Apresentação

Introdução

Composição

Competências

Tramitação processual

O Tribunal de Justiça da União Europeia

Introdução

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009, a União Europeia dotou se de personalidade jurídica e retomou as competências anteriormente conferidas à Comunidade Europeia. O direito comunitário tornou se portanto o direito da União, compreendendo igualmente todas as disposições adoptadas no passado ao abrigo do Tratado da União Europeia na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa. No entanto, na apresentação seguinte, a expressão direito comunitário será utilizada quando se faça referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

A par da União Europeia, a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) continua a existir. Dado que as competências do Tribunal de Justiça relativas à Euratom são, em princípio, as mesmas que as exercidas no quadro da União Europeia - e para tornar a apresentação mais compreensível - qualquer referência ao direito da União englobará igualmente o direito da Euratom.

 

Composição

vignette-cjce   O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes e 11 advogados-gerais. Os juízes e os advogados-gerais são designados de comum acordo pelos governos dos Estados Membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação dos candidatos propostos ao exercício das funções em causa. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis. São escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício, nos respectivos países, de altas funções jurisdicionais ou que tenham reconhecida competência.


Os juízes do Tribunal de Justiça elegem de entre si o presidente e o vice presidente do Tribunal por um período de três anos, renovável. O presidente dirige os trabalhos e os serviços do Tribunal de Justiça e preside às audiências e deliberações das maiores formações de julgamento. O vice presidente assiste o presidente no exercício das suas funções e substitui o em caso de impedimento.

Os advogados-gerais assistem o Tribunal. Cabe-lhes apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, pareceres jurídicos, denominados «conclusões», nos processos para os quais tenham sido nomeados.

O secretário é o secretário-geral da instituição, cujos serviços dirige, sob a autoridade do presidente do Tribunal.

O Tribunal de Justiça pode funcionar em Tribunal Pleno, em Grande Secção (quinze juízes) ou em secções de cinco ou de três juízes.

Ao Tribunal Pleno compete apreciar situações particulares previstas pelo Estatuto do Tribunal de Justiça (designadamente quando deve declarar a demissão do Provedor de Justiça europeu ou ordenar a demissão compulsiva de um comissário europeu que tenha deixado de cumprir os deveres que lhe incumbem) e quando considerar que uma causa reveste excepcional importância.

Reúne-se em Grande Secção sempre que um Estado--Membro ou uma instituição que seja parte na instância o solicite, bem como em processos particularmente complexos ou importantes.

Os outros processos são apreciados em secções de cinco ou de três juízes.
Os presidentes das secções de cinco juízes são eleitos por três anos, os das secções de três juízes por um ano.

 

Competências

Para o correcto exercício da sua missão, foram atribuídas ao Tribunal de Justiça competências jurisdicionais claramente definidas, que exerce no quadro do processo de reenvio prejudicial e de diversas espécies de acções e recursos.

As diferentes espécies de processos

  • Reenvio prejudicial

O Tribunal de Justiça trabalha em colaboração com todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, que são juízes de direito comum de direito da União. Para garantir uma aplicação efectiva e homogénea da legislação da União e evitar qualquer interpretação divergente, os juízes nacionais podem, e por vezes devem, dirigir-se ao Tribunal de Justiça a fim de lhe pedir que esclareça um ponto de interpretação do direito da União, para poderem, por exemplo, verificar a conformidade da respectiva legislação nacional com este direito. O pedido de decisão prejudicial pode igualmente ter como finalidade a fiscalização da legalidade de um acto de direito da União.

O Tribunal de Justiça responde não através de um simples parecer mas mediante acórdão ou despacho fundamentado. O tribunal nacional destinatário fica vinculado pela interpretação dada. O acórdão do Tribunal de Justiça vincula também os outros órgãos jurisdicionais nacionais a que seja submetido um problema idêntico.

É também no âmbito do processo de reenvio prejudicial que qualquer cidadão europeu pode solicitar que sejam esclarecidas as regras da União que lhe dizem respeito. De facto, embora o processo de reenvio prejudicial só possa ser desencadeado por um órgão jurisdicional nacional, as partes já presentes nos órgãos jurisdicionais nacionais, os Estados-Membros e as instituições da União podem participar no processo perante o Tribunal de Justiça. Foi deste modo que alguns grandes princípios do direito da União foram enunciados a partir de questões prejudiciais, muitas vezes submetidas por órgãos jurisdicionais de primeira instância.

  • Acção por incumprimento

Permite ao Tribunal de Justiça fiscalizar o cumprimento pelos Estados-Membros das obrigações que lhes incumbem por força do direito da União. O recurso ao Tribunal de Justiça é precedido de um procedimento prévio desencadeado pela Comissão e que consiste em dar ao Estado-Membro a ocasião de responder às imputações que lhe são feitas. Se tal procedimento não levar o Estado-Membro a pôr termo ao incumprimento, pode ser intentada no Tribunal de Justiça uma acção por violação do direito da União.

Essa acção pode ser intentada pela Comissão (é, na prática, o caso mais frequente) ou por um Estado-Membro. Se o Tribunal de Justiça declarar o incumprimento, o Estado em causa terá de lhe pôr termo sem demora. Se, após a propositura de nova acção pela Comissão, o Tribunal de Justiça declarar que o Estado-Membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão, pode, condená-lo no pagamento de um montante fixo ou de uma sanção pecuniária compulsória. Todavia, em caso de não comunicação das medidas de transposição de uma directiva à Comissão, o Tribunal de Justiça pode, sob proposta desta última, aplicar uma sanção pecuniária ao Estado Membro em causa, logo na fase do primeiro acórdão de incumprimento.

  • Recurso de anulação

Através deste tipo de recurso, o recorrente pede a anulação de um acto de uma instituição, de um órgão ou de um organismo da União (designadamente um regulamento, uma directiva, uma decisão). São da competência do Tribunal de Justiça os recursos interpostos por um Estado-Membro contra o Parlamento Europeu e/ou o Conselho (excepto dos actos deste último em matéria de auxílios de Estado, de dumping e de competências de execução) ou por uma instituição da União de um acto de outra instituição. O Tribunal Geral é competente para conhecer, em primeira instância, de todos os outros recursos deste tipo, designadamente dos recursos interpostos pelos particulares.

  • Acção por omissão

Permite fiscalizar a legalidade da inacção das instituições, de um órgão ou de um organismo da União. Este tipo de acção só pode, porém, ser intentado depois de a instituição em causa ter sido convidada a agir. Quando a ilegalidade da omissão for declarada, compete à instituição visada pôr termo ao incumprimento através de medidas adequadas. A competência para as acções por omissão é partilhada entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral segundo os critérios aplicáveis aos recursos de anulação.

  • Recurso de decisão do Tribunal Geral

Pode ser interposto no Tribunal de Justiça recurso, limitado às questões de direito, dos acórdãos e despachos do Tribunal Geral. Se o recurso for admissível e procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Caso o processo esteja em condições de ser julgado, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio. Caso contrário, deve remeter o processo ao Tribunal Geral, que fica vinculado pela decisão proferida sobre o recurso.

 

Tramitação processual

Seja qual for a sua natureza, o processo compreende uma fase escrita e, eventualmente, uma fase oral, que é pública. É necessário, no entanto, distinguir entre, por um lado, o processo prejudicial e, por outro, as ações e recursos (recursos diretos e recursos de decisões do Tribunal Geral).

Início do processo no Tribunal de Justiça e fase escrita

  • Nos reenvios prejudiciais

O órgão jurisdicional nacional submete ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação ou à validade de uma disposição da União, geralmente sob a forma de uma decisão judicial, em conformidade com as regras processuais nacionais. Após a tradução do pedido em todas as línguas da União pelo Serviço de Tradução do Tribunal de Justiça, o secretário notifica-o às partes no processo principal e também aos Estados-Membros e às instituições da União. Envia para publicação no Jornal Oficial uma comunicação com a identificação, designadamente, das partes e das questões submetidas. As partes, os Estados-Membros e as instituições dispõem de dois meses para apresentar as suas observações escritas ao Tribunal de Justiça .

  • Nas ações e recursos diretos e nos recursos de decisões do Tribunal Geral

O processo deve iniciar-se no Tribunal de Justiça através de uma petição escrita dirigida à Secretaria. O secretário manda publicar uma comunicação relativa ao processo no Jornal Oficial da União Europeia, especificando os fundamentos e os pedidos do demandante. A petição é notificada às outras partes, que dispõem de dois meses para apresentar uma contestação ou uma resposta. Se for caso disso, o demandante ou recorrente tem o direito de apresentar uma réplica e o demandado ou recorrido uma tréplica. Os prazos para apresentação destes documentos devem ser respeitados.

Em ambos os tipos de processos, são nomeados pelo presidente e pelo primeiro advogado-geral, respetivamente, um juiz-relator e um advogado-geral, aos quais incumbe acompanhar a tramitação do processo.

Medidas preparatórias

Em todos os processos, uma vez encerrada a fase escrita, as partes podem indicar, no prazo de três semanas, se e por que razão pretendem que seja realizada uma audiência de discussão. O Tribunal decide, sob proposta do juiz-relator e depois de ouvido o advogado-geral, se são necessárias diligências de instrução, qual a formação de julgamento a que o processo deve ser atribuído e se há lugar a audiência de discussão, cuja data é marcada pelo presidente.

Audiência pública e conclusões do advogado-geral

Quando tenha sido decidido realizar uma audiência de discussão, a causa é debatida em audiência pública perante a formação de julgamento e o advogado-geral. Os juízes e o advogado-geral podem fazer às partes as perguntas que considerarem pertinentes. Algumas semanas mais tarde, noutra audiência pública, são apresentadas ao Tribunal as conclusões do advogado-geral, nas quais se analisam detalhadamente os aspetos, sobretudo jurídicos, do litígio, propondo o advogado-geral ao Tribunal, com toda a independência, a solução que considera mais adequada. Fica assim concluída a fase oral. Quando considere que o processo não suscita nenhuma questão de direito nova, o Tribunal pode, ouvido o advogado-geral, decidir que a causa seja julgada sem conclusões.

Acórdãos

Os juízes deliberam com base num projeto de acórdão elaborado pelo juiz relator. Qualquer juiz da formação de julgamento em causa pode propor alterações ao projeto. As decisões do Tribunal de Justiça são tomadas por maioria, não havendo lugar a eventuais votos de vencido. O acórdão só é assinado pelos juízes que tiverem estado presentes na deliberação oral durante a qual o mesmo foi adotado, sem prejuízo da regra segundo a qual o juiz com menor antiguidade da formação de julgamento não assina o acórdão se esta formação tiver um número par. Os acórdãos são proferidos em audiência pública. Os acórdãos e as conclusões dos advogados gerais estão disponíveis no sítio Internet CURIA no dia da sua prolação ou leitura. Na maior parte dos casos, são posteriormente publicados na Coletânea da Jurisprudência.

Tramitações processuais específicas

  • Tramitação simplificada

Quando uma questão prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável ou possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, depois de ouvir o advogado-geral, decidir por meio de despacho fundamentado, no qual fará referência ao acórdão já proferido sobre a questão ou à jurisprudência pertinente.Tramitação acelerada

  • A tramitação acelerada

A tramitação acelerada dos processos permite ao Tribunal de Justiça julgar rapidamente processos muito urgentes, reduzindo ao máximo os prazos e concedendo a tais processos prioridade absoluta. Na sequência de um pedido apresentado por uma das partes, compete ao presidente do Tribunal de Justiça decidir, ouvidas as outras partes, se uma urgência especial justifica a utilização da tramitação acelerada. Está também prevista o recurso à a tramitação acelerada nos processos de reenvio prejudicial. Neste caso, o pedido é apresentado pelo órgão jurisdicional nacional que apresenta o pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça, devendo especificar, no seu pedido, as circunstâncias que justificam a urgência extraordinária em responder à questão submetida a título prejudicial.

  • Tramitação prejudicial urgente

Este tipo de tramitação processual permite ao Tribunal de Justiça tratar dentro de um prazo consideravelmente mais curto as questões mais sensíveis relativas ao Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça (cooperação policial e judiciária em matéria civil e penal, bem como vistos, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas). Os processos submetidos a tramitação urgente são confiados a uma secção de cinco juízes especialmente designada e a fase escrita decorre, na prática, essencialmente por via electrónica e é extremamente reduzida, tanto em termos de duração como do número de actores autorizados a submeter observações escritas, intervindo a maior parte desses actores na fase oral do processo, que é obrigatória.

Pedido de medidas provisórias

O pedido de medidas provisórias destina-se a obter a suspensão da execução de um acto de uma instituição, que seja igualmente objecto de recurso, ou qualquer outra medida provisória necessária para evitar um prejuízo grave e irreparável em detrimento de uma parte.

Despesas do processo

O processo no Tribunal de Justiça não está sujeito a custas. Em contrapartida, as despesas do advogado autorizado a exercer a advocacia nos tribunais de um Estado-Membro, que deve obrigatoriamente representar as partes, não são suportadas pelo Tribunal. No entanto, se uma das partes estiver impossibilitada de suportar, total ou parcialmente, as despesas do processo, pode, sem ser representada por advogado, pedir o benefício da assistência judiciária. O pedido deve ser acompanhado de todos os elementos que provem a necessidade de assistência judiciária.

Regime linguístico

Nas ações e recursos, a língua utilizada na petição (que pode ser uma das 24 línguas oficiais da União Europeia) será em princípio a língua do processo, ou seja, a língua em que decorrerá a respetiva tramitação. Nos recursos de decisões do Tribunal Geral, a língua do processo é a do acórdão ou do despacho do Tribunal Geral que é objeto de recurso. Nos reenvios prejudiciais, a língua do processo é a língua do órgão jurisdicional nacional que submete a questão ao Tribunal de Justiça. Os debates na fase oral são objeto de interpretação simultânea, consoante as necessidades, em diferentes línguas oficiais da União Europeia. Os juízes deliberam, sem intérpretes, numa língua comum que, tradicionalmente, é o francês.

Esquema do processo

Tramitação dos processos no Tribunal de Justiça

Acções e recursos, incluindo os recursos de decisões do Tribunal Geral

 

Processos prejudiciais

Fase escrita

Petição

Notificação da petição pela Secretaria ao demandado ou recorrido

Comunicação da acção ou recurso para o Jornal Oficial da União Europeia (série C)

[Medidas provisórias]

[Intervenção]

Contestação ou resposta

[Excepção de inadmissibilidade]

[Réplica e tréplica]

[Pedido de assistência judiciária]

Designação do juiz-relator e do advogado-geral

Decisão de reenvio do órgão jurisdicional nacional

Tradução para as outras línguas oficiais da União Europeia

Comunicação das questões para o Jornal Oficial da União Europeia (série C)

Notificação às partes, aos Estados-Membros, às instituições da União, aos Estados do EEE e ao Órgão de Fiscalização da EFTA

Observações escritas das partes, dos Estados e das instituições

O juiz-relator prepara o relatório preliminar

Reunião geral dos juízes e dos advogados-gerais

Atribuição do processo a uma formação de julgamento

[Diligências de instrução]

Fase oral

[Conclusões do advogado-geral]

Deliberação dos juízes

Acórdão

As etapas facultativas do processo são indicadas entre parênteses.
A negro os documentos à disposição do público.

 

O Tribunal de Justiça na ordem jurídica da União Europeia

O Tribunal de Justiça da União Europeia constitui a instituição jurisdicional da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA). É composto por duas jurisdições: o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, que têm por missão principal apreciar a legalidade dos atos da União e assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes do direito desta.

O Tribunal de Justiça foi criando ao longo dos anos, através da sua jurisprudência, a obrigação de as administrações e os juízes nacionais aplicarem plenamente o direito da União no interior das respetivas esferas de competência e de protegerem os direitos conferidos por este aos cidadãos (aplicação direta do direito da União), deixando de aplicar qualquer disposição contrária do direito nacional, seja ela anterior ou posterior à disposição da União (primado do direito da União sobre o direito nacional).

O Tribunal de Justiça reconheceu igualmente o princípio da responsabilidade dos Estados-Membros pela violação do direito da União, que constitui, por um lado, um elemento que reforça decisivamente a proteção dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições da União e, por outro, um fator suscetível de contribuir para uma execução mais diligente de tais disposições pelos Estados-Membros. As infrações em que estes últimos incorrem são, assim, suscetíveis de dar origem a obrigações de ressarcimento que podem, em certos casos, ter repercussões importantes nas suas finanças públicas. Além disso, qualquer incumprimento do direito da União por parte de um Estado-Membro pode ser submetido à apreciação do Tribunal de Justiça e, em caso de não execução de um acórdão que declare a existência do incumprimento, o Tribunal pode condená-lo no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e/ou de um montante fixo. Todavia, em caso de não comunicação das medidas de transposição de uma diretiva à Comissão, o Tribunal de Justiça pode, sob proposta desta última, aplicar uma sanção pecuniária ao Estado Membro em causa, logo na fase do primeiro acórdão de incumprimento.

O Tribunal de Justiça atua igualmente em colaboração com o juiz nacional, juiz de direito comum do direito da União. Qualquer juiz nacional, chamado a conhecer de um litígio em que esteja em causa o direito da União, pode, e por vezes deve, submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. O Tribunal deve então dar a sua interpretação de uma disposição de direito da União ou fiscalizar a respetiva legalidade.

A evolução da sua jurisprudência ilustra a contribuição do Tribunal de Justiça para a criação de um espaço jurídico que diz respeito aos cidadãos, protegendo os direitos que a legislação da União lhes confere em diferentes aspetos da sua vida quotidiana.

Princípios fundamentais estabelecidos pela jurisprudência

Em jurisprudência iniciada pelo acórdão Van Gend & Loos em 1963, o Tribunal de Justiça introduziu o princípio do efeito directo do direito comunitário nos Estados-Membros, que permite aos cidadãos europeus invocar directamente disposições do direito da União perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

Importadora de mercadorias da Alemanha para os Países Baixos, a empresa de transportes Van Gend & Loos devia pagar direitos aduaneiros que considerava contrários à disposição do Tratado CEE que proíbe os Estados-Membros de aumentarem os direitos aduaneiros nas suas relações comerciais mútuas. O recurso colocava a questão do conflito entre uma legislação nacional e as disposições do Tratado CEE. Chamado a pronunciar-se por um tribunal neerlandês, o Tribunal de Justiça decidiu afirmando o princípio do efeito directo, conferindo assim à empresa de transportes uma garantia directa dos seus direitos ao abrigo do direito comunitário perante o órgão jurisdicional nacional.

Em 1964, o acórdão Costa estabeleceu o primado do direito comunitário sobre a legislação interna. Nesse processo, um órgão jurisdicional italiano tinha perguntado ao Tribunal de Justiça se a lei italiana de nacionalização do sector da produção e da distribuição de energia eléctrica era compatível com um certo número de disposições do Tratado CEE. O Tribunal de Justiça introduziu o princípio do primado do direito comunitário, com fundamento na especificidade da ordem jurídica comunitária, que deve ser aplicada de modo uniforme em todos os Estados-Membros.

Em 1991, no acórdão Francovich e o., o Tribunal de Justiça desenvolveu outro conceito fundamental, o da responsabilidade de um Estado-Membro em relação aos particulares pelos danos causados a estes devido a uma violação do direito comunitário cometida por esse Estado. Desde 1991, os cidadãos europeus podem, portanto, intentar uma acção de indemnização contra o Estado que tenha violado uma disposição comunitária.

Dois cidadãos italianos, a quem os respectivos empregadores em situação de falência deviam remunerações, tinham intentado acções em que invocavam a omissão do Estado italiano, que não tinha transposto as disposições comunitárias de protecção dos trabalhadores em caso de insolvência da entidade patronal. Chamado a pronunciar-se por um tribunal italiano, o Tribunal de Justiça indicou que a directiva em questão visava conferir aos particulares direitos de que estes tivessem sido privados em consequência da omissão do Estado em transpor a directiva, facultando assim a esses particulares a possibilidade de intentarem uma acção de indemnização contra o próprio Estado.

O Tribunal de Justiça na vida do cidadão da União

Entre os milhares de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, a maior parte, designadamente os proferidos a título prejudicial, têm manifestamente consequências importantes na vida quotidiana dos cidadãos da União. A título de exemplo, citam-se alguns nos domínios mais importantes do direito da União.

  • Livre circulação de mercadorias

Desde o acórdão Cassis de Dijon, proferido em 1979, sobre o princípio da livre circulação de mercadorias, os comerciantes podem importar para o seu país qualquer produto proveniente de outro país da União- na condição de esse produto ter sido legalmente produzido e comercializado neste último país e de nenhuma razão imperiosa, relativa, por exemplo, à protecção da saúde ou do ambiente, se opor à sua importação para o país de consumo.

  • Livre circulação de pessoas

Numerosos acórdãos foram proferidos no domínio da livre circulação de pessoas.

No acórdão Kraus (1993), o Tribunal de Justiça declarou que a situação de um nacional comunitário, titular de um diploma universitário de pós-graduação obtido noutro Estado-Membro e que facilita o acesso a uma profissão ou o exercício de uma actividade económica, é regulada pelo direito comunitário, mesmo no que diz respeito às suas relações com o Estado-Membro de que é nacional. Assim, embora um Estado-Membro possa fazer depender de uma autorização administrativa a utilização desse título no seu território, o procedimento de autorização deve ter por único objectivo verificar se o diploma em questão foi correctamente concedido.

Entre os acórdãos proferidos neste domínio, um dos mais conhecidos é o acórdão Bosman (1995), no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou, a pedido de um órgão jurisdicional belga, sobre a compatibilidade de disposições adoptadas por federações de futebol com a livre circulação de trabalhadores. Declarou que o desporto praticado a nível profissional é uma actividade económica cujo exercício não pode ser entravado através de disposições que regulam a transferência de jogadores ou que limitam o número de jogadores nacionais de outros Estados-Membros. Acórdãos posteriores tornaram esta última consideração extensiva à situação de desportistas profissionais originários de países terceiros que assinaram com as Comunidades Europeias um acordo de associação (acórdão Deutscher Handballbund, 2003) ou de parceria (acórdão Simutenkov, 2005).

  • Livre prestação de serviços

Um acórdão de 1989 sobre a livre prestação de serviços tinha por objecto a situação de um turista britânico que tinha sido agredido e ferido com gravidade no metropolitano de Paris. Chamado a pronunciar-se por um órgão jurisdicional francês, o Tribunal de Justiça declarou que, enquanto turista, a referida pessoa beneficiava de serviços fora do seu país, sendo-lhe aplicável o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no direito comunitário. Tinha, portanto, direito à mesma indemnização que um nacional francês (acórdão Cowan).

Chamado a pronunciar-se pelos órgãos jurisdicionais luxemburgueses, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que recusa a um beneficiário da segurança social o reembolso das despesas de um tratamento dentário com o fundamento de que foi efectuado noutro Estado-Membro constitui um entrave injustificado à livre prestação de serviços (acórdão Kohll, 1998) e que a recusa de reembolso das despesas de compra de óculos no estrangeiro é considerada um entrave injustificado à livre circulação de mercadorias (acórdão Decker, 1998).

  • Igualdade de tratamento e direitos sociais

Uma hospedeira de bordo tinha intentado uma acção contra a sua entidade patronal em razão de uma discriminação na remuneração relativamente aos seus colegas do sexo masculino que efectuavam o mesmo trabalho. Chamado a conhecer do processo por um tribunal belga, o Tribunal de Justiça declarou, em 1976, que a disposição do Tratado que impunha o princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores femininos e masculinos pelo mesmo trabalho tinha efeito directo (acórdão Defrenne).

Ao interpretar as disposições comunitárias relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, o Tribunal de Justiça contribuiu para a protecção das mulheres contra o despedimento ligado à maternidade. Uma mulher que deixou de poder trabalhar devido a dificuldades relacionadas com a sua gravidez foi despedida. Em 1998, o Tribunal de Justiça declarou este despedimento contrário ao direito comunitário. O despedimento de uma mulher durante a gravidez por faltas resultantes de uma doença relacionada com a própria gravidez constitui uma discriminação em razão do sexo, que é proibida (acórdão Brown).

A fim de garantir a protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, é necessário que estes possam gozar férias anuais pagas. Em 1999, o sindicato britânico BECTU contestou a legislação britânica, que privava desse direito trabalhadores com contratos de trabalho de curta duração, com o fundamento de que não era compatível com uma directiva comunitária relativa à organização do tempo de trabalho. O Tribunal de Justiça concluiu (acórdão BECTU, 2001) que o direito a férias anuais pagas é um direito social directamente conferido a todos os trabalhadores pelo direito comunitário e que nenhum trabalhador pode ser privado desse direito.

  • Direitos fundamentais

Ao decidir que o respeito dos direitos fundamentais é parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito lhe incumbe garantir, o Tribunal de Justiça contribuiu de forma considerável para o aumento dos níveis de protecção desses direitos. A este respeito, inspira-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e nos instrumentos internacionais sobre a protecção dos direitos do Homem, designadamente na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos quais os Estados-Membros cooperaram ou aos quais aderiram. A partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Tribunal poderá aplicar e interpretar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, à qual o Tratado de Lisboa reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados.

Após diversos atentados terroristas contra polícias, foi introduzido na Irlanda do Norte o porte de arma das forças policiais. Todavia, por razões de segurança pública, o porte de arma não foi autorizado (com base num certificado emitido pelo ministério competente e insusceptível de recurso para os tribunais) às mulheres polícias. Consequentemente, deixaram de ser propostos a mulheres empregos em regime de horário completo na polícia da Irlanda do Norte. Chamado a pronunciar-se por um órgão jurisdicional do Reino Unido, o Tribunal de Justiça declarou que a exclusão de qualquer poder de fiscalização por parte das autoridades judiciais sobre um certificado de uma autoridade nacional se opõe ao princípio do recurso jurisdicional efectivo reconhecido a qualquer pessoa que se considere lesada por uma discriminação em razão do sexo (acórdão Johnston, 1986).

  • Cidadania da União

O Tribunal de Justiça confirmou que a cidadania da União, que, segundo o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, é um direito reconhecido a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado Membro, implica o direito de residir no território de outro Estado-Membro. Assim, um nacional menor de um Estado Membro, coberto por um seguro de doença e dispondo de recursos suficientes, beneficia igualmente desse direito de residência. Sublinhou que o direito comunitário não exige que o próprio menor disponha dos recursos necessários e que a recusa de conceder ao mesmo tempo à mãe deste, nacional de um país terceiro, um direito de residência privaria de qualquer efeito útil o direito de residência do menor (acórdão Zhu e Chen, 2004).

No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça esclareceu que, mesmo no caso de a aquisição da nacionalidade de um Estado-Membro ter por objectivo obter um direito de residência ao abrigo do direito comunitário a favor de um nacional de um Estado terceiro, um Estado-Membro não pode restringir os efeitos da atribuição da nacionalidade de outro Estado Membro.