ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

25 de junho de 2020 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Pessoal do Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN) — Agente contratual do SATCEN — Queixas por assédio moral — Inquérito administrativo — Pedido de assistência — Suspensão do agente — Processo disciplinar — Demissão do agente — Comissão de Recursos do SATCEN — Atribuição de uma competência exclusiva para conhecer dos litígios do pessoal do SATCEN — Recurso de anulação — Artigo 263.o, primeiro e quinto parágrafos, TFUE — Ação de indemnização — Artigo 268.o TFUE — Competência do juiz da União — Admissibilidade — Atos recorríveis — Natureza contratual do litígio — Artigos 272.o e 274.o TFUE — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE — Artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE — Princípio da igualdade de tratamento — Dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral — Desvirtuação dos factos e dos elementos de prova — Direitos de defesa — Princípio da boa administração»

No processo C‑14/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 10 de janeiro de 2019,

Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN), representado por A. Guillerme, avocate,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

KF, representada por N. Macaulay, barrister, e A. Kunst, Rechtsanwältin,

recorrente em primeira instância,

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e A. Vitro, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, P. G. Xuereb e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de dezembro de 2019,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, o Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 25 de outubro de 2018, KF/SATCEN (T‑286/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:718), pelo qual este concedeu provimento parcial ao recurso interposto por KF, na medida em que, por um lado, anulou duas decisões do diretor do SATCEN, respetivamente, de suspensão e demissão de KF, bem como a decisão da Comissão de Recursos do SATCEN proferida no mesmo contencioso, e, por outro, condenou o SATCEN a pagar à interessada o montante de 10 000 euros a título de reparação do prejuízo moral sofrido por esta última.

 Quadro jurídico

2        Em 27 de junho de 1991, o Conselho de Ministros da União da Europa Ocidental (UEO) adotou a sua Decisão relativa à criação de um centro de exploração de dados de satélite, com fundamento na sua Decisão de 10 de dezembro de 1990 relativa à cooperação espacial na UEO.

3        Na sua Declaração de 13 de novembro de 2000 feita em Marselha (França), o Conselho de Ministros da UEO mencionou o acordo de princípio do Conselho da União Europeia, de 10 de novembro anterior, sobre a criação, sob a forma de uma agência da União Europeia, de um centro de satélites que incorpore os elementos pertinentes do estabelecido na UEO.

4        Através da Ação Comum 2001/555/PESC do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa à criação do Centro de Satélites da União Europeia (JO 2001, L 200, p. 5), o SATCEN foi instituído e tornou‑se operacional a partir de 1 de janeiro de 2002.

 Decisão 2014/401/PESC

5        A Decisão 2014/401/PESC do Conselho, de 26 de junho de 2014, relativa ao Centro de Satélites da União Europeia e que revoga a Ação Comum 2001/555 (JO 2014, L 188, p. 73), prevê, no seu artigo 2.o, n.os 1 e 3, que as tarefas essenciais do SATCEN consistem em apoiar o processo de tomada de decisão e as ações da União no domínio da política externa e de segurança comum (PESC), nomeadamente da política de segurança e de defesa comuns (PSDC), incluindo as missões e as operações de gestão de crise, levadas a cabo pela União Europeia, fornecendo, a pedido do Conselho ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, produtos e serviços resultantes da exploração dos meios espaciais e dados colaterais pertinentes, incluindo imagens aéreas e de satélite, bem como serviços afins.

6        Nos termos do artigo 7.o, n.o 3, da Decisão 2014/401, o diretor do SATCEN é o representante legal deste. Por força do artigo 7.o, n.o 4 e n.o 6, segundo parágrafo, alínea e), desta decisão, esse diretor é, por um lado, responsável pelo recrutamento de todos os restantes membros do pessoal do SATCEN e, por outro, competente para todas as questões respeitantes a esse pessoal.

7        O artigo 8.o da Decisão 2014/401 prevê:

«1.      O pessoal do SATCEN, incluindo o diretor, é constituído por agentes contratados recrutados, na mais ampla base possível, de entre os nacionais dos Estados‑Membros, e por peritos destacados.

2.      Os agentes contratados são nomeados pelo diretor com base no mérito e por concurso equitativo e transparente.

[…]

5.      O Conselho de Administração elabora, mediante proposta do diretor, regras de pessoal do SATCEN, que são adotadas pelo Conselho.

[…]»

 Estatuto do Pessoal do SATCEN

8        Com a sua Decisão 2009/747/PESC, de 14 de setembro de 2009, relativa ao Estatuto do Pessoal do Centro de Satélites da União Europeia (JO 2009, L 276, p. 1), o Conselho adotou o Estatuto do Pessoal do Centro de Satélites da União Europeia (a seguir «Estatuto do Pessoal do SATCEN»), cujo artigo 2.o, sob a epígrafe «Disposições comuns aplicáveis a todos os membros do pessoal», dispõe, no seu n.o 1:

«Os membros do pessoal estão sujeitos à autoridade do diretor e são responsáveis perante ele pela execução das respetivas funções, as quais se comprometem a exercer com o máximo de escrúpulo e de consciência profissional.»

9        Nos termos do artigo 27.o do Estatuto do Pessoal do SATCEN:

«1.      Os agentes que, intencionalmente ou por negligência, não cumpram as obrigações que lhes incumbem por força do presente Estatuto do Pessoal, são passíveis de ação disciplinar.

2.      Sempre que tomar conhecimento de provas de incumprimento na aceção do n.o 1, o diretor pode abrir um inquérito administrativo para indagar se esse incumprimento se verificou.

3.      As regras, os procedimentos e as medidas disciplinares, bem como as regras relativas aos inquéritos administrativos, constam do anexo IX.»

10      O artigo 28.o do Estatuto do Pessoal do SATCEN, sob a epígrafe «Recursos», figura no capítulo VIII deste Estatuto do Pessoal, intitulado «Recursos e comissão de recursos». Este artigo tem a seguinte redação:

«1.      Qualquer pessoa a quem o presente Estatuto do Pessoal seja aplicável pode apresentar um requerimento ao diretor, convidando‑o a tomar uma decisão a seu respeito sobre questões abrangidas pelo presente Estatuto do Pessoal. O diretor deve comunicar ao interessado a sua decisão fundamentada num prazo de dois meses a contar da data da introdução do requerimento. No termo desse prazo, a falta de resposta ao requerimento é considerada como indeferimento tácito, suscetível de reclamação nos termos dos seguintes números.

2.      Qualquer pessoa a quem o presente Estatuto do Pessoal seja aplicável pode apresentar ao diretor uma reclamação contra qualquer ato que lhe cause prejuízo, quer porque o diretor tenha tomado uma decisão, quer porque se tenha abstido de tomar uma medida imposta pelo presente Estatuto do Pessoal. A reclamação deve ser apresentada no prazo de 3 meses. […]

[…]

5.      Depois de se esgotar a primeira via de recurso (recurso gracioso), o agente tem a liberdade de interpor um recurso contencioso perante a Comissão de Recurso do [SATCEN].

A composição, o funcionamento e o procedimento específicos desta instância encontram‑se descritos no anexo X.

6.      As decisões da Comissão de Recurso são vinculativas para ambas as partes. Não podem ser objeto de recurso. A Comissão pode:

a)      Anular ou confirmar a decisão impugnada;

b)      A título acessório, condenar o [SATCEN] a reparar os prejuízos materiais sofridos pelo agente desde o dia em que a decisão anulada começou a produzir efeitos;

c)      Além disso, decidir que o [SATCEN] reembolse, dentro de um limite por ela fixado, as despesas justificadas incorridas pelo requerente, bem como as despesas de transporte e estadia incorridas pelas testemunhas que forem ouvidas. Essas despesas são calculadas com base no disposto no artigo 18.o e no anexo VII do presente regulamento.»

11      O artigo 1.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN enuncia:

«Sempre que uma averiguação interna revelar a eventual implicação pessoal de um agente ou de um antigo agente, essa pessoa deve ser rapidamente informada, desde que isso não prejudique o desenrolar da averiguação. Em circunstância alguma podem ser tiradas conclusões no final do inquérito que mencionem o nome do agente sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de formular as suas observações relativamente aos factos que lhe dizem respeito. As conclusões devem fazer referência a essas observações.»

12      O artigo 2.o do anexo IX deste estatuto do pessoal precisa:

«Após ter comunicado ao agente todas as provas constantes do processo e depois de o ter ouvido, o diretor pode, com base no relatório de investigação:

[…]

c)      Em caso de incumprimento das obrigações na aceção do artigo 27.o do Regulamento do Pessoal:

i)      decidir abrir o processo disciplinar previsto na secção 4 do presente anexo, ou

ii)      decidir abrir um processo disciplinar perante o Conselho de Disciplina.»

13      O anexo X, ponto 1, do referido estatuto do pessoal dispõe:

«A Comissão de Recursos é competente para dirimir os litígios a que pode dar lugar a violação do presente regulamento ou dos contratos previstos no artigo 7.o do Estatuto do Pessoal. Para o efeito, recebe reclamações apresentadas por agentes ou antigos agentes, ou pelos seus herdeiros e/ou pelos seus representantes, contra uma decisão do diretor.»

14      O anexo X, ponto 4, alínea b), do mesmo estatuto do pessoal prevê que «[o] requerente [perante a Comissão de Recursos] dispõe de um prazo de 20 dias — a contar da notificação da decisão impugnada […] — para apresentar um pedido escrito à Comissão de Recursos para que esta anule ou modifique a decisão», bem como que «[e]ste pedido é dirigido ao Chefe da Administração e do Pessoal do [SATCEN], que acusa a sua receção ao agente e que dará início ao processo de reunião da Comissão de Recursos».

15      Segundo o anexo X, ponto 2, alíneas a), b), d) e e), do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a Comissão de Recursos compreende um presidente e dois membros, designados pelo conselho de administração do SATCEN, por um período de dois anos, e não podem pertencer ao pessoal do SATCEN, que exercem as suas funções com total independência e os emolumentos do presidente e dos membros da Comissão de Recursos são fixados pelo conselho de administração do SATCEN.

 Antecedentes do litígio

16      Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 17 a 46 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, podem resumir‑se do seguinte modo.

17      KF foi recrutada pelo SATCEN como agente contratual a partir de 1 de agosto de 2009, para ocupar o lugar de chefe da divisão administrativa deste.

18      No âmbito das avaliações relativas aos exercícios de 2010 e 2011, foram identificadas pelo diretor‑adjunto do SATCEN falhas nas relações humanas nesta divisão administrativa, o que levou à atribuição a KF da classificação mais baixa para o exercício de 2010. No âmbito de cada uma das suas avaliações, que foram contestadas por KF, esta última pôde formular as suas observações.

19      Por nota interna de 17 de outubro de 2012, no âmbito da avaliação relativa ao exercício de classificação correspondente, o diretor do SATCEN incumbiu o seu diretor‑adjunto de recolher informações junto do pessoal sobre a convivência e as relações humanas no SATCEN. O diretor do SATCEN indicava nessa nota que devia ser dada especial atenção à situação dos agentes com responsabilidades de gestão, nomeadamente dos chefes de divisão, identificando, sendo caso disso, situações potenciais de pressão psicológica ou de assédio nas equipas desses agentes.

20      Em 14 de novembro de 2012, doze agentes apresentaram uma queixa ao diretor do SATCEN e ao seu diretor‑adjunto, destinada a denunciar «a situação difícil com que [eram] confrontados desde há mais de três anos para exercerem [a sua] atividade profissional de uma forma normal», precisando que esta situação «decorr[ia] do comportamento e da conduta [da chefe] da divisão administrativa [KF]».

21      No início de 2013, o diretor‑adjunto do SATCEN deu seguimento à nota interna de 17 de outubro de 2012, enviando a 40 agentes do SATCEN, de várias divisões, um questionário de escolha múltipla, pedindo‑lhes que avaliassem as relações humanas com os respetivos chefes de divisão. Por nota interna de 7 de março de 2013, o diretor‑adjunto do SATCEN informou o seu diretor de que, tendo em conta as respostas ao questionário, «afigura[va‑]se claramente que, atendendo às respostas negativas gerais do pessoal da divisão administrativa, exist[ia] um verdadeiro problema de relações humanas com [a chefe] da divisão administrativa, [KF]».

22      Por nota interna datada do dia seguinte, o diretor do SATCEN pediu ao seu diretor‑adjunto, com fundamento no artigo 27.o do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a abertura de um inquérito administrativo contra KF.

23      O inquérito administrativo consistiu em enviar, em 12 de junho de 2013, um questionário de escolha múltipla a 24 agentes do SATCEN, para determinar se tinham, ou não, sido confrontados com determinados tipos de comportamentos que KF teria adotado e se eles próprios tinham sofrido as consequências de tais comportamentos ou se os tinham constatado no que respeita aos seus colegas. Este questionário convidava igualmente os agentes consultados a corroborar as suas respostas através de quaisquer depoimentos ou quaisquer elementos de prova. Dos 24 agentes consultados, 18 responderam.

24      Ao mesmo tempo, na sequência da sua avaliação relativa ao exercício de 2012, no termo da qual o seu desempenho global foi novamente considerado insuficiente, KF, por carta de 20 de março de 2013, por um lado, contestou essa avaliação e, por outro, pediu ao diretor do SATCEN que tomasse as medidas necessárias para pôr termo à situação de assédio de que ela própria se considerava vítima.

25      Em 2 de julho seguinte, o diretor‑adjunto do SATCEN finalizou o seu inquérito, concluindo que os factos censurados a KF estavam demonstrados. Segundo o relatório de inquérito por ele elaborado, a interessada teve um comportamento «intencional, repetitivo, duradouro ou sistemático […] com o intuito de desacreditar ou rebaixar as pessoas em questão», «[estando] esses comportamentos imputados a [KF] confirmados e, [considerando] a sua natureza, [a] sua frequência e [o] seu efeito sobre certos membros do pessoal, [sendo] constitutivos de assédio moral».

26      No dia seguinte, o diretor do SATCEN, por correio eletrónico ao qual estava anexado o relatório de inquérito, sem os anexos deste, do seu diretor‑adjunto, informou KF das conclusões deste relatório. Através desse correio eletrónico, a interessada foi igualmente convocada para uma entrevista, em 5 de julho de 2013, com vista a prosseguir o procedimento previsto no artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

27      Por Decisão de 5 de julho de 2013, o diretor do SATCEN constatou que, na sequência do inquérito levado a cabo pelo seu diretor‑adjunto, este último tinha chegado à conclusão de que os comportamentos censurados a KF se confirmavam e eram constitutivos de assédio moral. Com base nesta conclusão e após ter ouvido KF no mesmo dia, decidiu, por um lado, a abertura de um processo disciplinar contra a interessada (a seguir «decisão de abertura de um processo disciplinar») e, por outro, suspendê‑la das suas funções, mantendo, todavia, a sua remuneração (a seguir «decisão de suspensão»).

28      Em 23 de agosto de 2013, o diretor do SATCEN decidiu sobre a composição do Conselho de Disciplina e informou KF desse facto.

29      Em 28 de agosto de 2013, KF apresentou ao diretor do SATCEN uma reclamação administrativa contra, nomeadamente, a decisão de abertura de um processo disciplinar, a decisão de suspensão e a decisão pela qual este indeferiu implicitamente o seu pedido de assistência por assédio moral de que considerava ser alvo. Por Decisão de 4 de outubro de 2013, esta reclamação foi indeferida na íntegra por esse diretor. Em 2 de dezembro seguinte, KF impugnou esta última decisão na Comissão de Recursos.

30      Em 11 de setembro de 2013, foi definitivamente adotada a composição do Conselho de Disciplina.

31      Em 25 de outubro de 2013, o diretor do SATCEN enviou ao Conselho de Disciplina um relatório, que também transmitiu a KF, em conformidade com o artigo 10.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

32      Por carta de 28 de novembro de 2013, o presidente do Conselho de Disciplina informou KF de que a sua audição nesse conselho teria lugar em 13 ou 14 de janeiro de 2014. Nessa carta, pediu‑lhe igualmente que fizesse chegar as suas observações escritas ao Conselho de Disciplina pelo menos uma semana antes da sua audição. Uma vez que o pedido de KF que tinha em vista o adiamento da sua audição devido à brevidade do prazo que lhe tinha sido assim fixado foi indeferido pelo presidente do Conselho de Disciplina, a interessada comunicou as suas observações escritas em 21 de dezembro de 2013.

33      Na sequência dessa audição, que, em definitivo, se realizou em 13 de janeiro de 2014, o Conselho de Disciplina proferiu, em 4 de fevereiro seguinte, um parecer fundamentado, no qual, por um lado, considerou, por unanimidade, que KF não tinha respeitado as suas obrigações profissionais e, por outro, recomendou que fosse despromovida, em pelo menos dois graus, por forma a deixar de ocupar responsabilidades de gestão.

34      Após ter ouvido KF em 25 de fevereiro de 2014, o diretor do SATCEN, por Decisão de 28 de fevereiro seguinte, demitiu‑a por motivo disciplinar (a seguir «decisão de demissão»), devendo esta decisão produzir efeitos no prazo de um mês a contar da sua adoção.

35      A decisão de demissão foi objeto de reclamação administrativa de KF em 17 de abril de 2014, que foi indeferida por Decisão do diretor do SATCEN de 4 de junho seguinte. Em 12 de junho de 2014, KF impugnou a decisão de demissão na Comissão de Recursos.

36      Por Decisão de 26 de janeiro de 2015 (a seguir «decisão da Comissão de Recursos»), notificada a KF em 23 de março seguinte, a Comissão de Recursos, por um lado, indeferiu o pedido de KF de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar e da decisão de suspensão, apresentados no seu pedido de 2 de dezembro de 2013, mencionado no n.o 29 do presente acórdão, e, por outro, afastou todos os fundamentos invocados pela interessada contra a decisão de demissão, embora anulando parcialmente esta última, na medida em que a sua data de produção de efeitos tinha sido fixada erradamente.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

37      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de maio de 2015, KF interpôs um recurso que tem por objeto, por um lado, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da alegada decisão tácita de indeferimento do seu pedido de assistência, da decisão de abertura de um processo disciplinar, da decisão de suspensão, da decisão de demissão, da decisão de indeferimento da sua reclamação contra a alegada decisão tácita de indeferimento do seu pedido de assistência e da decisão da Comissão de Recursos (a seguir «decisões controvertidas») e, por outro lado, um pedido ao abrigo do artigo 268.o TFUE destinado a condenar o SATCEN a pagar‑lhe um montante correspondente aos salários não recebidos, pelo prejuízo material que, em seu entender, daí resultou, e o montante de 500 000 euros, pelo prejuízo moral que igualmente sofreu.

38      Em apoio do seu recurso, KF alegou nomeadamente que, antes de mais, as decisões dos órgãos do SATCEN deviam poder ser objeto de fiscalização da legalidade pelo Tribunal Geral ao abrigo do artigo 263.o TFUE, uma vez que se trata de atos de pura gestão do pessoal que emanam de um organismo da União, e que, no caso contrário, estes, em violação dos princípios fundamentais da União, escapam a qualquer fiscalização jurisdicional, uma vez que a fiscalização exercida pela Comissão de Recursos não pode, com efeito, ser equiparada a uma fiscalização jurisdicional.

39      Em seguida, em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão de indeferimento do seu pedido de assistência, da decisão de abertura de um processo disciplinar, da decisão de suspensão e da decisão de demissão, KF invocou fundamentos relativos, nomeadamente, a violações do princípio da boa administração, do princípio da imparcialidade e do princípio do respeito dos direitos de defesa.

40      Por último, em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão da Comissão de Recursos, KF alegou uma violação do seu direito a um recurso efetivo, nomeadamente, devido à composição da Comissão de Recursos que não satisfez os critérios de um tribunal independente e imparcial. Além disso, invocou, com fundamento no artigo 277.o TFUE, uma exceção de ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, pelo facto, em substância, de que essa disposição faria da Comissão de Recursos a única instância de fiscalização da legalidade das decisões do diretor do SATCEN, subtraindo assim essas decisões a qualquer fiscalização jurisdicional.

41      Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concedeu provimento parcial ao recurso interposto por KF, na medida em que anulou a decisão de suspensão, a decisão de demissão e a decisão da Comissão de Recursos, e em que condenou o SATCEN a pagar a KF o montante de 10 000 euros a título de reparação do prejuízo moral sofrido por esta, tendo sido negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Pedidos das partes

42      O SATCEN pede, em substância, que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        negar provimento ao recurso interposto por KF; e

–        condenar KF nas despesas.

43      O Conselho pede, em substância, que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        negar provimento ao recurso interposto por KF; e

–        decidir quanto às despesas em conformidade com o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

44      KF pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso; e

–        condenar o SATCEN nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

45      Em apoio do seu recurso, o SATCEN invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à incompetência do Tribunal Geral para conhecer do recurso em primeira instância, o segundo, à inadmissibilidade deste recurso, o terceiro, a uma desvirtuação dos factos e, o quarto, a uma violação do princípio da boa administração e do princípio do respeito dos direitos de defesa.

 Quanto ao primeiro e segundo fundamentos

 Argumentos das partes

46      Com o primeiro fundamento do recurso, que se divide em três partes, o SATCEN critica o Tribunal Geral pelo facto de se ter declarado competente para conhecer do recurso interposto por KF.

47      No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, o SATCEN alega, antes de mais, que a competência do juiz da União pressupõe, por força do princípio da atribuição consagrado no artigo 5.o TUE, que esteja expressamente prevista numa disposição. Ora, tal não acontece no caso em apreço.

48      Em seguida, decorre do Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), que o juiz da União não é «automaticamente» competente quando a decisão em causa não envolve fundos do orçamento da União. Ora, as receitas do SATCEN são constituídas por contribuições dos Estados‑Membros.

49      Por último, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 107 do acórdão recorrido, que o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE não permite ao Conselho subtrair, como no artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, os litígios que envolvem um órgão ou organismo da União à competência do juiz da União.

50      Com a segunda parte do primeiro fundamento, o SATCEN alega que o Tribunal Geral violou o princípio da igualdade de tratamento ao impor, em substância, a mesma tutela jurisdicional aos funcionários e agentes referidos no artigo 270.o TFUE, por um lado, e aos agentes contratuais recrutados pelo SATCEN, por outro, quando essas duas categorias de pessoal das instituições, órgãos e organismos da União se encontram em situações fundamentalmente diferentes uma da outra. Em todo o caso, o princípio da igualdade de tratamento só é aplicável a situações idênticas, e não a situações comparáveis às quais o Tribunal Geral fez erradamente referência.

51      Assim, não decorre do princípio da igualdade de tratamento que todo o pessoal das instituições, órgãos e organismos da União deva dispor das mesmas vias de recurso em caso de litígio com o seu empregador. Em especial, os agentes locais empregados pelas instituições da União e certos agentes contratuais cujo contrato preveja uma cláusula compromissória que estipule a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais não podem recorrer ao juiz da União.

52      Por conseguinte, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 96 do acórdão recorrido, a jurisprudência resultante do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), não é aplicável por analogia no caso em apreço, uma vez que KF não é um agente destacado por um Estado‑Membro nem um agente destacado por uma instituição da União, mas um agente contratual recrutado pelo SATCEN. Tendo em conta o seu estatuto, KF não pode ser comparada a um agente destacado por uma instituição da União.

53      No âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, o SATCEN alega que o Tribunal Geral não pode, em todo o caso, declarar‑se competente para conhecer do recurso em primeira instância apenas com fundamento num princípio como o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, os litígios de natureza contratual, como o que está em causa no caso em apreço, são da competência do juiz da União apenas em presença de uma cláusula compromissória que estipule expressamente essa competência, em aplicação do artigo 272.o TFUE. Ora, no caso em apreço, não foi prevista nenhuma cláusula compromissória que atribua a competência ao juiz da União.

54      Com o segundo fundamento do recurso, o SATCEN contesta a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual os artigos 263.o e 268.o TFUE lhe proporcionam a base jurídica para considerar admissível o recurso interposto por KF. Ao basear‑se exclusivamente na aplicação por analogia do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), para chegar a esta conclusão, o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação e, em todo o caso, cometeu um erro de direito.

55      O Tribunal Geral não explicou, nomeadamente, em que medida uma aplicação por analogia desse acórdão permitiria considerar admissível o recurso interposto por KF, uma vez que a qualidade de agente do SATCEN desta última impede que possa ser qualificada de «terceiro», na aceção da jurisprudência, em relação ao SATCEN. Com efeito, contrariamente às circunstâncias em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, KF não foi destacada para o SATCEN.

56      O Conselho apoia a argumentação do SATCEN.

57      KF contesta a argumentação do SATCEN.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

58      Em primeiro lugar, no que respeita à argumentação invocada no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento do recurso, segundo a qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 107 do acórdão recorrido, que o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE não permite ao Conselho subtrair, como no artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, os litígios que implicam um órgão ou organismo da União à competência do juiz da União, importa recordar que, como resulta do artigo 2.o TUE, a União funda‑se, nomeadamente, nos valores da igualdade e do Estado de direito. Ora, a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito (Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o., C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 41).

59      O artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça o ónus de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional efetiva que os litigantes retiram desse direito, detendo o Tribunal de Justiça uma competência exclusiva para fornecer a interpretação definitiva do referido direito [Parecer 1/17, de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 111, e Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 167].

60      O sistema jurisdicional da União é assim constituído por um conjunto completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União (v., neste sentido, Parecer 1/09, de 8 de março de 2011, EU:C:2011:123, n.o 70).

61      As funções atribuídas, respetivamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça são essenciais à preservação da própria natureza do direito instituído pelos Tratados (Parecer 1/09, de 8 de março de 2011, EU:C:2011:123, n.o 85).

62      Daqui resulta que, embora, no caso em apreço, as «condições e regras específicas» referidas no artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE permitam, é certo, o estabelecimento, por uma instituição, por um órgão ou por um organismo da União, de condições e de regras internas, prévias a um recurso jurisdicional, que regulam, nomeadamente, o funcionamento de um mecanismo de autofiscalização ou o desenrolar de um procedimento de resolução amigável, como o Tribunal Geral considerou no n.o 107 do acórdão recorrido, essas condições e regras não podem, contrariamente ao que o SATCEN entende, ser interpretadas no sentido de que autorizam uma instituição da União a excluir os litígios que implicam a interpretação ou a aplicação do direito da União da competência tanto dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros como do juiz da União.

63      Ora, decorre do anexo X, ponto 1, do Estatuto do Pessoal do SATCEN que a Comissão de Recursos é chamada a aplicar e a interpretar esse estatuto do pessoal, que foi adotado por decisão do Conselho e contém, portanto, disposições do direito da União. Além disso, nos termos do artigo 28.o, n.o 6, segundo período, do referido estatuto do pessoal, as decisões desta comissão «não podem ser objeto de recurso».

64      Por conseguinte, sem que seja necessário determinar se a referida comissão satisfaz ou não os critérios de um órgão jurisdicional, importa considerar que a atribuição a este de uma competência exclusiva para interpretar e aplicar o Estatuto do Pessoal do SATCEN, conforme prevista no artigo 28.o, n.o 6, segundo período, do mesmo estatuto do pessoal, colide, em todo o caso, com a jurisprudência recordada nos n.os 58 a 61 do presente acórdão.

65      Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando declarou, no n.o 107 do acórdão recorrido, que o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE não pode ser interpretado no sentido de que permite ao Conselho adotar uma disposição como o artigo 28.o, n.o 6, segundo período, do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

66      Importa acrescentar que, na verdade, tratando‑se, no caso em apreço, de disposições relativas à PESC e de atos adotados com base nessas disposições, cumpre recordar que o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE introduzem uma derrogação à regra de competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça para garantir o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados. Todavia, estas disposições devem ser interpretadas restritivamente e o alcance da derrogação por elas instituída não pode ser alargada a ponto de excluir a competência do juiz da União para fiscalizar a legalidade dos atos de gestão do pessoal, tais como as decisões controvertidas, como o Tribunal Geral acertadamente considerou no n.o 96 do acórdão recorrido e que o SATCEN não contesta (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o., C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 39, 40, 54 e 55).

67      Em segundo lugar, na medida em que o SATCEN censura o Tribunal Geral, através de diversos argumentos relacionados com a primeira parte do primeiro fundamento e do segundo fundamento, pelo facto de ter declarado, no acórdão recorrido, que as condições de aplicação do artigo 263.o TFUE estavam reunidas no caso em apreço, importa recordar que resulta do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE que o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos das instituições, dos órgãos ou dos organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

68      O recurso de anulação destina‑se a garantir o respeito do direito na interpretação e na aplicação do Tratado FUE e seria, por conseguinte, contrário a este objetivo interpretar restritivamente os requisitos de admissibilidade do recurso ao limitar o seu alcance apenas às categorias de atos referidas no artigo 288.o TFUE (Acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 17 e jurisprudência referida).

69      Constituem, por conseguinte, atos que podem ser objeto de um recurso de anulação quaisquer atos adotados pelas instituições, pelos órgãos ou pelos organismos da União, independentemente da sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento, C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 13, e de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 16).

70      Decorre igualmente de jurisprudência consolidada relativa à admissibilidade dos recursos de anulação que importa atender à própria substância dos atos impugnados e à intenção dos seus autores para qualificar esses atos. A este respeito, constituem, em princípio, atos recorríveis as medidas que fixam definitivamente a posição de uma instituição, de um órgão ou de um organismo da União no termo de um procedimento administrativo e que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, com exclusão, nomeadamente, das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final, que não produzem tais efeitos, bem como dos atos meramente confirmativos de um ato anterior não impugnado dentro do prazo (Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 52).

71      No caso em apreço, é pacífico que todas as decisões controvertidas fixam definitivamente, no termo de procedimentos administrativos, a posição do SATCEN. Por outro lado, resulta tanto da sua própria substância como da intenção dos seus autores que essas decisões visam produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de KF, alterando de forma caracterizada a situação jurídica desta última.

72      Nestas condições, há que considerar que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar que essas decisões preenchiam os requisitos exigidos para serem consideradas atos recorríveis, na aceção do artigo 263.o TFUE.

73      Em especial, como salientou o advogado‑geral nos n.os 110 e 111 das suas conclusões, embora o artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE restrinja a competência do Tribunal de Justiça aos atos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a «terceiros», é jurisprudência constante que estes termos se destinam a excluir atos que não constituem atos que causem prejuízo, na medida em que visam exclusivamente a organização interna da administração e só produzem efeitos na esfera interna, sem criar nenhum direito ou obrigação em relação a terceiros [v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Verts/Parlamento, 190/84, EU:C:1988:94, n.o 8; de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão, C‑443/97, EU:C:2000:190, n.o 28; e de 2 de outubro de 2018, França/Parlamento (Exercício do poder orçamental), C‑73/17, EU:C:2018:787, n.o 15].

74      Ora, embora as decisões controvertidas digam efetivamente respeito à organização interna do SATCEN, não deixa de ser verdade que essas decisões são atos de que KF é destinatária, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e que lhe causam prejuízo, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 69, 70 e 73 do presente acórdão.

75      Além disso, uma vez que as referidas decisões se referem às obrigações recíprocas resultantes da celebração do contrato de trabalho entre o SATCEN e KF e conduzem à rutura da relação contratual que vincula estes últimos, não se pode considerar que o presente litígio não opõe o SATCEN a um «terceiro», na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE.

76      Por outro lado, não é contestado que, como resulta do n.o 122 do acórdão recorrido, o artigo 270.o TFUE não é aplicável à situação de KF, uma vez que nem a Decisão 2014/401 nem o Estatuto do Pessoal do SATCEN preveem a aplicabilidade do Estatuto e do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União.

77      Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, em substância, no n.o 123 do acórdão recorrido, que o vínculo laboral existente entre KF e o SATCEN não excluía o presente litígio do âmbito de aplicação do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE.

78      Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento do SATCEN baseado na natureza contratual das suas relações com KF, resulta de jurisprudência bem assente que, quando a situação jurídica do recorrente se inscreve no âmbito de relações contratuais cujo regime jurídico é regido pela lei designada pelas partes contratantes, a competência de interpretação e de aplicação das disposições do Tratado FUE pelo juiz da União no âmbito do recurso de anulação não é aplicável, uma vez que essa situação é, em princípio e em conformidade com o artigo 274.o TFUE, da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Portanto, perante um contrato que vincula o recorrente a uma das instituições, a um dos órgãos ou organismos da União, o juiz da União só pode apreciar um recurso com fundamento no artigo 263.o TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que vincule as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição, ao órgão ou ao organismo da União contratante na sua qualidade de autoridade administrativa (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.os 18 e 20, e de 28 de fevereiro de 2019, Alfamicro/Comissão, C‑14/18 P, EU:C:2019:159, n.os 48 e 50).

79      Com efeito, se o juiz da União se reconhecesse competente para conhecer do contencioso de anulação de atos que se inscrevem num âmbito puramente contratual, correria o risco não só de esvaziar de sentido o artigo 272.o TFUE, que permite atribuir a competência jurisdicional da União por força de uma cláusula compromissória, mas ainda, nos casos em que o contrato não contivesse uma cláusula semelhante, de alargar a sua competência jurisdicional para além dos limites traçados pelo artigo 274.o TFUE, que confia aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de direito comum para conhecer dos litígios em que a União é parte (Acórdãos de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 19, e de 28 de fevereiro de 2019, Alfamicro/Comissão, C‑14/18 P, EU:C:2019:159, n.o 49 e jurisprudência referida).

80      A renúncia pelo juiz da União ao exercício das competências que lhe confere o artigo 263.o TFUE, quando a situação jurídica do recorrente se inscreve no âmbito de relações contratuais, visa assim assegurar uma interpretação coerente dos artigos 263.o, 272.o e 274.o TFUE e, portanto, preservar a coerência do sistema jurisdicional da União que é constituído, como é recordado no n.o 60 do presente acórdão, por um conjunto completo de vias de recurso e de processos destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União.

81      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou, no contexto do contencioso da responsabilidade extracontratual da União, que, para determinar qual é o órgão jurisdicional competente para conhecer de uma ação judicial intentada contra a União para que responda de um dano, importa examinar se essa ação tem por objeto a responsabilidade contratual da União ou a sua responsabilidade extracontratual e que a simples invocação de normas jurídicas que não decorrem de um contrato pertinente no caso em apreço, mas que se impõem às partes, não pode ter como consequência alterar a natureza do litígio e excluí‑lo, por conseguinte, do órgão jurisdicional competente. Se assim não fosse, a natureza do litígio e, por conseguinte, o órgão jurisdicional competente seriam suscetíveis de mudar em função das normas invocadas pelas partes, o que seria contrário às regras de competência material dos diferentes órgãos jurisdicionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.os 61 e 65).

82      O conceito de «responsabilidade extracontratual da União», na aceção do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, que reveste um caráter autónomo, deve, por conseguinte, em princípio, ser interpretado à luz da sua finalidade, ou seja, a de permitir uma repartição das competências entre o juiz da União e os órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran et Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.o 62).

83      No caso em apreço, importa contudo realçar que, como resulta do n.o 62, supra, o artigo 28.o, n.o 6, segundo período, do Estatuto do Pessoal do SATCEN exclui expressamente qualquer fiscalização jurisdicional pelos órgãos jurisdicionais nacionais ou pelo juiz da União das decisões da Comissão de Recursos e, consequentemente, das decisões do diretor do SATCEN que dela são objeto.

84      Por conseguinte, neste contexto, uma renúncia pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Geral ao exercício das competências que lhes são conferidas pelos artigos 263.o e 268.o TFUE teria como consequência, como salientou o advogado‑geral no n.o 112 das suas conclusões, subtrair essas decisões a qualquer fiscalização jurisdicional, quer esta seja efetuada pelo juiz da União quer pelos órgãos jurisdicionais nacionais, sem que essa renúncia seja justificada pela preocupação de respeitar a repartição de competências entre o juiz da União e os órgãos jurisdicionais nacionais pretendida pelo Tratado FUE.

85      Ora, nessas condições, incumbe ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral exercer as competências que lhes são conferidas pelo Tratado FUE, com o objetivo de garantir a existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 58 a 61 do presente acórdão.

86      Daqui resulta que, contrariamente ao que o SATCEN alega, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 132 do acórdão recorrido, que, apesar das relações contratuais existentes entre o SATCEN e KF, era competente nos termos dos artigos 263.o e 268.o TFUE para conhecer desse litígio.

87      Em quarto lugar, tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 65 a 86 do presente acórdão, a argumentação invocada pelo SATCEN no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento e relativa à violação do princípio da atribuição de competências consagrado no artigo 5.o TUE, e a uma falta de afetação de fundos do orçamento da União, deve igualmente ser julgada improcedente.

88      Em quinto lugar, quanto à argumentação invocada pelo SATCEN no âmbito da segunda e terceira partes do primeiro fundamento e do segundo fundamento, relativa à violação pelo Tribunal Geral do princípio da igualdade de tratamento, há que salientar, antes de mais, que a alegação de que o Tribunal Geral se declarou erradamente competente apenas com base nesse princípio decorre de uma leitura errada do acórdão recorrido.

89      Com efeito, embora o Tribunal Geral tenha mencionado o referido princípio no âmbito dos fundamentos que desenvolveu, não é menos verdade que resulta inequivocamente, nomeadamente, dos n.os 99, 103 e 120 do acórdão recorrido, que foi com fundamento nos artigos 263.o e 268.o TFUE que o Tribunal Geral se declarou competente para conhecer do recurso interposto pela KF.

90      Em seguida, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 164).

91      Por conseguinte, o SATCEN também não pode alegar que este princípio só se aplica a situações idênticas.

92      Por último, no que respeita à comparação entre a situação dos agentes contratuais do SATCEN, como KF, por um lado, e a dos peritos, funcionários e agentes destacados dos Estados‑Membros ou da União, por outro, há que salientar que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 95 a 98 do acórdão recorrido, que o presente litígio se assemelha aos litígios que opõem uma instituição, um órgão ou um organismo da União não abrangidos pela PESC a um dos seus funcionários ou agentes e que não pode ser considerado que a derrogação à competência do juiz da União prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, que deve ser interpretada restritivamente, chegue ao ponto de excluir a competência do juiz da União para fiscalizar a legalidade de atos como as decisões controvertidas.

93      A este respeito, há que salientar que, como resulta da apreciação que figura nos n.os 71, 72, 74 a 77 e 86 do presente acórdão, estas situações são perfeitamente comparáveis entre si.

94      Além disso, foi também com razão que, nos n.os 102 e 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, embora a ligação inicial do SATCEN à UEO, que é uma organização internacional intergovernamental, tivesse implicado, no passado, que a situação do pessoal do SATCEN não pudesse ser equiparada à dos agentes da Comunidade Europeia, já não é esse o caso desde a entrada em vigor, em 1 de dezembro de 2009, do Tratado de Lisboa, uma vez que os litígios entre o SATCEN e o seu pessoal revelaram, desde essa data, uma situação comparável à dos litígios que opõem os agentes da União ao seu empregador.

95      Por conseguinte, foi sem violar o princípio da igualdade de tratamento que o Tribunal Geral considerou que era competente para fiscalizar a legalidade de atos de gestão do pessoal, tais como as decisões controvertidas.

96      Em sexto e último lugar, no que diz respeito à alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido, invocada no âmbito do segundo fundamento, basta recordar que é jurisprudência constante que o dever de fundamentação não impõe ao Tribunal Geral que forneça uma exposição que acompanhe, exaustiva e individualmente, todos os raciocínios articulados pelas partes no litígio, podendo assim a fundamentação do Tribunal Geral ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 9 de março de 2017, Ellinikos Chrysos/Comissão, C‑100/16 P, EU:C:2017:194, n.o 32).

97      No caso em apreço, a fundamentação que figura nos n.os 80 a 114, 119 a 123 e 125 a 131 do acórdão recorrido permite ao SATCEN compreender as razões pelas quais o Tribunal Geral rejeitou a sua argumentação relativa tanto à incompetência deste para conhecer do recurso em primeira instância como à inadmissibilidade desse recurso e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

98      Tendo em conta as considerações precedentes, o primeiro e segundo fundamentos devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

99      O SATCEN acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado os factos ao considerar que o recurso ao questionário de escolha múltipla utilizado no âmbito de um inquérito administrativo constituía um procedimento manifestamente inadequado para estabelecer a realidade dos factos e para avaliar o comportamento de KF, quando reuniões bilaterais poderiam ter constituído um meio mais adaptado a esse respeito. Com efeito, as pessoas que preencheram esse questionário já tinham sido ouvidas, entre o mês de janeiro e o mês de fevereiro de 2013, num outro inquérito, relativo à convivência e às relações humanas no SATCEN. Além disso, tiveram igualmente lugar reuniões bilaterais no decurso do próprio inquérito administrativo.

100    O Tribunal Geral desvirtuou igualmente os factos ao considerar que as decisões se baseavam apenas em acusações que designam categorias gerais de comportamento, sem que a existência de um acontecimento ou de um comportamento preciso que pudessem ser qualificados de «assédio» tenha sido identificada. Com efeito, foram anexados depoimentos escritos e detalhados ao relatório de inquérito de 2 de julho de 2013. No entanto, esses depoimentos não foram tomados em consideração pelo Tribunal Geral, pelo que este não teve em conta todos os documentos em que o diretor‑adjunto do SATCEN se baseou para chegar às suas conclusões.

101    O Conselho apoia a argumentação do SATCEN.

102    A KF contesta a argumentação do SATCEN.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

103    Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos (Acórdão de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 30 e jurisprudência referida).

104    Por conseguinte, a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C 431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 31 e jurisprudência referida).

105    Quando o recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados por aquele e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 32 e jurisprudência referida).

106    No caso em apreço, há que recordar que, contrariamente ao que o SATCEN alega, o relatório de inquérito de 2 de julho de 2013 não contém nenhum anexo que sustente as respostas das pessoas consultadas nem outros elementos de prova, uma vez que essas respostas e elementos só foram juntos ao relatório apresentado ao Conselho de Disciplina em 25 de outubro seguinte.

107    Quanto ao conteúdo desse relatório de inquérito, dele ressalta expressa e inequivocamente, antes de mais, que o resultado das audições efetuadas entre o mês de janeiro e o mês de fevereiro de 2013 contribuiu, é certo, para a abertura do inquérito administrativo, mas que estas não faziam parte desse inquérito, em seguida, que o referido relatório de inquérito se baseava exclusivamente nos depoimentos escritos e assinados das pessoas que foram interrogadas através de um questionário de escolha múltipla e, por último, que as conclusões do mesmo relatório de inquérito se apoiavam unicamente em considerações relativas a categorias gerais de comportamento atribuídas a KF nesse questionário, sem mencionar elementos precisos resultantes das respostas dos agentes às duas perguntas de resposta aberta do referido questionário, como constatou o Tribunal Geral no n.o 204 do acórdão recorrido.

108    Além disso, resulta dos n.os 200 a 206 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não ignorou, como sugere o SATCEN, as respostas detalhadas dadas pelas pessoas assim consultadas, mas censurou o inquérito administrativo devido ao caráter inadequado do questionário de escolha múltipla que tinha constatado e que devia, em seu entender, afetar igual e necessariamente o teor das respostas das pessoas consultadas às questões de resposta aberta desse questionário.

109    Por conseguinte, uma vez que nenhuma desvirtuação resulta de forma manifesta dos elementos dos autos, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

110    O SATCEN sustenta, antes de mais, que o direito da pessoa objeto de um inquérito administrativo por assédio moral de apresentar as suas observações antes do encerramento desse inquérito pode ser limitado a fim de proteger os interesses de terceiros envolvidos, designadamente para evitar represálias. Ora, no caso em apreço, a limitação desse direito era necessária, tendo em conta, em especial, o grande número de queixas e a pequena dimensão do SATCEN. De qualquer modo, as diversas entrevistas prévias, nomeadamente as que se realizaram no âmbito das avaliações anuais, por ocasião das quais KF pôde apresentar as suas observações, devem ser consideradas suficientes para garantir o direito de ser ouvido da interessada.

111    Em seguida, não decorre do Estatuto do Pessoal do SATCEN nem da jurisprudência que um prazo preciso deva ser respeitado entre a convocatória para a entrevista que deve realizar‑se anteriormente à abertura de um processo disciplinar e a realização dessa entrevista. Em todo o caso, o prazo fixado a KF para se preparar para a referida entrevista devia ter sido apreciado à luz do princípio da proporcionalidade, tendo em conta, nomeadamente, os factos graves censurados à interessada e a urgência que daí decorre. Além disso, a decisão de abertura de um processo disciplinar não constitui um ato que cause prejuízo.

112    Por último, segundo o SATCEN, devido à ampla margem de apreciação de que dispunha, o seu diretor tinha o direito de fazer prevalecer, na ponderação dos interesses em presença, os direitos e interesses das pessoas que apresentaram queixas por assédio sobre o direito de KF de aceder às peças dos autos antes da adoção da decisão de abertura de um processo disciplinar, uma vez que o risco de represálias contra essas pessoas teria sido demasiado elevado e teria perdurado mesmo após o encerramento do inquérito administrativo instaurado.

113    O Conselho apoia a argumentação do SATCEN.

114    KF contesta a argumentação do SATCEN.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

115    O artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sob a epígrafe «Direito a uma boa administração», prevê, no seu n.o 1, que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

116    O artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais dispõe que o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, antes de mais, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente, em seguida, o direito de qualquer pessoa a ter acesso ao dossiê que lhe diz respeito, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, bem como, por último, a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

117    Em especial, o direito de ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista ao longo do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 53).

118    A este respeito, resulta do artigo 1.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN que em circunstância alguma podem ser tiradas conclusões no final de uma averiguação interna que mencionem o nome do agente sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de formular as suas observações sobre os factos que lhe dizem respeito.

119    Por outro lado, por força do artigo 2.o desse anexo IX, só depois de ter comunicado ao agente em causa todas as peças do dossiê e depois de o ter ouvido é que o diretor do SATCEN pode, nomeadamente, com base no relatório de inquérito, decidir da eventual abertura de um processo disciplinar.

120    No caso em apreço, resulta do mesmo que o diretor‑adjunto do SATCEN, antes de transmitir as suas recomendações ao seu diretor, e, em qualquer caso, este diretor, antes de tomar uma decisão que afetasse desfavoravelmente KF, eram obrigados a respeitar o direito desta de ser ouvida (v., por analogia, Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 56).

121    Em especial, KF, com o objetivo de poder apresentar de modo útil as suas observações, podia obter que lhe fosse comunicado, no mínimo, um resumo das declarações das diferentes pessoas consultadas, na medida em que essas declarações tinham sido utilizadas pelo diretor‑adjunto do SATCEN, no seu relatório de inquérito, para formular recomendações ao diretor do SATCEN, à luz das quais este tinha decidido abrir um processo disciplinar contra KF, devendo a comunicação desse resumo ser efetuada no respeito, sendo caso disso, dos interesses legítimos de confidencialidade (v., por analogia, Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 57).

122    Além disso, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de precisar que, quando a duração do processo não é fixada por uma disposição do direito da União, o caráter «razoável» do prazo de que a instituição, o órgão ou o organismo da União necessitam para adotar o ato em causa deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias próprias de cada processo e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 28).

123    Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral nos n.os 154, 156 e 158 das suas conclusões, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, nos n.os 216 e 219 a 223 do acórdão recorrido, antes de mais, que incumbia ao diretor‑adjunto do SATCEN e ao seu diretor ouvir utilmente KF antes da adoção tanto do relatório de inquérito como da decisão de abrir um processo disciplinar a seu respeito, em seguida, que estes deviam, para esse efeito, comunicar à interessada os factos que lhe diziam respeito, bem como conceder‑lhe um prazo razoável para preparar as suas observações, e, por último, que essa comunicação devia ser feita, pelo menos, mediante um resumo das declarações das diferentes pessoas consultadas, que devia ser estabelecido no respeito de eventuais interesses legítimos da confidencialidade dessas testemunhas.

124    Acresce que, como foi recordado no n.o 104 do presente acórdão, a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça. Ora, uma vez que o SATCEN não invoca nenhuma desvirtuação dos elementos de prova, as suas pretensões devem ser julgadas inadmissíveis na medida em que exigem que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação dos factos relativos à ponderação dos interesses em presença e ao caráter razoável do prazo fixado a KF para se preparar para a sua entrevista com o diretor do SATCEN.

125    À luz das considerações precedentes, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

126    Atendendo a todas as considerações expostas, deve ser negado provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

127    Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

128    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

129    Por força do artigo 184.o, n.o 4, do mesmo Regulamento de Processo, um interveniente em primeira instância, quando não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

130    Tendo o SATCEN sido vencido e tendo KF pedido a sua condenação nas despesas, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por KF.

131    Tendo o Conselho participado no processo no Tribunal de Justiça, há que decidir que, nas circunstâncias do caso em apreço, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN) é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por KF.

3)      O Conselho da União Europeia suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.