ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

13 de setembro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 2013/36/UE — Artigo 53.o, n.o 1 — Dever de sigilo profissional que incumbe às autoridades nacionais de supervisão prudencial das instituições de crédito — Instituição de crédito cuja liquidação compulsiva foi ordenada judicialmente — Divulgação de informações confidenciais no âmbito de processos cíveis ou comerciais»

No processo C‑594/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 29 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de novembro de 2016, no processo

Enzo Buccioni

contra

Banca d’Italia,

sendo interveniente:

Banca Network Investimenti SpA, em liquidação,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça (relator), presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de E. Buccioni, par N. Paoletti, A. Mari e G. Paoletti, avvocati,

–        em representação da Banca d’Italia, por S. Ceci, M. Marcucci e N. de Giorgi, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e L. Barroso, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci, J. Baquero Cruz, K.‑P. Wojcik e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Enzo Buccioni à Banca d’Italia (a seguir «BdI») a propósito da decisão desta de lhe recusar acesso a certos documentos relativos à Banca Network Investimenti SpA (a seguir «BNI»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 2, 5, 6 e 15 da Diretiva 2013/36 enunciam:

«(2)      […] A presente diretiva tem como principal objetivo e objeto a coordenação das disposições legais nacionais relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito e das empresas de investimento, às modalidades do seu governo e ao seu regime de supervisão. […]

[…]

(5)      A presente diretiva deverá constituir um instrumento essencial para a realização do mercado interno na dupla perspetiva da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços no setor das instituições de crédito.

(6)      O bom funcionamento do mercado interno requer não só um regime legal mas também uma cooperação estreita e regular e uma convergência significativamente reforçada das práticas de regulamentação e de supervisão das autoridades competentes dos Estados‑Membros.

[…]

(15)      É conveniente proceder apenas à harmonização necessária e suficiente para assegurar o reconhecimento mútuo das autorizações e dos sistemas de supervisão prudencial, tornando possível a concessão de uma autorização única válida em toda a União e a aplicação do princípio da supervisão prudencial pelo Estado‑Membro de origem.»

4        Nos termos do artigo 4.o desta diretiva, com a epígrafe «Designação e atribuições das autoridades competentes»:

«[…]

2.      Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades competentes supervisionam as atividades das instituições […] de forma a avaliar o cumprimento dos requisitos da presente diretiva e do Regulamento (UE) n.o 575/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1)].

3.      Os Estados‑Membros asseguram a adoção das medidas adequadas para permitir às autoridades competentes obter as informações necessárias para verificar o cumprimento, por parte das instituições […] dos requisitos referidos no n.o 2, e investigar eventuais infrações a esses requisitos.

[…]

5.      Os Estados‑Membros exigem que as instituições prestem às autoridades competentes do Estado‑Membro de origem todas as informações necessárias para a avaliação do cumprimento das regras adotadas nos termos da presente diretiva e do Regulamento (UE) n.o 575/2013. Os Estados‑Membros asseguram ainda que os mecanismos de controlo interno e os procedimentos administrativos e contabilísticos das instituições permitam, em qualquer momento, a verificação do cumprimento das referidas regras.

[…]»

5        O artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Cooperação no âmbito do Sistema Europeu de Supervisão Financeira», dispõe:

«No exercício das suas funções, as autoridades competentes têm em conta a convergência dos instrumentos e práticas de supervisão para efeitos da aplicação das disposições legislativas, regulamentares e dos requisitos administrativos adotados por força da presente diretiva e do Regulamento [n.o 575/2013]. Para o efeito, os Estados‑Membros asseguram que:

a)      As autoridades competentes, enquanto partes no Sistema Europeu de Supervisão Financeira (SESF), cooperem com confiança e respeito mútuo, em particular na garantia de um fluxo adequado e fiável de informação entre si e outras partes no SESF, de acordo com o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia;

[…]»

6        O artigo 50.o da referida diretiva, com a epígrafe «Colaboração em matéria de supervisão», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades competentes dos Estados‑Membros interessados colaboram estreitamente na supervisão das atividades das instituições que atuam, nomeadamente por intermédio de sucursais, num ou vários Estados‑Membros que não sejam o da sede. Essas autoridades comunicam entre si todas as informações relativas à administração e propriedade daquelas instituições que possam facilitar a sua supervisão e o exame das condições da sua autorização, bem como todas as informações suscetíveis de facilitar a supervisão das referidas instituições, especialmente em matéria de liquidez, solvabilidade, garantia dos depósitos, limitação dos grandes riscos, outros fatores que possam influenciar o risco sistémico que a instituição representa, organização administrativa e contabilística e controlo interno.»

7        O artigo 53.o da Diretiva 2013/36, com a epígrafe «Sigilo profissional», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros preveem que todas as pessoas que trabalhem ou tenham trabalhado para as autoridades competentes, bem como os revisores de contas e peritos mandatados pelas mesmas autoridades, fiquem sujeitas ao dever de sigilo profissional.

As informações confidenciais que tais pessoas, revisores de contas ou peritos recebam no exercício das suas funções só podem ser divulgadas de forma sumária ou agregada, de forma a que as instituições de crédito individuais não possam ser identificadas, sem prejuízo dos casos que relevem do foro penal.

Contudo, nos casos relativos a instituições de crédito que tenham sido declaradas em estado de insolvência ou cuja liquidação compulsiva tenha sido ordenada judicialmente, as informações confidenciais que não digam respeito a terceiros implicados em tentativas de recuperação da instituição de crédito em causa podem ser divulgadas no âmbito de processos do foro cível ou comercial.»

8        O artigo 54.o desta diretiva incide sobre a «Utilização de informações confidenciais».

9        O artigo 22.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), diz respeito ao procedimento regular para a adoção das decisões do Banco Central Europeu (BCE) em matéria de supervisão, ao passo que o artigo 27.o deste regulamento incide sobre o dever de sigilo profissional que incumbe aos membros do Conselho de Supervisão, ao pessoal do BCE e aos membros do pessoal destacado pelos Estados‑Membros que desempenhem funções de supervisão, bem como sobre a troca de informações entre o BCE e as autoridades e os organismos nacionais ou da União.

 Direito italiano

10      O artigo 22.o la legge n.o 241 — recante nuove norme in materia di procedimento amministrativo e di diritto di accesso ai documenti amministrativi (Lei n.o 241, relativa às novas disposições sobre o procedimento administrativo e o direito de acesso a documentos administrativos), de 7 de agosto de 1990, conforme alterada, com a epígrafe «Definições e princípios em matéria de acesso», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      Atendendo aos seus objetivos de interesse público, o direito de acesso aos documentos administrativos constitui um princípio geral da atividade das autoridades administrativas, de forma a promover a participação e a garantir que a referida atividade é imparcial e transparente.

3.      Será concedido acesso a todos os documentos administrativos, com exceção dos referidos no artigo 24.o, n.os 1, 2, 3, 5 e 6.»

11      O artigo 24.o desta lei, conforme alterada, com a epígrafe «Exclusão do direito de acesso», dispõe:

«1.      Não será concedido o direito de acesso no que diz respeito:

a)      a documentos abrangidos pelo segredo de Estado na aceção da Lei n.o 801, de 24 de outubro de 1977, conforme subsequentemente alterada, a respeito de segredos ou proibições de divulgação expressamente previstos pela lei, pelo regulamento do Governo a que se refere o n.o 6 e pelas Administrações Públicas, conforme disposto no n.o 2 do presente artigo;

[…]

3.      Não são admissíveis pedidos de acesso que visem um controlo geral da atividade da Administração Pública.

[…]

7.      Não obstante, deve ser concedido aos requerentes acesso aos documentos administrativos cujo conhecimento seja necessário para salvaguardar ou defender os seus próprios interesses jurídicos […]»

12      O artigo 7.o do decreto legislativo n.o 385 — recante il testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia (Decreto Legislativo n.o 385, que aprova um texto único para as leis em matéria bancária e de crédito), de 1 de setembro de 1993, conforme alterado, com a epígrafe «Sigilo profissional e cooperação entre as autoridades», prevê, no seu n.o 1:

«Todas as informações e todos os dados na posse da [BdI] devido às suas atividades de supervisão estão abrangidos pelo sigilo profissional, incluindo face às Administrações Públicas, com exceção do ministro da Economia e das Finanças, na sua qualidade de presidente do CICR [Comitato interministeriale per il credito e il risparmio (Comité Interministerial do Crédito e da Poupança)]. O sigilo é inoponível às autoridades judiciais quando as informações pedidas sejam necessárias para inquéritos ou para processos relativos a infrações às quais correspondam sanções penais.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Conforme resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, E. Buccioni é titular, desde 2004, de uma conta à ordem aberta numa instituição de crédito, a BNI. O saldo desta conta era de 181 325,31 euros em 5 de agosto de 2012. O órgão jurisdicional de reenvio explica que, uma vez esta instituição foi sujeita a um processo de liquidação compulsiva, apenas 100 000 euros foram reembolsados a este depositante pelo Fondo interbancario di tutela dei depositi (Fundo Interbancário de Tutela dos Depósitos).

14      E. Buccioni considera que existem factos suscetíveis de desencadear a responsabilidade tanto da BdI como da BNI pelas perdas financeiras incorridas. Com o objetivo de obter informações adicionais para avaliar se era oportuno intentar uma ação judicial, E. Buccioni pediu à BdI, em 3 de abril de 2015, a divulgação de vários documentos relacionados com a supervisão da BNI.

15      Por Decisão de 20 de maio de 2015, a BdI indeferiu parcialmente esse pedido, com fundamento, designadamente, no facto de certos documentos cuja divulgação era pedida conterem informações confidenciais cobertas pelo dever de sigilo profissional que sobre esta recai, de o referido pedido não ser suficientemente preciso e de ter por objeto documentos desprovidos de interesse para o requerente.

16      E. Buccioni interpôs no Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) um recurso de anulação dessa decisão. Por Decisão de 2 de dezembro de 2015, esse tribunal negou provimento ao recurso.

17      E. Buccioni recorreu desta decisão para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália). A este respeito, alega, em especial, que o tribunal de primeira instância violou o artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, na medida em que, uma vez que a BNI foi posta em liquidação compulsiva, o dever de sigilo profissional que recaía sobre a BdI já não era aplicável. Pelo contrário, a BdI defende que, em conformidade com a referida disposição, a divulgação de informações confidenciais relativas a uma instituição de crédito sujeita a um procedimento de liquidação compulsiva pressupõe que o requerente tenha previamente instaurado um processo civil ou comercial.

18      Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O princípio da transparência, consagrado no artigo 15.o [TFUE], de acordo com o seu objetivo geral, entendido no sentido de que (o referido princípio) pode ser regulado através de regulamentos ou outros atos previstos no seu n.o 3, cujo conteúdo pode constituir uma manifestação de discricionariedade excessivamente ampla e desprovida de base jurídica fundada no direito da União quanto à prévia determinação de princípios mínimos não derrogáveis, opõe‑se a uma interpretação tão restritiva da legislação da União em matéria de funções de supervisão das instituições de crédito que prive de conteúdo o mesmo princípio da transparência, incluindo quando a fundamentação do acesso seja um interesse fundamental do requerente claramente análogo aos que excluem, em sentido favorável, a aplicação das limitações deste setor?

2)      [Consequentemente], devem os artigos 22.o, n.o 2, e [27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013] ser interpretados no sentido de que constituem situações não excecionais de não aplicação da recusa de acesso aos documentos, ou como normas que devem ser interpretadas à luz dos objetivos mais vastos do artigo 15.o [TFUE] e, enquanto tais, subordinadas a um princípio normativo geral do direito da União, de acordo com o qual o acesso não pode ser restringido, segundo uma ponderação razoável e adequada entre as exigências do setor bancário e os interesses fundamentais do aforrador que suportou a repartição dos encargos, em função das circunstâncias pertinentes, determinadas por uma autoridade de supervisão cujas características de organização e competências na matéria sejam análogas às do [BCE]?

3)      Tendo em conta o disposto no artigo 53.o da [Diretiva 2013/36] e nas normas do ordenamento jurídico conformes à referida disposição, deve o referido artigo ser interpretado à luz das restantes normas e princípios do direito da União enunciados na [primeira questão], no sentido de que o acesso pode ser concedido no caso de o pedido nesse sentido ser apresentado na sequência de um processo de liquidação [compulsiva] da instituição de crédito, designadamente quando o requerente não apresente esse pedido no âmbito de uma ação cível ou comercial instaurada para a defesa de interesses patrimoniais prejudicados por essa liquidação [compulsiva,] mas previamente, a fim de verificar a procedência de tais ações cíveis ou comerciais, perante um órgão jurisdicional designado pelo Estado para proteger o direito de acesso e de transparência, precisamente para salvaguardar o direito de defesa e de ação, em particular no caso de um aforrador que tenha suportado os efeitos da repartição dos encargos no âmbito de um processo de liquidação da instituição de crédito na qual tinha depositado as suas poupanças?»

 Quanto às questões prejudiciais

19      Com as suas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, conjugado tanto com o artigo 15.o TFUE como com o artigo 22.o, n.o 2, e o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes dos Estados‑Membros divulguem informações confidenciais a uma pessoa que o requeira com vista a poder instaurar um processo civil ou comercial que tenha por objeto a proteção de interesses patrimoniais que foram lesados na sequência de um processo de liquidação compulsiva de uma instituição de crédito.

20      Importa observar, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente tanto o artigo 15.o TFUE como o artigo 22.o, n.o 2, e o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, que a interpretação destas disposições, de cuja redação resulta claramente que não se dirigem às autoridades competentes dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer, C‑213/15 P, EU:C:2017:563, n.os 51 e 52), não é pertinente no processo principal, que diz respeito a um pedido de acesso a documentos na posse da BdI.

21      Para responder às questões submetidas, há que salientar, em primeiro lugar, que resulta do considerando 2 da Diretiva 2013/36 que esta visa principalmente coordenar as disposições legais nacionais relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito e das empresas de investimento, às modalidades do seu governo e ao seu regime de supervisão.

22      Além disso, conforme enunciam os seus considerandos 5 e 6, a Diretiva 2013/36 deverá constituir um instrumento essencial para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito, cujo bom funcionamento requer não só um regime legal mas também uma cooperação estreita e regular e uma convergência significativamente reforçada das práticas de regulamentação e de supervisão.

23      Decorre ainda do considerando 15 da mesma diretiva que esta visa atingir o grau de harmonização necessário e suficiente para assegurar o reconhecimento mútuo das autorizações e dos sistemas de supervisão prudencial, tornando possível a concessão de uma autorização única válida em toda a União e a aplicação do princípio da supervisão prudencial pelo Estado‑Membro de origem.

24      Para este efeito, o artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/36 prevê que os Estados‑Membros asseguram tanto que as autoridades competentes supervisionam as atividades das instituições de crédito de forma a garantir o cumprimento dos requisitos dessa diretiva como a existência de medidas adequadas para permitir às autoridades competentes obter as informações necessárias para verificar se as referidas instituições cumprem esses requisitos. De acordo com o mesmo artigo 4.o, n.o 5, os Estados‑Membros exigem, designadamente, que as instituições prestem às autoridades competentes do Estado‑Membro de origem todas as informações necessárias para a avaliação do cumprimento das regras adotadas nos termos da Diretiva 2013/36.

25      Além disso, o artigo 6.o, alínea a), dessa diretiva dispõe que os Estados‑Membros asseguram que as autoridades competentes cooperem com confiança e respeito mútuo, em particular na garantia de um fluxo adequado e fiável de informação entre si e outras partes no SESF, de acordo com o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

26      Por outro lado, nos termos do artigo 50.o, n.o 1, da referida diretiva, as autoridades competentes dos Estados‑Membros interessados colaboram estreitamente na supervisão das atividades das instituições que atuam, nomeadamente por intermédio de sucursais, num ou vários Estados‑Membros que não sejam o da sede. Essas autoridades comunicam entre si todas as informações relativas à administração e propriedade daquelas instituições que possam facilitar a sua supervisão e o exame das condições da sua autorização, bem como todas as informações suscetíveis de facilitar a supervisão das referidas instituições, especialmente em matéria de liquidez, solvabilidade, garantia dos depósitos, limitação dos grandes riscos, outros fatores que possam influenciar o risco sistémico que a instituição representa e de organização administrativa e contabilística e controlo interno.

27      O funcionamento eficaz do sistema de supervisão prudencial das instituições de crédito que o legislador da União instituiu ao adotar a Diretiva 2013/36, baseado numa supervisão exercida no interior de um Estado‑Membro e na troca de informações entre as autoridades competentes de vários Estados‑Membros, tal como foi sucintamente descrito nos números anteriores, requer que tanto as instituições de crédito supervisionadas como as autoridades competentes possam estar seguras de que as informações confidenciais fornecidas conservarão, em princípio, o seu caráter confidencial (v., por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 31).

28      Com efeito, a falta dessa confiança poderia comprometer a transmissão harmoniosa das informações confidenciais necessárias para o exercício da atividade de supervisão (v., por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 32).

29      Por conseguinte, é para proteger não apenas os interesses específicos das instituições de crédito diretamente afetadas mas também o interesse geral relacionado, em especial, com a estabilidade do sistema financeiro da União que o artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 impõe, como regra geral, um dever de sigilo profissional (v., por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 33).

30      Por último, os casos específicos em que o princípio geral de proibição de divulgação das informações confidenciais na posse das autoridades competentes, previsto no artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, não impede, excecionalmente, a sua transmissão ou utilização são enumerados de forma exaustiva nessa diretiva (v., por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 38).

31      No caso em apreço, importa salientar que o artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 prevê, no seu terceiro parágrafo, que, «nos casos relativos a instituições de crédito que tenham sido declaradas em estado de insolvência ou cuja liquidação compulsiva tenha sido ordenada judicialmente, as informações confidenciais que não digam respeito a terceiros implicados em tentativas de recuperação da instituição de crédito em causa podem ser divulgadas no âmbito de processos do foro cível ou comercial».

32      Como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 79 a 81 das suas conclusões, com esta disposição, o legislador da União quis permitir à autoridade competente divulgar apenas às pessoas diretamente afetadas pela insolvência ou pela liquidação compulsiva da instituição de crédito informações confidenciais que não digam respeito a terceiros implicados em tentativas de recuperação dessa instituição, para efeitos da sua utilização no âmbito de processos civis ou comerciais, sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais competentes.

33      Ora, tendo em conta todo o exposto, não se pode deduzir da redação do artigo 53.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2013/36, do contexto em que esta disposição se insere, nem tão‑pouco dos objetivos prosseguidos pelas regras contidas na referida diretiva em matéria de sigilo profissional que as informações confidenciais relativas a uma instituição de crédito que foi declarada insolvente ou posta em liquidação compulsiva só podem ser divulgadas no âmbito de processos civis ou comerciais já instaurados.

34      Num caso como o do processo principal, a divulgação destas informações num processo que tem caráter administrativo segundo o direito nacional é adequado para garantir, antes mesmo de ser instaurado um processo civil ou comercial, as exigências salientadas no n.o 32 do presente acórdão e, portanto, o efeito útil do dever de sigilo profissional estabelecido no artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36.

35      Neste contexto, seriam postas em causa as exigências de boa administração da justiça se o requerente fosse obrigado a instaurar um processo civil ou comercial com o objetivo de obter acesso às informações confidenciais na posse das autoridades competentes.

36      Por outro lado, esta interpretação não é posta em causa pelas considerações que figuram no n.o 39 do Acórdão de 12 de novembro de 2014, Altmann e o. (C‑140/13, EU:C:2014:2362), segundo as quais o litígio em causa no processo que deu origem a esse acórdão não se inseria no quadro de processos de direito civil ou comercial intentados pelas pessoas que tinham pedido acesso a informações confidenciais relativas a uma empresa de investimento que se encontrava em liquidação judicial. Com efeito, no Acórdão de 12 de novembro de 2014, Altmann e o. (C‑140/13, EU:C:2014:2362), não foi pedido ao Tribunal de Justiça que respondesse à questão que constitui o objeto do presente processo, uma vez que esse acórdão dizia respeito à interpretação da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1), num contexto caracterizado por uma situação factual e processual ao nível nacional diferente da do processo principal. A interpretação do artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 não pode, por isso, ser efetuada à luz da fundamentação que figura no n.o 39 do referido acórdão, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 50 e 52 das suas conclusões.

37      Todavia, segundo jurisprudência assente, há que fazer uma interpretação restrita das derrogações, previstas pela Diretiva 2013/36, à proibição geral de divulgar informações confidenciais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2010, Comissão/Reino Unido, C‑346/08, EU:C:2010:213, n.o 39 e jurisprudência referida).

38      Por conseguinte, há que considerar que a possibilidade de afastar o dever de sigilo profissional, em aplicação do artigo 53.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da referida diretiva, exige que o pedido de divulgação tenha por objeto informações a respeito das quais o requerente apresente indícios precisos e concordantes que levem a admitir de maneira plausível que estas se revelam pertinentes para as necessidades de um processo civil ou comercial em curso ou a instaurar, cujo objeto deve ser concretamente identificado pelo requerente e fora do âmbito do qual as informações em questão não podem ser utilizadas.

39      Incumbe, em todo o caso, às autoridades e aos órgãos jurisdicionais competentes ponderar o interesse do requerente em dispor das informações em causa e os interesses relacionados com a manutenção da confidencialidade dessas mesmas informações cobertas pelo dever de sigilo profissional, antes de proceder à divulgação de cada uma das informações confidenciais solicitadas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Varec, C‑450/06, EU:C:2008:91, n.os 51, 52 e jurisprudência referida).

40      Tendo em conta o exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que as autoridades competentes dos Estados‑Membros divulguem informações confidenciais a uma pessoa que o requeira com vista a poder instaurar um processo civil ou comercial que tenha por objeto a proteção de interesses patrimoniais que foram lesados na sequência de um processo de liquidação compulsiva de uma instituição de crédito. Todavia, o pedido de divulgação deve ter por objeto informações a respeito das quais o requerente apresente indícios precisos e concordantes que levem a admitir de maneira plausível que são pertinentes para efeitos de um processo civil ou comercial, cujo objeto deve ser concretamente identificado pelo requerente e fora do âmbito do qual as informações em questão não podem ser utilizadas. Incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais competentes ponderar o interesse do requerente em dispor das informações em causa e os interesses relacionados com a manutenção da confidencialidade das informações cobertas pelo dever de sigilo profissional, antes de proceder à divulgação de cada uma das informações confidenciais solicitadas.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que as autoridades competentes dos EstadosMembros divulguem informações confidenciais a uma pessoa que o requeira com vista a poder instaurar um processo civil ou comercial que tenha por objeto a proteção de interesses patrimoniais que foram lesados na sequência de um processo de liquidação compulsiva de uma instituição de crédito. Todavia, o pedido de divulgação deve ter por objeto informações a respeito das quais o requerente apresente indícios precisos e concordantes que levem a admitir de maneira plausível que são pertinentes para efeitos de um processo civil ou comercial, cujo objeto deve ser concretamente identificado pelo requerente e fora do âmbito do qual as informações em questão não podem ser utilizadas. Incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais competentes ponderar o interesse do requerente em dispor das informações em causa e os interesses relacionados com a manutenção da confidencialidade das informações cobertas pelo dever de sigilo profissional, antes de proceder à divulgação de cada uma das informações confidenciais solicitadas.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.