ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

25 de Outubro de 2011 (*)

«Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial – Competência ‘em matéria extracontratual’ – Directiva 2000/31/CE – Publicação de informações na Internet – Violação dos direitos de personalidade – Lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso – Direito aplicável aos serviços da sociedade da informação»

Nos processos apensos C‑509/09 e C‑161/10,

que têm por objecto dois pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Bundesgerichtshof (Alemanha) (C‑509/09) e pelo tribunal de grande instance de Paris (França) (C‑161/10), por decisões de 10 de Novembro de 2009 e 29 de Março de 2010, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 9 de Dezembro de 2009 e 6 de Abril de 2010, nos processos

eDate Advertising GmbH

contra

X,

e

Olivier Martinez,

Robert Martinez

contra

MGN Limited,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, U. Lõhmus e M. Safjan (relator), presidentes de secção, E. Levits, A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Dezembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da eDate Advertising GmbH, por H. Graupner e M. Dörre, Rechtsanwälte,

–        em representação de X, por A. Stopp, Rechtsanwalt,

–        em representação da MGN Limited, por C. Bigot, avocat,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e J. Kemper, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo grego, por S. Chala, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por W. Ferrante, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo luxemburguês, por C. Schiltz, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e E. Riedl, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por F. Penlington, na qualidade de agente, assistida por J. Stratford, QC,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «regulamento»), e do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade da informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1, a seguir «directiva»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, X à eDate Advertising GmbH (a seguir «eDate Advertising») e, por outro lado, Oliver e Robert Martinez à MGN Limited (a seguir «MGN»), relativamente à responsabilidade civil destes demandados a respeito de informações e fotografias publicadas na Internet.

 Quadro jurídico

 O regulamento

3        O décimo primeiro considerando do regulamento enuncia:

«As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas colectivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.»

4        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do regulamento, que figura no seu capítulo II («Competência»), secção 1, intitulada «Disposições gerais»:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5        O artigo 3.°, n.° 1, do mesmo regulamento dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

6        No capítulo II, secção 2, intitulado «Competências especiais», o artigo 5.°, ponto 3, está redigido da seguinte forma:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

[…]

3.      Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.»

 A directiva

7        O quarto período do vigésimo segundo considerando da directiva tem a seguinte redacção:

«Além disso, a fim de garantir a eficácia da livre circulação de serviços e a segurança jurídica para os prestadores e os destinatários, esses serviços devem estar sujeitos, em princípio, à legislação do Estado‑Membro em que o prestador se encontra estabelecido.»

8        O vigésimo terceiro considerando da directiva enuncia:

«A presente directiva não estabelece normas adicionais de direito internacional privado em matéria de conflitos de leis, nem abrange a jurisdição dos tribunais. O disposto na legislação aplicável por força das normas de conflitos do direito internacional privado não restringe a liberdade de prestar serviços da sociedade da informação nos termos constantes da presente directiva.»

9        O vigésimo quinto considerando da directiva estabelece:

«Os tribunais nacionais, incluindo os tribunais cíveis, competentes para conhecer dos litígios de direito privado, podem tomar medidas que constituam uma derrogação à liberdade de prestação de serviços da sociedade da informação de acordo com as condições constantes da presente directiva.»

10      Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a directiva tem por objectivo «contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros».

11      O artigo 1.°, n.° 4, da directiva tem a seguinte redacção:

«A presente directiva não estabelece normas adicionais de direito internacional privado, nem abrange a jurisdição dos tribunais.»

12      Nos termos do artigo 2.°, alínea h), i), da directiva:

«O domínio coordenado diz respeito às exigências que o prestador de serviços tem de observar, no que se refere:

–        ao exercício de actividades de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes às habilitações, autorizações e notificações,

–        à prossecução de actividade de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, incluindo as aplicáveis à publicidade e aos contratos, ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços.»

13      O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.»

14      O artigo 3.°, n.° 4, da directiva precisa as condições em que os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias ao n.° 2, em relação a determinado serviço da sociedade da informação.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑509/09

15      Em 1993, X, residente na Alemanha, foi condenado, juntamente com o seu irmão, por um órgão jurisdicional alemão, a uma pena de prisão perpétua pelo homicídio de um popular actor. Em Janeiro de 2008, saiu da prisão em liberdade condicional.

16      A eDate Advertising, estabelecida na Áustria, gere um portal Internet no endereço «www.rainbow.at». Na rubrica «Info‑News», nas páginas previstas para as informações menos recentes, a demandada teve à disposição até 18 de Junho de 2007, para consulta, uma informação que remontava a 23 de Agosto de 1999. Aí se afirmava, fazendo referência a X e ao seu irmão, que ambos tinham interposto recurso da sua condenação para o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), em Karlsruhe (Alemanha). Além de uma pequena descrição do acto cometido em 1990, foi citado o advogado mandatado pelos condenados, atribuindo‑se‑lhe a afirmação de que pretendiam provar que várias das principais testemunhas de acusação não tinham dito a verdade no processo.

17      X intimou a eDate Advertising a cessar a publicação dessa informação e a fazer uma declaração relativa ao seu compromisso de cessação. A eDate Advertising não respondeu a esta carta, mas, em 18 de Junho de 2007, retirou a notícia contestada do seu sítio na Internet.

18      Na sua acção perante os órgãos jurisdicionais alemães, X exige à eDate Advertising que deixe de falar de si, citando o seu nome completo, a propósito do acto cometido. Esta contestou, sobretudo, a competência internacional dos órgãos jurisdicionais alemães. Tendo a acção sido julgada procedente nas duas instâncias inferiores, a eDate Advertising reitera, no Bundesgerichtshof, os seus pedidos tendentes a que a acção seja julgada improcedente.

19      O Bundesgerichtshof salienta que o desfecho deste recurso está subordinado à questão de saber se as instâncias inferiores aceitaram correctamente a respectiva competência internacional para decidir sobre o litígio em conformidade com o artigo 5.°, ponto 3, do regulamento.

20      Se a competência internacional dos órgãos jurisdicionais alemães estivesse estabelecida, colocar‑se‑ia a questão de saber se o direito alemão ou o direito austríaco são aplicáveis. Tal dependeria da interpretação do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva.

21      Por um lado, o princípio do país de origem poderia constituir uma correcção no plano do direito material. O resultado substancial, previsto pelo direito declarado aplicável segundo as regras de conflito do Estado do foro, seria, no caso concreto, eventualmente modificado em termos de conteúdo e reduzido às exigências menos estritas do direito do país de origem. Segundo esta interpretação, o princípio do país de origem não afectaria as regras nacionais de conflito de leis do Estado do foro e apenas seria aplicado – como as liberdades fundamentais enunciadas no Tratado CE – no âmbito de uma comparação concreta de custo/benefício no plano do direito material.

22      Por outro lado, o artigo 3.° da directiva poderia instituir um princípio geral em matéria de regras de conflito de leis, susceptível de desencadear a aplicação, unicamente, do direito em vigor no país de origem, com exclusão das regras nacionais de conflito de leis.

23      O Bundesgerichtshof indica que se o princípio do país de origem fosse considerado um obstáculo à aplicação do direito no plano material, seria aplicável o direito internacional privado alemão e haveria que anular a decisão impugnada e julgar definitivamente improcedente a acção, uma vez que não seria admissível um direito de cessação do demandante baseado no direito alemão. Em contrapartida, se se atribuísse ao princípio do país de origem o carácter de regra de conflito de leis, haveria que apreciar o direito de cessação de X segundo o direito austríaco.

24      Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Em caso de (ameaça de) ofensa dos direitos da personalidade através de conteúdos de um sítio Internet, a expressão ‘lugar onde […] poderá ocorrer o facto danoso’ constante do [ponto] 3 do artigo 5.° do [r]egulamento […] deve ser interpretada no sentido de que

o interessado também pode intentar uma acção [requerendo a cessação de um comportamento] contra o operador do sítio [Internet] nos órgãos jurisdicionais de qualquer Estado‑Membro em que seja possível aceder ao sítio [Internet], independentemente do Estado‑Membro em que aquele operador esteja estabelecido,

ou

a competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro em que o operador do sítio [Internet] não esteja estabelecido pressupõe que, para além da possibilidade técnica de acesso ao sítio, exista um nexo especial dos conteúdos impugnados ou do sítio [Internet] com o Estado do foro (nexo de carácter territorial)?

2)      Em caso de esse nexo especial de carácter territorial ser necessário:

Com base em que critérios se determina esse nexo?

É necessário determinar se, de acordo com o estipulado pelo operador, o sítio [Internet] contestado se dirige (de igual modo) aos utilizadores d[a] Internet no Estado do foro ou é suficiente que as informações acessíveis no sítio [Internet] apresentem objectivamente um nexo com o Estado do foro, no sentido de que, nas circunstâncias do caso concreto, em particular devido ao conteúdo do sítio [Internet] contestado, pode ter efectivamente ocorrido ou poderá ocorrer, no Estado do foro, um conflito de interesses divergentes – o interesse do demandante no respeito dos seus direitos de personalidade e o interesse do operador na organização do seu sítio [Internet] e na informação?

O número de acessos ao sítio [Internet] contestado a partir do Estado do foro é relevante para […] determinar o nexo especial de carácter territorial?

3)      No caso de não ser necessário qualquer nexo especial de carácter territorial para justificar a competência ou no caso de ser suficiente que as informações contestadas apresentem objectivamente um nexo com o Estado do foro para se considerar que existe esse nexo especial, no sentido de que, nas circunstâncias do caso concreto, em particular devido ao conteúdo do sítio [Internet] contestado, pode ter efectivamente ocorrido ou poderá ocorrer, no Estado do foro, um conflito de interesses divergentes, e a afirmação da existência de um nexo especial de carácter territorial não pressupõe a determinação de um número mínimo de acessos ao sítio [Internet] contestado a partir do Estado do foro:

O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que:

se deve atribuir a estas disposições o carácter de regras de conflito de leis, no sentido de que impõem, também no domínio do direito civil, a aplicação exclusiva do direito em vigor no país de origem com exclusão das normas de conflito nacionais,

ou

as disposições em causa consistem numa correcção ao nível do direito substantivo através da qual o resultado substancial do direito declarado aplicável de acordo com as normas nacionais de conflito de leis é substantivamente modificado e reduzido às exigências do país de origem?

No caso de o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva […] revestir o carácter de regra de conflito de leis:

As disposições referidas ordenam simplesmente a aplicação exclusiva do direito substantivo vigente no país de origem ou também a aplicação das normas de conflito aí em vigor, com a consequência de que continua a ser possível um reenvio do direito do país de origem para o direito do país de destino?»

 Processo C‑161/10

25      No tribunal de grande instance de Paris, o actor francês Olivier Martinez e o seu pai, Robert Martinez, alegam que a sua vida privada e o direito à imagem de Olivier Martinez foram lesados pela colocação em linha, no sítio da Internet acessível no endereço «www.sundaymirror.co.uk», de um texto redigido em língua inglesa, datado de 3 de Fevereiro de 2008, e intitulado, segundo a tradução francesa não contestada, contida nos autos, «Kylie Minogue está de novo com Olivier Martinez», com pormenores a respeito do seu encontro.

26      A acção foi intentada, contra a sociedade de direito inglês MGN, editora do sítio do jornal britânico Sunday Mirror, com base no artigo 9.° do Código Civil francês, o qual dispõe que «toda a pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada». Esta sociedade suscita a incompetência do tribunal de grande instance de Paris por não existir um nexo territorial suficiente entre a colocação em linha controvertida e o alegado dano ocorrido em território francês, considerando os demandantes, pelo contrário, que esse nexo territorial não é necessário e que, de qualquer modo, existe.

27      O órgão jurisdicional de reenvio refere que só se pode considerar que um facto danoso cujo suporte é a Internet ocorreu no território de um Estado‑Membro se existir um nexo suficiente, substancial ou significativo que ligue esse facto ao referido território.

28      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução para a questão da competência do tribunal de um Estado‑Membro para julgar uma violação dos direitos de personalidade cometida na Internet, a partir de um sítio na Internet editado por uma pessoa domiciliada noutro Estado‑Membro e essencialmente destinada ao público desse Estado, não decorre de maneira clara dos artigos 2.° e 5.°, ponto 3, do regulamento.

29      Nestas condições, o tribunal de grande instance de Paris decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 2.° e 5.°, [ponto] 3, do [r]egulamento [...] devem ser interpretados no sentido de que atribuem competência ao órgão jurisdicional de um Estado‑Membro para julgar uma acção que se baseia na violação dos direitos de personalidade susceptível de ter sido cometida por uma disponibilização de informações e/ou de fotografias num sítio Internet editado noutro Estado‑Membro por uma sociedade domiciliada neste segundo Estado – ou ainda noutro Estado‑Membro, em qualquer caso distinto do primeiro:

–        apenas se este sítio Internet puder ser consultado a partir deste primeiro Estado;

–        ou apenas quando existe entre o facto lesivo e o território deste primeiro Estado uma ligação suficiente, substancial ou significativa e, neste segundo caso, se esta ligação puder resultar:

–        do grande número de ligações à página Internet controvertida a partir deste primeiro Estado‑Membro, em valor absoluto ou relativamente a todas as ligações à referida página;

–        da residência ou da nacionalidade da pessoa que se queixa de uma violação dos seus direitos de personalidade ou mais genericamente das pessoas em causa;

–        da língua na qual é difundida a informação controvertida ou de qualquer outro elemento susceptível de demonstrar a vontade do editor do sítio de se dirigir especificamente ao público deste primeiro Estado;

–        do local onde se verificaram os factos relatados e/ou onde foram [tiradas] as fotografias eventualmente disponibilizadas através da Internet;

–        de outros critérios?»

30      Por despacho de 29 de Outubro de 2010, o presidente do Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 43.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, ordenou a apensação dos processos C‑509/09 e C‑161/10 para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto à admissibilidade

31      O Governo italiano considera que as questões submetidas no processo C‑509/09 devem ser declaradas inadmissíveis por falta de pertinência para o litígio no processo principal. A acção de cessação constitui um instrumento jurisdicional de urgência e pressupõe, portanto, que o comportamento danoso seja actual. Decorre, contudo, da apresentação dos factos no caso em apreço que a conduta considerada lesiva já não era actual no momento da apresentação do pedido de cessação, uma vez que o gestor do sítio na Internet tinha retirado a informação controvertida, antes do início da instância.

32      Há que recordar a este respeito que, segundo jurisprudência assente, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.° TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder decidir o caso como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v. acórdão de 17 de Fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 15 e jurisprudência referida).

33      A recusa do Tribunal de Justiça de decidir sobre um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional não é, com efeito, possível, a menos que seja manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, nomeadamente quando o problema for hipotético (v. acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, n.° 16).

34      Ora, não se afigura que, no processo principal, a acção de cessação tenha ficado sem objecto pelo facto de o gestor do sítio ter retirado a informação controvertida, antes do início da instância. Com efeito, como é recordado no n.° 18 do presente acórdão, a acção de cessação foi julgada procedente nas duas instâncias inferiores.

35      Em todo o caso, o Tribunal de Justiça já salientou que, à luz da sua redacção, o artigo 5.°, ponto 3, do regulamento não pressupõe a existência actual de um dano (v., neste sentido, acórdão de 1 de Outubro de 2002, Henkel, C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.os 48 e 49). Daqui resulta que uma acção que tem por objecto evitar que um comportamento considerado ilícito se repita é abrangida pela referida disposição.

36      Nestas condições, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à interpretação do artigo 5.°, ponto 3, do regulamento

37      Com as duas primeiras questões no processo C‑509/09 e a questão única no processo C‑161/10, que importa analisar conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, ao Tribunal de Justiça como deve ser interpretada a expressão «lugar onde […] poderá ocorrer o facto danoso», utilizada no artigo 5.°, ponto 3, do regulamento, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade por meio de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet.

38      A fim de responder a estas questões, importa recordar, por um lado, que, segundo jurisprudência assente, as disposições do regulamento devem ser interpretadas autonomamente, tomando por referência o seu sistema e os seus objectivos (v., designadamente, acórdão de 16 de Julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, Colect., p. I‑6917, n.° 17 e jurisprudência referida).

39      Por outro lado, na medida em que o regulamento substituiu, nas relações dos Estados‑Membros, a Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1989, L 285, p. 24), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições dessa Convenção é válida igualmente para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos comunitários possam ser qualificadas de equivalentes (acórdão Zuid‑Chemie, já referido, n.° 18).

40      É jurisprudência assente que a regra de competência especial prevista, por derrogação ao princípio da competência dos tribunais do domicílio do demandado, no artigo 5.°, ponto 3, do regulamento se baseia na existência de um nexo territorial particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso, susceptível de justificar uma atribuição de competência a estes últimos, por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (v. acórdão Zuid‑Chemie, já referido, n.° 24 e jurisprudência referida).

41      Importa recordar também que a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» se refere simultaneamente ao lugar do evento causal e ao da materialização do dano. Estes dois lugares podem constituir um nexo significativo do ponto de vista da competência judiciária, sendo cada um deles susceptível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil no que diz respeito à prova e à organização do processo (acórdão de 7 de Março de 1995, Shevill e o., C‑68/93, Colect., p. I‑415, n.os 20 e 21).

42      No que se refere à aplicação destes dois critérios de conexão a acções que visam reparar um dano imaterial pretensamente causado por uma publicação difamatória, o Tribunal de Justiça considerou que, em caso de difamação através de um artigo de imprensa divulgado em vários Estados contratantes, a vítima pode intentar uma acção de indemnização contra o editor nos órgãos jurisdicionais do Estado contratante do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória, competentes para reparar a integralidade dos danos resultantes da difamação, ou nos órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicação foi divulgada e onde a vítima alega que a sua reputação foi prejudicada, competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta (acórdão Shevill e o., já referido, n.° 33).

43      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que, embora seja um facto que a limitação da competência dos tribunais do Estado de difusão apenas aos danos causados no Estado do foro tem inconvenientes, o demandante tem sempre, no entanto, a faculdade de fazer o seu pedido global no tribunal do domicílio do demandado ou no do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória (acórdão Shevill e o., já referido, n.° 32).

44      Estas considerações são, como o advogado‑geral expôs no n.° 39 das suas conclusões, susceptíveis de ser aplicadas igualmente a outros meios e suportes de comunicação e de cobrir um variado leque de violações dos direitos da personalidade, conhecidas pelos diferentes ordenamentos jurídicos, como as invocadas pelos demandantes no processo principal.

45      Todavia, como alegaram tanto os órgãos jurisdicionais de reenvio como a maioria das partes e dos interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, a colocação em linha de conteúdos num sítio na Internet distingue‑se da difusão, circunscrita a um território, de um meio de comunicação impresso, na medida em que visa, em princípio, a ubiquidade dos referidos conteúdos. Estes podem ser consultados instantaneamente por um número indefinido de internautas em todo o mundo, independentemente de qualquer intenção da pessoa que os emitiu, relativa à sua consulta para além do seu Estado‑Membro de estabelecimento e fora do seu controlo.

46      Afigura‑se, portanto, que a Internet reduz a utilidade do critério relativo à difusão, na medida em que o âmbito da difusão de conteúdos colocados em linha é, em princípio, universal. Além disso, nem sempre é possível, no plano técnico, quantificar essa difusão com certeza e fiabilidade relativamente a um Estado‑Membro em particular, nem, por conseguinte, avaliar o dano exclusivamente causado nesse Estado‑Membro.

47      As dificuldades de aplicação, no contexto da Internet, do referido critério da materialização do dano decorrente do acórdão Shevill e o., já referido, contrastam, como o advogado‑geral salientou no n.° 56 das suas conclusões, com a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo que viola o referido direito está disponível em qualquer ponto do globo.

48      Há, portanto, que adaptar os critérios de conexão recordados no n.° 42 do presente acórdão no sentido de que a vítima de uma violação de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em função do lugar da materialização do dano causado na União Europeia pela referida violação, uma acção num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objectivo de boa administração da justiça recordado no n.° 40 do presente acórdão.

49      O lugar onde uma pessoa tem o centro dos seus interesses corresponde em geral à sua residência habitual. Todavia, uma pessoa pode ter o centro dos seus interesses igualmente num Estado‑Membro onde não reside habitualmente, na medida em que outros indícios, como o exercício de uma actividade profissional, podem estabelecer a existência de um nexo particularmente estreito com esse Estado.

50      A competência do órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses é conforme ao objectivo de previsibilidade das regras de competência (v. acórdão de 12 de Maio de 2011, BVG, C‑144/10, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33), igualmente a respeito do demandado, dado que a pessoa que emite o conteúdo danoso está, no momento da colocação em linha desse conteúdo, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas que são objecto deste. Deve, portanto, considerar‑se que o critério do centro de interesses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o órgão jurisdicional no qual pode ser demandado (v. acórdão de 23 de Abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C‑533/07, Colect., p. I‑3327, n.° 22 e jurisprudência referida).

51      Por outro lado, em vez de uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade do dano, o critério da materialização do dano decorrente do acórdão Shevill e o., já referido, confere competência aos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território um conteúdo colocado em linha esteja ou tenha estado acessível. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional em que a acção foi intentada.

52      Consequentemente, há que responder às duas primeiras questões no processo C‑509/09 e à questão única no processo C‑161/10 que o artigo 5.°, ponto 3, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses. Esta pessoa pode igualmente, em vez de uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, interpor a sua acção nos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo em linha. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional em que a acção foi intentada.

 Quanto à interpretação do artigo 3.° da directiva

53      Com a sua terceira questão prejudicial no processo C‑509/09, o Bundesgerichtshof pretende saber se as disposições do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva têm carácter de regras de conflito de leis, no sentido de que também em direito civil impõem a aplicação exclusiva do direito em vigor no país de origem aos serviços da sociedade da informação, afastando as normas nacionais de conflito de leis, ou se constituem uma correcção ao direito declarado aplicável de acordo com as normas nacionais de conflito de leis, de modo a modificar o seu teor em conformidade com as exigências do país de origem.

54      Importa analisar estas disposições, atendendo não apenas aos respectivos termos mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que se inserem (v. acórdãos de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.° 50; de 7 de Dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, Colect., p. I‑11519, n.° 34; e de 7 de Outubro de 2010, Lassal, C‑162/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49).

55      Neste sentido, o dispositivo de um acto da União é indissociável da sua fundamentação e deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (acórdão de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.° 97 e jurisprudência referida, e acórdão Lassal, já referido, n.° 50).

56      A directiva, adoptada com fundamento nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE, tem por objectivo, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros. O seu quinto considerando enumera, enquanto obstáculos jurídicos ao bom funcionamento do mercado interno neste domínio, a divergência das legislações bem como a insegurança jurídica dos regimes nacionais aplicáveis a esses serviços.

57      Ora, na maior parte dos aspectos do comércio electrónico, a directiva não visa uma harmonização das regras materiais, mas define um «domínio coordenado» no âmbito do qual o mecanismo do artigo 3.° deve permitir, de acordo com o vigésimo segundo considerando desta directiva, sujeitar os serviços da sociedade da informação, em princípio, ao regime jurídico do Estado‑Membro onde o prestador de serviços se encontra estabelecido.

58      A este respeito, deve salientar‑se, por um lado, que o regime jurídico do Estado‑Membro onde o prestador de serviços está estabelecido inclui o domínio do direito civil, o que decorre, nomeadamente, do vigésimo quinto considerando da directiva bem como do facto de o anexo desta enumerar os direitos e obrigações de natureza civil aos quais o mecanismo do artigo 3.° não se aplica. Por outro lado, a aplicação deste à responsabilidade dos prestadores de serviços está expressamente prevista no artigo 2.°, alínea h), i), segundo travessão, da directiva.

59      A leitura do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva, à luz das disposições e dos objectivos acima referidos, demonstra que o mecanismo previsto pela directiva impõe, também em direito civil, o respeito pelas exigências do direito material em vigor no país onde o prestador de serviços está estabelecido. Com efeito, na falta de disposições imperativas de harmonização tomadas a nível da União, só o reconhecimento do carácter imperativo do regime nacional ao qual o legislador decidiu sujeitar os prestadores e os seus serviços pode garantir o pleno efeito da livre prestação dos referidos serviços. O artigo 3.°, n.° 4, da directiva vem corroborar esta leitura na medida em que precisa as condições nas quais os Estados‑Membros podem derrogar o n.° 2 desse artigo, condições essas que devem ser consideradas exaustivas.

60      Ora, a interpretação do artigo 3.° da directiva deve igualmente ter em conta o seu artigo 1.°, n.° 4, segundo o qual esta não estabelece normas adicionais de direito internacional privado relativas aos conflitos de leis.

61      A este respeito, importa recordar, por um lado, que uma interpretação da regra do mercado interno, consagrada no artigo 3.°, n.° 1, da directiva, no sentido de que conduz à aplicação do direito material em vigor no Estado‑Membro de estabelecimento não determina a sua qualificação de regra de direito internacional privado. Com efeito, este número impõe principalmente aos Estados‑Membros a obrigação de assegurar que os serviços da sociedade da informação fornecidos por um prestador estabelecido no seu território respeitem as disposições nacionais aplicáveis nesses Estados‑Membros, que façam parte do domínio coordenado. A imposição dessa obrigação não apresenta as características de uma regra de conflito de leis, destinada a resolver um conflito específico entre vários direitos aplicáveis.

62      Por outro lado, o artigo 3.°, n.° 2, da directiva proíbe os Estados‑Membros de restringirem, por razões que pertencem ao âmbito do domínio coordenado, a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro. Em contrapartida, decorre do artigo 1.°, n.° 4, da directiva, lido à luz do seu vigésimo terceiro considerando, que os Estados‑Membros de acolhimento são, em princípio, livres de designar, em virtude do seu direito internacional privado, as regras materiais aplicáveis, desde que daí não resulte uma restrição da livre prestação dos serviços do comércio electrónico.

63      Daqui decorre que o artigo 3.°, n.° 2, da directiva não impõe uma transposição sob a forma de regra específica de conflito de leis.

64      Importa todavia interpretar as disposições do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da directiva, de maneira a garantir que a opção de coordenação escolhida pelo legislador da União permita efectivamente assegurar a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros.

65      A este respeito, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça já salientou que disposições imperativas de uma directiva que sejam necessárias para a realização dos objectivos do mercado interno devem poder aplicar‑se apesar de uma escolha de lei divergente (v., neste sentido, acórdãos de 9 de Novembro de 2000, Ingmar, C‑381/98, Colect., p. I‑9305, n.° 25, e de 23 de Março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali, C‑465/04, Colect., p. I‑2879, n.° 23).

66      Ora, no que respeita ao mecanismo previsto no artigo 3.° da directiva, deve reconhecer‑se que a sujeição dos serviços do comércio electrónico ao regime jurídico do Estado‑Membro onde estão estabelecidos os seus prestadores, em virtude do artigo 3.°, n.° 1, não permitiria garantir plenamente a livre circulação destes serviços, se os prestadores dos serviços tivessem, a final, de respeitar, no Estado‑Membro de acolhimento, exigências mais estritas do que as que lhes são aplicáveis no Estado‑Membro onde estão estabelecidos.

67      Daqui resulta que o artigo 3.° da directiva se opõe, sem prejuízo das derrogações autorizadas segundo as condições previstas neste artigo 3.°, n.° 4, a que o prestador de um serviço do comércio electrónico seja sujeito a exigências mais estritas do que as previstas pelo direito material em vigor no Estado‑Membro onde o referido prestador de serviços está estabelecido.

68      Tendo em conta o que precede, há que responder à terceira questão no processo C‑509/09 que o artigo 3.° da directiva deve ser interpretado no sentido de que não impõe uma transposição sob a forma de regra específica de conflito de leis. Contudo, no que respeita ao domínio coordenado, os Estados‑Membros devem assegurar que, sem prejuízo das derrogações autorizadas segundo as condições previstas no artigo 3.°, n.° 4, da directiva, o prestador de um serviço do comércio electrónico não seja sujeito a exigências mais estritas do que as que estão previstas pelo direito material aplicável no Estado‑Membro onde esse prestador de serviços está estabelecido.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses. Esta pessoa pode igualmente, em vez de uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, interpor a sua acção nos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo em linha. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional em que a acção foi intentada.

2)      O artigo 3.° da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade da informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico»), deve ser interpretado no sentido de que não impõe uma transposição sob a forma de regra específica de conflito de leis. Contudo, no que respeita ao domínio coordenado, os Estados‑Membros devem assegurar que, sem prejuízo das derrogações autorizadas segundo as condições previstas no artigo 3.°, n.° 4, da directiva, o prestador de um serviço do comércio electrónico não seja sujeito a exigências mais estritas do que as que estão previstas pelo direito material aplicável no Estado‑Membro onde esse prestador de serviços está estabelecido.

Assinaturas


* Línguas de processo: alemão e francês.