quer pelo Conselho, no regulamento definitivo antidumping, para implementar os compromissos aceites pela Comissão. Tal obrigação impende sobre o Conselho, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1225/2009, que enuncia que um regulamento deve instituir um direito antidumping definitivo relativamente às importações de um produto que se determine serem objeto de dumping e que causem prejuízo, com exceção das importações provenientes de fornecedores dos quais tenham sido, se for esse o caso, aceites compromissos (Despacho de 14 de janeiro de 2015, SolarWorld e o./Comissão, T‑507/13, EU:T:2015:23, n.o 48).

95      Importa declarar que, embora tenha sido adotada uma decisão de aceitação dos compromissos, os direitos antidumping provisórios ou definitivos só são criados, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1225/2009, por regulamento, prevendo igualmente esta disposição que a sua cobrança pelos Estados‑Membros é efetuada de acordo com os outros elementos fixados no regulamento que os cria, entre os quais figuram os requisitos enunciados para a implementação dos compromissos que foram aceites (Despacho de 14 de janeiro de 2015, SolarWorld e o./Comissão, T‑507/13, EU:T:2015:23, n.o 49). O artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 597/2009 segue, em substância, a mesma abordagem.

96      Acresce que, por um lado, está previsto que a Comissão é obrigada a verificar o respeito dos compromissos, se necessário com a assistência das Autoridades Aduaneiras dos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 9, do Regulamento n.o 1225/2009 e o artigo 13.o, n.o 9, do Regulamento n.o 597/2009. Além disso, é manifesto que a execução, pela Comissão, do controlo dos compromissos depende da fiabilidade dos documentos fornecidos no exercício do compromisso assumido pelo exportador em causa (Acórdão de 22 de novembro de 2012, Usha Martin/Conselho e Comissão, C‑552/10 P, EU:C:2012:736, n.o 35).

97      Por outro lado, em conformidade com a finalidade do artigo 8.o do Regulamento n.o 1225/2009, por força do compromisso que subscreveu, a recorrente era ainda obrigada não apenas a assegurar o seu respeito efetivo mas também a efetuar uma fiscalização eficaz da execução desse compromisso, cooperando com a Comissão no quadro da relação de confiança em que assenta a aceitação desse compromisso por esta instituição (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Usha Martin/Conselho e Comissão, C‑552/10 P, EU:C:2012:736, n.o 24). Esta mesma lógica é aplicável, por analogia, aos compromissos no contexto dos direitos de compensação, em conformidade com o artigo 13.o do Regulamento n.o 597/2009, na medida em que a sua finalidade continua a ser semelhante aos compromissos assumidos no contexto do regulamento antidumping de base.

98      Além disso, como salientou a Comissão, um compromisso de preços por parte de uma empresa deve ser considerado uma obrigação de resultado, que deve ser respeitada e comprovada, nomeadamente, pela emissão de faturas do compromisso quando da importação dos produtos em causa para a União. O artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 contêm referências explícitas às faturas do compromisso. Como sustenta a Comissão, o conteúdo das faturas dos compromissos e dos certificados de compromisso de exportação está previsto nos anexos III e IV do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e nos anexos 2 e 3 do Regulamento de Execução n.o 1239/2013.

99      Por último, resulta da jurisprudência que existe um imperativo de assegurar um controlo adequado dos compromissos (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Rusal Armenal/Conselho, T‑512/09 RENV, EU:T:2017:26, n.o 178).

 Quanto aos efeitos ligados à denúncia da aceitação do compromisso pela Comissão e à anulação das faturas do compromisso no regulamento impugnado

100    Antes de mais, há que salientar que, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, segundo parágrafo, do regulamento antidumping de base:

«[…] enquanto tais compromissos estiverem em vigor, os direitos provisórios instituídos pela Comissão nos termos do artigo 7.o, n.o 1, ou os direitos definitivos instituídos nos termos do artigo 9.o, n.o 4, consoante o caso, não se aplicam às importações relevantes do produto em causa fabricado pelas empresas referidas na decisão da Comissão que aceita esses compromissos e nas sucessivas alterações dessa decisão.»

101    A redação do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, do regulamento antissubvenções de base é, em substância, idêntica.

102    Em seguida, o artigo 8.o, n.o 9, do regulamento antidumping de base, enuncia:

«Caso uma parte viole ou denuncie os compromissos, ou caso a Comissão denuncie a aceitação desse compromisso, a aceitação do compromisso é denunciada por decisão ou regulamento da Comissão, consoante o caso, e o direito provisório anteriormente instituído pela Comissão nos termos do artigo 7.o, ou o direito definitivo anteriormente instituído nos termos do artigo 9.o, n.o 4, é aplicado automaticamente, desde que o exportador em causa tenha tido a oportunidade de apresentar as suas observações, a menos que esse exportador haja denunciado o compromisso. […]»

103    A redação do artigo 13.o, n.o 9, do regulamento antissubvenções de base é, em substância, idêntica.

104    A este respeito, os considerandos 18 e 19 do Regulamento (CE) n.o 461/2004 do Conselho, de 8 de março de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.o 384/96, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia, bem como o Regulamento (CE) n.o 2026/97, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da Comunidade Europeia (JO 2004, L 77, p. 12), que levaram a uma alteração da redação das disposições pertinentes para o presente litígio, têm a seguinte redação:

«(18)      O n.o 9 do artigo 8.o do regulamento antidumping de base estipula designadamente que, caso uma parte denuncie os compromissos, será criado um direito definitivo nos termos do artigo 9.o, com base nos factos estabelecidos no âmbito do inquérito que conduziu ao compromisso. Esta disposição implica um processo duplo e moroso que consiste na adoção de uma decisão da Comissão que denuncia a aceitação do compromisso e de um regulamento do Conselho que reinstitui o direito. Tendo em conta que esta disposição não deixa ao Conselho nenhuma faculdade de apreciação quanto à instituição ou ao nível do direito a instituir na sequência da violação ou denúncia de um compromisso, considera‑se oportuno alterar as disposições dos n.os 1, 5 e 9 do artigo 8.o para clarificar a responsabilidade da Comissão e para permitir a denúncia de um compromisso e a aplicação do direito num ato jurídico único. É igualmente necessário assegurar que o procedimento de denúncia seja encerrado, normalmente, no prazo de seis meses e, em qualquer caso, não superior a nove meses a fim de assegurar a correta aplicação da medida em vigor.

(19)      O considerando 18 aplica‑se, mutatis mutandis, aos compromissos nos termos do artigo 13.o do regulamento antissubvenções de base.»

105    Por último, no artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base tem a seguinte redação:

«Pode ser instituído um direito provisório nos termos do artigo 7.o, com base nas melhores informações disponíveis, quando existam razões para acreditar que o compromisso está a ser quebrado ou, em caso de quebra ou denúncia de um compromisso, quando o inquérito que conduziu ao compromisso não tenha sido concluído.»

106    A redação do artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base é, em substância, idêntica.

107    A divergência entre as partes está na interpretação dos efeitos destas disposições. Por um lado, a Comissão e o Conselho consideram que a denúncia da aceitação dos compromissos tem por efeito a reposição da situação inicial, no sentido de que passam a ser devidos todos os direitos antidumping e de compensação definitivos, relativos às faturas do compromisso anuladas.

108    Por outro lado, a recorrente sustenta que só podem ser instituídos direitos antidumping e de compensação para o futuro, isto é, a partir da denúncia, pela Comissão, da aceitação dos compromissos, salvo determinadas exceções expressamente previstas no regulamento antidumping de base e no regulamento antissubvenções de base.

109    A Comissão sustenta, em substância, que, nestas circunstâncias, os direitos antidumping ou de compensação definitivos são «novamente aplicáveis». Alega que a situação em apreço é análoga à situação em que um importador apresenta para desalfandegamento uma fatura do compromisso que não foi assinada por um responsável do produtor‑exportador ou que apresenta outras irregularidades. De igual modo, remete para certas situações relativas a isenções de direitos aduaneiros em caso de prova da origem preferencial, nas quais um controlo a posteriori demonstra que a tarifa preferencial foi indevidamente concedida, a saber, para os Acórdãos de 7 de dezembro de 1993, Huygen e o. (C‑12/92, EU:C:1993:914, n.o 19), e de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services (C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 34). Neste mesmo sentido, na audiência, a Comissão fez referência, em substância, a que, em caso de denúncia da aceitação dos compromissos, as instituições da União davam instruções às autoridades nacionais para cobrarem os direitos aplicáveis ou, por outras palavras, para «reiniciarem a transação». Trata‑se, assim, de expor as importações aos direitos antidumping e antissubvenções definitivos iniciais, tal como estabelecidos em conformidade com o artigo 9.o, n.o 4, do regulamento antidumping de base e o artigo 15.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base.

110    A recorrente não contesta que as instituições da União podem aceitar, rejeitar e definir os termos do compromisso de preços com base no seu poder de apreciação. A recorrente também não contesta o poder de apreciação que as instituições da União têm no que respeita à denúncia da aceitação de um compromisso.

111    Em contrapartida, para sustentar que só em circunstâncias muito precisas era possível aplicar, a título retroativo, medidas antidumping e direitos de compensação definitivos, a recorrente remete para o artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base e, mais especificamente ainda, para o artigo 10.o, n.o 5, deste mesmo regulamento, com a epígrafe «Retroatividade», que tem a seguinte redação:

«Em caso de quebra ou de denúncia de um compromisso, podem ser cobrados direitos definitivos sobre os produtos introduzidos no consumo, no máximo até 90 dias antes da data de aplicação de medidas provisórias, desde que as importações tenham sido registadas em conformidade com o artigo 14.o, n.o 5, e essa medida retroativa não seja aplicável às importações introduzidas na União antes da quebra ou denúncia do compromisso.»

112    A recorrente afirma que estas disposições correspondem, em substância, ao artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base e ao artigo 16.o, n.o 5, deste mesmo regulamento.

113    A recorrente alega que só mediante registo é que poderiam ter sido aplicadas contra as importações em causa medidas, como a exigência de reembolso dos direitos antidumping e de compensação definitivos devidos. Assim, em seu entender, a abordagem da Comissão no caso em apreço está errada e é ilegal, uma vez que não segue nenhuma das hipóteses expressamente previstas pelo legislador para as situações em que os direitos antidumping ou de compensação devem ser aplicados retroativamente. A recorrente sustenta que a Comissão não pode ordenar a cobrança de direitos definitivos sobre os produtos colocados em livre prática se não tiver previamente instituído direitos provisórios ou ordenado o registo.

114    A exceção de ilegalidade suscitada pela recorrente contra o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 deve ser entendida no sentido de que sustenta que a aplicação retroativa dos direitos antidumping ou de compensação no caso em apreço também não podia legalmente basear‑se nestas disposições. Com efeito, estas disposições, em especial, o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, são, elas próprias, contrárias ao artigo 8.o e ao artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base, bem como ao artigo 13.o e ao artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base. Esta exceção será examinada após a análise do fundamento único da recorrente.

 Quanto ao fundamento único invocado pela recorrente

115    Em primeiro lugar, importa observar, relativamente à referência efetuada pela recorrente ao artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base e ao artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base, que estas disposições não dizem respeito à situação em apreço.

116    Com efeito, por um lado, como sublinham a Comissão e o Conselho, a situação em apreço não é equiparável àquela em que havia unicamente «razões para acreditar» que um compromisso tinha sido violado e, consequentemente, era possível instituir um direito provisório. Pelo contrário, no caso em apreço, a violação do compromisso da recorrente não foi contestada por esta última. O facto de a recorrente afirmar que não contestou a denúncia da aceitação do compromisso pela única razão de que tinha conhecimento que as instituições da União tinham uma importante margem de apreciação a este respeito não altera em nada esta conclusão.

117    Por outro lado, também não se trata, no caso em apreço, da segunda situação prevista nas disposições recordadas no n.o 115, supra, na qual, «em caso de quebra […] de um compromisso», o inquérito que conduziu a esse compromisso «não tenha sido concluído». Pelo contrário, é pacífico que o Conselho adotou direitos definitivos antidumping e de compensação.

118    Em segundo lugar, quanto à referência efetuada pela recorrente ao artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base e ao artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base, importa observar que estas disposições dizem respeito a situações particulares, em que as instituições atuaram mediante «registo» das importações, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base ou o artigo 24.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base. Além disso, estas disposições tomam como base de cálculo da retroatividade a data de aplicação das medidas provisórias. Ora, no caso em apreço, nenhuma destas hipóteses é aplicável, na falta de registo das importações em causa pela Comissão e na falta de medidas provisórias.

119    Na medida em que a situação no caso em apreço não corresponde, assim, a nenhuma das hipóteses expressamente previstas no regulamento antidumping de base e no regulamento antissubvenções de base, há que avaliar se, como afirma a recorrente (v. n.os 69 a 71, supra), não existe nenhum outro fundamento jurídico para a adoção do artigo 2.o do dispositivo do regulamento impugnado.

120    A Comissão e o Conselho remetem para o contexto particular do presente processo para explicar a abordagem adotada no regulamento impugnado. A este respeito, a Comissão sustentou, referindo‑se a uma interpretação sistemática do regulamento antidumping de base e do regulamento antissubvenções de base, que resultava da mesma que os direitos definitivos, tal como tinham sido inicialmente instituídos sobre os produtos abrangidos pelos compromissos da recorrente, podiam ser automaticamente aplicados, como consequência direta da medida que consistia na denúncia da aceitação dos referidos compromissos pela Comissão.

121    O Conselho indicou que o regulamento antidumping de base e o regulamento antissubvenções de base não contemplavam expressamente a situação, «provavelmente mais frequente», em que, como no caso em apreço, a Comissão dava início, por sua própria iniciativa, a um inquérito sobre a violação do compromisso. Além disso, o Conselho contestou a abordagem segundo a qual, devido ao facto de este tipo de inquérito não estar expressamente previsto no regulamento antidumping de base nem no regulamento antissubvenções de base e de estes últimos não preverem expressamente a faculdade de a Comissão anular as faturas do compromisso, devia concluir‑se que esta prática era ilegal (v. também n.o 90, supra). O Conselho acrescenta que o conceito de «faturas do compromisso», enquanto meio para gerir os compromissos aceites, foi desenvolvido na prática decisória das instituições da União.

122    Segundo o Conselho, no caso em apreço, não era possível nem necessário proceder à instituição dos direitos antidumping e de compensação provisórios ou ao registo dos produtos importados, dado que o inquérito já tinha sido concluído e tinham sido fixados direitos definitivos, não obstante a aceitação concomitante pela Comissão dos compromissos da recorrente e de outras empresas exportadoras chinesas. O Conselho sustenta que os direitos provisórios eram apenas simples precursores de direitos definitivos. No caso em apreço, segundo o Conselho, não era possível retroceder, o registo não tinha qualquer sentido e os direitos provisórios já não podiam ser pertinentes, uma vez substituídos pelos direitos definitivos. O Conselho afirma que o procedimento seguido pela Comissão era um procedimento especial que, em seu entender, se integrava na prática constante das instituições da União num contexto comparável.

123    O Conselho alega que, no caso em apreço, havia que apreciar quais eram as faturas do compromisso em causa e, na sequência da sua anulação, aplicar os direitos antidumping e de compensação devidos, que tinham sido simplesmente suspensos. O Conselho refere‑se ainda ao Acórdão de 21 de fevereiro de 1984, Allied Corporation e o./Comissão (239/82 e 275/82, EU:C:1984:68, n.o 21). Salienta o facto de as faturas do compromisso terem a mesma finalidade que os registos de importações, a saber, tornar estas últimas rastreáveis.

124    A Comissão e o Conselho sublinham que a argumentação da recorrente visa, na realidade, permitir a uma empresa beneficiar, na falta de regras precisas a esse respeito, de uma situação em que, apesar de ter adotado compromissos aceites pela Comissão, podia, no entanto, violar estes compromissos, em princípio com total impunidade em relação às situações já realizadas.

125    A recorrente alega que a denúncia da aceitação de um compromisso constitui, em si mesma, uma sanção suficiente, pois torna‑se então muito mais difícil para o operador vender as suas mercadorias de forma rentável no mercado da União.

126    O Conselho e a Comissão sustentam que, contrariamente ao que alegava a recorrente, é possível interpretar o artigo 14.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base e o artigo 24.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base no sentido de que deixam às instituições da União o cuidado de impor exigências de conformidade para os compromissos e de estabelecer procedimentos a esse respeito. Estas instituições sublinham que estes artigos, com a epígrafe «Disposições gerais», preveem que os direitos antidumping provisórios ou definitivos são criados por regulamento e cobrados pelos Estados‑Membros de acordo com a forma, a taxa e os outros elementos fixados no regulamento que os cria.

127    O Conselho e a Comissão sublinham, em especial, que as disposições mencionadas no n.o 126 supra fazem referência aos «outros elementos», que abrangem a possibilidade de fiscalizar o respeito de um compromisso através de faturas do compromisso. Por conseguinte, é possível deduzir a competência das instituições da União para anular as faturas do compromisso e ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrem os direitos «sobre as importações em causa». Assim, há que avaliar se estas disposições constituíam uma base jurídica suficiente, que permitia a adoção do artigo 2.o do regulamento impugnado.

128    Quanto a este ponto, a título preliminar, importa salientar que o Tribunal de Justiça já declarou, no n.o 58 do Acórdão de 15 de março de 2018, Deichmann (C‑256/16, EU:C:2018:187), para o qual a Comissão remeteu na audiência, que resultava da redação do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1225/2009 que o legislador da União não pretendeu determinar de forma limitativa os elementos relativos à cobrança dos direitos antidumping que podem ser fixados pela Comissão.

129    O Acórdão de 15 de março de 2018, Deichmann (C‑256/16, EU:C:2018:187), dizia respeito a um regulamento da Comissão cujo artigo 1.o previa injunções destinadas a preservar a cobrança dos direitos antidumping criados por regulamentos definitivos e de prorrogação, obrigando as Autoridades Aduaneiras nacionais a esperar que a Comissão determinasse as taxas a que esses direitos deviam ter sido fixados, em execução de um acórdão do Tribunal de Justiça, que anulou os direitos inicialmente fixados. Assim, a injunção consistia, em substância, em que as Autoridades Aduaneiras nacionais deviam esperar para saber quais eram os direitos realmente devidos, antes de se pronunciarem sobre os pedidos de reembolso, apresentados pelos operadores que pagaram os referidos direitos. Portanto, a situação em causa no referido processo dizia respeito à questão de saber qual era o montante dos direitos inicialmente pagos pelas partes que deviam ser reembolsados às referidas partes pelas Autoridades Aduaneiras.

130    Ora, diferentemente da situação em causa no Acórdão de 15 de março de 2018, Deichmann (C‑256/16, EU:C:2018:187), a questão suscitada no caso em apreço, a saber, a imposição temporal dos direitos antidumping e antissubvenções que teriam sido devidos se não existisse um compromisso entretanto violado ou denunciado, está coberta pelas disposições expressas do artigo 8.o, n.o 10, e do artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base, bem como pelas do artigo 13.o, n.o 10, e do artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base. Assim, é à luz destas disposições explícitas que se deve avaliar se a atuação da Comissão no caso em apreço assentava num fundamento jurídico previsto pelo legislador ou se se afastava do mesmo, no contexto específico das consequências que podiam ser retiradas de uma denúncia da aceitação de um compromisso.

131    A este respeito, recorde‑se que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos e os objetivos que prossegue mas também o seu contexto e o conjunto das disposições do direito da União [v. Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.o 49 e jurisprudência referida]. Além disso, quando se trata de determinar se uma disposição tem alcance retroativo, deve resultar claramente da mesma que esse efeito lhe deve ser atribuído (v., por analogia, Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.o 119).

132    A intenção do legislador de regular explicitamente, nos regulamentos de base, as consequências da violação ou da denúncia de compromissos, enquadrando as modalidades segundo as quais os direitos devidos podiam ser impostos retroativamente se não existissem compromissos, resulta de vários considerandos dos referidos regulamentos.

133    Assim, o considerando 14 do regulamento antidumping de base refere o seguinte:

«É necessário estabelecer os procedimentos para a aceitação de compromissos que eliminem o dumping e o prejuízo, em alternativa à criação de direitos provisórios ou definitivos. É também conveniente prever as consequências de uma violação ou denúncia de compromissos, bem como a criação de direitos provisórios em caso de suspeita de quebra ou sempre que seja necessário um inquérito posterior para completar as conclusões. Na aceitação de compromissos, será necessário assegurar que os compromissos propostos, bem como o seu cumprimento, não deem origem a um comportamento anticoncorrencial.»

134    O considerando 12 do regulamento antissubvenções de base tem um conteúdo correspondente.

135    Além disso, o considerando 17 do regulamento antidumping de base refere o seguinte:

«É necessário prever a cobrança retroativa de direitos provisórios, caso esta seja considerada adequada, e definir as circunstâncias em que pode haver lugar à incidência retroativa de direitos a fim de se evitar que as medidas definitivas a aplicar venham a ser inúteis. É igualmente necessário prever que os direitos possam ser aplicados retroativamente em caso de violação ou de retirada de compromissos.»

136    O considerando 16 do regulamento antissubvenções de base é idêntico.

137    Tendo em conta a economia e as finalidades dos regulamentos de base assim recordadas, que revelam, por um lado, a intenção do legislador de legislar sobre os procedimentos que podem ser utilizados para retirar as consequências de uma denúncia da aceitação de um compromisso pela Comissão e, por outro lado, as disposições, referidas nos n.os 69 e 70, supra, pelas quais esta intenção do legislador foi concretizada, há que afastar a interpretação proposta pela Comissão e pelo Conselho no sentido de deduzir da referência, no artigo 14.o, n.o 1, do regulamento antidumping de base e no artigo 24.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base, aos «outros elementos» de cobrança dos direitos o poder de as instituições da União responsáveis pela execução dos regulamentos de base exigirem, no âmbito dessa competência de execução, o pagamento, pelas empresas em causa, de todos os direitos devidos a título das transações abrangidas pelas faturas do compromisso entretanto anuladas.

138    Esta conclusão é igualmente válida para a argumentação da Comissão e do Conselho segundo a qual é possível deduzir esse poder dos termos do artigo 8.o, n.o 9, do regulamento antidumping de base e do artigo 13.o, n.o 9, do regulamento antissubvenções de base, de acordo com os quais os direitos se aplicam automaticamente na sequência da denúncia da aceitação de compromissos. Com efeito, não se pode deixar de observar que essa aplicação automática está prevista nos limites expressamente fixados no artigo 8.o, n.o 10, e no artigo 10.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base, bem como no artigo 13.o, n.o 10, e no artigo 16.o, n.o 5, do regulamento antissubvenções de base.

139    Nenhum dos outros argumentos formulados pela Comissão e pelo Conselho é suscetível de infirmar a conclusão precedente.

140    Em primeiro lugar, quanto às alegações do Conselho, recordadas nos n.os 122 e 123, supra, em substância, por um lado, consistem no facto de não poderem ser impostos direitos provisórios por suspeitas de violação de compromissos com base no artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base e no artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base, uma vez que a imposição de direitos definitivos já foi decidida anteriormente. Por outro lado, o Conselho sustenta igualmente que o recurso às faturas do compromisso é equiparável a um registo das importações na aceção do artigo 14.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base. Daqui resulta que as disposições acima referidas ou não se aplicam aos factos do caso em apreço ou validam a prática das faturas do compromisso.

141    A este respeito, no que se refere, antes de mais, à primeira alegação, relativa à impossibilidade de aplicar direitos provisórios no caso em apreço devido à imposição anterior de direitos definitivos, há que salientar que a mesma, admitindo‑a fundada, não é suscetível de pôr em causa a conclusão de que os regulamentos de base preveem hipóteses, precisamente delimitadas, em que os direitos devidos em caso de violação de compromissos podem ser impostos retroativamente. De resto, como salienta com razão a recorrente, o artigo 8.o, n.o 10, do regulamento antidumping de base e o artigo 13.o, n.o 10, do regulamento antissubvenções de base preveem duas situações diferentes. Ora, só a segunda situação pressupõe que «o inquérito que conduziu ao compromisso não tenha sido concluído» e, portanto, que não tenham sido instituídos direitos definitivos.

142    No que respeita, em seguida, à pretensa equiparação das faturas do compromisso a um registo das importações na aceção do artigo 14.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base, basta observar que estas disposições limitam o recurso às medidas de registo obrigatório das importações a um período de nove meses. Por conseguinte, mesmo admitindo que um registo na aceção do artigo 14.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base seja equiparável à emissão de uma fatura do compromisso, o alcance temporal da anulação das faturas do compromisso nos termos das disposições impugnadas excede os limites impostos pelo regulamento antidumping de base.

143    Além disso, quanto à referência feita pelo Conselho ao Acórdão de 21 de fevereiro de 1984, Allied Corporation e o./Comissão (239/82 e 275/82, EU:C:1984:68, n.o 21), há que observar que este não tem incidência na existência de uma faculdade de a Comissão tomar, quando da denúncia da aceitação de um compromisso, medidas com efeito retroativo e, nomeadamente, ordenar às Autoridades Aduaneiras nacionais que cobrem direitos antidumping e de compensação definitivos, conforme inicialmente devidos. Com efeito, o referido acórdão diz respeito a um processo em que, na sequência da denúncia de um compromisso, a Comissão devia aplicar, o mais rapidamente possível, medidas «provisórias», na medida em que considerava que os interesses da União o impunham. Foi nestas circunstâncias que se especificou que a Comissão devia utilizar «as informações disponíveis». Foi nomeadamente indicado, no n.o 21 do referido acórdão, que, uma vez que a própria subscrição de um compromisso permitia pressupor a existência efetiva de dumping, não se podia exigir à Comissão a abertura de um novo inquérito no momento em que esse compromisso é denunciado.

144    Em segundo lugar, as referências feitas pelo Conselho aos considerandos 18 e 19 do Regulamento n.o 461/2004 (v. n.o 104, supra) devem ser rejeitadas por não serem decisivas para o presente litígio. Com efeito, os considerandos citados pelo Conselho não incidem sobre a questão da aplicação retroativa dos direitos que seriam devidos se não existisse o compromisso entretanto denunciado ou violado.

145    Em terceiro lugar, no que respeita às remissões efetuadas pela Comissão para certas circunstâncias ou para outros acórdãos no domínio dos direitos aduaneiros, relativos a faturas não assinadas apresentadas pelo importador para desalfandegamento ou ainda a situações em que um controlo a posteriori demonstrava que tinha sido concedida erradamente uma tarifa preferencial (v. n.o 109, supra), importa declarar que as finalidades e a economia inerentes aos regulamentos de base, conforme acima recordadas, obstam a um raciocínio por analogia com a aplicação da legislação aduaneira.

146    Em quarto lugar, a Comissão refere, nos n.os 49 e seguintes da sua contestação, para sustentar que, no caso em apreço, a norma jurídica era particularmente clara, que a Decisão 2013/423 continha, nomeadamente nos seus considerandos 14 e 15, disposições que alertavam para as consequências da violação dos compromissos. A Comissão e o Conselho fazem igualmente referência a vários casos anteriores, dos quais resulta que a obrigação de apresentar faturas do compromisso e a possibilidade da sua anulação não eram novidade e que a atuação da Comissão no caso em apreço também não constituía uma alteração de uma «prática» institucional anterior.

147    Ora, a antiguidade da prática reivindicada pela Comissão e pelo Conselho, assim como a circunstância de a recorrente ter tido conhecimento da mesma não têm incidência na conclusão de que esta prática é desprovida de base jurídica.

148    Por outro lado, na medida em que a solução do presente litígio também não se baseia nas alegações da recorrente relativas à existência de uma pretensa prática anterior que consiste em isentar dos direitos antidumping ou de compensação as importações realizadas antes da denúncia da aceitação de um compromisso, não é necessário decidir sobre a exceção de inadmissibilidade apresentada pela Comissão a este respeito (v. n.o 84, supra). Em todo o caso, há que julgar improcedente esta exceção de inadmissibilidade, dado que a questão da administração da prova de um facto alegado em apoio de um pedido não está relacionada com a admissibilidade desse pedido, mas com o seu mérito (v., por analogia, Despacho de 27 de abril de 2017, CJ/ECDC, T‑696/16 REV e T‑697/16 REV, não publicado, EU:T:2017:318, n.o 39). Além disso, há que precisar que resulta da redação do artigo 76.o, alínea f), do Regulamento de Processo, mais precisamente da utilização da expressão «se a tal houver lugar», que a petição não tem obrigatoriamente de conter oferecimentos de prova. A única sanção em matéria de oferecimentos de prova é a rejeição por atraso quando são apresentados, pela primeira vez e sem justificações, na réplica ou na tréplica ou, a título excecional, antes do encerramento da fase oral do processo ou antes da decisão do Tribunal Geral de decidir sem fase oral (artigo 85.o, n.os 2 e 3, do Regulamento de Processo) (v., neste sentido, Acórdão de 3 de fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T‑19/01, EU:T:2005:31, n.o 71).

149    Em quinto lugar, a Comissão sustenta que pretendia reforçar a eficácia dos compromissos, complementar a competência das Autoridades Aduaneiras nacionais e proceder de forma que a recorrente não pudesse contornar os controlos a posteriori das referidas Autoridades Aduaneiras, apesar de se ter verificado que vendia produtos abrangidos pelo compromisso por intermédio de importadores associados da União que não eram partes no compromisso, ou seja, por um canal de venda não autorizado pelo acordo.

150    A título preliminar, importa salientar que, nos n.os 31 a 37 da réplica, a recorrente reagiu às afirmações da Comissão relativas à repartição de competências entre as Autoridades Aduaneiras nacionais e as instituições da União no presente contexto (v. n.o 72, supra). A Comissão alegou, na tréplica, que os argumentos apresentados na réplica eram novos e, portanto, inadmissíveis. No entanto, na audiência, reservou a hipótese de a recorrente se ter limitado, na realidade, a fornecer elementos de facto. Tendo a recorrente precisado, a este respeito, que não tinha tido a intenção de invocar um fundamento novo baseado no Código Aduaneiro da União, há que considerar que a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão ficou sem objeto.

151    Quanto à procedência da alegação da Comissão, não se pode deixar de observar que, como afirma a recorrente, o facto de denunciar a aceitação dos compromissos já tem, enquanto tal, consequências negativas para o operador que os tinha assumido, constituindo uma sanção importante (v. n.o 125, supra). Além disso, não pode tratar‑se, como alegam a Comissão e o Conselho, de uma situação semelhante a uma impunidade do operador, que violou os seus compromissos, ou ainda de uma situação que lhe permita aproveitar‑se livremente dessa ação. Com efeito, importa sublinhar que não é qualquer ato de cobrança dos direitos antidumping ou antissubvenções que é proibido, mas que cabe às instituições da União ter em conta os limites processuais conforme previstos, a este respeito, pelo regulamento antidumping de base e pelo regulamento antissubvenções de base.

152    Tendo em conta tudo o que precede, há que declarar que os regulamentos de base não podem constituir fundamentos jurídicos suficientes para a adoção das disposições impugnadas.

 Quanto à exceção de ilegalidade

153    Importa ainda examinar se, apesar da inexistência de fundamentos jurídicos suficientes nos regulamentos de base, o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 podem fundamentar juridicamente as disposições impugnadas.

154    A este respeito, a recorrente baseia igualmente o seu recurso numa exceção de ilegalidade do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013, com fundamento numa pretensa violação do artigo 8.o e do artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1225/2009, bem como do artigo 13.o e do artigo 16.o, n.o 5, do Regulamento n.o 597/2009, conforme aplicáveis à data da adoção dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013.

155    O artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 contêm uma formulação que autoriza a Comissão a identificar transações relativamente às quais «é constituída uma dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática» sempre que a Comissão denuncie, nos termos do artigo 8.o, n.o 9, do Regulamento n.o 1225/2009 ou do artigo 13.o, n.o 9, do Regulamento n.o 597/2009, a aceitação do compromisso através de um regulamento ou de uma decisão, referindo‑se a transações específicas, e anule as correspondentes faturas.

156    A recorrente sustenta, em substância, que o Conselho, agindo na qualidade de autoridade de execução, e não na qualidade de legislador, não podia delegar na Comissão o poder de anular as faturas do compromisso mediante a simples denúncia da aceitação de um compromisso, nem ordenar às Autoridades Aduaneiras que cobrassem os direitos sobre mercadorias já introduzidas em livre prática no território aduaneiro da União. Assim, importa interpretar estas alegações no sentido de que visam, em especial, as disposições do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013.

157    Por razões análogas às já expostas nos n.os 128 a 140, supra, relativas à economia geral do regulamento antidumping de base e do regulamento antissubvenções de base, há que julgar procedente a exceção de ilegalidade da recorrente, relativa ao artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e ao artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013. Com efeito, por um lado, estas disposições não se enquadram nas hipóteses previstas no artigo 8.o e no artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1225/2009 nem no artigo 13.o e no artigo 16.o, n.o 5, do Regulamento n.o 597/2009, conforme aplicáveis à época da adoção dos Regulamentos de Execução n.os 1238/2013 e 1239/2013, e não estão em conformidade com estas. Por outro lado, também não resulta da economia geral dos Regulamentos n.os 1225/2009 e 597/2009 que o Conselho podia, através de um regulamento de execução, autorizar a Comissão a prever, sem restringir esse procedimento no tempo, que, na sequência de uma denúncia da sua aceitação de um compromisso e da anulação das correspondentes faturas, «[fosse] constituída uma dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática».

158    Por conseguinte, há que concluir que o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1238/2013 e o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Execução n.o 1239/2013 não são aplicáveis no caso em apreço.

 Quanto ao anexo C.3 da réplica

159    Nestas circunstâncias, não é necessário decidir sobre a admissibilidade do anexo C.3 da réplica. Com efeito, independentemente da questão de saber se o documento em causa, intitulado «Monitoring of Undertaking — Finding following the verification visit», cujo cabeçalho remete para a Direção‑Geral «Comércio» da Comissão, podia estar na posse do advogado da recorrente e ser utilizado no caso em apreço, há que concluir que, quando muito, não é mais do que um exemplo de uma abordagem administrativa que a Comissão tinha adotado num caso concreto, que não está, aliás, demonstrado que apresente as mesmas circunstâncias que o caso em apreço. Desse caso resulta, em substância, que a Comissão, depois de ter constatado uma violação de um compromisso particular, tinha, no entanto, considerado que não era necessário adotar qualquer ação. Ora, no caso em apreço, a solução do litígio não assenta na comparação das diferentes abordagens que a Comissão tinha podido adotar na sua prática anterior, no contexto das violações de compromissos pelos operadores em causa.

 Conclusão

160    À luz de todas as considerações precedentes, há que julgar procedente o fundamento único da recorrente e, consequentemente, anular as disposições impugnadas.

 Quanto às despesas

161    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Segundo o artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

162    Tendo a Comissão sido vencida, deve ser condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da recorrente, em conformidade com o pedido desta. O Conselho suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      O artigo 2.o do Regulamento de Execução (UE) 2016/2146 da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, que denuncia a aceitação do compromisso relativo a dois produtoresexportadores ao abrigo da Decisão de Execução 2013/707/UE que confirma a aceitação de um compromisso oferecido no âmbito dos processos antidumping e antissubvenções relativos às importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componenteschave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China para o período de aplicação das medidas definitivas, é anulado na medida em que respeita à Jiangsu Seraphim Solar System Co. Ltd.

2)      A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Jiangsu Seraphim Solar System.

3)      O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas.

Kanninen

Schwarcz

Iliopoulos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de julho de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.