ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de junho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 2.o, alínea c) — Conceito de “serviço de comunicações eletrónicas” — Envio de sinais — Serviço de correio eletrónico na Internet — Serviço Gmail»

No processo C‑193/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior do Land da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha), por decisão de 26 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de março de 2018, no processo

Google LLC

contra

Bundesrepublik Deustschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, K. Jürimäe, D. Šváby, S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de março de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Google LLC, por H. Neumann, B. Tavakoli e M. Wortmann, Rechtsanwälte,

–        em representação da Bundesrepublik Deutschland, por C. Mögelin e V. Janßen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e D. Klebs, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «Diretiva‑Quadro»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Google LLC à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha) a respeito da decisão da Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (Agência Federal das redes de eletricidade, gás, telecomunicações, correio e caminhos de ferro, Alemanha) (a seguir «BNetzA») que declara que o serviço de correio eletrónico Gmail da Google constitui um serviço de telecomunicações e, por consequência, lhe ordena, sob pena de aplicação de uma sanção pecuniária, que cumpra o seu dever de notificação.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 10 da Diretiva‑Quadro indica:

«A definição de “serviço da sociedade da informação” constante do artigo 1.o da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da Sociedade da Informação [(JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18)], abrange um amplo leque de atividades económicas desenvolvidas em linha. A maior parte dessas atividades não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva, dado que não consistem total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas. Os serviços de telefonia vocal e de envio de correio eletrónico estão abrangidos pela presente diretiva. A mesma empresa, por exemplo um prestador de serviços internet, pode oferecer tanto serviços eletrónicos de comunicações, tais como o acesso à internet, como serviços não abrangidos pela presente diretiva, tais como a prestação de conteúdos em linha.»

4        O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)      “Serviço de comunicações eletrónicas”, o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, excluindo os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas; excluem‑se igualmente os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.o da [Diretiva 98/34] que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.»

5        O artigo 8.o da Diretiva‑Quadro, com a epígrafe «Objetivos de política geral e princípios de regulação», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante da presente diretiva e das diretivas específicas, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objetivos.

Salvo disposição em contrário do artigo 9.o relativo às radiofrequências, os Estados‑Membros devem ter na melhor conta a conveniência de elaborar regulamentação tecnologicamente neutra e garantem que, no desempenho das funções de regulação especificadas na presente diretiva e nas diretivas específicas, em particular as destinadas a assegurar uma concorrência efetiva, as autoridades reguladoras nacionais ajam do mesmo modo.

[…]

2.      As autoridades reguladoras nacionais devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

[…]

b)      Assegurando que não existam distorções ou restrições da concorrência no setor das comunicações eletrónicas, incluindo no que diz respeito à transmissão de conteúdos;

[…]

4.      As autoridades reguladoras nacionais devem defender os interesses dos cidadãos da União Europeia, nomeadamente:

[…]

b)      Assegurando um elevado nível de proteção dos consumidores nas suas relações com os fornecedores, através, nomeadamente, de procedimentos de resolução de litígios simples e pouco dispendiosos, executados por um organismo independente das partes em conflito;

c)      Contribuindo para garantir um elevado nível de proteção dos dados pessoais e da privacidade;

[…]»

 Direito alemão

6        O § 3 da Telekommunikationsgesetz (Lei das Telecomunicações), de 22 de junho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1190), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «TKG»), dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

[…]

17a      “serviços de telecomunicações acessíveis ao público” os serviços de telecomunicações que estão à disposição do público;

[…]

22.      “telecomunicação” o ato técnico do envio, da transmissão e da receção de sinais através de equipamentos de telecomunicação;

23.      “equipamentos de telecomunicações” as instalações e sistemas técnicos que podem enviar, transferir, transmitir, receber, dirigir ou controlar sinais eletromagnéticos ou óticos identificáveis como mensagens;

24.      “serviços de telecomunicações” os serviços normalmente prestados mediante remuneração que consistem total ou principalmente no envio de sinais através das redes de telecomunicações, incluindo os serviços de transmissão através das redes utilizadas para a radiodifusão;

[…]

27.      “rede de telecomunicações”, o conjunto dos sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou de encaminhamento e os demais recursos, incluindo os elementos da rede que não se encontrem ativos, que permitem o envio de sinais por cabo, feixes hertzianos, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas, com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet, e móveis, os sistemas que utilizam a rede elétrica, na medida em que são utilizados para o envio de sinais, as redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida;

[…]»

7        O § 6, n.o 1, da TKG prevê:

«Qualquer entidade que explore comercialmente redes públicas de telecomunicações ou serviços de telecomunicações acessíveis ao público está obrigada a notificar imediatamente à autoridade regulamentar o lançamento, a alteração ou a cessação da sua atividade, bem como as alterações relativas à sua sociedade. A notificação deve ser efetuada por escrito.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        A Google é uma sociedade cuja sede está localizada nos Estados Unidos da América e que explora, nomeadamente, além de um motor de busca na Internet com o mesmo nome, um serviço de correio eletrónico que funciona através da Internet, denominado Gmail, explorado temporariamente sob o nome GoogleMail na Alemanha.

9        A Google explora também, na Alemanha, a sua própria infraestrutura de rede, ligada à Internet, e nomeadamente algumas ligações de banda larga entre áreas metropolitanas.

10      O Gmail é um serviço dito «não incluído na oferta do prestador de acesso à Internet» («não incluído na oferta PAI»), ou seja, um serviço disponível na Internet sem a participação de um operador de comunicações tradicional.

11      O Gmail presta aos seus utilizadores um serviço que lhes permite, nomeadamente, enviar e receber mensagens de correio eletrónico e dados através da Internet. Para usufruir desse serviço, o utilizador deve antes abrir uma conta de correio eletrónico, que lhe permite dispor de um endereço que o identifica como remetente e destinatário de mensagens de correio eletrónico. O utilizador pode aceder ao referido serviço através da ligação à sua conta, quer diretamente através do sítio web explorado pela Google (https://mail.google.com), utilizando um programa de navegação que lhe dá acesso a uma interface que lhe permite utilizar as funções de envio e receção de correio, bem como as funções de edição, de registo ou ainda de classificação de mensagens de correio eletrónico, quer através de um programa de correio eletrónico instalado no seu equipamento terminal (eMail cliente).

12      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no âmbito do serviço Gmail, o conteúdo das mensagens de correio eletrónico e dos dados não é alterado, mas dividido em diversos pacotes de dados distintos que são transmitidos ao destinatário através dos protocolos de comunicações para efeitos dos serviços de correio, como o Transmission Control Protocol — Internet Protocol (protocolo de controlo da transmissão — protocolo Internet, TCP‑IP) e o Simple Mail Transfer Protocol (protocolo de transferência de correio simples, SMTP). Tecnicamente, quer seja no seu programa de navegação ou no seu software eMail cliente, o utilizador elabora o conteúdo das mensagens de correio eletrónico e determina o destinatário ou os destinatários, transmitindo em seguida essas mensagens de correio à Google ao desencadear o processo de envio.

13      Para transmitir as referidas mensagens de correio ao seu destinatário, a Google utiliza servidores de correio eletrónico que efetuam o tratamento informático necessário para identificar o servidor de destino através do Domain Name System (sistema de nome de domínio, DNS) e proceder ao envio dos pacotes de dados. O percurso seguido por esses pacotes através das diversas redes parciais da Internet, exploradas por terceiros, é dinâmico e pode ser constantemente alterado, sem que o utilizador na origem do envio tenha conhecimento disso ou o possa controlar. Na receção, um servidor de destino regista as mensagens de correio eletrónico e conserva‑as numa caixa de correio eletrónica à qual o destinatário pode aceder por diversos meios. O percurso realizado pelas mensagens de correio eletrónico na Internet pode ser mais curto quando estas forem transmitidas entre utilizadores do mesmo prestador de serviços.

14      A BNetzA considera que o Gmail constitui um «serviço de telecomunicações», na aceção do § 6, n.o 1, da TKG, lido em conjugação com o § 3, n.o 24, da TKG, e que, por conseguinte, está sujeito à obrigação de lhe ser notificado.

15      Por consequência, por Decisão de 2 de julho de 2012, a BNetzA declarou formalmente, com base no § 126 da TKG, que, com o Gmail, a Google explorava um serviço de telecomunicações e ordenou‑lhe, sob pena de aplicação de uma sanção pecuniária, que cumprisse a obrigação de notificação prevista na TKG. A reclamação apresentada pela Google contra essa decisão foi indeferida por ser infundada, por Decisão da BNetzA de 22 de dezembro de 2014.

16      Em 23 de janeiro de 2015, a Google interpôs recurso no Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha), destinado a obter a anulação desta última decisão, tendo‑lhe sido negado provimento por Acórdão de 11 de novembro de 2015.

17      No presente caso, esse órgão jurisdicional considerou que o Gmail constituía um «serviço de telecomunicações», na aceção do § 6, n.o 1, da TKG, lido em conjugação com o § 3, n.o 24, desta lei, ou seja, um serviço normalmente prestado mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através das redes de comunicações eletrónicas. Segundo esse órgão jurisdicional, o critério central desta definição, a saber, o «envio de sinais», tem uma ligação estreita com o conceito de «telecomunicação» definido no § 3, n.o 22, da TKG como processo técnico de envio, transmissão e receção de sinais através de equipamentos de telecomunicação, sendo os referidos equipamentos definidos, nos termos do § 3, n.o 23, da TKG, como instalações e sistemas técnicos que podem enviar, transferir, transmitir, receber, dirigir ou controlar sinais eletromagnéticos ou óticos identificáveis como mensagens.

18      Com efeito, segundo o Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia), a Google permite aos utilizadores do serviço Gmail comunicar por mensagens de correio eletrónico através da Internet graças a uma interface na Internet ou através do software «eMail cliente» instalado no seu equipamento terminal ligado à Internet. O facto de o envio de sinais ser essencialmente feito através da Internet aberta e de serem, por conseguinte, os prestadores de acesso à Internet (a seguir «PAI») a transmiti‑los e não a própria Google não impede a classificação do Gmail como um serviço de telecomunicações. A prestação do envio de sinais dos PAI é imputável à Google pelo facto de esta se apropriar, na verdade, desta prestação do envio de sinais para prosseguir os seus objetivos e, em especial, pelo facto de contribuir de forma essencial para o funcionamento do processo de telecomunicação com as suas prestações de tratamento informático. Esse órgão jurisdicional considera que não há que proceder a uma análise puramente técnica para responder à questão de saber se um serviço consiste total ou principalmente no envio de sinais. A prestação do envio de sinais constitui o elemento principal do Gmail. No âmbito de uma apreciação qualitativa, a comunicação através do espaço com outros utilizadores e, por conseguinte, o próprio processo de telecomunicação encontra‑se em primeiro plano, enquanto as outras componentes relacionadas com o conteúdo do serviço não revestem nenhuma importância própria.

19      O referido órgão jurisdicional considera também que a responsabilidade civil da Google em relação aos utilizadores pela prestação do envio de sinais pelos PAI não é determinante e salienta que o serviço Gmail é prestado mediante remuneração. Com efeito, embora os serviços de correio eletrónico sejam oferecidos gratuitamente ao utilizador, pelo menos na sua versão de base, são contudo habitualmente financiados pela publicidade ou outras receitas indiretas.

20      A Google interpôs recurso do acórdão do Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia) no órgão jurisdicional de reenvio, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior do Land da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha).

21      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Google alega que o Gmail não é um serviço de telecomunicações na medida em que o referido serviço não emite sinais. É verdade que, enquanto serviço de correio eletrónico, o Gmail implica, à semelhança de outros serviços fora da oferta PAI como, por exemplo, as operações bancárias em linha, um envio de sinais. No entanto, não é a própria Google, mas os PAI, que enviam os sinais no que diz respeito tanto à transmissão de dados entre os utilizadores do Gmail e os servidores de correio eletrónico da Google como à transmissão de dados entre os servidores de correio eletrónico da Google e os servidores de correio eletrónico de outros serviços de correio eletrónico. A prestação do envio de sinais também não lhe é imputável uma vez que este envio é efetuado na Internet aberta segundo o princípio denominado do «best effort» («melhor esforço»). Por conseguinte, não está em condições de exercer um controlo, seja efetivo ou jurídico, sobre o processo de envio dos sinais.

22      A Google alega também que a circunstância de ser ela mesma a explorar a sua própria infraestrutura de rede como parte da Internet não é pertinente para tais efeitos, nem de facto nem de direito. Essa infraestrutura foi essencialmente criada para prestar serviços «de capacidades intensivas» quanto a dados, como a «pesquisa Google» e «Youtube», mas não é necessária para a exploração do Gmail, mesmo que também seja utilizada para este objetivo. Por último, sublinha que o Gmail não é, em geral, prestado mediante remuneração, mas colocado à disposição dos utilizadores gratuitamente e que apenas é financiado numa pequena parte graças à publicidade exibida no sítio Internet do Gmail.

23      A BNetzA alega que, para ser qualificado de «serviço de telecomunicações», o serviço prestado deve, na sua função técnica, ter por objeto principalmente um envio de sinais. É o caso do Gmail, uma vez que uma transmissão de mensagens de correio eletrónico do remetente para o destinatário só é possível através de um envio de sinais. Não é necessário que o próprio prestador do serviço efetue o envio de sinais ou exerça pelo menos um controlo do envio de sinais efetuado por um terceiro. Apenas é determinante a própria existência de um envio de sinais como elemento técnico.

24      A BNetzA acrescenta que, mesmo que fosse exigido um controlo sobre o envio de sinais efetuado por um terceiro, esta condição estaria preenchida devido ao facto de a Google explorar os seus próprios servidores de correio eletrónico. Com efeito, os servidores de correio eletrónico atribuem os endereços Internet Protocol (IP) [protocolo Internet (IP)] físicos aos endereços de correio eletrónico, a Google autentica o remetente e, se for necessário, também o destinatário de uma mensagem de correio eletrónico, através de uma palavra‑passe, do endereço de correio eletrónico ou do número de identificação, e dirige o envio de sinais através dos protocolos Internet utilizados numa medida suficiente para permitir um controlo. Por último, a própria Google explora a sua infraestrutura de rede ligada à Internet, a qual é utilizada também para efeitos do envio de sinais para o Gmail.

25      Nestas condições, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Superior do Land da Renânia do Norte‑Vestefália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a característica de “serviço […] que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas” prevista no artigo 2.o, alínea c), da [Diretiva‑Quadro] ser interpretada no sentido de que também abrange ou pode abranger serviços de correio eletrónico baseados na Internet que são disponibilizados através da Internet aberta e que não fornecem eles próprios acesso à Internet?

a)      Deve a referida característica ser interpretada, em especial, no sentido de que o próprio serviço de processamento técnico‑informático que o prestador desse serviço de correio eletrónico fornece através do seu servidor de correio eletrónico, atribuindo aos endereços de correio eletrónico os endereços IP das ligações físicas dos participantes e inserindo, ou — inversamente — recebendo, através da Internet aberta, as mensagens de correio eletrónico divididas em pacotes de dados com base em diferentes protocolos da família de protocolos da Internet, deve ser considerado um “envio de sinais”, ou só a transmissão desses pacotes de dados através da Internet efetuada [pelos PAI] constitui um “envio de sinais”?

b)      Deve a referida característica ser interpretada, em especial, no sentido de que a transmissão das mensagens de correio eletrónico divididas em pacotes de dados através da Internet aberta, efetuada [pelos PAI], pode ser atribuída ao fornecedor de tal serviço de correio eletrónico, de modo a considerar‑se que este também presta um serviço que consiste num “envio de sinais”? Em que condições é eventualmente possível essa atribuição?

c)      No caso de o prestador de tal serviço de correio eletrónico enviar ele próprio sinais ou poder ser‑lhe atribuído, de qualquer modo, o serviço de envio de sinais [dos PAI]: pode a referida característica ser interpretada, em especial, no sentido de que esse serviço de correio eletrónico, independentemente de quaisquer outras funções adicionais do serviço, tais como a edição, o armazenamento e a triagem do correio eletrónico ou a gestão dos dados de contacto e independentemente do esforço técnico efetuado pelo fornecedor no que diz respeito a funções individuais, também consiste “total ou principalmente” no envio de sinais, na medida em que, do ponto de vista funcional, na perspetiva dos utilizadores, a função de comunicação do serviço está em primeiro plano?

2)      No caso de a característica enunciada [na primeira questão] dever ser interpretada no sentido de que, em princípio, não abrange serviços de correio eletrónico baseados na internet que sejam disponibilizados através da Internet aberta e que não forneçam eles próprios acesso à Internet: pode a referida característica ainda assim verificar‑se excecionalmente, quando o prestador de um serviço deste tipo gere simultaneamente algumas redes de comunicações eletrónicas próprias ligadas à Internet que podem, em todo o caso, ser utilizadas também para efeitos do serviço de correio eletrónico? Em que condições é tal eventualmente possível?

3)      Como deve interpretar‑se a característica “oferecido em geral mediante remuneração” prevista no artigo 2.o, alínea c), da [Diretiva‑Quadro]?

a)      Esta característica exige, em especial, o pagamento de uma taxa pelos utilizadores ou pode o pagamento consistir igualmente numa contraprestação por parte dos utilizadores que seja de interesse económico para o prestador do serviço, como, por exemplo, disponibilizando os utilizadores ativamente dados pessoais ou outros, ou sendo esses dados recolhidos de outra forma pelo prestador do serviço quando da utilização do serviço?

b)      Esta característica exige, em especial, que a remuneração seja obrigatoriamente paga por aquele que beneficia da prestação do serviço, ou pode também ser suficiente um financiamento total ou parcial do serviço por terceiros, por exemplo, através da publicidade difundida no sítio Internet do prestador de serviços?

c)      A expressão “em geral” refere‑se, neste contexto, às circunstâncias em que o prestador de um serviço específico presta tal serviço, ou às circunstâncias em que são fornecidos, em geral, serviços idênticos ou comparáveis?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

26      Com a primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço de correio eletrónico na Internet que não inclua um acesso à Internet, como o serviço Gmail prestado pela Google, constitui um serviço que consiste, total ou principalmente, no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, tendo em conta o processamento informático que o prestador do referido serviço fornece através dos seus servidores de correio eletrónico, por um lado, ao atribuir os endereços IP dos equipamentos terminais correspondentes aos endereços de correio eletrónico e, por outro, ao inserir ou ao receber através da Internet aberta os pacotes de dados relativos às mensagens de correio eletrónico. Em caso de resposta negativa, pergunta também se, e nesse caso em que condições, pode, não obstante, considerar‑se que o prestador desse serviço de correio eletrónico na Internet efetua ou lhe pode ser imputado um envio de sinais, uma vez que, por outro lado, gere as suas próprias redes de comunicações eletrónicas ligadas à Internet, que podem ser utilizadas para efeitos do referido serviço.

27      Há que recordar, em primeiro lugar, que o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» está definido, em termos positivos e negativos, no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro e que essa definição é retomada, em termos equivalentes, no artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 249, p. 21) (Acórdão de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.os 36 e 37).

28      Com efeito, o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro define, em primeiro lugar, o serviço de comunicações eletrónicas como «o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão».

29      Em segundo lugar, esta mesma disposição precisa que o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» exclui, por um lado, «os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas» e exclui igualmente, por outro lado, «os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.o da [Diretiva 98/34,] que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas».

30      A este respeito, o considerando 5 da Diretiva‑Quadro expõe, nomeadamente, que a convergência dos setores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação implica que todas as redes e serviços de transmissão sejam abrangidos por um único quadro regulamentar e que, no contexto do estabelecimento do referido quadro, é necessário separar a regulação da transmissão da regulamentação dos conteúdos.

31      Conforme já salientado pelo Tribunal de Justiça, as diferentes diretivas que compõem o novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, em especial a Diretiva‑Quadro e a Diretiva 2002/77, estabelecem, assim, uma distinção clara entre a produção dos conteúdos, que implica uma responsabilidade editorial, e o encaminhamento dos conteúdos, isento de toda a responsabilidade editorial, estando os conteúdos e a sua transmissão abrangidos por regulamentações separadas que prosseguem objetivos que lhes são específicos (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 41, e de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 36).

32      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, para estar abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas», um serviço devia incluir o envio de sinais, precisando‑se que a circunstância de o envio do sinal ter lugar através de uma infraestrutura que não pertence ao prestador de serviços não é relevante para a qualificação da natureza do serviço, uma vez que só importa o facto de esse prestador ser responsável para com os utilizadores finais pelo envio do sinal que garante a estes últimos a prestação do serviço que subscreveram (Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 43).

33      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça que a Google presta, entre outros serviços, um serviço de correio eletrónico (Gmail), que permite ao titular de uma conta de correio eletrónico Gmail enviar e receber mensagens de correio eletrónico, quer através de um software de navegação na Internet, utilizando a interface web criada para este efeito e colocada à sua disposição pela Google, quer através de um software «eMail cliente». Contudo, apenas está em causa o serviço de correio eletrónico na Internet no processo principal.

34      É facto assente que o prestador de um serviço de correio eletrónico na Internet, como o Gmail, efetua um envio de sinais. Assim, a Google confirmou, na audiência no Tribunal de Justiça, que, no âmbito da prestação do seu serviço de correio eletrónico, introduz na Internet aberta e recebe desta, através dos servidores de correio, pacotes de dados relativos às mensagens de correio eletrónico respetivamente enviadas e recebidas pelos titulares de uma conta de correio eletrónico da Google.

35      Não se pode, no entanto, daí concluir que as operações realizadas pela Google para assegurar o funcionamento do seu serviço de correio eletrónico na Internet constituem um «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro, uma vez que esse serviço não consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.

36      Com efeito, tal como a Comissão Europeia alegou nomeadamente nas suas observações escritas, são, por um lado, os PAI os remetentes e destinatários das mensagens de correio eletrónico assim como, se for caso disso, os prestadores de serviços de correio eletrónico na Internet e, por outro lado, os gestores das diferentes redes que constituem a Internet aberta que asseguram, no essencial, o envio dos sinais necessários ao funcionamento de qualquer serviço de correio eletrónico na Internet e que assumem a responsabilidade na aceção do Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH (C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 43).

37      O facto de o prestador de um serviço de correio eletrónico na Internet intervir ativamente nas operações de envio e receção das mensagens, quer seja atribuindo os endereços IP dos equipamentos terminais correspondentes aos endereços de correio eletrónico ou decompondo as referidas mensagens em pacotes de dados e introduzindo‑as na Internet aberta, ou recebendo‑as da Internet aberta, com vista ao seu encaminhamento para os destinatários, não se afigura suficiente para que se possa considerar que, no plano técnico, o referido serviço consiste «total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro.

38      Por consequência, o serviço de mensagens de correio eletrónico do Gmail não pode, na falta de qualquer outro elemento suscetível de demonstrar a responsabilidade da Google relativamente aos titulares de uma conta de correio eletrónico Gmail no envio dos sinais necessários ao seu funcionamento, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, ser qualificado de «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro.

39      Por último, a circunstância de a Google explorar, por outro lado, as suas próprias redes de comunicações eletrónicas na Alemanha não é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

40      Com efeito, o facto de a Google dever ser considerada como prestando serviços de comunicações eletrónicas por explorar as suas próprias redes de comunicações eletrónicas e poder, enquanto tal, estar sujeita à obrigação de notificação prevista no artigo 3.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), conforme alterada pela Diretiva 2009/140, não pode implicar que a totalidade dos serviços que presta na Internet devam também ser qualificados como tal, ainda que não consistam total ou principalmente no envio de sinais.

41      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço de correio eletrónico na Internet que não inclua um acesso à Internet, como o serviço Gmail prestado pela Google, não consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas e não constitui, por conseguinte, um «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção desta disposição.

 Quanto à terceira questão

42      Tendo em conta a resposta dada à primeira e segunda questões, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretivaquadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que um serviço de correio eletrónico na Internet que não inclua um acesso à Internet, como o serviço Gmail prestado pela Google LLC, não consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas e não constitui, por conseguinte, um «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção desta disposição.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.