Language of document : ECLI:EU:T:2014:160

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

27 de março de 2014 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu do vidro automóvel — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE — Acordos de repartição de mercados e de troca de informações comercialmente sensíveis — Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Exceção de ilegalidade — Coimas — Aplicação retroativa das orientações para o cálculo do montante das coimas de 2006 — Valor das vendas — Reincidência — Montante adicional — Imputabilidade do comportamento ilícito — Limite máximo da coima — Volume de negócios consolidado do grupo»

Nos processos T‑56/09 e T‑73/09,

Saint‑Gobain Glass France SA, com sede em Courbevoie (França),

Saint‑Gobain Sekurit Deutschland GmbH & Co. KG, com sede em Aachen (Alemanha),

Saint‑Gobain Sekurit France SAS, com sede em Thourotte (França),

representadas inicialmente por B. van de Walle de Ghelcke, B. Meyring, E. Venot e M. Guillaumond e, em seguida, por B. van de Walle de Ghelcke, B. Meyring e E. Venot, advogados,

recorrentes no processo T‑56/09,

Compagnie de Saint‑Gobain SA, com sede em Courbevoie, representada por P. Hubert e E. Durand, advogados,

recorrente no processo T‑73/09,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Bouquet, F. Castillo de la Torre, M. Kellerbauer e N. von Lingen e, em seguida, por A. Bouquet, F. Castillo de la Torre, M. Kellerbauer e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por E. Karlsson e F. Florindo Gijón, na qualidade de agentes,

interveniente no processo T‑56/09,

que têm por objeto pedidos de anulação da Decisão C (2008) 6815 final da Comissão, de 12 de novembro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/39.125 — Vidro automóvel), conforme alterada pela Decisão C (2009) 863 final da Comissão, de 11 de fevereiro de 2009, e pela Decisão C (2013) 1118 final, de 28 de fevereiro de 2013, na parte em que diz respeito às recorrentes, e, a título subsidiário, um pedido de anulação do artigo 2.° dessa decisão na medida em que aplica uma coima às recorrentes ou, a título ainda mais subsidiário, pedidos de redução do montante da coima,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood (relator), presidente, F. Dehousse e J. Schwarcz, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Os presentes recursos foram interpostos a fim de obter a anulação da Decisão C (2008) 6815 final da Comissão, de 12 de novembro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/39.125 — Vidro automóvel) (a seguir «decisão impugnada»), cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 173, p. 13). Na decisão impugnada, a Comissão das Comunidades Europeias declarou designadamente que um certo número de empresas, entre as quais as recorrentes, tinham infringido essas disposições, ao participarem, ao longo de diferentes períodos compreendidos entre março de 1998 e março de 2003, num conjunto de acordos e de práticas concertadas anticoncorrenciais no setor do vidro automóvel no EEE (artigo 1.° da decisão impugnada).

2        A Saint‑Gobain Glass France SA, a Saint‑Gobain Sekurit Deutschland GmbH & Co. KG e a Saint‑Gobain Sekurit France SAS (a seguir, em conjunto, «Saint‑Gobain»), recorrentes no processo T‑56/09, são sociedades com atividade na produção, transformação e distribuição de materiais, entre os quais o vidro automóvel. São filiais a 100% da Compagnie de Saint‑Gobain SA (a seguir «Compagnie»), recorrente no processo T‑73/09. A Pilkington Group Ltd agrupa designadamente as sociedades Pilkington Automotive Ltd, a Pilkington Automotive Deutschland GmbH, a Pilkington Holding GmbH e a Pilkington Italia SpA (a seguir, em conjunto, «Pilkington»). A Pilkington, que também interpôs recurso de anulação da decisão impugnada (processo T‑72/09), é um dos maiores fabricantes de vidro e de produtos para vidro no mundo, em especial no setor automóvel. A Soliver NV, que interpôs um recurso de anulação da mesma decisão (processo T‑68/09), é um fabricante de vidro de menor dimensão, nomeadamente no setor automóvel.

3        A Asahi Glass Co. Ltd (a seguir «Asahi») é uma produtora de vidro, de produtos químicos e de componentes eletrónicos, com sede no Japão. A Asahi detém a totalidade das participações da empresa vidreira belga Glaverbel SA/NV, que, por sua vez detém 100% da AGC Automotive France (a seguir «AGC»). A AGC tinha, antes de 1 de janeiro de 2004, a denominação social Splintex Europe SA (a seguir «Splintex»). A Asahi, uma das destinatárias da decisão impugnada, não recorreu dessa decisão.

4        O inquérito que culminou na adoção da decisão recorrida foi aberto na sequência da comunicação à Comissão, por um advogado alemão que atuava por conta de um cliente anónimo, de correspondência com informações relativas a acordos e práticas concertadas de diversas empresas ativas na produção e distribuição de vidro automóvel.

5        Em fevereiro e março de 2005, a Comissão procedeu a inspeções nas instalações das recorrentes, da Pilkington, da Soliver e da AGC. A Comissão apreendeu vários documentos e ficheiros nessas inspeções.

6        Na sequência destas últimas, a Asahi e a Glaverbel, bem como as respetivas filiais envolvidas no inquérito (a seguir, conjuntamente, «requerente de clemência») apresentaram um pedido de imunidade ou de redução do montante da coima ao abrigo da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2002»). O pedido de imunidade condicional de coima foi indeferido pela Comissão em 19 de julho de 2006, tendo esta, no entanto, informado a requerente de clemência de que, em conformidade com o n.° 26 da comunicação sobre a cooperação de 2002, tencionava aplicar‑lhe uma redução de 30% a 50% do montante da coima que lhe teria sido normalmente aplicada.

7        Entre 26 de janeiro de 2006 e 2 de fevereiro de 2007, a Comissão enviou vários pedidos de informações às recorrentes, à Pilkington, à Soliver, à Asahi, à Glaverbel e à AGC, ao abrigo do artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1). As empresas em causa responderam a estes vários pedidos.

8        Por outro lado, a Comissão enviou, com o mesmo fundamento, pedidos de informações a vários construtores automóveis, a um construtor italiano de autocarros e a duas associações profissionais da indústria do vidro, que igualmente responderam.

9        Em 18 de abril de 2007, a Comissão aprovou uma comunicação de acusações respeitante a uma infração única e continuada, que consistia em acordos ou práticas concertadas entre produtores de vidro automóvel, com vista à repartição de contratos de fornecimento a construtores automóveis. Essa comunicação de acusações foi notificada às recorrentes, à Pilkington, à Soliver, à Asahi, à Glaverbel e à AGC. Cada uma das empresas destinatárias dessa comunicação de acusações teve acesso ao processo e foi convidada pela Comissão a apresentar as suas observações a esse respeito. Em 24 de setembro de 2007 procedeu‑se na Comissão a uma audição, na qual participaram todos os referidos destinatários.

 Decisão impugnada

10      A Comissão adotou a decisão impugnada em 12 de novembro de 2008. Nela declarou designadamente que a Saint‑Gobain e a Compagnie tinham participado nos acordos e práticas concertadas acima referidos no n.° 1 entre 10 de março de 1998 e 11 de março de 2003 [artigo 1.°, alínea b), da decisão impugnada] e inicialmente aplicou‑lhes «solidariamente» uma coima de 896 milhões de euros [artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada].

11      A requerente de clemência, cuja participação na infração foi fixada no período compreendido entre 18 de maio de 1998 e 11 de março de 2003, foi condenada numa coima de 113,5 milhões de euros [artigo 1.°, alínea a), e artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada].

12      No caso da Pilkington, a Comissão decidiu que essa empresa tinha participado nos acordos e práticas concertadas de 10 de março de 1998 a 3 de setembro de 2002 [artigo 1.°, alínea c), da decisão impugnada]. Aplicou‑lhe inicialmente uma coima de 370 milhões de euros [artigo 2.°, alínea c), da decisão impugnada].

13      Por último, no que se refere à Soliver, a Comissão considerou que essa empresa tinha participado na infração de 19 de novembro de 2001 a 11 de março de 2003 [artigo 1.°, alínea d), da decisão impugnada]. Aplicou‑lhe uma coima de 4 396 000 euros [artigo 2.°, alínea d), da decisão impugnada].

14      Na decisão impugnada, a Comissão parte da constatação de que as características do mercado do vidro automóvel, nomeadamente as grandes exigências técnicas e um alto grau de inovação, favorecem os fornecedores integrados e de dimensão internacional. A AGC, a Pilkington e a Saint‑Gobain contam‑se entre os principais produtores de vidro automóvel à escala mundial e em conjunto abrangiam, no momento da adoção da decisão impugnada, cerca de 76% da procura mundial de vidro destinado ao mercado da primeira montagem (montagem do vidro automóvel em fábrica, no momento da montagem do veículo). A Comissão refere também um volume significativo de trocas comerciais entre os Estados‑Membros e os Estados da EFTA que fazem parte do EEE no setor do vidro automóvel. Os construtores automóveis negoceiam de resto os contratos de compra para o fornecimento de vidro automóvel a nível do EEE.

15      Resulta da decisão impugnada que os fornecedores de vidro automóvel abrangidos pelo inquérito da Comissão seguiram de forma contínua as respetivas quotas de mercado durante o período de infração, não apenas por ‘conta veículo’, isto é, em relação ao montante das vendas do modelo de veículo, mas também globalmente, tendo em conta todas contas veículos.

16      A Pilkington, a Saint‑Gobain e a AGC teriam, a este respeito, participado em reuniões trilaterais, por vezes denominadas «reuniões do clube». Estas reuniões, organizadas à vez por cada uma dessas empresas, tiveram lugar em hotéis de diversas cidades da Europa, em residências privadas pertencentes a empregados dessas empresas, bem como nas instalações da associação profissional Groupement Européen de producteurs de verre plat (GEPVP) [agrupamento europeu de produtores de vidro plano] e da Associazione nazionale degli industriali del vetro (Assovetro) (Associação nacional dos industriais de vidro).

17      Foram também organizadas reuniões ou contactos bilaterais entre esses concorrentes, com o objetivo de discutir o fornecimento de vidro automóvel para modelos atuais ou futuros. Estes diversos contactos ou reuniões tiveram por objeto a avaliação e o acompanhamento das quotas de mercado, a repartição das entregas de vidro automóvel aos construtores e a troca de informações sobre os preços e numa troca de outras informações comercialmente sensíveis e sobre a coordenação das estratégias desses diferentes concorrentes em matéria de fixação de preços e de abastecimento da clientela.

18      A primeira dessas reuniões bilaterais, na qual participaram a Saint‑Gobain e a Pilkington, decorreu em 10 de março de 1998 no hotel Hyatt Regency do aeroporto Charles‑de‑Gaulle em Paris (França). Por sua vez, a primeira reunião trilateral decorreu na primavera de 1998 em Königswinter (Alemanha), na residência privada do responsável das grandes contas da Splintex (AGC). Essas reuniões foram precedidas de contactos exploratórios entre a Saint‑Gobain e a Pilkington, logo em 1997, cujo objeto era a harmonização técnica do vidro fumado produzido por essas empresas quanto à cor, à espessura e à transmissão luminosa. A Comissão, porém, não incluiu estes contactos no cartel controvertido, uma vez que eram essencialmente relativos, em seu entender, a uma fase avançada na cadeia de produção do vidro plano, antes da sua transformação em vidro automóvel.

19      A Comissão identifica na decisão impugnada cerca de 90 reuniões e contactos entre a primavera de 1998 e março de 2003. O último contacto trilateral ocorreu em 21 de janeiro de 2003, ao passo que a última reunião bilateral se desenrolou durante a segunda quinzena de março de 2003, entre a Saint‑Gobain e a AGC. Afirma que os participantes recorreram a abreviaturas ou nomes de código para se identificarem nessas reuniões e contactos.

20      A participação da Soliver no cartel começou em 19 de novembro de 2001 e durou até 11 de março de 2003. A Soliver foi contactada pela Saint‑Gobain logo em 2000 para participar no cartel controvertido. Os participantes iniciais no cartel, no caso a Saint‑Gobain, a Pilkington e a AGC, exploraram, para esse efeito, a dependência da Soliver para com os produtores da matéria‑prima, uma vez que a Soliver não produzia o vidro plano necessário à produção de vidro automóvel.

21      Segundo a decisão impugnada, o plano global do cartel consistia na repartição das entregas de vidro automóvel entre os participantes no cartel, tanto no respeitante aos contratos de fornecimento existentes como em relação aos novos contratos. Esse plano destinava‑se a garantir a estabilidade das quotas de mercado desses participantes. Para chegar a esse objetivo, os participantes, nas reuniões e contactos acima referidos nos n.os 16 a 20, trocavam informações sobre os preços e outros dados sensíveis. Além disso, coordenavam as suas políticas de fixação dos preços e de abastecimento da clientela. Em especial, existiu uma concertação sobre as respostas a dar aos pedidos de propostas de preços feitos pelos fabricantes de automóveis, de modo a influenciar a sua escolha de um fornecedor de vidro, ou mesmo de vários deles em caso de abastecimento múltiplo. Os participantes dispunham, a este respeito, de dois meios para favorecer a adjudicação de um contrato de fornecimento ao produtor acordado, a saber, ou não fazer nenhuma proposta ou fazer uma proposta de cobertura, isto é, uma proposta com preços superiores aos do referido produtor. Foram decididas medidas corretivas, sob a forma de compensações concedidas a um ou mais participantes, se necessário, para garantir que a situação global da oferta a nível do EEE permanecesse em conformidade com a repartição acordada. Quando alguma medida corretiva viesse a afetar contratos de fornecimento em curso, o processo utilizado pelos concorrentes para ajustar as quotas de mercado consistia em avisar os construtores automóveis de que um problema técnico ou uma escassez de matérias‑primas perturbava a entrega das peças encomendadas e sugerir‑lhes que recorressem a um fornecedor de substituição.

22      A fim de conservar a repartição dos contratos acordada, os participantes no cartel acordaram ainda, por várias vezes, descontos a conceder aos construtores automóveis em função dos ganhos de produtividade realizados, ou mesmo eventuais aumentos de preços aplicados a modelos de veículo cujo nível de produção fosse inferior às previsões. Acordaram também limitar a divulgação de informações sobre os seus custos reais de produção aos construtores automóveis, para evitar pedidos seus demasiado frequentes de redução de preços.

23      A concertação com vista à estabilidade das quotas de mercado foi possibilitada, nomeadamente, pela transparência do mercado do fornecimento de vidro automóvel. A evolução das quotas de mercado foi calculada com base nos custos de produção e nas previsões de vendas, tomando em consideração os contratos de fornecimento já existentes.

24      A Comissão indica, na decisão recorrida, que a requerente da clemência confirmou que, a partir de 1998, no máximo, houve representantes da Splintex que participaram, com determinados concorrentes, em atividades ilícitas do ponto de vista do direito da concorrência. Além disso, o facto de a Saint‑Gobain não ter contestado a materialidade dos factos expostos na comunicação de acusações deve ser entendido como uma aprovação sua da descrição feita pela Comissão do conteúdo das reuniões e dos contactos controvertidos.

25      Por último, numa reunião realizada em 6 de dezembro de 2001, a Pilkington, a Saint‑Gobain e a AGC acordaram um novo método de cálculo para efeitos da repartição e de reatribuição de contratos de fornecimento.

26      Com base neste conjunto de indícios, a Comissão considerou a Saint‑Gobain, a Compagnie, a Pilkington, a Soliver e a requerente de clemência responsáveis por uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE.

27      Os acordos celebrados entre estas partes constituem, segundo a Comissão, acordos ou práticas concertadas na aceção dessas disposições, que falsearam a concorrência no mercado do fornecimento de vidro automóvel. Esta infração é também única e continuada, uma vez que os participantes no acordo manifestaram a sua vontade comum de se comportarem de uma maneira determinada no mercado e adotaram um plano comum destinado a limitar a sua autonomia comercial individual ao repartirem entre si as entregas de vidro automóvel destinado aos veículos ligeiros de passageiros e aos veículos comerciais ligeiros e falseando os preços desses vidros com o objetivo de assegurarem uma estabilidade global no mercado e de aí manterem preços artificialmente elevados. Segundo a decisão impugnada, a frequência e o caráter ininterrupto dessas reuniões e desses contactos, num período de cinco anos, tiveram o resultado de todos os grandes construtores de veículos ligeiros de passageiros e veículos comerciais ligeiros no EEE terem sido abrangidos pelo acordo.

28      A Comissão considerou ainda que nada indicava que os acordos e as práticas concertadas entre os fornecedores de vidro automóvel tivessem levado a ganhos de eficiência ou favorecido o progresso técnico ou económico no setor do vidro automóvel. Em consequência, a Comissão decidiu não aplicar ao caso o artigo 81.°, n.° 3, CE.

29      No que se refere à identificação dos destinatários da decisão impugnada, a Comissão considerou, nomeadamente, que a Compagnie detinha indiretamente 100% das participações sociais da Saint‑Gobain. Nestas condições, considerou que era de presumir uma influência determinante da Compagnie na política comercial da Saint‑Gobain. Outros elementos, como a estrutura comercial do grupo controlado direta ou indiretamente pela Compagnie (a seguir «grupo Saint‑Gobain») e a composição do conselho de administração da Saint‑Gobain confirmam essa influência determinante. Não tendo a Compagnie conseguido ilidir essa presunção, a Comissão concluiu que esta formava com a Saint‑Gobain uma única empresa participante na infração e, portanto, aplicou à Compagnie e à Saint‑Gobain uma coima por cujo pagamento são responsáveis solidariamente.

30      Quanto à duração da infração, a Comissão considerou que a Saint‑Gobain e a Compagnie participaram nessa infração entre 10 de março de 1998 e 11 de março de 2003. Foi dada por provada a participação da Pilkington no período entre 10 de março de 1998 e 3 de setembro de 2002. Quanto à Soliver, participou na infração entre 19 de novembro de 2001 e 11 de março de 2003.

31      Quanto ao cálculo das coimas, a Comissão começou por determinar o valor das vendas de vidro automóvel realizadas no EEE por cada empresa participante, em relação direta ou indireta com a infração. Fez uma distinção, para esse efeito, entre vários períodos. Relativamente ao período com início em março de 1998 e terminado em 30 de junho de 2000, qualificado de período de «fortalecimento», considerou só dispor de provas da infração em relação a uma parte dos construtores automóveis europeus. Por conseguinte, apenas teve em conta, relativamente a esse período, as vendas de vidro automóvel aos construtores relativamente aos quais dispunha de provas diretas do cartel. No que respeita ao período compreendido entre 1 de julho de 2000 e 3 de setembro de 2002, a Comissão observou que as contas que foram objeto do cartel respeitavam pelo menos a 90% das vendas no EEE. A Comissão concluiu por isso que, relativamente a esse período, devia ser tida em consideração a totalidade das vendas de vidro automóvel no EEE pelos destinatários da decisão impugnada. Por último, no final do período de infração, ou seja, entre 3 de setembro de 2002 e março de 2003, as atividades do cartel abrandaram na sequência da partida da Pilkington. Por conseguinte, relativamente a esse período, a Comissão decidiu só ter em conta as vendas dos construtores automóveis relativamente aos quais dispunha de provas diretas do cartel. Seguidamente, calculou uma média anual ponderada desses volumes de vendas para cada fornecedor de vidro automóvel em causa, dividindo os valores das vendas acima referidos pelo número de meses em que cada um dos referidos fornecedores participou na infração e multiplicando o produto dessa divisão por doze.

32      A Comissão referiu seguidamente que a infração em causa, que consistiu numa repartição da clientela, se encontrava entre as restrições da concorrência mais graves. Tendo em conta a natureza dessa infração, o seu âmbito geográfico e a quota de mercado conjunta das empresas que participantes, a Comissão teve em conta, no cálculo do montante de base da coima, uma proporção de 16% do valor das vendas de cada empresa envolvida, multiplicada pelo número de anos de participação na infração. O montante de base das coimas foi ainda agravado num montante adicional (ou montante de entrada) fixado em 16% do valor das vendas a título dissuasivo.

33      O montante de base da coima aplicada solidariamente à Saint‑Gobain e à Compagnie sofreu um agravamento 60% por reincidência. Quanto ao montante da coima aplicada à Soliver, foi reduzido para 10% do seu volume de negócios, em conformidade com o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Foi concedida uma redução de 50% do montante da coima à requerente de clemência, tendo em conta os elementos de prova que tinha transmitido à Comissão e que permitiram a esta última tivesse um melhor compreensão dos documentos obtidos nas inspeções.

34      Em 11 de fevereiro de 2009, a Comissão adotou a Decisão C (2009) 863 final, que retifica a decisão impugnada num número limitado de pontos.

35      Em 28 de fevereiro de 2013, a Comissão adotou a decisão C (2013) 1118 final, que retifica designadamente a decisão impugnada no que diz respeito à tomada em consideração das vendas efetuadas pela Saint‑Gobain em [confidencial] antes de 31 de maio de 1999 (a seguir «decisão retificativa de 28 de fevereiro de 2013»). Através desta decisão, a Comissão corrigiu o montante da coima aplicada às recorrentes e fixou‑o em 880 milhões de euros.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

36      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de fevereiro de 2009, a Saint‑Gobain interpôs o recurso do processo T‑56/09. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de fevereiro de 2009, a Compagnie interpôs o recurso do processo T‑73/09.

37      Após o encerramento da fase escrita do processo e na sequência do pedido de reabertura dessa fase pela Compagnie no processo T‑73/09, esta última apresentou um articulado complementar, que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de setembro de 2010. Por articulado recebido na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de outubro de 2010, a Comissão apresentou as suas observações sobre esse articulado complementar.

38      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afeto à Segunda Secção, pelo que os presentes processos foram, por conseguinte, distribuídos a esta Secção.

39      Por despacho de 23 de abril de 2012, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral, ouvidas as partes, apensou os processos T‑56/09 e T‑73/09 para efeitos de fase oral.

40      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 11 de dezembro de 2012. As partes foram convidadas, nessa ocasião, a apresentar as suas observações sobre uma eventual apensação dos processos T‑56/09 e T‑73/09 para efeitos de acórdão e indicaram não ter observações a esse respeito.

41      No processo T‑56/09, a Saint‑Gobain conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada, na parte em que lhe diz respeito;

¾        a título subsidiário, anular o artigo 2.° da decisão impugnada, na parte em que lhe diz respeito;

¾        a título ainda mais subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela decisão impugnada até um montante adequado;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

42      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso no processo T‑56/09;

¾        condenar a Saint‑Gobain nas despesas.

43      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de fevereiro de 2009, a Saint‑Gobain adaptou os seus pedidos de anulação, para pedir, por um lado, a anulação da versão da decisão impugnada conforme alterada pela Decisão C (2009) 863 final de 11 de fevereiro de 2009 e, por outro, e a título subsidiário, a redução do montante da coima aplicada nos termos do artigo 2.° da decisão alterada.

44      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de maio de 2009, o Conselho da União Europeia requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão no processo T‑56/09. O presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral deferiu esse pedido por despacho de 7 de julho de 2009.

45      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso no processo T‑56/09;

¾        pronunciar‑se de forma adequada quanto às despesas.

46      No processo T‑73/09, a Compagnie conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada, na parte em que lhe diz respeito, e daí retirar todas as consequências que se impõem no que respeita ao montante da coima;

¾        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada solidariamente com a Saint‑Gobain;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

47      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso no processo T‑73/09;

¾        condenar a Compagnie nas despesas.

48      Na sequência da adoção da Decisão retificativa de 28 de fevereiro de 2013, a Comissão, por carta de 7 de março de 2013, requereu ao Tribunal a reabertura da fase oral do processo.

49      Após ter ouvido as partes a este respeito, a Segunda Secção do Tribunal Geral, por despacho de 23 de abril de 2013, ordenou a reabertura da fase oral.

50      Por carta de 30 de julho de 2013, a Saint‑Gobain informou o Tribunal, nomeadamente, de uma adaptação do seu pedido a fim de ter em conta a Decisão retificativa de 28 de fevereiro de 2013. A Saint‑Gobain, alegando que o seu recurso de anulação continuava a ser procedente e declarando manter o seu pedido de condenação da Comissão nas despesas, formulou, porém, a título subsidiário, um pedido de condenação da Comissão no pagamento parcial das despesas. A Comissão, por sua vez, comunicou as suas observações sobre a referida decisão retificativa e sobre a desistência da Saint‑Gobain numa parte de um dos seus fundamentos por carta de 30 de julho de 2013. Por cartas datadas, respetivamente, de 22 de julho e 1 de agosto de 2013, o Conselho e a Compagnie indicaram ao Tribunal que não tinham observações a formular a este respeito.

51      A fase oral do processo foi seguidamente encerrada em 11 de setembro de 2013.

 Questão de direito

52      Ouvidas as partes, há que apensar os presentes processos para efeitos de acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

I —  Quanto ao objeto da ação

53      Em conformidade com as observações formuladas pelas recorrentes tanto na audiência como na sequência da reabertura da fase oral e com as observações apresentadas pela Saint‑Gobain na sua carta de 11 de março de 2013 ao Tribunal Geral, há que considerar que os presentes recursos são dirigidos contra a decisão impugnada, conforme alterada pela última vez pela Decisão retificativa de 28 de fevereiro de 2013, quer na medida em que os referidos recursos visam a anulação da referida decisão como na medida em que visam a diminuição pelo Tribunal Geral da coima aplicada solidariamente às recorrentes.

II —  Quanto aos pedidos principais, de anulação da decisão impugnada

54      Em primeiro lugar, há que analisar os fundamentos de anulação invocados no processo T‑56/09. Visto alguns dos fundamentos e argumentos apresentados pela Saint‑Gobain acompanharem os apresentados pela Compagnie no processo T‑73/09, há que analisá‑los conjuntamente. Em segundo lugar, há que analisar os argumentos específicos do recurso de anulação interposto pela Compagnie e que não estão ligados a nenhum dos fundamentos apresentados pela Saint‑Gobain.

A —  Processo T‑56/09

55      A Saint‑Gobain invoca, no essencial, seis fundamentos, relativos, o primeiro, à ilegalidade do Regulamento n.° 1/2003, o segundo, à violação dos direitos de defesa, o terceiro, à fundamentação insuficiente da decisão impugnada e a um erro no cálculo da coima, o quarto, a um erro de direito na imputação da responsabilidade pelo comportamento ilícito da Saint‑Gobain à Compagnie, à violação dos princípios da individualidade das penas e da presunção de inocência e a um desvio de poder, o quinto, à violação dos princípios da irretroatividade das penas e da proteção da confiança legítima, e, por último, o sexto, ao caráter desproporcionado da coima aplicada à Saint‑Gobain.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à ilegalidade do Regulamento n.° 1/2003

56      Com o seu primeiro fundamento, a Saint‑Gobain deduz uma exceção de ilegalidade do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que este confia à Comissão tanto poderes de instrução como de sanção em matéria de infrações ao artigo 81.° CE. Uma vez que esta exceção é, no essencial, idêntica à suscitada pela Compagnie no processo T‑73/09, há que analisá‑las conjuntamente.

57      Este fundamento divide‑se em duas partes. Em primeiro lugar, tal cumulação de funções pela Comissão viola o direito a um tribunal independente e imparcial. Em segundo lugar, o poder reconhecido à Comissão de adotar decisões de sanção nos termos do artigo 81.° CE não está em conformidade com o princípio da presunção da inocência.

a)     Quanto à primeira parte, relativa à violação do direito a um tribunal independente e imparcial

 Argumentos das partes

58      A Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam, no essencial, que a cumulação, pela Comissão, das funções de instrução e de sanção na aplicação do artigo 81.° CE, tal como é organizado pelo Regulamento n.° 1/2003, viola o direito a um tribunal independente e imparcial, que é uma garantia essencial do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e no artigo 47.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

59      A Saint‑Gobain alega, antes de mais, que as sanções aplicadas pela Comissão nesse âmbito têm natureza penal, não só porque a proibição prevista no artigo 81.° CE se dirige a qualquer empresa e não a uma dada categoria de empresas, mas também devido ao objetivo dissuasor e repressivo dessas sanções. A indicação pelo legislador, no artigo 23.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003, que tais sanções não têm caráter penal, é irrelevante a este respeito. O direito a um tribunal independente e imparcial aplica‑se, assim, sem restrições no caso em apreço.

60      Ora, resulta da jurisprudência que a Comissão não pode ser qualificada de tribunal independente e imparcial.

61      A invalidade do Regulamento n.° 1/2003 que daí resulta não é posta em causa pela possibilidade de o destinatário de uma decisão punitiva tomada pela Comissão, ao abrigo do referido regulamento, interpor um recurso de anulação dessa decisão no Tribunal Geral. Resulta, com efeito, da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que os princípios de independência e de imparcialidade devem ser respeitados na fase em que a sanção é proferida.

62      Quanto a este último aspeto, a Saint‑Gobain recorda que só em circunstâncias excecionais, caracterizadas por exigências específicas de eficácia e pela ligeireza das infrações, o poder de adotar uma decisão sobre a procedência de uma acusação abrangida pelo artigo 6.°, n.° 1, da CEDH pode ser objeto de uma delegação numa instância administrativa cujas decisões são recorríveis para um tribunal de plena jurisdição. Estas circunstâncias não estão reunidas no caso em apreço.

63      Mesmo que se considerasse que as sanções em causa não fazem parte do núcleo do direito penal, há que observar que a limitação do direito a um tribunal independente e imparcial pelo sistema de repressão e de punição das infrações ao direito da concorrência da União Europeia viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade. Assim, nenhum risco de saturação judicial justifica a cumulação de funções organizado por esse sistema. Acresce que a limitação do direito a um tribunal independente e imparcial é desproporcionada à luz não apenas da gravidade das sanções aplicadas com base no artigo 81.° CE e do Regulamento n.° 1/2003, mas também das características da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral em caso de recurso.

64      A este respeito, a Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam que o Tribunal Geral, quando se pronuncia em recursos de anulação das decisões de sanção tomadas pela Comissão ao abrigo do artigo 81.° CE, não exerce uma fiscalização de plena jurisdição na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Com efeito, o Tribunal Geral limita‑se, em princípio, no momento dessa fiscalização, à verificação da existência de erros manifestos de apreciação ou de um eventual desvio de poder. Há que ter igualmente em conta o facto de um recurso interposto para o Tribunal Geral não ter efeito suspensivo da decisão impugnada.

65      A Saint‑Gobain opõe‑se ainda ao argumento do Conselho de que a exceção de ilegalidade suscitada contra o Regulamento n.° 1/2003 equivale a pôr em causa a validade do artigo 83.°, n.° 2, CE. Com efeito, esta disposição do Tratado não prevê que a Comissão acumule as funções de instrução e de punição das infrações às regras da concorrência, tendo essa escolha sido feita pelo legislador.

66      Por último, a Compagnie sustenta que o problema colocado pelo facto de a Comissão cumular funções de repressão e de punição das infrações ao direito da concorrência é confirmado pelo acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 11 de junho de 2009, Dubus SA c. França (n.° 5242/04).

67      A Comissão e o Conselho opõem‑se a estas críticas.

68      Embora não negando que as empresas envolvidas num procedimento administrativo de controlo em matéria de concorrência têm direito a um tribunal independente e imparcial, a Comissão contesta o entendimento de que o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH se aplica da mesma forma no domínio do direito penal em sentido estrito e no domínio das sanções administrativas.

69      A Comissão recorda, a este respeito, que, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, as sanções aplicadas com base no artigo 81.° CE não têm natureza penal. Alega igualmente que, tal como resulta da jurisprudência dos tribunais da União, não pode ser considerada um tribunal que aplica sanções penais. Daqui se conclui que o artigo 6.° da CEDH não se lhe aplica plenamente quando toma decisões com base no artigo 81.°, n.° 1, CE. O Tribunal Geral, no seu acórdão de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão (T‑54/03, não publicado na Coletânea), declarou, assim, que a cumulação, pela Comissão, das funções de instrução e de punição em matéria de concorrência não era contrária à proteção dos direitos fundamentais.

70      De resto, a Saint‑Gobain acreditou erradamente que podia inferir da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem três condições cumulativas para uma delegação do poder punitivo a uma instância administrativa em matérias que caem fora do núcleo do direito penal. Por um lado, mesmo as coimas de montante elevado podem cair fora do núcleo do direito penal. Por outro lado, as garantias oferecidas pelo artigo 6.° da CEDH não se opõem a que uma autoridade administrativa exerça o seu poder punitivo em domínios que não são caracterizados por um grande número de infrações, desde que o objetivo prosseguido seja legítimo. Ora, é evidente que a eficácia do procedimento e da punição das infrações às regras da concorrência constitui um objetivo legítimo.

71      A Comissão alega ainda que a fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal Geral apresenta todas as características de uma fiscalização de plena jurisdição na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É o que sucede, por maioria de razão, no domínio das coimas aplicadas em matéria de cartéis, cuja adequação pode o Tribunal Geral ser chamado a apreciar por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003. É irrelevante, a este respeito, que o Tribunal Geral tenha, até ao presente, uma utilização limitada da sua competência de plena jurisdição para reduzir o montante das coimas aplicadas pela Comissão.

72      Por último, este fundamento, uma vez que implicaria reconhecer que as decisões da Comissão que declaram e punem infrações ao direito da concorrência não têm força vinculativa nem força executória, iria contra o princípio de que as decisões da Comissão gozam de presunção de validade enquanto não foram anuladas ou revogadas, bem como contra o princípio constante do artigo 242.° CE, segundo o qual o recurso de anulação, em princípio, não tem efeito suspensivo do ato impugnado.

73      O Conselho desenvolve uma argumentação semelhante à da Comissão, em substância. Alega, designadamente, que o regime de sanções instituído pelo Regulamento n.° 1/2003 não faz parte do direito penal e que, portanto, o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH não é aplicável no presente caso. O Conselho sustenta, além disso, que, com exceção de ilegalidade que suscita, a Saint‑Gobain visa, na realidade, pôr em causa a validade do artigo 83.°, n.° 2, CE, na medida em que esta disposição prevê que compete ao legislador definir as funções respetivas da Comissão e do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de repressão e sanção das infrações às normas da concorrência. Ora, o juiz da União é incompetente para se pronunciar sobre a validade de uma disposição do direito primário.

74      Por último, quanto ao argumento que a Compagnie baseia no acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Dubus SA c. França, n.° 66, supra, as circunstâncias que deram lugar ao referido acórdão são diferentes das do presente processo. Com efeito, esse acórdão dizia respeito a uma acumulação de funções de iniciativa e de punição pela Commission bancaire em França, cujas decisões tinham natureza jurisdicional. Ora, a Comissão não pode, por seu turno, ser considerada um tribunal na aceção do artigo 6.° da CEDH.

 Apreciação do Tribunal Geral

75      O Tribunal Geral considera, sem que seja sequer necessário pronunciar‑se sobre a causa de não conhecimento de mérito do presente fundamento apresentada pela Comissão no processo T‑73/09, que a primeira parte do primeiro fundamento é improcedente, tal como resulta, por analogia, da jurisprudência relativa a processos em que era impugnada, em substância, a validade do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22) (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Enso Española/Comissão, T‑348/94, Colet., p. II‑1875, n.os 55 a 65; de 11 de março de 1999, Aristrain/Comissão, T‑156/94, Colet., p. II‑645, n.os 23 a 40; e Lafarge/Comissão, referido no n.° 69, supra, n.os 36 a 47).

76      Há que recordar, antes de mais, que o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, constitui um princípio geral de direito da União, que passou a estar inscrito no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais.

77      Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a Comissão não é um «tribunal» na aceção do artigo 6.° da CEDH (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81, e de 7 de junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 7) nem na aceção do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais. Além disso, o artigo 23.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe expressamente que as decisões da Comissão que aplicam coimas por violação do direito da concorrência não têm natureza penal.

78      No entanto, tendo em conta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções que lhes estão associadas, o direito a um processo equitativo aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas que possam culminar na aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.os 20 e 21, e de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., p. I‑7191, n.° 143).

79      Deste modo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teve ocasião de precisar, no seu acórdão A. Menarini Diagnostics srl c. Itália de 27 de setembro de 2011 (n.° 43509/08), as condições em que uma multa que, tendo em conta o seu montante e o objetivo preventivo e repressivo que prossegue, entre no âmbito penal pode ser aplicada por uma autoridade administrativa que não preencha todas as exigências do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Nesse acórdão, estava em causa o sistema italiano de repressão das infrações ao direito da concorrência. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem indicou, no essencial, que o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH não excluía a possibilidade de uma «pena» ser aplicada por uma autoridade administrativa investida de um poder punitivo em matéria de direito da concorrência, na medida em que a decisão por ela adotada fosse passível de fiscalização posterior por um órgão jurisdicional de plena jurisdição. Entre as características de um órgão judicial desse tipo está o poder de rever a decisão proferida pelo órgão inferior em todos os aspetos, tanto de facto como de direito. Assim, a fiscalização exercida pelo julgador, nesses casos, não se pode limitar à verificação da legalidade «externa» da decisão sujeita à sua fiscalização, devendo o julgador poder apreciar a proporcionalidade da escolha da autoridade da concorrência e verificar as suas apreciações de ordem técnica.

80      Ora, não se pode deixar de observar que a fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal Geral relativamente a decisões através das quais a Comissão aplica sanções em caso de infração ao direito da concorrência da União respeita estas exigências.

81      Em primeiro lugar, importa realçar, a este respeito, que o direito da União confere à Comissão uma missão de vigilância que inclui a tarefa de agir contra as infrações ao artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 82.° CE, sendo a Comissão obrigada, no âmbito desse procedimento administrativo, a respeitar as garantias processuais previstas no direito da União. O Regulamento n.° 1/2003 confere‑lhe também o poder de aplicar, por decisão, sanções pecuniárias às empresas e às associações de empresas que tenham cometido, dolosamente ou por negligência, uma infração a essas disposições.

82      Por outro lado, a exigência de uma fiscalização judicial efetiva de qualquer decisão da Comissão que declare e puna uma infração às regras da concorrência constitui um princípio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros (acórdão Enso Española/Comissão, referido no n.° 75, supra, n.° 60). Este princípio passou a estar consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, Colet., p. I‑13849, n.os 30 e 31, e de 28 de julho de 2011, Samba Diouf, C‑69/10, Colet., p. I‑7151, n.° 49).

83      Ora, resulta da jurisprudência que a fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão para punir as infrações ao direito da concorrência, organizada pelos Tratados e completada pelo Regulamento n.° 1/2003, está em conformidade com este princípio (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, n.° 106, e Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085, n.° 67).

84      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral é um tribunal independente e imparcial, instituído pela Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de outubro de 1988, que institui o Tribunal Geral das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1; retificação no JO 1989, L 241, p. 4). Como resulta do terceiro considerando da referida decisão, foi instituído, designadamente a fim de melhorar a proteção jurisdicional dos particulares nos recursos que necessitem de um exame aprofundado de factos complexos.

85      Em segundo lugar, o Tribunal Geral é competente, por força do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Decisão 88/591, para exercer as competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelos Tratados e pelos atos adotados em sua execução, nomeadamente «Nas ações intentadas contra uma Instituição [...] por pessoas singulares ou coletivas, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo [230°. CE], que digam respeito à aplicação das regras de concorrência aplicadas às empresas». No âmbito dessas ações baseadas no artigo 230.° CE, a fiscalização da legalidade de uma decisão da Comissão que declara a existência de uma infração às regras da concorrência e que aplica, por essa razão, uma coima à pessoa singular ou coletiva em causa deve ser considerada uma fiscalização jurisdicional efetiva do ato em causa. Com efeito, os fundamentos suscetíveis de invocação pelas pessoas singulares ou coletivas em causa, em apoio do seu pedido de anulação são suscetíveis de permitir ao Tribunal Geral apreciar o mérito jurídico como faz de qualquer acusação formulada pela Comissão no domínio da concorrência.

86      Em terceiro lugar, de acordo com o artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, a fiscalização da legalidade prevista no artigo 230.° CE é completada por uma fiscalização de plena jurisdição que permite ao julgador, para além da fiscalização da legalidade da sanção, substituir pela sua a apreciação da Comissão e, consequentemente, suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colet., p. I‑8375, n.° 692).

87      Daqui se conclui que o argumento da Saint‑Gobain e da Compagnie de que a decisão recorrida é ilegal unicamente com o fundamento de ter sido adotada no âmbito de um sistema que organiza uma acumulação pela Comissão das funções de instrução e de punição das infrações ao artigo 81.° CE não é procedente e que, por conseguinte, a primeira parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da presunção de inocência

 Argumentos das partes

88      Numa segunda parte, a Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam que a decisão impugnada viola o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 6.°, n.° 2, da CEDH e no artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais, dado que foi adotada por uma autoridade administrativa que não tem a qualidade de tribunal independente e imparcial e de, além disso, um eventual recurso dessa decisão para o Tribunal Geral não ter efeito suspensivo.

89      Segundo a Saint‑Gobain, essa violação, que tem a sua origem numa ilegalidade do Regulamento n.° 1/2003, não pode ser afastada pelo simples facto de o Tribunal concluir, erradamente, que o referido regulamento não viola o direito a um tribunal independente e imparcial devido à possibilidade de os destinatários de uma decisão da Comissão que declara a existência de uma infração ao artigo 81.° CE a impugnarem no Tribunal Geral. Com efeito, mesmo nessa hipótese, a culpabilidade dos destinatários dessa decisão só é legalmente provada, sendo caso disso, a partir da confirmação dessa decisão pelo Tribunal Geral, quando decide em sede de recurso de anulação.

90      Por último, a Comissão não tem razão ao invocar o direito dos destinatários de uma decisão que declara uma infração ao direito da concorrência e que pedem a sua anulação de prestarem uma garantia bancária a favor da Comissão, em vez do pagamento imediato da coima. Além de ser deixado à total discrição da Comissão, tal possibilidade não altera em nada o facto de a decisão começar a produzir os seus efeitos antes de o Tribunal se pronunciar.

91      Nestas condições, a Comissão não demonstrou uma violação do direito da concorrência pela Saint‑Gobain e pela Compagnie, devendo‑se, portanto, anular a decisão impugnada na parte que lhes diz respeito.

92      A Comissão e o Conselho opõem‑se a estas críticas.

93      A Comissão lembra que, por força de jurisprudência assente, uma empresa que é objeto de uma investigação por infração às regras da concorrência da União se presume inocente até a Comissão demonstrar o seu envolvimento em tal infração. O Conselho acrescenta que não há violação da presunção de inocência no caso vertente, uma vez que não foi há qualquer decisão final sobre a existência e imputabilidade da infração à Saint‑Gobain enquanto o Tribunal Geral não se tiver pronunciado.

94      Além disso, segundo a Comissão, a argumentação da Saint‑Gobain equivale a suscitar uma exceção de ilegalidade do artigo 242.° CE, por força do qual os recursos perante o Tribunal de Justiça não têm efeito suspensivo. Ora, o juiz da União não tem competência para se pronunciar sobre a validade de uma disposição de direito primário.

95      A Comissão invoca por fim o facto de, não obstante a inexistência de caráter suspensivo do presente recurso sobre a decisão impugnada, a recorrente ter tido a possibilidade de apresentar uma garantia bancária em vez de efetuar um pagamento provisório da coima. Essa faculdade resulta, designadamente, do facto de a existência de uma infração às normas da concorrência ainda não ter sido declarada por um tribunal independente e imparcial antes da decisão do Tribunal Geral que ponha fim à instância e de o montante da coima não poder ser considerado definitivo antes do termo do processo judicial.

 Apreciação do Tribunal Geral

96      Com esta segunda parte, a Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam, no essencial, que, uma vez que a Comissão não é um tribunal independente e imparcial, não está em condições de declarar legalmente a culpabilidade das empresas a que imputa a participação numa infração ao artigo 81.° CE. Afirmam que as sanções que aplica com base no artigo 81.°, n.° 1, CE são adotadas em violação do princípio da presunção de inocência.

97      Segundo jurisprudência constante, tendo em conta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que lhe estão ligadas, o princípio da presunção de inocência, que passou a estar consagrado no artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas que possam culminar na aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colet., p. I‑4539, n.os 175 e 176; acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colet., p. II‑4407, n.° 216).

98      Uma jurisprudência desde então bem assente precisou o alcance desse princípio.

99      A presunção de inocência implica que qualquer pessoa acusada se presuma inocente até que a sua culpa tenha sido legalmente provada. Opõe‑se, assim, a qualquer declaração formal e mesmo a qualquer alusão que tenha por objeto a responsabilidade de uma pessoa acusada de uma dada infração numa decisão que ponha termo à ação, sem que essa pessoa tenha podido beneficiar de todas as garantias normalmente concedidas para o exercício dos direitos de defesa no âmbito de um processo que siga o seu curso normal e que termine por uma decisão sobre a procedência da contestação (acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, Colet., p. II‑4065, n.° 106).

100    Por conseguinte, a Comissão deve apresentar provas das infrações por ela declaradas e apresentar os elementos probatórios adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infração (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colet., p. II‑3567, n.° 59 e jurisprudência aí referida). É necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para fundar a firme convicção de que foi cometida a infração (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colet., p. II‑2707, n.os 43 e 72 e jurisprudência aí referida, e de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, Colet., p. II‑6681, n.° 129).

101    As exigências relacionadas com o respeito da presunção de inocência também devem guiar a ação do juiz da União quando é chamado a fiscalizar as decisões em que a Comissão declara uma infração ao artigo 81.° CE. Assim, a existência de uma dúvida no espírito do julgador deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara a infração. O julgador não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, referido no n.° 100, supra, n.° 60).

102    Resulta, assim, dos n.os 99 a 101, supra, que o princípio da presunção de inocência não obsta a que a responsabilidade de uma pessoa acusada de uma dada infração ao direito da concorrência da União seja provada no termo de um processo que tenha decorrido inteiramente de acordo com as modalidades impostas pelas disposições decorrentes do artigo 81.° CE, do Regulamento n.° 1/2003 e do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18), no âmbito do qual os direitos de defesa tenham podido ser plenamente exercidos.

103    Uma vez que o poder punitivo concedido à Comissão em caso de infração ao artigo 81.° CE não viola, em princípio, o princípio da presunção de inocência, o argumento da falta de caráter suspensivo de um recurso interposto no Tribunal Geral de uma decisão que pune uma infração ao direito da concorrência da União é inoperante. Nestas circunstâncias, também não é necessário conhecer da questão de saber se, como sustenta o Conselho, essa alegação equivale a uma exceção de ilegalidade do artigo 242.° CE.

104    Em todo o caso, há que referir que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no seu acórdão Janosevic c. Suécia de 23 de julho de 2002 (Recueil des arrêts et décisions, 2002‑VII, p. 1, §§ 106 a 110), decidiu que o direito à presunção de inocência não se opunha, em princípio, a que a aplicação de sanções de natureza penal adotadas por um órgão administrativo pudessem ser executadas antes de se terem tornado definitivas, no termo de um processo de recurso perante um tribunal, desde que essa execução se inscreva dentro de limites razoáveis que levem a um justo equilíbrio entre os interesses em jogo e o destinatário da sanção possa ser restabelecido na sua situação inicial, em caso de procedência do recurso. Ora, as recorrentes não apresentarem nenhum argumento que permita concluir que o sistema de repressão e de punição das infrações ao direito da concorrência da União, tal como está organizado pelo Regulamento n.° 1/2003 e aplicados, em primeiro lugar, pela Comissão, não está em conformidade com estas exigências.

105    Em face desta análise, e sem prejuízo do controlo do respeito das exigências acima recordadas nos n.os 97 a 101 no caso em apreço, no âmbito de outros fundamentos do recurso, há que julgar improcedente, portanto, a segunda parte e, com ela, o primeiro fundamento relativo a uma exceção de ilegalidade na íntegra, sem que seja necessário conhecer da sua admissibilidade.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

a)     Argumentos das partes

106    Com o seu segundo fundamento, a Saint‑Gobain defende que os seus direitos de defesa foram violados pela Comissão, uma vez que a Comissão adotou a decisão impugnada sem lhe ter dado a possibilidade de fazer valer as suas observações sobre o modo de cálculo da coima que acabou por ser a solução adotada. A Comissão, no cálculo da coima, teve, assim, em conta um certo número de fatores que não foram levados ao conhecimento da Saint‑Gobain, nomeadamente o valor das vendas relacionadas com a infração. As indicações contidas na comunicação de acusações não permitiram à Saint‑Gobain dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista a este respeito, quando, na verdade, o valor das vendas constitui um elemento de facto determinante para o cálculo da coima e que, nos termos do § 6, n.° 1, da CEDH, deve ser submetido a contraditório. Com efeito, essa comunicação não contém nenhuma informação relativa às vendas para o cálculo do montante de base da coima e ao método que a Comissão tencionava seguir para identificar as vendas relevantes. Além disso, este documento não contém qualquer indicação quanto ao grau de gravidade que a Comissão ia aplicar ou ainda a forma como a reincidência poderia ser tomada em consideração.

107    Nenhum dos pedidos de informações complementares dirigidos à Saint‑Gobain numa fase posterior, relativos à determinação do valor das vendas, preencheu essas lacunas. Quanto à indicação, na comunicação de acusações, de que as vendas afetadas seriam determinadas por aplicação do n.° 13 das Orientações para o Cálculo das Coimas Aplicadas nos Termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»), é irrelevante no caso vertente, uma vez que esse método de cálculo era ainda incerto no momento em que a decisão impugnada foi preparada. Essas incertezas estariam designadamente refletidas na falta de coerência dos vários pedidos de informação dirigidos pela Comissão à Saint‑Gobain a esse respeito.

108    Nestas condições, Saint‑Gobain considera não ter tido a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre o método de cálculo da coima antes da adoção da decisão impugnada.

109    A Saint‑Gobain critica igualmente a jurisprudência segundo a qual a Comissão, no âmbito de procedimentos de instrução e punição das infrações ao direito da concorrência, apenas é obrigada a indicar aos destinatários das suas decisões os principais elementos de facto e de direito suscetíveis de provocar a aplicação de uma coima, sem que esses mesmos destinatários possam reivindicar um direito a antecipar a essas decisões. Segundo afirma, essa jurisprudência não é suscetível de garantir o respeito dos direitos fundamentais. Além disso, há que ter em conta o facto de a comunicação de informações mais precisas no decurso do procedimento de inquérito não permitir necessariamente às empresas em causa anteciparem a decisão da Comissão, dado que esta última não está vinculada por essas indicações no momento de adotar a decisão.

110    A Saint‑Gobain alega ainda que, com a adoção das orientações de 2006, a Comissão limitou o seu poder de apreciação relativo à base de cálculo da coima, uma vez que o conceito de «vendas afetadas» constitui um elemento objetivo e verificável. Daqui resulta que a Comissão, de qualquer forma, não pode invocar, no caso vertente, a jurisprudência que visa afastar o risco de uma antecipação indevida das futuras decisões do colégio dos comissários.

111    A Comissão recorda, antes de mais, que, segundo jurisprudência assente, o facto de a Comissão dar indicações a respeito do nível das coimas que tenciona aplicar, na fase da comunicação de acusações, equivale a antecipar de forma inadequada as suas decisões. Ora, as empresas não têm que estar em condições de antecipar com precisão o nível das coimas para exercerem os seus direitos de defesa. Por conseguinte, o direito de audiência é respeitado desde que a Comissão indique, nessa comunicação, que vai analisar se deve aplicar coimas às empresas em causa e aí informe sobre os principais elementos de facto e de direito suscetíveis de implicar a adoção de uma decisão de condenação em tais coimas.

112    A Comissão sublinha, em seguida, que a comunicação de acusações dirigida à Saint‑Gobain anunciava claramente que seria aplicado o método de cálculo constante das orientações de 2006. Alega igualmente que enviou às empresas em causa diversos pedidos de informação sobre o valor das vendas relevantes para o cálculo da coima. Tendo em conta a margem de apreciação de que dispõe para o cálculo das coimas em caso de infração ao artigo 81.° CE, a Comissão considera, assim, que os direitos de defesa da Saint‑Gobain foram plenamente respeitados na decisão impugnada.

113    A Comissão opõe‑se também ao argumento da Saint‑Gobain de que não tinha tido condições para dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a reincidência como circunstância agravante. Alega, a este respeito, que chamou expressamente a atenção da Saint‑Gobain, na comunicação de acusações, para a circunstância agravante da reincidência, bem como diversos casos anteriores de infração ao artigo 81.° CE. A Comissão, deste modo, excedeu mesmo as obrigações que lhe incumbem nos termos do acórdão Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 97, supra (n.° 50). O facto de a Saint‑Gobain ter recebido informações suficientes na comunicação de acusações, quanto à reincidência, é atestado pelos argumentos que apresenta na resposta à referida comunicação para contestar essa circunstância agravante.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

114    A argumentação da Saint‑Gobain inclui duas alegações distintas, relativas a uma violação dos seus direitos de defesa.

115    Com a sua primeira alegação, a Saint‑Gobain acusa a Comissão de não lhe ter comunicado, antes da adoção da decisão recorrida, o valor das vendas que iria considerar para calcular a coima, o método de cálculo utilizado para o efeito e o grau de gravidade que seria aplicado.

116    Há que recordar, a este respeito, que, segundo jurisprudência assente, na fase da comunicação de acusações, o facto de a Comissão dar indicações a respeito do nível das coimas que tenciona aplicar, enquanto não tiver sido dada às empresas a possibilidade de apresentarem as suas observações sobre as acusações que lhes são feitas, equivale a antecipar de forma inadequada a decisão da Comissão (v. acórdãos do Tribunal de Justiça Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 77, supra, n.° 21, e de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 434 e jurisprudência aí referida).

117    Com efeito, o facto de um operador económico não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto é justificado à luz dos objetivos de repressão e de dissuasão prosseguidos pela política de sanções em matéria de concorrência. Estes objetivos serão ameaçados se as empresas em causa se encontrarem em posição de poderem avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infração tendo em conta, por antecipação, o montante da coima que lhes seria aplicada em razão desse comportamento ilícito (acórdão do Tribunal Geral de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colet., p. II‑897, n.° 83).

118    Assim, desde que a Comissão indique expressamente, na sua comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas envolvidas e enuncie os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infração e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de audiência das empresas. Desta forma, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só contra a declaração da infração mas também contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (v. acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 428 e jurisprudência aí referida, e acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 181).

119    Por outro lado, não incumbe à Comissão anunciar às empresas que são objeto de processos por infração ao artigo 81.° CE, na comunicação de acusações, a amplitude de um eventual aumento da coima a fim de assegurar o seu efeito dissuasivo (acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colet., p. II‑497, n.° 62).

120    Daqui resulta que, no que diz respeito à determinação do montante das coimas, os direitos de defesa das empresas em causa é garantido perante a Comissão através da possibilidade de apresentarem as suas observações sobre a duração, a gravidade e o caráter anticoncorrencial dos factos imputados, mas não necessitam, em contrapartida, que essa possibilidade abranja a forma como a Comissão tenciona recorrer aos critérios imperativos da gravidade e da duração da infração para efeitos dessa determinação (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 439). As empresas em causa beneficiam, a este respeito, de uma garantia suplementar, no que diz respeito à determinação do montante das coimas, na medida em que o Tribunal decide com plena jurisdição e pode, designadamente, suprimir ou reduzir a coima (v. acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colet., p. II‑1705, n.° 200 e jurisprudência aí referida).

121    No caso, há que observar, antes de mais, que a Comissão apresentou em pormenor, na comunicação de acusações, da qual a Saint‑Gobain foi destinatária, o quadro factual em que pretendia basear‑se para declarar uma infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Além disso, expôs, nas páginas 129 a 131 e 132 a 135 da comunicação de acusações as razões pelas quais considerava que os contactos em que participou a Saint‑Gobain eram constitutivos de acordos ou de práticas concertadas na aceção desta disposição.

122    Em seguida, a Comissão expôs igualmente, nas páginas 132 a 135 e 152 a 155 da comunicação de acusações, os elementos em que se baseou para analisar, designadamente, a duração da participação da Saint‑Gobain na infração. Descreveu igualmente, nas páginas 156 e 157 da referida comunicação, os principais fatores que teria em conta para apreciar a gravidade da infração, ou seja, nomeadamente, o facto de os acordos colusórios do tipo dos que estão no núcleo do presente processo figurarem entre as infrações mais graves ao artigo 81.°, n.° 1, CE, de se terem repercutido em todo o setor do vidro automóvel, em detrimento não apenas dos construtores automóveis, mas também do grande público, de os participantes no cartel terem consciência da ilicitude das suas atuações e de as atividades do cartel terem incidido sobre todo o EEE.

123    No n.° 489 da comunicação de acusações, a Comissão, de resto, esclareceu que pretendia ter em conta o papel de líder potencial da Saint‑Gobain no cartel, uma vez que esta, por diversas vezes, representara os interesses de outras empresas nas reuniões do clube e que, além disso, tinha convocado a maioria das reuniões do referido clube. Acrescentou que calcularia igualmente o montante das coimas em função da duração da participação de cada uma das empresas envolvidas no cartel e de eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes.

124    Ora, dado que tinha indicado desta forma os principais elementos de facto e de direito em que basearia o seu cálculo do montante das coimas, a Comissão, como resulta da jurisprudência referida no n.° 120, supra, não tinha que precisar de que forma recorreria a cada um dos elementos para a determinação do nível da coima. É irrelevante, a este respeito, que a Comissão tenha acabado por se afastar em parte, na decisão impugnada, do método de cálculo do valor das vendas relevantes previsto no ponto 13 das orientações de 2006.

125    Em todo o caso, há que salientar que a Comissão indicou, na página 156 da comunicação de acusações, que a coima que aplicaria no caso seria calculada por referência aos princípios consagrados nas orientações de 2006. Ora, se, como resulta dos considerandos 664 a 667 da decisão impugnada, a Comissão decidiu, no caso em apreço, derrogar parcialmente esse método de cálculo no respeitante às vendas de vidro tidas em conta, foi precisamente para responder a determinadas objeções formuladas pelos destinatários da comunicação de acusações relativas ao método de cálculo das vendas relevantes previsto no n.° 13 das referidas orientações, nas suas observações sobre essa comunicação e nas suas respostas a diversos pedidos de informação que lhes tinham sido enviados pela Comissão.

126    Daí resulta que a Comissão informou suficientemente a Saint‑Gobain, antes da adoção da decisão impugnada, dos elementos de facto e de direito em que pretendia basear‑se para declarar a sua participação numa infração ao artigo 81.° CE e que os direitos de defesa da Saint‑Gobain, nessa medida, foram respeitados. Por conseguinte, improcede a primeira alegação.

127    Com a sua segunda alegação, a Saint‑Gobain sustenta que a Comissão não lhe deu condições para, no procedimento administrativo, apresentar utilmente o seu ponto de vista quanto à reincidência como circunstância agravante.

128    A este respeito, basta sublinhar, sem prejuízo do exame da primeira parte do sexto fundamento adiante referido, que, nas páginas 157 e 158 da comunicação de acusações, a Comissão não só chamou a atenção das empresas em causa quanto à possibilidade de aplicar as disposições relativas à reincidência como circunstância agravante, mas precisou também, no caso da Saint‑Gobain e da Compagnie, as três decisões anteriores que puniam infrações ao artigo 81.°, n.° 1, CE nas quais pretendia basear‑se para declarar contra elas a existência da circunstância agravante da reincidência. Resulta, além disso, da resposta apresentada pela Saint‑Gobain à comunicação de acusações que esta apresentou diversos argumentos para se opor a uma eventual majoração da coima por reincidência, baseada numa ou noutra dessas decisões.

129    A segunda alegação não pode, portanto, ser acolhida. Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma fundamentação insuficiente e a um erro no cálculo da coima

130    Há que analisar como um fundamento único os fundamentos que a Saint‑Gobain apresenta na petição como os seus terceiro e quarto fundamentos, na medida em que constituem duas partes de um mesmo fundamento relativo aos volumes de vendas considerados pela Comissão para o cálculo do montante de base da coima aplicada à Saint‑Gobain.

a)     Quanto à primeira parte, relativa à insuficiência de fundamentação

 Argumentos das partes

131    Numa primeira parte, a Saint‑Gobain sustenta que a decisão impugnada está ferida de falta de fundamentação na aceção do artigo 253.° CE e do artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais, uma vez que não indica precisamente os diferentes volumes de vendas com base nos quais calculou a coima, nos termos do n.° 13 das orientações de 2006. O dever de fundamentar a decisão recorrida nesse ponto impõe‑se tanto mais na medida em que se trata de um domínio em que a Comissão dispõe de um poder discricionário para aplicar coimas pesadas.

132    Mais particularmente, a Saint‑Gobain acusa a Comissão de não ter apresentado elementos suscetíveis de demonstrar se o volume de vendas fixado a seu respeito é o resultado de um cálculo exato e coerente ou, pelo contrário, se esse cálculo enferma de algum vício. Com efeito, a decisão impugnada não permite identificar os construtores que foram tidos em conta durante os períodos de fortalecimento e o termo da infração, relativamente aos quais a Comissão sustenta ter provas diretas de que foram objeto do cartel controvertido. Daqui resulta igualmente que a Saint‑Gobain não está em condições de verificar se essas provas existem. A decisão também não indica os montantes das vendas por cada construtor durante as três fases da infração. Por último, a decisão não revela o número de meses de participação tomado em conta pela Comissão para calcular a média anual do valor das vendas afetadas. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral não tem a possibilidade de exercer a sua fiscalização jurisdicional de forma adequada e a decisão impugnada está ferida de falta ou insuficiência de fundamentação.

133    O dever de fundamentação que incumbe à Comissão é reforçado pelo facto de, na decisão impugnada, se ter afastado das regras resultantes das orientações de 2006 quanto às vendas que devem servir de base para o cálculo da coima. Apesar de estas orientações determinarem que se tome em conta o valor da venda dos bens em causa durante o último ano completo de participação na infração, a Comissão tomou em conta, no caso em apreço, um número que representa uma média anual ponderada das vendas durante todo o período da infração.

134    A Saint‑Gobain acrescenta que a insuficiência da fundamentação da decisão recorrida quanto ao valor das vendas tido em conta não pode ser compensada pelas informações comunicadas no decurso do processo judicial no Tribunal Geral. Em qualquer caso, as informações complementares apresentadas pela Comissão nos seus articulados não são suscetíveis de constituir uma fundamentação suficiente, pois importantes questões continuam sem resposta.

135    A Comissão opõe‑se a estas críticas. Sublinha que a decisão impugnada contém uma explicação sobre o método que adotou para determinar o montante de base da coima. Ora, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão (C‑196/99 P, Colet., p. I‑11005, n.° 56), que os números não são indispensáveis para que a fundamentação de uma decisão que aplica uma coima possa ser suficiente.

136    Segundo a Comissão, as explicações complementares que forneceu no âmbito dos seus articulados já podiam ser deduzidas de um exame atento da decisão impugnada ou, pelo menos, eram previsíveis.

137    Assim, contrariamente ao que alega a Saint‑Gobain, os construtores automóveis que foram tomados em conta durante as fases de fortalecimento e de declínio do cartel estão identificados na decisão impugnada, na apresentação do seu quadro factual. O mesmo se pode dizer do facto de um construtor objeto de uma colusão num determinado ano ter sido igualmente tido em conta quanto aos anos seguintes. O número de meses em causa, para cada participante na infração e para cada período, também pode ser inferido dos fundamentos da decisão impugnada.

138    Quanto ao volume de negócios fixado para o ano de 1998, a Comissão indicou que, na falta de suficientes precisões comunicadas pelas empresas em causa a esse respeito, tinha sido efetivamente obrigada a efetuar uma estimativa com base nos números de 1999, mas tomando em consideração unicamente os construtores que tinham sido objeto de colusão em 1998.

139    Além disso, a Comissão explicou devidamente, na decisão impugnada, as razões que a levaram a não aplicar no caso o princípio de tomar em conta as vendas do último ano completo de participação na infração, tal como previsto nas orientações de 2006. Esta derrogação justifica‑se pelas características do cartel objeto da decisão impugnada, relativo a contratos de fornecimento de vidro automóvel celebrados após adjudicação e que se destinavam a vigorar por longos períodos. Este contexto tornou necessário tomar em consideração fases distintas, que refletissem, designadamente, a fase de fortalecimento do cartel e a fase de declínio até à sua cessação. Esta derrogação teria, aliás, sido favorável às empresas destinatárias da referida decisão, uma vez que, segundo a Comissão, a coima teria sido muito superior se se tivesse tido em conta o volume de negócios total realizado no último ano da infração.

140    A Comissão acrescenta que não podia divulgar números de vendas mais precisos na decisão impugnada, uma vez que constituíam segredos comerciais.

 Apreciação do Tribunal Geral

141    Na primeira parte do terceiro fundamento, a Saint‑Gobain critica, no essencial, a Comissão, por um lado, por não ter pormenorizado na decisão impugnada o cálculo que a levou a fixar‑lhe um volume de vendas relevante de [confidencial] milhões de euros e, por outro, por não ter explicado as razões que a levaram a não aplicar, no caso em apreço, o método de cálculo consagrado no ponto 13 das orientações de 2006.

142    Nenhuma destas duas alegações pode, no entanto, ser acolhida.

143    Há que recordar a este respeito que, em conformidade com o artigo 253.° CE, completado pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Comissão é obrigada a fundamentar as decisões que adota.

144    O dever de fundamentar uma decisão individual tem por objetivo permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se, eventualmente, está ferida de um vício que permita contestar a sua validade (v., neste sentido, acórdão de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão, referido no n.° 135, supra, n.° 52 e jurisprudência aí referida).

145    A fundamentação deve pois, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que a decisão que lhe seja desfavorável. A falta de fundamentação não pode ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo no Tribunal Geral (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, Recueil, p. 2861, n.° 22).

146    A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só do teor do ato em causa mas também do contexto em que esse ato foi adotado (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63).

147    Quanto à indicação de números relativos ao cálculo das coimas, há que observar que a Comissão não detalhou efetivamente, na decisão impugnada, os volumes de vendas específicas da Saint‑Gobain que utilizou para efeitos do cálculo da coima aplicada a esta última.

148    Todavia, no que diz respeito à fixação de coimas no quadro de violações do direito da concorrência, a Comissão cumpre o seu dever de fundamentação quando indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração cometida, sem ter que aí fazer constar uma exposição mais detalhada ou os números relativos ao modo de cálculo da coima (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C‑286/98 P, Colet., p. I‑9925, n.° 66; v. acórdãos do Tribunal Geral de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão, T‑110/07, Colet., p. II‑477, n.° 311 e jurisprudência aí referida, e acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 2011, Schindler Holding e o./Comissão, T‑138/07, Colet., p. II‑4819, n.° 243 e jurisprudência aí referida).

149    Assim, a indicação de números relativos ao modo de cálculo do montante das coimas, por muito úteis que sejam, não é indispensável à observância do dever de fundamentação (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colet., p. I‑9991, n.os 75 a 77, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Raiffaisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colet., p. II‑5169, n.° 414).

150    Com efeito, quanto à fundamentação da fixação do montante das coimas em termos absolutos, recorde‑se que, ao prever nomeadamente que a coima aplicada a uma empresa que comete uma infração às regras da concorrência da União é fixada tomando em consideração a duração e a gravidade da infração, e que a referida coima não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício anterior por essa empresa, o artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 confere à Comissão uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das normas da concorrência (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, Colet., p. II‑1333, n.° 335 e a jurisprudência aí referida).

151    Além disso, deve‑se evitar que as coimas sejam facilmente previsíveis pelos operadores económicos. Ora, se a Comissão tivesse o dever de indicar na sua decisão os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo do montante das coimas, seria prejudicado o seu efeito dissuasivo. Se o montante da coima fosse o resultado de um cálculo que obedecesse a uma simples fórmula aritmética, as empresas poderiam efetivamente prever a eventual sanção e compará‑la com os benefícios que retirariam da infração às regras do direito da concorrência (acórdão BPB/Comissão, referido no n.° 150, supra, n.° 336, e Degussa/Comissão, referido no n.° 117, supra, n.° 83).

152    Contrariamente ao que sustenta a Saint‑Gobain, unicamente o facto de o método de cálculo do montante das coimas ter sido adaptado no âmbito das orientações de 2006 não é suscetível de pôr em causa estas considerações.

153    Resulta do n.° 13 dessas orientações que, para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utiliza o valor das vendas de bens ou serviços realizadas pela empresa em causa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do EEE e que tem normalmente em conta as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração. Além disso, ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da publicação de orientações que aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essa regra sem justificação, sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 211).

154    Daqui resulta que há que verificar se, pela leitura da decisão impugnada, a Saint‑Gobain podia compreender que o cálculo do montante da coima que lhe fora aplicada tinha sido efetuado com base num método alternativo ao previsto no ponto 13 das orientações de 2006 e conhecia as razões que levaram a Comissão, no caso presente, a afastar a linha de conduta que tinha fixado para si própria no referido número.

155    Antes de mais, há que salientar, a este propósito, que a Comissão declarou, tanto na comunicação de acusações como na decisão impugnada, que a coima é calculada por referência aos princípios consagrados nas orientações de 2006. A Comissão recordou, no considerando 658 da decisão impugnada, a regra de cálculo das vendas relevantes enunciada no n.° 13 das referidas orientações. A Comissão expôs igualmente as razões pelas quais, em seu entender, o cálculo do valor das vendas relevantes não podia ser efetuado, no caso em apreço, por referência apenas aos contratos para os quais dispunha de provas diretas de um acordo ou de uma prática concertada. Para justificar este critério, a Comissão alegou, designadamente, nos considerandos 660 a 662 da decisão impugnada, não só que se tinha podido demonstrar acordos ou práticas concertadas relativamente a todos os grandes construtores automóveis no EEE, no período de infração, mas também que esse cartel visava a estabilidade global das quotas de mercado dos participantes e que essa estabilidade era designadamente prosseguida por meio de um mecanismo de compensação que assentava em todas as contas individuais e que punha em causa todo o vidro.

156    Seguidamente, a Comissão indicou que se afastaria, no caso em apreço, do método de cálculo que consiste em considerar apenas as vendas realizadas durante o último ano completo de participação na infração. Nos considerandos 664 a 667 da decisão recorrida, a Comissão justifica essa exceção à regra inscrita no ponto 13 das orientações de 2006, em substância, pelo facto de o cartel controvertido apresentar a particularidade de ter tido uma intensidade variável entre março de 1998 e março de 2003. Num primeiro período, compreendido entre março de 1998 e a primeira metade de 2000, qualificado de período de «fortalecimento», a Comissão só dispunha de provas diretas da infração a respeito de uma parte dos construtores automóveis europeus. Durante o período compreendido entre 1 de julho de 2000 e 3 de setembro de 2002, em contrapartida, os acordos ou as práticas concertadas diziam respeito pelo menos a 90% das vendas de vidro automóvel de primeira montagem dentro do EEE. Por último, o período compreendido entre 3 de setembro de 2002 e o final do período da infração, qualificado de período de «declínio», que se caracteriza por um abrandamento das atividades do cartel na sequência da partida da Pilkington.

157    Tendo em conta estas circunstâncias, a Comissão indicou ter seguido um critério «mais equilibrado», que consistia em reduzir o peso dos períodos de fortalecimento e de declínio no cálculo do montante de base da coima, apenas levando em conta nesse âmbito o valor das vendas a construtores automóveis relativamente aos quais dispunha de provas diretas de terem sido objeto de colusão. Em contrapartida, a Comissão precisou que tinham sido tidas em conta todas as vendas no EEE no período compreendido entre 1 de julho de 2000 e 3 de setembro de 2002. Como acima se refere no n.° 155, a Comissão justificou esse critério, nomeadamente, nos considerandos 660 a 662 da decisão impugnada, indicando que tinham sido demonstrados acordos ou práticas concertadas relativamente a todos os grandes construtores automóveis no EEE, no período da infração, mas também que este cartel visava a estabilidade global das quotas de mercado dos participantes e que essa estabilidade era designadamente prosseguida por meio de um mecanismo de compensação que assentava em todos as contas individuais e que ponha em causa todo o vidro.

158    Segundo o considerando 667 da decisão impugnada, as vendas tomadas em conta para efeitos do cálculo da coima foram determinadas, para cada participante no cartel, com base nas vendas totais ponderadas da forma que acaba de ser exposta, divididas pelo número de meses de participação na infração e multiplicadas por doze a fim de obter uma média anual ponderada. A Comissão esclareceu ainda que estes cálculos tinham sido efetuados com base nos valores fornecidos pelas empresas em causa em resposta ao pedido de informações que lhes tinha sido enviado em 25 de julho de 2008.

159    Como sublinha acertadamente a Comissão nos seus articulados, estas explicações devem ser lidas à luz de outras partes da decisão impugnada, relativas designadamente ao funcionamento do cartel (considerandos 120 a 428 da decisão impugnada), nas quais a Comissão identificou sistematicamente os construtores que foram objeto de contactos ilegais ao longo dos diferentes períodos da infração.

160    Além disso, a Comissão forneceu diversas precisões, na decisão impugnada, sobre o método que adotou para calcular as coimas que aplicou a cada uma das empresas em causa no caso em apreço, no que respeita, nomeadamente, aos volumes de vendas relevantes, à proporção do valor das vendas tomada em conta, ao montante adicional, bem como aos ajustamentos do montante de base da coima.

161    Por último, embora seja verdade que a decisão impugnada não fornece qualquer explicação quanto aos números de vendas que foram fixados para o ano de 1998, importa notar que a Saint‑Gobain não forneceu no inquérito quaisquer volumes de vendas desse ano por construtor. Daqui se conclui que, como a Comissão alegou com razão, foi de forma legítima e previsível, neste contexto, que utilizou os volumes de vendas do ano mais próximo, no caso, o ano de 1999, a fim de calcular a coima aplicada à Saint‑Gobain.

162    Em face destas considerações, há que concluir que as indicações que figuram na decisão controvertida permitiam à Saint‑Gobain entender não apenas as razões que levaram a Comissão a não aplicar parcialmente a regra de conduta inscrita no ponto 13 das orientações de 2006 no caso em apreço, mas também os elementos com base nos quais examinou a gravidade e a duração da infração, bem como o método de cálculo da coima. Por conseguinte, não obstante o facto de os pormenores desse cálculo não figurarem na decisão impugnada, esta não está ferida de falta ou de insuficiência de fundamentação a esse respeito.

163    A primeira parte do fundamento é, pois, improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa a um erro de cálculo

 Argumentos das partes

164    A Saint‑Gobain, que sustenta ter descoberto, com base na leitura da contestação da Comissão, que esta cometeu um erro manifesto de apreciação que consiste num erro de cálculo da coima, invoca a este respeito um fundamento novo na réplica.

165    A Saint‑Gobain refere que o volume das vendas afetadas inicialmente adotado pela Comissão, no que lhe diz respeito, era de [confidencial] euros. Ora, aplicando de forma escrupulosamente o método de cálculo previsto pela Comissão, a Saint‑Gobain chegou a um valor de [confidencial] euros, ou seja, um montante inferior a [confidencial] euros abaixo do aplicado pela Comissão. Esta diferença explica‑se, segundo a Saint‑Gobain, pela inclusão números correspondentes a vendas realizadas fora do EEE na base de cálculo das coimas. Ora, conforme previsto no ponto 13 das orientações de 2006, esses valores não podem ser tidos em conta no cálculo de uma coima por infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE.

166    A Comissão Europeia tem dúvidas quanto à admissibilidade desta parte do fundamento. Em seu entender, a Saint‑Gobain já teria podido apresentar este argumento na petição, na medida em que resulta da decisão impugnada que foram os volumes de vendas comunicados pela Saint‑Gobain que serviram de base ao cálculo da coima aplicada a esta empresa.

167    Quanto ao mérito, a Comissão alega ter tido em conta os números de vendas que lhe foram comunicados pela Saint‑Gobain. É certo que esta indicou, no inquérito, que uma parte das vendas correspondentes aos referidos volumes não era afetada pelo cartel e que algumas das vendas em causa tinham sido realizadas fora do EEE. Todavia, a Saint‑Gobain não especificou o tipo de vendas realizadas fora do EEE, nem os clientes por elas abrangidos, nem mesmo o montante do volume de negócios que representavam. Além disso, os números avançados pela Saint‑Gobain quanto a este ponto não foram certificados.

168    A Comissão apresenta várias outras circunstâncias que, em sua opinião, obstavam à redução dos volumes de negócios relevantes pedida pela Saint‑Gobain quanto às vendas realizadas fora do EEE. Antes de mais, a Saint‑Gobain não explicou se essas eventuais entregas fora do EEE foram objeto de discussões centralizadas pelos construtores ou se estavam fora da gestão centralizada. Em seguida, não se podia excluir, segundo a Comissão, a possibilidade de essas entregas se terem destinado a depósitos de construtores na União, com vista a uma utilização por revendedores autorizados fora do EEE. Por outro lado, uma eventual redução dos volumes de vendas nesse sentido exigiria, relativamente a determinados períodos de infração, uma repartição precisa das vendas a cada construtor em causa, que não foi fornecida pela Saint‑Gobain. Por último, a Comissão indica que a Saint‑Gobain não avançou qualquer prova fiável que demonstre que as vendas tinham sido realizadas fora do EEE. Resulta, aliás, do processo de inquérito que a própria Saint‑Gobain renunciou a proceder a uma repartição pormenorizada desse tipo, tendo em conta o reduzido montante das vendas em causa.

 Apreciação do Tribunal Geral

169    O Tribunal salienta, a título preliminar, que a Comissão confirmou a hipótese apresentada pela Saint‑Gobain, segundo a qual o montante da coima que lhe foi aplicada foi calculada sem deduzir aos volumes de vendas comunicados os eventuais montantes correspondentes a vendas alegadamente realizadas fora do EEE.

170    Seguidamente, refira‑se que, nos pedidos de informações endereçados à Saint‑Gobain em 10 de dezembro de 2007 e em 25 de julho de 2008, a Comissão lhe pediu que lhe comunicasse o seu volume de negócios realizado no EEE ao longo de vários exercícios sucessivos. Em cada um destes pedidos, a Comissão tinha pedido à Saint‑Gobain que lhe fornecesse, se possível, números certificados e que distinguisse o volume de negócios realizado com cada construtor automóvel em causa.

171    Nas suas respostas transmitidas à Comissão em 28 de janeiro de 2008 e 22 de agosto de 2008, a Saint‑Gobain forneceu informações relativas aos seus volumes de negócios globais e por construtor nos anos de 1999 a 2004, provenientes da sua base de dados comercial internacional. Em contrapartida, a Saint‑Gobain indicou, nessas mesmas respostas, que os números comunicados compreendiam igualmente vendas de vidro automóvel a clientes situados fora do EEE, a saber, na Polónia, na República Checa e na Eslováquia. Contudo, por entender que estas vendas representavam um volume de negócios relativamente fraco e que teria sido difícil retirá‑los da base de dados comercial internacional, a Saint‑Gobain comunicou à Comissão que renunciava a proceder a uma adaptação da referida base de dados nesse sentido. Porém, deduziu dos volumes de negócios globais, relativamente a cada ano em causa, uma percentagem que supostamente refletia as vendas realizadas fora do EEE.

172    Assim, não se pode deixar de observar que as respostas mencionadas no número anterior não contêm um cálculo específico, por produtor e por ano, das vendas efetuadas a clientes situados fora do EEE, não obstante os pedidos de informações dirigidos nesse sentido pela Comissão à Saint‑Gobain. Ora, resulta do considerando 667 da decisão impugnada que a Comissão, no que respeita aos períodos de fortalecimento e declínio do cartel, só levou em conta números das vendas a construtores em relação aos quais podia demonstrar que os contratos de fornecimento de vidro automóvel tinham sido objeto de acordos ou de práticas colusórias. Daí resulta que a Comissão não podia, com base nas informações que lhe tinham sido transmitidas pela Saint‑Gobain, determinar se e, em caso afirmativo, em que medida as percentagens de vendas que esta sustentava ter realizado fora do EEE diziam respeito a esses construtores.

173    De uma forma mais geral, há que observar, como a Comissão, que a Saint‑Gobain não apresentou no inquérito qualquer elemento capaz de demonstrar que as percentagens de volume de negócios que pretende ver deduzidos da base de cálculo da coima correspondem a vendas realizadas fora do EEE.

174    Assim, mesmo admitindo que esta parte do fundamento fosse admissível apesar de só ter sido apresentada na réplica, o Tribunal considera que a Comissão não cometeu nenhum erro ao tomar como volumes de negócios, para o cálculo da coima aplicada à Saint‑Gobain, os volumes de negócios total e por construtor que lhe tinham sido transmitidos por esta, sem deduzir destes últimos uma percentagem fixa alegadamente correspondente a vendas realizadas fora do EEE.

175    Daí resulta que a segunda vertente do fundamento, na medida em que é apresentada em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada, deve ser julgada improcedente e, com ela, todo o terceiro fundamento. Contudo, há que precisar que esta parte do fundamento é adiante igualmente examinada nos n.os 463 a 477, na medida em que é apresentada em apoio do pedido de alteração da decisão impugnada.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro na imputação da responsabilidade pelo comportamento ilícito da Saint‑Gobain à Compagnie, à violação dos princípios da pessoalidade das penas e da presunção de inocência, bem como a um desvio de poder

176    O presente fundamento corresponde, no essencial, a um dos fundamentos suscitados pela Compagnie no processo T‑73/09. Por conseguinte, importa examiná‑los conjuntamente.

177    O terceiro fundamento invocado pela Compagnie no âmbito do processo T‑73/09 contém, todavia, um argumento subsidiário, relativo igualmente a um desrespeito do limite máximo previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, mas assente numa argumentação diferente. Com efeito, a Compagnie afirma que, mesmo que se viesse a concluir que a Comissão teve razão ao considerá‑la responsável pelas atuações da sua filial Saint‑Gobain Glass France, ainda assim cometeu um erro quando tomou em consideração o volume de negócios global do grupo Saint‑Gobain para calcular o limite da coima previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Uma vez que esta alegação é distinta da alegação objeto do presente fundamento, será analisada separadamente (v. n.os 442 a 458 infra).

a)     Argumentos das partes

178    A Saint‑Gobain e a Compagnie acusam a Comissão de ter imputado a esta última a atuação da Saint‑Gobain Glass France, que detém a 100%, mesmo apesar de não de ter demonstrado que a Compagnie tivesse exercido uma influência determinante na política comercial da Saint‑Gobain.

179    A Compagnie alega a este respeito que, tanto em razão da natureza das infrações às regras de concorrência como da natureza e do grau de severidade das sanções que lhes estão ligados, uma pessoa coletiva só deve ser punida por essa razão se a Comissão puder demonstrar, de forma positiva, o seu envolvimento na infração. A imputação da responsabilidade por uma infração a uma sociedade‑mãe por comportamentos de uma das suas filiais é possível quando se demonstre que esta última não agiu de forma autónoma ou mais não fez do que aplicar as instruções da referida sociedade‑mãe. A Compagnie considera, pelo contrário, que a Comissão comete um erro de direito quando conclui, como no caso em apreço, por essa imputação sem verificar se a sociedade‑mãe exerceu efetivamente uma influência determinante na política comercial da sua filial. A imputação de um comportamento ilícito em tais condições equivale a confundir os conceitos de pessoa coletiva e de empresa e, portanto, a violar o princípio da pessoalidade das penas.

180    Segundo a Compagnie, embora o elemento relativo à detenção da totalidade do capital da filial constitua um indício forte da existência de um poder de influência determinante da sociedade‑mãe no comportamento da filial no mercado, isso não basta, só por si, para permitir imputar a responsabilidade do comportamento da filial à referida sociedade‑mãe. Para o efeito, é indispensável um conjunto complementar de indícios, apesar da jurisprudência da União já proferida em sentido contrário.

181    Foi em violação deste princípio, reconhecido noutros sistemas jurídicos, e do princípio da presunção de inocência que a Comissão imputou à Compagnie a infração cometida pela Saint‑Gobain Glass France, mesmo apesar de nenhum elemento permitir demonstrar que esta se limitou a seguir as instruções da sua sociedade‑mãe na implementação da sua política comercial. Em especial, as indicações gerais dadas a uma filial ou o exercício de funções não executivas na sociedade‑mãe pelo responsável de uma filial não são suscetíveis de demonstrar o exercício desse controlo. Assim, a Comissão estabeleceu uma presunção inilidível de influência determinante da Compagnie, em violação dos princípios enunciados no acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237).

182    A Compagnie considera que deveria poder limitar‑se a demonstrar que o grupo por ela encabeçado não é organizado de uma forma que lhe permita dispor de meios humanos e materiais suficientes para se envolver de forma regular e aprofundada na gestão da política comercial das suas filiais. Ora, isso foi efetivamente demonstrado.

183    Antes de mais, o simples facto de existir uma estratégia comum a todo o grupo Saint‑Gobain, publicada no seu sítio Internet, não é suscetível de demonstrar o exercício de uma influência decisiva da Compagnie na política comercial da Saint‑Gobain, uma vez que os princípios constitutivos dessa estratégia não têm qualquer relação com a política comercial dos diferentes polos de atividade dentro do referido grupo. Além disso, os meios humanos limitados de que dispõe a Compagnie, tal como a vocação exclusivamente funcional dos diversos departamentos que a compõem, demonstram a sua impossibilidade prática de exercer influência, mesmo geral, na política comercial das suas filiais. A Compagnie não dá, pois, qualquer instrução quanto às técnicas comerciais a que as suas filiais devem recorrer para atingirem os seus objetivos. De resto, a comunicação de um número limitado de informações à Compagnie, tais como os orçamentos e os relatórios financeiros, era organizada segundo um sistema «bottom‑up», característica de uma gestão descentralizada e da natureza muito diversificada das atividades do grupo Saint‑Gobain. A Comissão não logrou demonstrar, aliás, que os relatórios precisos sobre as atividades comerciais do polo «Vidro» da Saint‑Gobain eram dirigidos à Compagnie.

184    Em seguida, entende que o papel individual de A., antigo diretor do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain, na Compagnie não permite provar a inexistência de autonomia comercial do referido centro. Assim, a Compagnie alega que as funções de A. nela não eram executivas, tendo o seu título de diretor‑geral adjunto da Compagnie caráter honorífico. Em momento nenhum A. foi membro do comité executivo da Compagnie, que, sem prejuízo das atribuições do conselho de administração, toma em exclusivo as decisões da competência da Compagnie no interior do grupo. De resto, A. só exerceu funções na Compagnie a partir de 15 de outubro de 2001, ou seja, mais de quatro anos depois do início da infração e só foi responsável da inovação no grupo a partir de 1 de maio de 2004, isto é, mais de um ano depois do fim do cartel. Quanto ao comité de direção‑geral, embora os temas nele são tratados apresentem efetivamente um interesse comum a todo o grupo, as informações aí trocadas são demasiado gerais para permitir inferir a existência de uma influência determinante na política comercial do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain.

185    A participação de dois empregados da Compagnie no conselho de administração da Saint‑Gobain Glass France, contrariamente ao que afirma a Comissão, é totalmente irrelevante para o caso. Com efeito, é habitual um acionista a 100% de uma sociedade deter um determinado número de lugares no seu conselho de administração. Daí resulta que tomar esse elemento para imputar a infração à Compagnie, tal como simples trocas de informações gerais com a Saint‑Gobain Glass France, contribui para tornar inilidível a presunção de influência determinante estabelecida pela jurisprudência.

186    Numa alegação distinta, a Saint‑Gobain e a Compagnie afirmam ainda que a decisão impugnada está ferida de desvio de poder, pois a imputação da infração à Compagnie teve por único objetivo permitir, segundo as recorrentes, que a coima muito elevada que lhes foi aplicada não excedesse o limite de 10% do volume de negócios de cada «uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração», fixado no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003. Daqui se conclui que, independentemente dos outros fundamentos do recurso, a coima que lhes foi aplicada não devia ultrapassar 10% do volume de negócios da Saint‑Gobain no exercício social anterior, isto é [confidencial] milhões de euros.

187    A Comissão suscita, a título preliminar, uma questão prévia de inadmissibilidade contra o presente fundamento, no que respeita à Saint‑Gobain, na medida em que esta última se limita a remeter, no caso, para certos argumentos apresentados pela Compagnie no inquérito e resumidos na decisão impugnada.

188    Quanto ao mérito, a Comissão salienta, antes de mais, que a Compagnie a acusa erradamente de, na decisão impugnada, ter feito a amálgama entre os conceitos de empresa e de pessoa coletiva. Com efeito, a Comissão só imputou à Compagnie o comportamento ilícito da Saint‑Gobain depois de ter apurado que essas sociedades formavam uma única e mesma empresa, na aceção do artigo 81.° CE.

189    A Comissão lembra, em seguida, que, segundo jurisprudência assente, no caso de uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital de uma filial, se presume o exercício de uma influência determinante na sua política comercial e, portanto, pode ser responsabilizada pelas infrações ao direito da concorrência cometidas por esta. Esta presunção justifica‑se pelo facto de, na grande maioria dos casos, uma filial detida a 100% por uma sociedade‑mãe não conduzir a sua política comercial de forma autónoma. Contrariamente ao que sustenta a Compagnie, não é, por isso, necessário que a Comissão apresente a prova positiva de que a sociedade‑mãe exerceu efetivamente essa influência no caso.

190    A Comissão refere ainda que, embora tenha mencionado na decisão impugnada certos elementos adicionais para alicerçar essa presunção, não se pode daí deduzir que considerou que esses elementos eram indispensáveis para responsabilizar a Compagnie pelo comportamento ilícito da Saint‑Gobain.

191    Segundo a Comissão, nenhuma razão justifica o abandono da presunção acima lembrada no n.° 189. Antes de mais, pouco importa que os ordenamentos jurídicos de Estados terceiros não reconheçam uma forma de presunção ilidível semelhante à que acaba de ser descrita. Em seguida, esta presunção não é contrária ao princípio da igualdade de tratamento entre as sociedades‑mãe que detêm a totalidade do capital de uma filial e as que apenas detêm uma parte mais restrita desse capital, dado que essas sociedades não se encontram em situações comparáveis. Por último, de qualquer forma, a Comissão já em decisões anteriores considerou responsáveis sociedades‑mães que apenas detinham uma parte do capital de uma das suas filiais.

192    Quanto à prática administrativa anterior que a Compagnie acreditou poder identificar, a Comissão indica não só que essa prática não pode resultar de um único precedente, mas também que, em qualquer caso, uma eventual prática desse tipo não a obriga a fazer apreciações idênticas no quadro de decisões posteriores. De qualquer forma, a Comissão contesta a existência de qualquer contradição entre as suas decisões anteriores, citadas pela Compagnie, e a decisão impugnada, decisão esta que se inscreve num quadro factual diferente.

193    Por outro lado, como foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 181, supra, o simples facto de a presunção de influência determinante ser difícil de ilidir não significa que a presunção seja inilidível. No caso, a Compagnie não apresentou elementos que permitissem ilidir a presunção que sobre ela impende. Com efeito, a Compagnie forma uma empresa única com a Saint‑Gobain Glass France, na aceção do direito da concorrência. Daí resulta igualmente que a alegação de que a decisão impugnada viola, nesse plano, o princípio da pessoalidade das penas ou ainda o princípio da presunção de inocência deve ser julgado improcedente.

194    Esta conclusão é confirmada por vários elementos.

195    Antes de mais, a estrutura comercial do grupo Saint‑Gobain, instituída pela Compagnie, tende a demonstrar que esta última exerceu uma influência determinante no comportamento comercial da Saint‑Gobain France. Com efeito, a Compagnie elaborou a estratégia do referido grupo e repartiu as suas atividades em setores específicos. Este último elemento demonstra a sua vontade de manter, em última instância, o domínio da estrutura e da condução desse grupo, sem que o conhecimento da infração pela Compagnie seja pertinente para a aplicação da presunção. Aliás, seria normal que, neste contexto, os diferentes trabalhos da empresa punida na decisão impugnada fossem repartidas entre a Compagnie e as suas filiais que integram o polo «Vidro» e que a Compagnie dispusesse de recursos humanos mais limitados que as referidas filiais.

196    A alegação da Compagnie de que não dava nenhumas instruções precisas às suas filiais não tem quaisquer provas que a suportem. Há que observar, quanto a este último ponto, que existe na Compagnie um departamento consagrado à investigação, ao desenvolvimento e à inovação, bem como um lugar de jurista especializado nos direitos de propriedade intelectual e um lugar de chefe dos contratos internacionais.

197    A Comissão considera, em seguida, que as funções exercidas por A. na Saint‑Gobain Glass France e na Compagnie contribuem para demonstrar a influência determinante da Compagnie na política comercial dessa filial. Com efeito, A. trabalhava para a Saint‑Gobain Glass France e era diretor do polo «Vidro» no grupo Saint‑Gobain, responsável por todas as sociedades operacionais que produziam e comercializavam vidro. Ao contrário do que alega a Compagnie, A. exerceu a função de diretor do polo «Vidro» no referido grupo entre outubro de 1996 e outubro de 2001, antes de exercer as funções de diretor‑geral adjunto. Ora, em várias ocasiões e nessas diversas qualidades, A. relatou as atividades do polo «Vidro» à Compagnie e esta não demonstrou que essas funções não envolviam nenhum papel executivo.

198    Além disso, não é contestado que A. fazia parte do comité de direção‑geral, cuja função consiste, segundo as respostas dadas à comunicação de acusações pela Compagnie, em partilhar as informações gerais suscetíveis de ter interesse para os dirigentes do grupo e examinar todos os meses os resultados consolidados do grupo Saint‑Gobain e a evolução dos seus efetivos globais. Este comité, conjuntamente com o Comité Executivo, forma a equipa dirigente do grupo Saint‑Gobain.

199    Quanto à presença de vários membros da direção da Compagnie no topo da Saint‑Gobain Glass France, demonstra a dimensão do envolvimento dessa sociedade‑mãe nas atividades do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain.

200    De resto, nem o orçamento do polo «Vidro» para o ano de 2001 nem o plano estratégico para esse mesmo centro para o período de 2002‑2006, apresentados pela Compagnie em anexo à réplica, são suscetíveis de pôr em causa estas conclusões. Com efeito, mesmo supondo que esses documentos tivessem sido preparados a nível do polo «Vidro» e só depois tivessem sido apresentados à Compagnie, não se demonstrou que essa última não estava em condições de alterar, rejeitar ou controlar a sua aplicação. Aliás, seria difícil conceber que o polo «Vidro» fosse inteiramente autónomo no grupo Saint‑Gobain, tendo em conta a parte significativa que representa no seu volume de negócios e nos seus resultados.

201    Por último, a Comissão sustenta que o argumento baseado numa alegada violação do direito à presunção de inocência, invocado pela Compagnie no seu articulado complementar, é extemporâneo e, consequentemente, inadmissível. A título subsidiário, alega que são possíveis presunções de culpa no âmbito penal, desde que não excedam um determinado limiar. Ora, há que reconhecer, por um lado, que a luta contra as práticas anticoncorrenciais constitui um contexto importante e, por outro, que os direitos de defesa da Compagnie foram plenamente respeitados no caso em apreço, uma vez que esta teve a possibilidade, na sequência do envio da comunicação de acusações, de ilidir a presunção do exercício de uma influência determinante na política comercial da Saint‑Gobain Glass France.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

 Quanto à admissibilidade do fundamento na medida em que é invocado pela Saint‑Gobain

202    Antes de analisar o fundamento quanto ao mérito, há que examinar a questão prévia de inadmissibilidade do referido fundamento suscitada pela Comissão, na medida em que é invocado pela Saint‑Gobain. Baseando‑se no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a Comissão alega que a Saint‑Gobain, na petição, se limitou a fazer referência aos argumentos apresentados pela Compagnie durante a investigação e resumidos nos considerandos 606 e 607 da decisão impugnada, sem todavia os desenvolver.

203    Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, eventualmente sem outras informações (acórdão do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschppij e o./Comissão, dito «PVC II», T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 39). Embora o texto da petição possa ser alicerçado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos não poderá suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força da disposição acima mencionada, devem constar da petição (despacho do Tribunal Geral de 27 de março de 2009, Alves dos Santos/Comissão, T‑184/08, não publicado na Coletânea, n.° 19).

204    No caso, o Tribunal observa que as passagens da petição da Saint‑Gobain dedicadas ao presente fundamento respeitam estas exigências. Como a própria Comissão reconhece nos seus articulados, a Saint‑Gobain não se limitou, no caso, a remeter pura e simplesmente para uma argumentação contida noutros escritos. Com efeito, a petição contém vários argumentos em apoio do fundamento relativo à violação do princípio da pessoalidade das penas, em razão da imputação do comportamento ilícito da Saint‑Gobain à Compagnie, ao desrespeito do limite máximo previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e a um desvio de poder.

205    Por conseguinte, improcede a exceção de inadmissibilidade arguida pela Comissão contra o presente fundamento, na medida em que é invocado pela Saint‑Gobain.

 Quanto ao mérito

206    Quanto ao mérito, refira‑se, a título preliminar, que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 59) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colet., p. I‑289, n.° 107).

207    O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 181, supra, n.os 54 e 55 e jurisprudência aí referida).

208    Quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, responde por essa infração, que deve ser imputada inequivocamente a uma pessoa jurídica à qual possam ser aplicadas coimas. A comunicação de acusações deve, por outro lado, ser dirigida a esta última e indicar‑lhe em que qualidade lhe são imputados os factos (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 18, supra, n.os 56 e 57 e jurisprudência aí referida).

209    Além disso, resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado e aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas. Com efeito, isto deve‑se ao facto de, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazerem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formarem uma única empresa, em consonância com a jurisprudência acima referida nos n.os 206 e 207. Assim, o facto de uma sociedade‑mãe e a sua filial constituírem uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE, permite à Comissão tomar uma decisão em que aplica coimas à sociedade‑mãe, sem que seja necessário demonstrar o seu envolvimento pessoal na infração (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 181, supra, n.os 58 e 59 e jurisprudência aí referida).

210    Portanto, não é uma relação de instigação relativa à infração entre a sociedade‑mãe e a sua filial nem, por maioria de razão, um envolvimento da primeira na infração, mas sim o facto de constituírem uma única empresa na aceção que agora se expôs que permite à Comissão dirigir à sociedade‑mãe de um grupo de sociedades a decisão de aplicação de coimas (acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑112/05, Colet., p. II‑5049, n.° 58).

211    No caso particular em que uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial (v. acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 181, supra, n.° 60 e jurisprudência aí referida).

212    Assim, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça evocou, nos n.os 28 e 29 do acórdão de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, no n.° 148, supra, para além da detenção de 100% do capital da filial, outras circunstâncias como a não contestação da influência exercida pela sociedade‑mãe na política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades no procedimento administrativo, não é menos verdade que as referidas circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça, nesse processo, apenas com o objetivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal Geral tinha baseado o seu raciocínio para concluir que este não assentara apenas na detenção da totalidade do capital da filial pela sua sociedade‑mãe. Por conseguinte, o facto de o Tribunal de Justiça ter confirmado a apreciação do Tribunal Geral nesse processo não pode ser entendido no sentido de que implica uma alteração das condições em que opera a presunção de influência determinante referida no número anterior (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.° 62, e de 30 de abril de 2009, Itochu/Comissão, T‑12/03, Colet., p. II‑883, n.° 50).

213    Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, faça prova bastante de que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 181, supra, n.° 61, e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 57).

214    Para determinar se uma filial determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, não se deve apenas ter em conta o facto de a sociedade‑mãe influenciar a política dos preços, as atividades de produção e de distribuição, os objetivos de venda, as margens brutas, as despesas de venda, o «cash‑flow» ou ainda as existências e o marketing. Há que tomar igualmente em consideração, como acima referido no n.° 209, todos os elementos relevantes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essa filial à sociedade‑mãe, que podem variar de caso para caso e que não podem ser objeto de enumeração exaustiva (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 181, supra, n.° 65, e acórdão de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.os 64 e 65).

215    Uma presunção, ainda que difícil de ilidir, permanece dentro de limites razoáveis desde que seja proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido, exista a possibilidade de fazer prova em contrário e os direitos de defesa sejam assegurados (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, Colet., p. I‑12073, n.os 43 e 44, e do TEDH, acórdão Janosevic c. Suécia, referido no n.° 104, supra, n.os 101 e 110).

216    Ora, a presunção de uma influência determinante numa filial detida na totalidade ou quase totalidade pela sua sociedade‑mãe visa, nomeadamente, encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objetivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular ao artigo 81.° CE, e prevenir a sua repetição e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 213, supra, n.° 59).

217    Daqui resulta que essa presunção é proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido.

218    Além disso, a presunção acima referida no n.° 211 assenta no facto de, exceto em circunstâncias verdadeiramente excecionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial poder, só por isso, exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial e de, em regra, o não exercício efetivo desse poder de influência poder ser mais utilmente procurado na esfera das entidades contra as quais funciona a presunção. Nestas condições, se bastasse a uma parte interessada refutar essa presunção apresentando simples afirmações não fundamentadas, esta seria em grande medida privada da sua utilidade. Esta presunção é, contudo, ilidível e as entidades que pretendam ilidi‑la podem apresentar todos os elementos relativos aos laços económicos, organizacionais e jurídicos que unem a filial à sociedade‑mãe e que considerem suscetíveis de demonstrar que a filial e a sociedade‑mãe não constituem uma entidade económica única e que a filial se comporta de forma autónoma no mercado (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 213, supra, n.os 60 e 61; v., neste sentido, acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, referido no n.° 148, supra, n.° 29).

219    Por fim, a sociedade‑mãe deve ser ouvida pela Comissão antes da adoção de uma decisão contra ela e essa decisão deve poder ser submetida à fiscalização do juiz da União, que deve decidir no respeito dos direitos de defesa (acórdão Schindler Holding e o./Comissão, referido no n.° 80, supra, n.° 110).

220    No caso, é pacífico que a Compagnie detinha 100% do capital social da Saint‑Gobain Glass France à época da infração.

221    Além disso, resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 213 a 215 que, quando a Comissão se baseia na presunção do exercício de uma influência determinante para imputar a responsabilidade por uma infração a uma sociedade‑mãe, cabe a esta ilidi‑la mediante a apresentação de prova bastante de que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado. A este respeito, compete à sociedade‑mãe submeter todos os elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela e a sua filial, suscetíveis de demonstrar que não constituem uma única entidade económica.

222    Há que analisar, portanto, se foi corretamente que a Comissão considerou que os elementos apresentados pela Compagnie no inquérito não demonstravam a autonomia comercial da Saint‑Gobain Glass France no mercado e, portanto, que esta e a Compagnie não constituíam uma entidade económica única, na aceção do direito da concorrência da União.

223    Como resulta dos n.os 600 e seguintes da decisão impugnada, a Comissão baseia‑se, no essencial, em três ordens de considerações para efeitos de apoiar a presunção de que a Compagnie exercia uma influência determinante na política comercial da Saint‑Gobain Glass France à época da infração.

224    A Comissão apresenta, em primeiro lugar, argumentos relativos à organização comercial do grupo Saint‑Gobain. Assim, a Comissão, referindo‑se a diversos relatórios anuais da Compagnie, refere que, embora os diferentes polos de atividade do grupo Saint‑Gobain giram as suas próprias operações e definam e apliquem as estratégias comerciais e de marketing ligadas à sua própria atividade, esses polos fazem ainda assim parte de um quadro de direção operacional de base, fixado pela Compagnie, destinado a implementar o modelo comercial do grupo. A Comissão menciona a este respeito uma carta que lhe foi enviada pela Saint‑Gobain Glass France em 4 de outubro de 2006, em resposta a um pedido de informações que lhe tinha sido dirigido, da qual resulta que as iniciativas adotadas e os resultados obtidos pelo polo «Vidro» do grupo são conformes com as prioridades e os objetivos fixados para todas as atividades do grupo, conforme definidos pela direção geral da Compagnie. Segundo a Comissão, essa mesma carta indica que, embora as orientações comerciais, tais como os planos de exploração, orçamentos e decisões importantes comerciais operacionais, sejam elaboradas a nível das unidades comerciais, são adotadas, em última instância, pelo diretor do centro «Vidro» da Saint‑Gobain.

225    Em segundo lugar, a Comissão alega elementos de natureza estrutural. Salienta, assim, em primeiro lugar, as relações que existiam entre as direções da Compagnie e do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain. Afirma que A. tinha as funções de diretor‑geral adjunto da Compagnie e, a esse título, diretamente subordinado ao diretor‑geral delegado do grupo. Por outro lado, A. era presidente do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain, da Saint‑Gobain Glass France e da Saint‑Gobain Sekurit France. Foi também presidente de Saint‑Gobain Sekurit International até 2001. A. participou nas reuniões do comité operacional e do comité de direção geral da Compagnie e foi ainda responsável da inovação no grupo Saint‑Gobain. Seguidamente, há que ter em conta o facto de três membros do conselho de administração da Saint‑Gobain Glass France ocuparem simultaneamente lugares de direção na Compagnie.

226    A Comissão acrescenta que A. é membro da equipa de direção do grupo, tal como o diretor‑geral delegado do mesmo, e que o referido diretor‑geral delegado é igualmente membro do comité executivo da Compagnie. Ora, não é plausível que membros da equipa de direção que estão à frente de um setor comercial, como A., comuniquem unicamente entre si e assumam assim a direção do grupo sem a participação do comité executivo da Compagnie.

227    Em terceiro lugar, finalmente, a Comissão salienta que a Compagnie e a Saint‑Gobain Glass France têm a sua sede no mesmo endereço. Isso facilita o desenvolvimento de uma política comercial uniforme no âmbito dessa empresa.

228    A Compagnie e Saint‑Gobain contestam este ponto de vista.

229    A este respeito, embora seja verdade que determinados elementos apresentados pela Compagnie indicam que a Saint‑Gobain Glass France gozava de grande autonomia, não deixa de ser verdade que a Compagnie não conseguiu ilidir a presunção que sobre ela impende no caso em apreço.

230    Em primeiro lugar, a Compagnie não tem razão quando sustenta que a autonomia da Saint‑Gobain é confirmada pela gestão descentralizada do grupo Saint‑Gobain e pelo facto de a Compagnie mais não ser do que uma sociedade de topo que não assume responsabilidades operacionais nem intervém na gestão operacional das suas filiais.

231    Com efeito, antes de mais, a Compagnie afirma que a sua «Carta ética» se limita a aprovar princípios gerais sem ligação com a política comercial das suas filiais e sustenta que, embora fixe a estratégia geral do grupo Saint‑Gobain, deixa aos polos de atividade a liberdade de definirem e porem em prática a sua política comercial. Contudo, não se pode deixar de observar que a Compagnie não apresentou a sua «Carta ética» nem qualquer documento suscetível de apoiar essas afirmações.

232    Seguidamente, no contexto de um grupo de sociedades, uma sociedade holding tem por vocação agrupar as participações nas diversas sociedades e por função assegurar a respetiva unidade de direção (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colet., p. II‑2567, n.° 63, e de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e a E.ON/Comissão, T‑360/09, n.° 283). Por conseguinte, na falta de indícios de que não é esse o caso, há que considerar que os laços que unem a Compagnie à Saint‑Gobain Glass France podem implicar que a Compagnie exercia uma influência determinante no comportamento da sua filial à época em que a infração foi cometida, nomeadamente coordenando os investimentos financeiros do grupo Saint‑Gobain (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, T‑299/08, Colet., p. II‑2149, n.° 99). A esse respeito, há que referir ainda, por um lado, que a Compagnie admite fixar objetivos gerais de rentabilidade às suas filiais, assegurar o seu equilíbrio financeiro e a sua reputação, e contribuir para o financiamento dos investimentos que realizam e, por outro, que, segundo os números comunicados pela própria Compagnie, cerca de metade dos empregados estão ligados aos assuntos financeiros.

233    Quanto à repartição interna das diversas atividades da Compagnie, que se assemelha a uma gestão centralizada, entre várias divisões ou departamentos, constitui um fenómeno normal no interior dos grupos de sociedades como o grupo liderado pela Compagnie e também não é suscetível de ilidir a presunção de que a Compagnie e a Saint‑Gobain constituíam uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE (v., neste sentido, acórdão de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 232, supra, n.° 99).

234    Em segundo lugar, a Compagnie não tem razão quando sustenta, por um lado, que a Saint‑Gobain Glass France sempre definiu de forma autónoma a sua estratégia comercial, nunca tendo a Compagnie aprovado nem aprovado os seus planos de atividade e os seus orçamentos e que a Saint‑Gobain Glass France, na prática, sempre pôde agir de forma autónoma no mercado e, por outro, que a Saint‑Gobain Glass France dispunha de uma ampla autonomia financeira, dado que o controlo que a Compagnie exercia sobre ela era muito geral.

235    Com efeito, além de a Compagnie não apresentar nenhum elemento suscetível de apoiar essas afirmações, há que referir que, segundo um correio endereçado pela Saint‑Gobain Glass France à Comissão em 4 de outubro de 2006, em resposta a um pedido de informações que esta lhe tinha dirigido, a Compagnie aprovava os investimentos e os orçamentos de cada um dos polos de atividade do grupo Saint‑Gobain e controlava regularmente os resultados realizados pelos diferentes polos. Este elemento tende a corroborar a conclusão de que a Compagnie exercia uma influência determinante no comportamento da sua filial, coordenando, nomeadamente, os investimentos financeiros no interior do grupo Saint‑Gobain (v., neste sentido, acórdão de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 232, supra, n.° 102).

236    De qualquer forma, mesmo admitindo que os planos de atividade tivessem sido aprovados pela direção do polo «Vidro» antes de serem eventualmente transmitidos à Compagnie, não se pode daí concluir que esta última não os podia alterar nem rejeitar ou ainda controlar a sua aplicação.

237    Em terceiro lugar, é irrelevante o argumento da Compagnie de que a de Saint‑Gobain Glass France lhe comunicava informações segundo um sistema «bottom up» (da baixo para cima) e que a transmissão dessas informações não dava lugar ao subsequente envio de instruções à filial. Com efeito, mesmo admitindo que fosse esse o caso, esta forma de comunicação das informações de uma filial à sua sociedade‑mãe não prejudica a faculdade de esta exercer uma influência decisiva no comportamento da filial no mercado. No caso, a confirmação pela Compagnie de que as informações contidas nos orçamentos e nos relatórios financeiros das suas filiais lhe eram comunicadas tende antes a confirmar que esta sociedade‑mãe estava plenamente em condições de exercer uma influência decisiva no comportamento da filial no mercado, controlando a sua rentabilidade e, em função dos resultados obtidos, orientando as suas opções comerciais estratégicas. Esta conclusão é ainda reforçada pela indicação fornecida no procedimento administrativo por A., diretor do polo «Vidro» no grupo Saint‑Gobain, segundo a qual este apresentava ao diretor‑geral delegado da Compagnie as atividades do setor «Vidro automóvel» do referido grupo.

238    Em quarto lugar, há que julgar ainda improcedentes os argumentos segundo os quais, por um lado, a Compagnie nunca participou na infração nem mesmo teve conhecimento da mesma, uma vez que as decisões relativas aos preços de venda, as propostas específicas aos construtores de automóveis e a política de desconto eram apenas das filiais pertencentes ao polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain, e, por outro, o mercado do vidro automóvel constitui um setor específico entre os cinco polos de atividade do grupo Saint‑Gobain, que, de resto, apenas tem relações distantes com os outros setores pertencentes ao polo «Vidro».

239    Com efeito, nenhum destes argumentos é suscetível de demonstrar que a Saint‑Gobain Glass France determinava a sua política comercial de forma autónoma no mercado.

240    Antes de mais, importa recordar que, como resulta de jurisprudência assente, não é uma relação de instigação relativa à infração entre a sociedade‑mãe e a filial nem, por maioria de razão, um envolvimento da primeira na referida infração, mas sim o facto de constituírem uma única empresa que permite à Comissão dirigir a decisão de aplicação de coimas à sociedade‑mãe de um grupo de sociedades (acórdão de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.° 58; v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de novembro de 2011, Groupe Gascogne/Comissão, T‑72/06, não publicado na Coletânea, n.° 74). Assim, os vínculos organizacionais, económicos e jurídicos existentes entre a sociedade‑mãe e a sua filial podem demonstrar a existência de uma influência da primeira na estratégia da segunda e, logo, justificar que sejam consideradas uma só entidade económica (acórdão de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.° 83).

241    Em seguida, o facto de as atividades da Saint‑Gobain Glass France afetadas pela decisão recorrida se referirem apenas a um dos numerosos mercados em que o grupo Saint‑Gobain tem atividade não é relevante para o caso. Com efeito, não é invulgar determinados grupos como o grupo liderado pela Compagnie estarem presentes em vários mercados e confiarem a responsabilidade das atividades neles exercidas a diferentes filiais ou grupos de filiais, sem que isso constitua, porém, um obstáculo a que a sociedade de topo exerça uma influência determinante na política comercial das suas diferentes filiais.

242    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da Compagnie de que, em substância, a Comissão considerou erradamente que os elementos que foram levados ao seu conhecimento no inquérito não permitiam determinar que a Compagnie não exercia uma influência determinante na política comercial da Saint‑Gobain Glass France.

243    Quanto à alegação de que o nível de prova exigido pela Comissão no caso em apreço para se ilidir a presunção equivale a transformar a presunção do exercício de uma influência determinante numa presunção inilidível, essa alegação não pode ser acolhida. Com efeito, de acordo com a jurisprudência acima referida nos n.os 213 a 215, não se exigiu que a Compagnie fizesse prova de não ter interferido na gestão da sua filial, mas unicamente que apresentasse provas suficientes de que a sua filial se comportava de forma autónoma no mercado em causa (v., neste sentido, acórdão de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 232, supra, n.° 120). Ora, o simples facto de, num determinado caso, uma entidade não apresentar provas capazes de ilidir a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante não significa que essa presunção nunca possa ser ilidida (acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 213, supra, n.os 65 e 66).

244    Consequentemente e tendo isso em conta, há que considerar também que, tomado no seu conjunto, o critério seguido pela Comissão na decisão impugnada sobre os elementos apresentados pela Compagnie para ilidir a presunção que sobre ela impendia no caso em apreço não constitui uma probatio diabolica.

245    Quanto às diversas referências feitas pela Compagnie a determinadas decisões anteriormente adotadas pela Comissão, onde esta não teria imputado a sociedades‑mãe os comportamentos ilícitos de filiais que detinham a 100%, basta recordar que a prática decisória da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de infrações às regras da concorrência, uma vez que este é unicamente definido pelo Regulamento n.° 1/2003, tal como aplicado à luz das orientações, e que a Comissão não está vinculada pelas apreciações que fez anteriormente (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colet., p. I‑1843, n.° 82, e Erste Group Bank e o./Comissão, referido no n.° 118, supra, n.° 123).

246    Do mesmo modo, é irrelevante, para efeitos do exame da legalidade da decisão impugnada, que as regras de imputação das infrações ao direito da concorrência diferentes sejam aplicáveis noutros sistemas jurídicos.

247    Resulta destas considerações que improcede a alegação de erro de direito na imputação do comportamento ilícito de Saint‑Gobain Glass France à Compagnie.

248    Uma vez que foi com razão que a Comissão considerou que a Compagnie e a Saint‑Gobain Glass France constituíam uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE, é também inoperante o argumento da Compagnie de que, no essencial, a presunção do exercício de uma influência determinante que a Comissão usou na decisão impugnada e cuja legalidade o Tribunal de Justiça reconheceu, em princípio, no acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 181, supra, é contrária ao princípio da pessoalidade das penas. De igual modo, a alegação pela Compagnie de uma violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais e artigo 6.° da CEDH, mesmo admitindo que fosse admissível, visto só ter sido apresentada na fase do articulado complementar, não pode proceder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de novembro de 2011, Álvarez/Comissão, T‑78/06, não publicado na Coletânea, n.os 31 a 41).

249    Por último, atendendo à conclusão que acima consta do n.° 247, há que julgar improcedente a alegação de desvio de poder pelo facto de a imputação do comportamento ilícito da Saint‑Gobain à Compagnie se justificar unicamente pela vontade de a Comissão lhe aplicar uma coima que ultrapassa o limite de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

250    Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

5.     Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos princípios da irretroatividade das penas e da proteção da confiança legítima

251    Este fundamento coincide, no essencial, com um dos fundamentos invocados pela Compagnie no processo T‑73/09. Por conseguinte, há que analisá‑los conjuntamente.

a)     Argumentos das partes

252    A Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam que a decisão impugnada viola o princípio da irretroatividade das penas, consagrado no artigo 7.° da CEDH e no artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como o princípio da confiança legítima, na medida em que a Comissão aplica as orientações de 2006 apesar de estas terem sido adotadas depois de a infração em causa ter cessado. Essa aplicação retroativa das orientações deu origem a um aumento significativo do nível das coimas que podia ser previsto no momento dos factos, em aplicação das Orientações para o Cálculo das Coimas Aplicadas por Força do Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações de 1998»).

253    Segundo a jurisprudência, o princípio da irretroatividade das penas, opõe‑se à aplicação retroativa de uma nova interpretação de uma norma que prevê uma infração, que tenha um efeito agravante no nível das coimas aplicadas, se essa evolução não fosse razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida e se não for necessária para assegurar a execução da política da concorrência da União. Ora, essas duas condições estão preenchidas no caso em apreço. Por um lado, uma vez que o nível das coimas aplicadas desde a aplicação das orientações de 2006 não é comparável com o das coimas aplicadas anteriormente, há que considerar que a evolução resultante da aplicação das referidas orientações não era razoavelmente previsível. Isto é devido, em especial, à importância concedida ao fator duração da infração no cálculo do montante da coima no âmbito das orientações de 2006, que é claramente maior do que sob a égide das orientações de 1998. Por outro lado, o nível muito alto das coimas aplicadas pela Comissão em aplicação das orientações de 2006 não é necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União.

254    Segundo a Compagnie, mesmo que se devesse considerar que a Comissão aplicou, no caso, o Regulamento n.° 17, as orientações de 2006 são equiparáveis a uma alteração da linha de conduta que a Comissão tinha claramente fixado a si própria nas orientações de 1998, no sentido de uma severidade acrescida. As orientações de 2006 não podem, assim, aplicar‑se a situações posteriores à sua publicação.

255    Estas conclusões não são postas em causa pelo acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, uma vez que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça se limitou a decidir sobre a aplicação retroativa das orientações de 1998. Assim, esse acórdão dizia respeito à aplicação de orientações a factos ocorridos numa época em que essas orientações ainda não tinham sido publicadas. Daí resulta que, ao contrário da situação que deu origem ao presente litígio, a infração em causa nesse processo tinha sido cometida numa época caracterizada por uma grande insegurança jurídica quanto ao cálculo das coimas e em que, por conseguinte, as empresas em causa não tinham podido desenvolver qualquer confiança legítima a esse respeito. No presente caso, porém, as empresas destinatárias da decisão recorrida tinham todas as razões para esperar que os seus comportamentos futuros fossem punidos nos termos das orientações de 1998, tanto mais que o Tribunal de Justiça tinha reconhecido o seu caráter normativo no acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já acima referido no n.° 116.

256    A Compagnie invoca ainda vários discursos pronunciados antes de 2006 por comissários europeus responsáveis pela política da concorrência na União, dos quais entende resultar que a adoção de novas orientações em matéria de cálculo das coimas não era previsível à época dos factos controvertidos.

257    Daí resulta, segundo a Saint‑Gobain e a Compagnie, que a coima deveria ter sido calculada com base nas orientações de 1998.

258    A Comissão recorda que a base legal das coimas aplicadas em caso de infração às regras da concorrência previstas no artigo 81.° CE é o artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, limitando‑se as orientações de 2006 a precisar o método segundo o qual essas coimas são calculadas. Assim, tanto sob a égide das orientações de 1998 como das orientações de 2006, o cálculo das coimas deve ser efetuado por referência à gravidade e à duração das infrações, como prevê o artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003. Uma vez que as orientações de 2006 refletem um método adequado para a aplicação de uma disposição legal inalterada, a Comissão considera que o raciocínio do Tribunal de Justiça no acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, é transponível para o caso em apreço. Isto é tanto mais assim quando o Tribunal de Justiça, nesse acórdão, estabeleceu princípios gerais a respeito do âmbito de aplicação das orientações para o cálculo das coimas.

259    Ora, embora seja certo que sob a égide das orientações de 2006 se confere maior importância ao critério da duração, essa evolução era, segundo a Comissão, previsível no momento em que a infração foi cometida, tal como o facto de o valor das vendas em causa poder ser tido em conta no futuro para o cálculo da coima, em vez de um montante fixo. Assim, já antes da adoção das orientações de 2006 o Tribunal de Justiça tinha exprimido uma certa preferência por se tomar em conta o valor das vendas em causa em vez de um montante fixo no cálculo de uma coima. Por outro lado, segundo a Comissão, o montante adicional que passou a ser aplicado para efeitos de dissuasão já estava contido no montante fixo aplicado à época em que as orientações de 1998 estavam em vigor, em função da gravidade da infração. Por último, a Compagnie afirma sem fundamento que, à época dos factos controvertidos, era previsível que a Comissão se inibisse de fazer uma aplicação retroativa de novas orientações que eventualmente pudesse adotar. Com efeito, a Comissão lembra o princípio de que é livre de adaptar as orientações em função das necessidades, desde que essas adaptações respeitem o quadro normativo fixado pelo Regulamento n.° 1/2003.

260    A Comissão sublinha ainda que, por um lado, de forma alguma as orientações de 1998 precisavam que seriam aplicáveis às decisões relativas a infrações cometidas no momento da sua aplicação e que, por outro, as orientações de 2006, de que não se pode afastar sem justificação, indicam que se aplicam em todos os casos em que a comunicação de acusações tenha sido enviada após 1 de setembro de 2006. Ora, no caso, a comunicação de acusações foi enviada em 18 de abril de 2007.

261    Resulta ainda de jurisprudência recente que o objetivo das orientações de 1998 era a transparência e a imparcialidade, mas não a previsibilidade do montante das coimas. Tal previsibilidade não é desejável, uma vez que poderia prejudicar o efeito dissuasivo das coimas ao permitir às empresas em causa compararem com precisão a eventual sanção que lhes poderia ser aplicada em caso de infração com os lucros que poderiam retirar dessa infração.

262    Estas conclusões, segundo a Comissão, não podem ser postas em causa pelo princípio da irretroatividade das penas. É certo que, em princípio, a adoção de orientações suscetíveis de alterar a política geral da concorrência em matéria de coimas pode estar abrangida por esse princípio. Daí resulta que este se pode opor à aplicação retroativa de novas orientações, na medida em que as regras nelas contidas não fossem razoavelmente previsíveis no momento da infração. A Comissão alega, porém, que o simples facto de as orientações de 2006 serem suscetíveis de dar origem a coimas superiores às que seriam aplicadas com base nas orientações de 1998 não pode implicar uma violação do princípio da irretroatividade, visto que, por um lado, uma comparação das coimas aplicadas em processos diferentes não constitui um método fiável a esse respeito e, por outro, a Compagnie e a Saint‑Gobain não podiam antecipar o nível exato da coima que lhes teria sido aplicada nos termos das orientações de 1998.

263    A Comissão contesta ainda a relevância, no quadro do presente processo, à referência feita pela Compagnie aos discursos de comissários europeus responsáveis pela política da concorrência na União feitos posteriormente à cessação da infração. Com efeito, para além de o poder de apreciação do colégio dos comissários não pode ser limitado por tais discursos, estes de modo nenhum eram suscetíveis de demonstrar que a adaptação das orientações de 1998 não era razoavelmente previsível à época em que foi cometida a infração.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

264    Com o presente fundamento, a Saint‑Gobain e a Compagnie acusam no essencial a Comissão de ter desrespeitado os princípios da confiança legítima e da irretroatividade das penas ao aplicar as orientações de 2006 no caso presente quando, no momento em que a infração foi cometida, eram aplicáveis as orientações de 1998. A aplicação das orientações de 2006 levou a um aumento significativo do montante da coima face ao que teria resultado de uma aplicação das orientações de 1998, principalmente em razão da multiplicação do valor das vendas de bens afetadas pela infração pela sua duração.

265    A este respeito, o Tribunal refere, a título preliminar, que a argumentação de que o aumento do nível das coimas originado pela aplicação das orientações de 2006 é manifestamente desproporcionado face ao objetivo prosseguido pela política da concorrência da União confunde‑se, no essencial, com a argumentação invocada no âmbito da segunda parte do sexto fundamento apresentado no processo T‑56/09. Por conseguinte, será analisada adiante nos n.os 353 a 391.

266    Em seguida, há que recordar que as coimas que a Comissão aplicou no caso presente são reguladas pelo artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, que corresponde ao artigo 15.° do Regulamento n.° 17, que estava em vigor no momento da prática da infração. Nos termos do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infrações às normas da concorrência, há que tomar em consideração, além da gravidade da infração, a sua duração. Para determinar o montante da coima, a Comissão aplicou as orientações de 2006, que foram publicadas antes do envio da comunicação de acusações à recorrente em 18 de abril de 2007.

267    Segundo jurisprudência assente, o princípio da irretroatividade das leis penais, consagrado no artigo 7.° da CEDH e, posteriormente, no artigo 49.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infração às normas da concorrência. Este princípio exige que as sanções aplicadas correspondam às que estavam fixadas à época em que a infração foi cometida (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 202; acórdãos do Tribunal Geral LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.os 218 a 221, e de 9 de julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colet., p. II‑2597, n.° 39).

268    Assim, o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, que deve ser interpretado e aplicado de forma a garantir uma proteção efetiva contra os processos, as condenações e as sanções arbitrários (v. TEDH, acórdão S. W. de 22 de novembro de 1995, série A, n.° 335‑B, § 35), impõe que se verifique se, no momento em que um arguido cometeu o ato que deu lugar ao processo e à condenação, havia uma disposição legal previsse a punição do ato e se a pena aplicada não excedeu os limites fixados nessa disposição (v. TEDH, acórdão Coëme e o. c. Bélgica de 22 de junho de 2000, Coletânea dos acórdãos e decisões, 2000‑VII, § 145; Achour c. França de 29 de março de 2006, Coletânea dos acórdãos e decisões 2006‑IV, § 43, e Gurguchiani c. Espanha de 15 de dezembro de 2009, n.° 16012/06, § 30).

269    Por outro lado, as orientações são suscetíveis de provocar efeitos jurídicos. Esses efeitos jurídicos não resultam de uma normatividade própria, mas da adoção e da publicação dessas orientações pela Comissão. Essa adoção e essa publicação das orientações implicam uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode renunciar às mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito tais como os princípios da igualdade de tratamento, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.os 209 a 212).

270    As orientações, enquanto instrumento de uma política em matéria de concorrência, caem, consequentemente, no âmbito de aplicação do princípio da irretroatividade, à semelhança da nova interpretação jurisprudencial de uma norma que cria uma infração, como resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da CEDH (v. TEDH, acórdão S. W. e C. R. c. Reino Unido de 22 de novembro de 1995, série A, n.os 335‑B e 335‑C, §§ 34 a 36 e §§ 32 a 34; Cantoni c. França de 15 de novembro de 1996, Coletânea dos acórdãos e decisões 1996‑V, §§ 29 a 32, e Coëme e o. c. Bélgica, n.° 268, supra, § 145). Segundo essa jurisprudência, uma violação desta disposição pode resultar de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento da prática da infração, nomeadamente à luz da interpretação então seguida na jurisprudência relativa a essa disposição legal.

271    Contudo, o alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange e do número e da qualidade dos seus destinatários. Assim, a previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um ato determinado. É, em especial, o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão e dos quais se pode esperar uma avaliação particularmente cuidada dos riscos que o ato comporta (acórdão deste, Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.os 215 a 223; acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão, T‑59/02, Colet., p. II‑3627, n.° 44; v. TEDH, acórdão Cantoni c. França, referido no n.° 270, supra, § 35, e Sul Fondi Srl e o. c. Itália de 20 de janeiro de 2009, n.° 75909/01, § 109).

272    Além disso, as garantias oferecidas pelo artigo 7.°, n.° 1, da CEDH não podem ser interpretadas no sentido de que proscrevem a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal, designadamente para efeitos de adaptação às alterações de situações, desde que o resultado seja coerente com o essencial da infração e razoavelmente previsível (v. TEDH, acórdão Jorgic c. Alemanha de 12 de julho de 2007, Coletânea dos acórdãos e decisões 2007‑III, §§ 101 e jurisprudência aí referida).

273    À luz destas referências jurisprudenciais, para controlar o respeito do princípio da irretroatividade no caso, há que verificar, portanto, se as alterações que ocorreram no modo de cálculo da coima, na sequência da adoção das orientações de 2006, eram razoavelmente previsíveis no momento em que as infrações foram cometidas (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 224).

274    Refira‑se, a este respeito, que a principal razão que presidiu à adoção das orientações de 2006 era, nos termos dos ensinamentos resultantes da prática anterior, alterar a política dos processos em matéria de infrações aos artigos 81.° CE e 82.° CE, com o fim de assegurar às coimas aplicadas a esse título um caráter suficientemente dissuasivo. Este objetivo traduziu‑se nomeadamente em três inovações principais, a saber, em primeiro lugar, a referência ao valor das vendas dos bens ou serviços relacionadas com a infração como base para a determinação do montante das coimas, em substituição de um regime de tabelamento, em segundo lugar, a inclusão no montante de base da coima de um montante adicional destinado a dissuadir as empresas de participarem nas infrações mais graves ao direito da concorrência e, em terceiro lugar, o reconhecimento de um maior peso da duração da infração no cálculo da coima.

275    Quanto a este último aspeto, a Comissão considera que, tendo em conta o impacto que a duração de uma infração tem necessariamente nas suas consequências potenciais no mercado, é importante que a coima reflita também o número de anos em que a empresa participou na infração. A multiplicação do valor das vendas relacionadas com a infração pela duração da participação na infração presume‑se, assim, contribuir para a fixação de uma coima que reflete não apenas a importância económica da infração, mas também o peso relativo de cada uma das empresas que nela participaram.

276    Ora, resulta de jurisprudência assente, e já resultava na altura em que teve início o cartel controvertido, que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infrações não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível, inclusive significativamente, nos limites previstos no Regulamento n.° 17 e pelo Regulamento n.° 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União. A aplicação eficaz das normas da concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., neste sentido, acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 77, supra, n.° 109; de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão, referido no n.° 135, supra, n.° 81, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 227). Esta margem de manobra justifica‑se, designadamente, pelo facto de, se o montante da coima fosse o resultado de um cálculo que obedecesse a uma simples fórmula aritmética, as empresas poderiam prever a eventual sanção e compará‑la com os benefícios que retirariam da infração às normas do direito da concorrência (acórdão BPB/Comissão, referido no n.° 150, supra, n.° 336).

277    Daí decorre que as empresas envolvidas num procedimento administrativo que possa dar origem a uma coima não podem ter qualquer confiança legítima em que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente nem num método de cálculo destas últimas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 228). Isto também se aplica quando o aumento do nível das coimas resulta da aplicação, em casos concretos, de regras de conduta com alcance geral, como as orientações de 2006 (v., por analogia, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.os 229 e 230, e de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, referido no n.° 245, supra, n.° 59).

278    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da Compagnie de que «[as] políticas de adequação ao direito da concorrência representam […] um investimento cuja calibragem é, nomeadamente, determinada pelo nível de sanções esperado», o que, segundo a Compagnie, deve incentivar o Tribunal Geral, no quadro do exame do presente fundamento, a ter em conta o esforço particular a que ela alega ter que se sujeitar para dar cumprimento às regras decorrentes do referido direito. Com efeito, este argumento não pode ser acolhido, dado que as regras da União em matéria de concorrência não têm caráter supletivo e que uma empresa não pode, por isso, invocar utilmente o custo que implica para ela o facto de ter de lhe dar cumprimento.

279    Contrariamente ao que alega a Compagnie, é ainda irrelevante que o aumento do nível médio das coimas resultante da aplicação das orientações de 2006 se tenha seguido a um período em que eram aplicáveis outras regras de conduta de alcance geral.

280    Com efeito, em primeiro lugar, esse aumento não pode, por si só, ser considerado ilegal à luz dos princípios da irretroatividade e da proteção da confiança legítima, uma vez que se mantém no quadro legal definido pelo artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, como interpretado pelo juiz da União (v., por analogia, acórdãos do Tribunal Geral de 2 de fevereiro de 2012, EI du Pont e o./Comissão, T‑76/08, não publicado na Coletânea, n.° 126 e jurisprudência aí referida, e Dow Chemical/Comissão, T‑77/08, não publicado na Coletânea, n.° 141 e jurisprudência aí referida). Assim, em conformidade com o ponto 32 das orientações de 2006, a aplicação do novo método de cálculo previsto por estas últimas não prejudica a regra inscrita no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, segundo a qual as coimas aplicadas em nenhum caso podem exceder o limite de 10% do volume de negócios total realizado pela empresa ou associação de empresas que tenha participado na infração no exercício anterior. Além disso, as orientações de 2006 preveem que a coima seja calculada tendo em consideração a gravidade e a duração da infração em causa, refletindo, assim, a regra consagrada no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003.

281    Em segundo lugar, tendo em conta os princípios acima recordados nos n.os 276 e 277, e contrariamente ao sustentado pela Compagnie, nem o facto de a aplicação das orientações de 1998 ter sido estendida a todo o EEE em janeiro de 2003 nem os discursos feitos por comissários responsáveis pela política da concorrência na União, em 2003 e em 2005, podiam criar nos operadores económicos uma confiança legítima em que essas mesmas orientações não seriam alteradas no futuro.

282    Por último, em terceiro lugar, é pacífico que a Comissão aplicou no caso em apreço a regra de conduta enunciada no n.° 38 das orientações de 2006, nos termos do qual as referidas orientações são aplicáveis a todos os processos nos quais a comunicação de acusações tenha sido notificada depois de 1 de setembro de 2006. Assim, a Compagnie não tem razão quando alega que tinha uma confiança legítima no facto de que a Comissão excluiria a aplicação do método de cálculo previsto nas orientações de 2006 no presente processo.

283    Assim, resulta do raciocínio acima exposto nos n.os 274 a 282 que, na altura em que as infrações foram cometidas, o aumento do nível médio das coimas aplicadas às empresas por violações do artigo 81.° CE no seguimento da adoção das orientações de 2006 era razoavelmente previsível para operadores avisados como a Saint‑Gobain e a Compagnie. Daqui resulta que não têm razão quando criticam a Comissão por ter aplicado no caso vertente as orientações de 2006 e, dessa forma, ter violado os princípios da irretroatividade das penas e da confiança legítima, na medida em que essa escolha conduziu à aplicação de uma coima superior à que teria resultado da aplicação das orientações de 1998. Pelas mesmas razões, a Comissão também não tinha de expor, nas orientações de 2006, que o aumento do nível das coimas era necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União (v., por analogia, acórdão Schindler Holding e o./Comissão, referido no n.° 148, supra, n.° 128).

284    O quinto fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

6.     Quanto ao sexto fundamento, relativo ao caráter excessivo da coima

285    O sexto, sétimo e oitavo fundamentos da petição da Saint‑Gobain devem ser entendidos como três vertentes de um mesmo fundamento, relativo ao caráter excessivo da coima. Em primeiro lugar, há que analisar a alegação de má aplicação do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, quanto à reincidência como circunstância agravante, e de falta de fundamentação. Em seguida, analisam‑se as alegações de desproporção da coima e de insuficiente valoração, pela Comissão, da não contestação da materialidade dos factos pela Saint‑Gobain.

a)     Quanto à primeira parte, relativa a uma aplicação incorreta do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 no que se refere à reincidência como circunstância agravante, a uma violação do princípio da proporcionalidade e à falta de fundamentação

286    Esta primeira parte coincide, no essencial, com um dos fundamentos invocados pela Compagnie no âmbito do processo T‑73/09. Por conseguinte, há que examiná‑los conjuntamente.

 Argumentos das partes

287    A Saint‑Gobain e a Compagnie sustentam que, ao tomar em consideração no exame das circunstâncias agravantes, no caso em apreço, a Decisão n.° 84/388/CEE da Comissão, de 23 de julho de 1984, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/30.988 — Acordos e práticas concertadas no setor do vidro plano nos países do Benelux) (JO L 212, p. 13) [a seguir «decisão Vidro Plano Benelux)»] e a Decisão 89/93/CEE da Comissão, de 7 de dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (IV/31.906 — Vidro plano) (JO 1989, L 33, p. 44) [a seguir «decisão Vidro Plano (Itália)»], a Comissão fez uma aplicação incorreta das regras relativas à reincidência previstas no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003.

288    Antes de mais, a Compagnie alega que a aplicação das orientações de 2006, a este respeito, viola os princípios da confiança legítima e da irretroatividade uma vez que essas orientações não tinham sido adotadas nem publicadas à época dos factos controvertidos.

289    Em seguida, os princípios que regem a imputabilidade das infrações às normas da concorrência da União às empresas opõem‑se à consideração dessas decisões no cálculo da coima aplicada à Saint‑Gobain. Com efeito, esta não foi destinatária de nenhuma delas nem teve nenhum poder de direção sobre as empresas destinatárias das decisões. Mesmo que se devesse considerar, erradamente, que o grupo Saint‑Gobain forma uma única empresa, a Comissão cometeu um erro ao imputar a totalidade dos comportamentos de um grupo a sociedades que não se encontram à cabeça do mesmo. Esta conclusão aplica‑se, por maioria de razão, à decisão Vidro Plano (Itália), uma vez que a única sociedade destinatária desta era a Fabbrica Pisana, com exclusão da Compagnie. A tomada em consideração dessa decisão desrespeitou igualmente os direitos de defesa da Compagnie, uma vez que esta última, não sendo sua destinatária, não teve a possibilidade de apresentar as suas observações sobre os comportamentos imputados à sua filial nem sobre a sua própria responsabilidade, antes da adoção da referida decisão. Por outro lado, o facto de essa decisão só ter sido dirigida à Fabbrica Pisana, demonstra que a Compagnie, que era a sociedade‑mãe da Fabbrica Pisana, não exercia uma influência determinante na sua política comercial.

290    Esta parte da decisão impugnada está também ferida de falta de fundamentação, uma vez que a Comissão teve em conta essas duas decisões como circunstâncias agravantes da infração cometida pela Saint‑Gobain, sem, no entanto, apresentar elementos suscetíveis de justificar que lhe sejam imputadas os atos de sociedades‑irmãs da Compagnie.

291    A Saint‑Gobain e a Compagnie consideram ainda que foi sem razão que a Comissão teve em conta, para demonstrar a reincidência, a decisão Vidro Plano Benelux), mesmo tendo esta sido adotada em 1984. Com efeito, o prazo de catorze anos decorrido entre 1984 e o início da presente infração é excessivo a este respeito.

292    Em todo o caso, a Compagnie considera que, mesmo que a decisão Vidro Plano Benelux) pudesse ser tida em conta na reincidência, haveria que considerar que o agravamento de 60% do montante da coima que lhe foi aplicada, solidariamente com a Saint‑Gobain, é desproporcionado tendo em conta não apenas a antiguidade dessa decisão, mas também o facto de ser o único elemento de reincidência que lhe pode ser oposto. Daí resulta que o Tribunal Geral, com vista a respeitar os princípios garantidos no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve, pelo menos, exercer a sua competência de plena jurisdição no caso em apreço e reduzir a sanção de modo a que reflita mais adequadamente a gravidade da infração. A Saint‑Gobain pede também que o Tribunal exerça a sua competência de plena jurisdição reduzindo a coima para um montante apropriado.

293    A Comissão contesta estes argumentos. Lembra, antes de mais, que, no caso, se justificava a aplicação das regras relativas à reincidência contidas nas orientações de 2006 e que, de qualquer modo, mesmo que não fosse esse o caso, a reincidência já figurava entre as circunstâncias agravantes que a Comissão podia aplicar nos termos das orientações de 1998.

294    Em seguida, há que ter em conta o facto de a Saint‑Gobain e a Compagnie pertencerem à mesma empresa e que a Compagnie exerce um controlo efetivo sobre cada uma das suas filiais.

295    Quanto à sua decisão Vidro Plano (Itália), a Comissão considera que tinha a faculdade de não dirigir essa decisão à Compagnie, sem que isso constitua um indício de autonomia da sua filial Fabbrica Pisana em relação a esta. Pelo contrário, a Compagnie não contestou que, à data dos factos que deram lugar à adoção dessa decisão, detinha 100% da Fabbrica Pisana. Daqui resulta que, na falta de prova em contrário, esta última não determinava o seu comportamento no mercado de forma autónoma e que, portanto, a Comissão podia, se o tivesse querido, aplicar a coima à Compagnie nesse processo. Por conseguinte, a Comissão considera que foi com razão que a Comissão teve essa decisão em conta para efeitos da declaração da reincidência da empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie na decisão impugnada.

296    No que respeita à decisão Vidro Plano (Benelux), que foi, por sua vez, endereçada à Compagnie, a Comissão sustenta que, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão (C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331), o apuramento e a apreciação das características específicas da reincidência fazem parte do seu poder de apreciação para efeitos da determinação do montante das coimas e que, por conseguinte, não pode estar vinculada por um eventual prazo de prescrição para proceder a esse apuramento. Daqui resulta que a Comissão dispõe de uma certa margem para apreciar, em cada caso, os indícios que confirmam uma eventual propensão das empresas em causa para infringirem as normas da concorrência, incluindo o tempo que decorreu entre as infrações em causa. Ora, mesmo que não se tivesse em consideração a decisão Vidro Plano (Itália), adotada em 1988, haveria que concluir, porém, que o facto de terem decorrido menos de catorze anos entre a decisão que declarou a infração no processo Vidro Plano (Benelux) e a repetição do comportamento ilícito demonstra uma propensão da empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie para não respeitarem o direito da concorrência. Isto é tanto mais assim quanto todas as infrações apuradas respeitavam ao polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain.

297    Além disso, a decisão impugnada não está ferida de qualquer falta de fundamentação, uma vez que, por um lado, a Comissão aí revela as razões pelas quais, em sua opinião, a Saint‑Gobain e a Compagnie pertencem à mesma empresa e, por outro, esta era a destinatária da decisão Vidro Plano (Benelux) e poderia ter sido destinatária da decisão Vidro Plano (Itália). Nestas circunstâncias, a Saint‑Gobain estava em condições de compreender por que motivo essa reincidência foi tomada em consideração em relação à empresa que forma com a Compagnie.

298    Quanto aos direitos de defesa no âmbito da decisão Vidro Plano (Itália), foram plenamente respeitados, uma vez que a Compagnie tinha a possibilidade, no âmbito do procedimento que levou à adoção da decisão impugnada, de tentar elidir a presunção ilidível que permitiu à Comissão ter em consideração a reincidência, demonstrando que a Fabbrica Pisana formava uma empresa distinta.

299    A Comissão considera por último que a alegação da Compagnie de violação do princípio da proporcionalidade, feita na réplica, constitui um fundamento novo e é, portanto, inadmissível. De qualquer forma, ao aplicar ao caso vertente uma taxa de agravamento de 60%, a Comissão ficou claramente aquém da majoração máxima prevista nas orientações de 2006, a saber, uma duplicação do montante de partida da coima. A possibilidade de o Tribunal verificar a proporcionalidade da coima demonstra, de resto, que a fiscalização que exerce pode dar resposta às exigências contidas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 Apreciação do Tribunal Geral

–       Quanto à admissibilidade dos argumentos baseados na Carta dos Direitos Fundamentais e expostos pela Compagnie no seu articulado complementar

300    Há que apreciar, a título liminar, a admissibilidade do argumento suscitado pela Compagnie no seu articulado complementar em apoio do presente fundamento, relativo ao princípio da proporcionalidade das penas, enunciado no artigo 49.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais.

301    A este respeito, resulta das disposições conjugadas do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, por um lado, que a petição inicial deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados e, por outro, que a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou indiretamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este, deve ser declarado admissível. Solução análoga se impõe para uma alegação feita em apoio de um fundamento (acórdão do Tribunal Geral de 21 de março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, Colet., p. II‑2085, n.° 156).

302    No caso, há que observar que, através das referências feitas no seu articulado complementar ao princípio da proporcionalidade das penas consagrado no artigo 49.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Compagnie não invoca nenhum fundamento ou alegação novos relativamente aos fundamentos e alegações apresentados anteriormente, limitando‑se a invocar uma disposição da Carta dos Direitos Fundamentais que completa o fundamento jurídico de um dos fundamentos suscitados na sua petição.

303    Daqui resulta que os argumentos invocados pela Compagnie a este respeito, no seu articulado complementar, são admissíveis.

–       Quanto ao mérito

304    A título preliminar, há que rejeitar o argumento da Compagnie de que a Comissão não podia aplicar no caso em apreço as orientações de 2006 para agravar o montante de base da coima em função da reincidência. Além de a Compagnie não apresentar nenhum argumento concreto em apoio desta pretensão, há que sublinhar que a reincidência já figurava entre as circunstâncias agravantes suscetíveis de conduzir a um aumento do montante de base da coima ao abrigo das orientações de 1998 e que, portanto, tendo em conta, nomeadamente, os princípios acima recordados nos n.os 265 a 273, a aplicação, no caso presente, das orientações de 2006 não pode, a este respeito, ser criticada nem sob o ângulo do princípio da irretroatividade da lei penal nem sob o do princípio da confiança legítima.

305    Em seguida, há que recordar que o conceito de reincidência, como é entendido num certo número de ordenamentos jurídicos nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infrações após ter sido punida por infrações semelhantes (acórdão do Tribunal Geral de 11 de março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colet., p. II‑347, n.° 617). Assim, reproduzindo um dos exemplos de circunstâncias agravantes citado no n.° 28 das orientações de 2006 é o caso em que «uma empresa prossegue ou reincide numa infração idêntica ou similar depois de a Comissão ou uma autoridade nacional de concorrência ter verificado que esta empresa infringiu as disposições do artigo 81.° ou do artigo 82.° [CE]».

306    A este respeito, resulta do raciocínio acima exposto nos n.os 206 a 247, que foi acertadamente que a Comissão considerou que a Compagnie e a Saint‑Gobain Glass France pertenciam à mesma empresa na época da infração punida pela decisão recorrida.

307    Uma vez que a Saint‑Gobain e a Compagnie não alegam que a infração controvertida não é semelhante ou idêntica às infrações punidas nas duas decisões anteriores tidas em conta pela Comissão para efeitos da declaração da reincidência, há que verificar se, em conformidade com as regras previstas no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, bem como no n.° 28 das orientações de 2006, foi com razão que a Comissão considerou que essas diversas infrações foram cometidas pela mesma empresa. Há que analisar também, por um lado, a alegação da Saint‑Gobain e da Compagnie de que a decisão Vidro Plano (Benelux) não podia ser tida em conta no caso vertente face ao prazo decorrido entre esta e o início da infração controvertida e, por outro lado, a alegação de falta de fundamentação.

308    No que se refere, antes de mais, à decisão Vidro Plano (Itália), adotada em 1988, é pacífico que esta tinha designadamente por destinatário a sociedade Fabbrica Pisana, que é uma filial da Compagnie, mas que nem esta nem a Saint‑Gobain foram destinatários dela. Por outro lado, não é contestado que a Fabbrica Pisana era detida a 100% pela Compagnie no momento em que a decisão Vidro Plano (Itália) foi adotada.

309    Tal como a Comissão salientou com razão, o Tribunal Geral considerou, no seu acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colet., p. II‑4071, n.° 290, e a jurisprudência aí referida), que, quando duas filiais são detidas, direta ou indiretamente, a 100% ou quase 100%, pela mesma sociedade‑mãe, se pode concluir razoavelmente que tais filiais não determinarem de forma autónoma o seu comportamento no mercado e com a sua sociedade‑mãe constituem uma entidade económica e, portanto, uma empresa na aceção dos artigos 81.° CE e 82.° CE. Por conseguinte, a infração anterior cometida por uma das filiais do grupo pode ser tida em conta na determinação da circunstância agravante de reincidência relativamente a uma outra filial desse grupo.

310    No entanto, o comportamento ilícito de uma filial detida a 100% ou quase 100% pela sua sociedade‑mãe, não pode ser imputado a esta última e a Comissão só poderá considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial se a sociedade‑mãe não ilidir a presunção ilidível do exercício efetivo de uma influência determinante na política comercial dessa filial, em conformidade com os princípios acima recordados nos n.os 211, 213 e 214.

311    Por conseguinte, a Comissão não pode limitar‑se a observar que uma empresa «podia» exercer uma influência decisiva na política comercial de outra empresa, sem ter de verificar se essa influência foi efetivamente exercida. Pelo contrário, em princípio, cabe à Comissão demonstrar essa influência determinante com base num conjunto de elementos factuais, entre os quais, em particular, o eventual poder de direção de uma dessas empresas face à outra (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, Colet., p. I‑5129, n.° 311 e jurisprudência aí referida).

312    Além disso, há que recordar que, para efeitos da aplicação e execução das decisões tomadas nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, é necessário identificar uma entidade dotada de personalidade jurídica destinatária do ato (acórdão PVC II, referido no n.° 203, supra, n.° 978). Assim, segundo a jurisprudência, quando a existência de uma infração às normas da concorrência da União está demonstrada, há que determinar a pessoa singular ou coletiva que era responsável pela exploração da empresa no momento da prática da infração, de modo a que responda pela mesma (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colet., p. I‑9693, n.° 78, e SCA Holding/Comissão, C‑297/98 P, Colet., p. I‑10101, n.° 27; acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão, T‑6/89, Colet., p. II‑1623, n.° 236). Quando a Comissão toma uma decisão nos termos dessa disposição, deve identificar a ou as pessoas, singulares ou coletivas que podem ser responsabilizadas pelo comportamento da empresa em causa e que podem ser punidas por isso, às quais será dirigida a decisão (v. acórdão de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, referido no n.° 232, supra, n.os 250 e 251 e jurisprudência aí referida).

313    De resto, o Tribunal Geral já declarou, no seu acórdão de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão, referido no n.° 135, supra (n.° 99), que o simples facto de o capital social de duas sociedades comerciais distintas pertencer a uma só pessoa ou a uma só família não basta, enquanto tal, para provar a existência, entre essas duas sociedades, de uma unidade económica que tenha a consequência, por força do direito da concorrência da União, de a atuação da uma poder ser imputada à outra e que uma não pode ser obrigada a pagar uma coima pela outra.

314    Por conseguinte, não se pode aceitar que a Comissão considere, no âmbito da determinação da circunstância agravante da reincidência em relação à Saint‑Gobain e à Compagnie, que estas pudessem ser consideradas responsáveis por uma infração anterior, pela qual não foram punidas por qualquer decisão da Comissão, e no âmbito da demonstração da qual elas não foram destinatárias de uma comunicação de acusações, não lhes tendo sido dada a possibilidade de apresentarem os seus argumentos para contestarem, a seu respeito, a eventual existência de uma unidade económica com uma ou outra sociedade destinatária da decisão anterior.

315    Assim, tendo em conta o facto acima descrito no n.° 308, há que decidir que a decisão Vidro Plano (Itália) não podia ser tido em conta pela Comissão para dar por provado no caso presente a reincidência em relação à Saint‑Gobain e à Compagnie.

316    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da Comissão de que a sociedade‑mãe tinha a possibilidade, no âmbito do procedimento que levou à adoção da decisão impugnada, de impugnar a existência de uma unidade económica entre ela e as empresas punidas na decisão Vidro Plano (Itália).

317    A este respeito, há que recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, por um lado, o princípio do respeito dos direitos de defesa exclui que possa ser considerada lícita uma decisão pela qual a Comissão aplica uma coima em matéria de concorrência a uma empresa sem lhe ter previamente comunicado as acusações que lhe são feitas e, por outro, tendo em conta a sua importância, a comunicação de acusações deve precisar inequivocamente a pessoa jurídica a quem poderão ser aplicadas coimas e ser dirigida a essa pessoa (v. acórdão ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 318 e jurisprudência aí referida).

318    Por conseguinte, na determinação da circunstância agravante de reincidência, não se pode admitir que a Comissão considere que uma empresa deva ser responsável por uma infração anterior, pela qual não foi punida por uma decisão da Comissão, e no âmbito de cujo apuramento não foi destinatária de uma comunicação de acusações, não tendo sido dada a essa empresa a possibilidade, no procedimento que levou à declaração da infração anterior, de apresentar os seus argumentos para contestar, no que lhe diz respeito, a eventual existência de uma unidade económica com alguma sociedade destinatária da decisão anterior (acórdão ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 319).

319    Esta solução justifica‑se tanto mais quando, segundo a jurisprudência, a Comissão não pode estar vinculada por um eventual prazo de prescrição para declarar a reincidência e essa declaração pode assim ser efetuada vários anos após a declaração de uma infração, num momento em que essa empresa estaria, em todo o caso, impossibilitada de contestar a existência dessa unidade económica, em especial se for aplicada a presunção da influência determinante acima recordada (acórdão ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 320).

320    A este respeito, embora seja razoavelmente possível considerar que uma sociedade‑mãe tem conhecimento de uma decisão anterior dirigida pela Comissão à sua filial, da qual detém a quase totalidade do capital, esse conhecimento não poderia sanar a falta de declaração, na decisão anterior, de uma unidade económica entre essa sociedade‑mãe e a sua filial, para efeitos de imputar à referida sociedade‑mãe a responsabilidade pela infração anterior e de agravar por reincidência o montante das coimas que lhe foram aplicadas (acórdão ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 322). Com efeito, o decurso de um período que pode ser longo desde a adoção da decisão que declara a infração anterior pode, neste caso, dificultar muito ou mesmo impossibilitar que a sociedade‑mãe impugne não apenas a existência dessa unidade económica mas também, se for caso disso, os elementos constitutivos da própria infração.

321    Decorre do exposto que, sem que seja sequer necessário conhecer do fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada neste ponto, esta está ferida de erro de direito na medida em que a Comissão aí aplicou uma circunstância agravante de reincidência à Saint‑Gobain e à Compagnie com base na decisão Vidro Plano (Itália).

322    Ao contrário da decisão Vidro Plano (Itália), a decisão Vidro Plano (Benelux), adotada em 1984, não só foi dirigida, designadamente, a uma filial do grupo Saint‑Gobain, no caso, a SA Glaceries de Saint‑Roch, mas também à Compagnie.

323    Ora, resulta do raciocínio acima exposto nos n.os 206 a 247, que foi acertadamente que a Comissão considerou que a Compagnie e a Saint‑Gobain Glass France pertenciam à mesma empresa na época em que a infração foi cometida.

324    Daí resulta que a Comissão podia considerar que a empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie, referida na decisão impugnada, já tinha sido punida por uma infração ao artigo 81.° CE idêntica ou semelhante, no âmbito da decisão Vidro Plano (Benelux). Pouco importa, a este respeito, que a Compagnie não tivesse participado diretamente na infração punida na decisão Vidro Plano (Benelux). Com efeito, uma vez que a unidade económica é o único critério relevante para definir o conceito de empresa na aceção das regras de concorrência da União, basta que esta esteja envolvida em várias infrações para a reincidência poder ser declarada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de março de 2012, UPM‑Kymmene/Comissão, T‑53/06, não publicado na Coletânea, n.° 129).

325    A Saint‑Gobain e a Compagnie inferem, porém, do acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, acima referido no n.° 97, que o decurso de um prazo de dez anos entre anteriores declarações de infração e a repetição do comportamento ilícito pela empresa em causa se opõe à declaração de uma situação de reincidência. Entendem que, neste ponto, a decisão impugnada viola o princípio da segurança jurídica.

326    Há que recordar, a este respeito, que a declaração e a apreciação das características específicas da reincidência fazem parte do poder de apreciação da Comissão no que diz respeito à escolha dos elementos a tomar em consideração para efeitos da determinação do montante de uma coima e que a Comissão não pode estar vinculada por um eventual prazo de prescrição dessa declaração (acórdão de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 296, supra, n.° 38; acórdãos do Tribunal Geral BPB/Comissão, referido no n.° 150, supra, n.° 383, e de 30 de setembro de 2009, Hoechst/Comissão, T‑161/05, Colet., p. II‑3555, n.° 141).

327    Assim, a reincidência constitui um elemento importante que a Comissão é chamada a apreciar, dado que o facto de a tomar em conta destina‑se a incentivar as empresas que tenham manifestado uma propensão a violar as regras da concorrência a alterarem o seu comportamento. A Comissão pode, assim, em cada caso, tomar em consideração os indícios dessa propensão, incluindo, por exemplo, o tempo que decorreu entre as infrações (acórdãos de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 296, supra, n.° 39; BPB/Comissão, referido no n.° 150, supra, n.° 383, e Hoechst/Comissão, referido no n.° 326, supra, n.° 142).

328    O Tribunal de Justiça precisou ainda, no seu acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361, n.° 70), que o princípio da proporcionalidade exige que o tempo decorrido entre a infração em causa e um anterior incumprimento das normas da concorrência seja tomado em consideração para apreciar a propensão da empresa para infringir essas normas. No âmbito da fiscalização jurisdicional exercida sobre os atos da Comissão em matéria de direito da concorrência, o Tribunal Geral e, sendo caso disso, o Tribunal de Justiça podem, pois, ser chamados a verificar se a Comissão respeitou o referido princípio quando agravou por reincidência a coima aplicada e, em particular, se esse agravamento se impunha face ao tempo decorrido entre a infração em causa e o anterior incumprimento das regras da concorrência.

329    Importa realçar, a este respeito, que, embora seja certo que o Tribunal Geral, no seu acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, acima referido no n.° 97 (n.os 354 e 355), admitiu que a Comissão podia ter em conta uma decisão adotada cerca de dezoito anos antes do início do comportamento ilícito em causa nesse processo, era num contexto em que a reincidência também tinha podido ser declarada com base numa decisão menos antiga e em que um prazo relativamente curto, a saber, menos de dez anos, entre cada uma dessas infrações tinha separado ambas as infrações. Foi à luz destas circunstâncias que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão proferido em segunda instância, julgou improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da segurança jurídica pelo Tribunal Geral (acórdão de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 296, supra, n.° 40).

330    No caso, uma vez que foi erradamente que a decisão Vidro Plano (Itália) foi considerada para efeitos da declaração da reincidência da Saint‑Gobain e da Compagnie (v. n.os 308 a 321, supra), há que concluir que decorreu um período de cerca de treze anos e oito meses entre o momento em que foi adotada a decisão Vidro Plano (Benelux), 23 de julho de 1984, e o momento em que teve início a infração punida na decisão impugnada, março de 1998. Assim, a empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie não revelou uma propensão para a repetição de um comportamento ilícito à luz do direito da concorrência exatamente comparável à imputada ao Groupe Danone no processo referido no número anterior.

331    Importa, por conseguinte, examinar se tomar unicamente esta decisão em conta para declarar a propensão da Saint‑Gobain e da Compagnie para violarem as normas do direito da concorrência implica, no caso em apreço, uma violação do princípio da proporcionalidade.

332    Na decisão Vidro Plano (Benelux), a Comissão puniu nomeadamente a Compagnie e algumas das suas filiais do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain. Ora, não se pode deixar de observar que se trata do mesmo polo de atividades a que pertencem as filiais do grupo Saint‑Gobain destinatárias da decisão impugnada.

333    Além disso, o cartel objeto da decisão Vidro Plano (Benelux) apresentava características muito próximas do cartel punido na decisão impugnada, cartel esse que consistia na troca de informações sensíveis sobre os preços, na repartição da clientela, bem como na prossecução de uma estabilidade das quotas de mercado dos participantes.

334    Tendo em conta estas circunstâncias, o Tribunal considera que o prazo de cerca de treze anos e oito meses entre o momento em que foi adotada a decisão Vidro Plano (Benelux) e o momento do início da infração punida na decisão impugnada não obstava a que a Comissão pudesse declarar, sem violar o princípio da proporcionalidade, que a empresa constituída pelas recorrentes tinha uma propensão para violar as normas da concorrência. Foi, portanto, acertadamente que a Comissão se baseou na decisão Vidro Plano (Benelux) para dar por provada a circunstância agravante de reincidência em relação à Saint‑Gobain e à Compagnie.

335    Por último, não pode ser acolhida a alegação de falta de fundamentação, baseada no facto de a decisão impugnada não ter exposto as razões pelas quais a Comissão imputou à Saint‑Gobain a decisão Vidro Plano (Benelux), apesar de esta não lhe ter sido dirigida.

336    Com efeito, há que lembrar que a Compagnie era destinatária da decisão Vidro Plano (Benelux). Ora, a Comissão expôs na decisão impugnada as razões pelas quais entendeu que a Compagnie e a Saint‑Gobain formavam uma única empresa, uma vez que a Compagnie não logrou ilidir a presunção de influência determinante na política comercial da Saint‑Gobain Glass France, que detém a 100% (considerandos 599 a 622 da decisão impugnada). Além disso, resulta, nomeadamente, dos considerandos 686 e 688 da decisão impugnada que a Comissão imputou à empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie o seu comportamento reincidente, fazendo expressamente referência às decisões Vidro Plano (Itália) e Vidro Plano (Benelux).

337    Com base nestes elementos, há que considerar que a Saint‑Gobain, ao tomar conhecimento da decisão impugnada, tinha a possibilidade de compreender que, para provar a reincidência, a Comissão tinha tido em conta o facto de a Compagnie formar com ela uma única empresa e, portanto, de que seria tida em consideração a atuação passada dessa empresa e não da Saint‑Gobain unicamente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

338    Numa segunda parte, a Saint‑Gobain acusa a Comissão de violar o princípio da proporcionalidade das penas e as regras aplicáveis ao cálculo das coimas, previstas no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, ao aplicar‑lhe uma coima de 880 milhões de euros. A título preliminar, a Saint‑Gobain sustenta que a proporcionalidade da coima que lhe foi aplicada devia ser apreciada não por referência ao montante dessa coima conforme consta do dispositivo da decisão impugnada, mas por referência ao montante dos lucros antes da aplicação que era necessária para pagar a referida coima, ou seja, mais de 1300 milhões de euros.

339    Esta parte do fundamento abrange cinco alegações.

340    Em primeiro lugar, a Saint‑Gobain considera que, no caso em apreço, foi concedido à duração da infração uma ponderação exagerada, devido ao efeito multiplicador inscrito no ponto 24 das orientações de 2006. A duração teve, assim, um impacto no cálculo da coima duas vezes superior ao da gravidade.

341    Em segundo lugar, a Saint‑Gobain sustenta que as orientações de 2006, ao imporem que a proporção das vendas tida em conta no cálculo da coima em matéria de infrações horizontais esteja compreendida entre 16% e 30%, limitam indevidamente a margem de apreciação da Comissão para fixar uma coima em função da gravidade real da infração. No caso, deveria ter sido fixada uma percentagem inferior a 16% para refletir o impacto económico limitado da infração no mercado, tendo nomeadamente em conta o poder de negociação excecional dos construtores automóveis. Do mesmo modo, as orientações de 2006 limitam indevidamente a margem de manobra da Comissão ao impedirem‑na de fixar um montante adicional inferior a 15% do valor das vendas relevantes.

342    Em terceiro lugar, foi sem razão que a Comissão agravou o montante da coima aplicada à Saint‑Gobain por reincidência, quando o montante de base da coima já contém um fator de dissuasão. Com efeito, as orientações de 2006 dispõem, ao contrário das orientações de 1998, que deve ser aplicado um montante adicional no cálculo do referido montante de base. Foi com este fundamento que a Comissão aplicou um agravamento de 60% ao montante de base da coima aplicada à Saint‑Gobain. Daí resulta que o objetivo de dissuasão foi tido em conta a dois níveis diferentes no respeitante à Saint‑Gobain, tendo esse cúmulo levado a um aumento do montante da coima em mais de [confidencial] milhões de euros. Esse cúmulo vai além do necessário para assegurar o respeito das normas da concorrência do direito da União.

343    Em quarto lugar, a Saint‑Gobain sustenta que a Comissão deveria também ter em conta dois fatores complementares no cálculo da coima. Antes de mais, censura a Comissão por não ter tido em conta o efeito dissuasor da coima de 133,9 milhões de euros aplicada à Saint‑Gobain Glass France na sua Decisão C(2007) 5791, de 28 de novembro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.[CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.165 — Vidro plano) (a seguir «Decisão Vidro Plano»), resumida no JO 2008, C 127, p. 9). A decisão recorrida afasta‑se sem fundamento, quanto a este ponto, do raciocínio seguido pela Comissão na sua Decisão C (2002) 5083 final da Comissão, de 17 de dezembro de 2002, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑2/37.667 — Grafites especiais) (a seguir «Decisão Grafites Especiais»), na qual a Comissão concedeu uma redução de 33% do montante da coima aplicada a uma das empresas destinatárias da Decisão Grafites Especiais, para ter em conta uma coima que tinha sido aplicada a essa mesma empresa um ano e cinco meses antes. Seguidamente, a Saint‑Gobain sustenta que a Comissão devia ter tido em consideração a crise económica excecional que atingia o setor automóvel no momento em que a decisão foi tomada e que agravou significativamente o impacto real da coima. Relativamente a este último aspeto, a Saint‑Gobain salienta que essas dificuldades económicas não eram o resultado da sua incapacidade para se adaptar às condições do mercado, antes refletiam uma situação de crise que atingia todo o setor no momento em que a decisão impugnada foi adotada.

344    Finalmente, em quinto lugar, o caráter desproporcionado da coima aplicada à Saint‑Gobain resulta de esta ultrapassar largamente o nível de uma coima ótima, correspondente a um montante igual ou ligeiramente superior ao ganho ilícito que os membros de um cartel dele retiram.

345    A Comissão sustenta que a coima aplicada à Saint‑Gobain é proporcionada.

346    Antes de mais, a Comissão considera que o argumento relativo à não dedutibilidade fiscal da coima não pode ser acolhido. Entende que a não dedutibilidade de modo algum tem o efeito de aumentar o montante da coima. Pelo contrário, segundo a Comissão, uma eventual dedução do montante da coima aplicada aos rendimentos tributáveis da empresa em causa permitir‑lhe‑ia recuperar indevidamente uma grande parte da coima que lhe foi aplicada.

347    Seguidamente, a Comissão alega que é legítimo considerar, no cálculo da coima, que a gravidade de uma infração depende, nomeadamente, da sua duração. No caso, ao proceder a uma distinção entre três fases da infração, reduziu indiretamente a importância da duração total da infração na fixação do nível da coima.

348    Por outro lado, quanto à percentagem das vendas tida em conta, a Comissão contesta que as orientações de 2006 a deixem sem margem de apreciação suficiente para reduzir o montante das coimas no caso de infrações horizontais. Com efeito, essas infrações figuram entre as mais graves, o que justifica aplicar‑lhes uma alta percentagem de vendas para determinar tanto o montante variável como o montante adicional da coima. Em todo o caso, as orientações deixam à Comissão uma margem suficiente para distinguir consoante a gravidade das infrações. A Comissão opõe‑se ainda ao argumento relativo ao poder de negociação dos construtores automóveis, sendo jurisprudência assente, em seu entender, que uma circunstância desse tipo não tem necessariamente que dar origem a uma redução do montante da coima.

349    Quanto ao argumento de que o objetivo de dissuasão foi tido em conta duas vezes, a título de montante adicional, por um lado, e de aumento da coima por reincidência, por outro, não pode, segundo a Comissão, ser acolhido. Para além do facto de o juiz da União já ter rejeitado esse argumento noutros processos, o montante adicional e o aumento por reincidência não devem ser confundidos, constituindo o primeiro um aumento geral destinado a refletir a gravidade dos cartéis horizontais, ao passo que o segundo é um fator de majoração individual destinado a ter em conta o comportamento anterior de uma empresa.

350    A Comissão alega que a crítica por não ter tido em conta a coima aplicada à Saint‑Gobain Glass France na Decisão Vidro Plano também não pode proceder, uma vez que tomar esse facto em consideração faz parte da sua margem de apreciação.

351    A Comissão alega ainda que, de acordo com a jurisprudência, não é obrigada a reduzir as coimas que aplica por infrações ao direito da concorrência em consideração das eventuais dificuldades financeiras das empresas envolvidas, pois isso equivaleria a dar uma vantagem concorrencial às empresas menos adaptadas às condições do mercado.

352    Por último, quanto à alegação de ultrapassagem do montante de uma coima ótima, a Comissão sublinha que já foi decidido que uma limitação do montante das coimas em matéria de cartéis aos lucros previstos pelos seus participantes faria essas coimas perderem o seu caráter dissuasivo e que, além disso, a eventual inexistência de ganhos não obsta à aplicação de coimas.

 Apreciação do Tribunal Geral

353    Há que recordar que o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colet., p. I‑2265, n.° 96, e acórdão do Tribunal Geral de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, n.° 428).

354    No âmbito dos procedimentos abertos pela Comissão para punir as violações às normas da concorrência, a aplicação desse princípio implica que as coimas não sejam exageradas face aos objetivos prosseguidos, ou seja, face ao respeito dessas regras, e que o montante da coima aplicada a uma empresa por uma infração em matéria de concorrência deve ser proporcional à infração, apreciada no seu conjunto, tendo em conta, nomeadamente, a sua gravidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado na Coletânea, n.os 223 e 224 e jurisprudência aí referida). Em especial, o princípio da proporcionalidade implica que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infração e que deve aplicar estes elementos de forma coerente e objetivamente justificada (acórdãos do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colet., p. II‑3435, n.os 226 a 228, e de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, Colet., p. II‑1255, n.° 171).

355    É à luz destes princípios que há que examinar os argumentos da Saint‑Gobain no âmbito da segunda vertente do presente fundamento.

356    A título preliminar, há que analisar o argumento da Saint‑Gobain de que a proporcionalidade da coima que lhe foi aplicada não devia ser apreciada por referência ao montante dessa coima conforme consta do dispositivo da decisão impugnada, 880 milhões de euros, mas sim por referência ao montante dos ganhos antes da aplicação que seria necessário para pagar tal coima, concretamente, segundo o número avançado pela Saint‑Gobain, mais de 1,3 mil milhões de euros.

357    O Tribunal Geral considera que a impossibilidade de a Saint‑Gobain deduzir dos seus lucros tributáveis o montante da coima que lhe foi aplicada não é relevante para a apreciação da proporcionalidade da coima. Com efeito, a Comissão, para efeitos do cálculo de uma coima, tem razão ao partir do princípio de que esta será cobrada sobre o lucro após impostos, uma vez que, se a coima devesse ser cobrada sobre os ganhos tributáveis, isso teria a consequência de fazer suportar uma parte da coima pelo Estado a que pertence a empresa em matéria fiscal e que essa consequência seria contrária à lógica subjacente às normas da concorrência do direito da União (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 10 de março de 1992, Hoechst/Comissão, T‑10/89, Colet., p. II‑629, n.° 369).

358    Além disso, há que lembrar que a eficácia das decisões em que a Comissão aplica coimas a empresas poderia ser sensivelmente reduzida se as sociedades em causa fossem autorizadas a deduzir total ou parcialmente dos seus lucros tributáveis o montante das coimas a que são sujeitas, uma vez que essa possibilidade teria o efeito de compensar parcialmente o encargo das coimas com uma redução da carga fiscal (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 2009, X, C‑429/07, Colet., p. I‑4833, n.° 39).

359    Daí resulta que é por referência ao montante de 880 milhões de euros, tal como figura no artigo 2.°, alínea b), do dispositivo da decisão impugnada, que deve ser apreciada a conformidade da coima aplicada pela Comissão à Saint‑Gobain com o princípio da proporcionalidade.

360    A primeira alegação é relativa à importância dada à duração da infração no cálculo do montante da coima, em aplicação do efeito multiplicador inscrito no ponto 24 das orientações de 2006. Há que recordar a este respeito que, de acordo com jurisprudência assente, embora a Comissão, dentro dos limites previstos no Regulamento n.° 1/2003, disponha de uma margem de apreciação no exercício do seu poder de aplicação de coimas (acórdão Erste Group Bank e o./Comissão, referido no n.° 118, supra, n.° 123), esse poder é limitado. Com efeito, quando a Comissão adota orientações destinadas a precisar, no respeito do Tratado, os critérios que tenciona aplicar no exercício do seu poder de apreciação, daí resulta uma autolimitação desse poder, na medida em que tem que respeitar as normas indicativas que impôs a si própria (v., neste sentido, acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, referido no n.° 328, supra, n.° 95). Não se pode afastar delas num caso concreto sem apresentar razões que sejam compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v., por analogia, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.° 209).

361    No que diz respeito ao coeficiente multiplicador em função da duração, o ponto 24 das orientações de 2006 prevê que, «[a] fim de ter plenamente em conta a duração da participação de cada empresa na infração, o montante determinado em função do valor das vendas [...] será multiplicado pelo número de anos de participação na infração», sendo os períodos inferiores a um semestre «contados como meio ano» e os períodos superiores a seis meses, mas inferiores a um ano «contados como um ano completo». A multiplicação pelo número de anos de participação na infração, prevista nas orientações de 2006, equivale a aumentar o montante de base da coima em 100% por ano.

362    Este critério representa uma alteração metodológica fundamental no que diz respeito à tomada em consideração da duração do cartel. O artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 não se opõe, porém, a essa evolução, esta disposição concede um peso tão importante quanto à gravidade e à duração da infração na fixação da coima (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Team Relocations/Comissão, T‑204/08 e T‑212/08, Colet., p. II‑3569, n.° 109).

363    Em contrapartida, esta disposição não impõe que esses dois fatores tenham uma incidência igual, do ponto de vista aritmético, no montante da coima.

364    Ora, é com razão que a Comissão considera que, em princípio, o lucro ilegítimo que os participantes num cartel dele retiram é tanto maior quanto mais duradoura for a infração. Assim, no presente caso, só depois de ter examinado os efeitos das práticas concertadas inicialmente executadas no mercado é que surge a necessidade de ajustamentos e de medidas corretivas, a fim de alcançar o objetivo da estabilidade das quotas de mercado entre os participantes. Além disso, na hipótese de um cartel incidir na repartição de contratos de fornecimento cuja aplicação seja bastante longa, com vista a assegurar uma estabilidade global das quotas de mercado, podem decorrer vários anos antes de o cartel operar numa parte significativa do mercado.

365    Perante estes elementos, verifica‑se que era justificado aplicar no caso presente a regra de multiplicação contida no n.° 24 das orientações de 2006 e que a primeira alegação deve ser julgada improcedente.

366    Com a sua segunda alegação, a Saint‑Gobain sustenta que as orientações de 2006, ao imporem que a proporção das vendas tida em conta no cálculo da coima em matéria de infrações horizontais seja compreendida entre 16% e 30% no caso de infrações horizontais, limitam indevidamente a margem de apreciação da Comissão para fixar uma coima em função da gravidade real da infração.

367    A segunda alegação foi invocada pela primeira vez na réplica. Contudo, uma vez que é invocada em apoio do sexto fundamento enunciado na petição inicial, relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade, e que com ele apresenta uma ligação estreita, deve, segundo jurisprudência assente, ser julgada admissível (acórdãos do Tribunal Geral, Joynson/Comissão, referido no n.° 301, supra, n.° 156, e de 15 de outubro de 2008, Mote/Parlamento, T‑345/05, Colet., p. II‑2849, n.° 85).

368    Quanto ao mérito, há que observar, antes de mais, que, nos termos do ponto 21 das orientações de 2006, «[r]egra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%». Segundo o n.° 23 dessas mesmas orientações, «[o]s acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves» e «serão sancionados severamente»; «[p]or conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala».

369    Resulta, nomeadamente, da utilização da expressão «[r]egra geral» e «geralmente» que a Comissão, ao adotar essas disposições, não aplicou uma regra de conduta absoluta, antes previu expressamente a possibilidade de se afastar delas se as circunstâncias o justificarem, desde que exponha essas circunstâncias na sua decisão. Não é possível, portanto, acompanhar a Saint‑Gobain quando sustenta que a Comissão em nenhum caso pode fixar uma percentagem de vendas inferior a 16% em matéria de infrações horizontais.

370    Seguidamente, a Saint‑Gobain não contesta o facto apurado pela Comissão no considerando 670 da decisão impugnada de o cartel ter por objeto uma repartição da clientela entre concorrentes, através de uma coordenação dos preços. Ora, é jurisprudência assente que os cartéis horizontais em matéria de preços fazem parte das infrações mais graves ao direito da concorrência da União, pelo que podem, por si sós, ser classificados de muito graves (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colet., p. II‑2035, n.° 103, e de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, dito «FETTCSA», T‑213/00, Colet., p. II‑913, n.° 262). Assim, os mecanismos descritos pela Comissão na decisão impugnada, que consistiam na repartição concertada de contratos relativos ao fornecimento de vidro automóvel no EEE, através da coordenação das políticas de preços e as estratégias de abastecimento da clientela destinada a manter uma estabilidade global das quotas de mercado das empresas participantes, fazem parte das formas mais graves de infração às regras da concorrência, na medida em que visam a sua eliminação pura e simples entre as empresas que os põem em prática.

371    Daí resulta que foi acertadamente que a Comissão considerou que os acordos e as práticas concertadas em causa constituíam, pela sua própria natureza, uma infração muito grave (v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 97, supra, n.° 147). Esta conclusão impõe‑se tanto mais no caso presente quando não se impugna que, por um lado, as quotas de mercado relevantes acumuladas das empresas que participaram no cartel eram de cerca de 60% em média durante o período da infração e, por outro, os acordos e as práticas concertadas controvertidos em causa foram progressivamente abrangendo a quase totalidade dos construtores automóveis no EEE.

372    Por outro lado, quanto ao argumento relativo ao impacto económico alegadamente limitado da infração, tendo em conta o poder de negociação dos construtores automóveis, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, é supérfluo tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo quando o acordo tem por objeto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum. Por conseguinte, estando demonstrado o objetivo anticoncorrencial dos comportamentos imputados, não é necessária a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais (v. acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 100, supra, n.° 178 e jurisprudência aí referida). Além disso, e em todo o caso, importa salientar que a Comissão, no considerando 295 da decisão impugnada, reconheceu que os construtores automóveis tinham beneficiado de um poder de negociação que lhes tinha permitido elaborar estratégias de resposta a fim de reduzir ou contrariar o cartel. Ora, resulta de uma leitura conjugada desta passagem da decisão impugnada e do considerando 673 da mesma decisão que a Comissão teve efetivamente em conta essa circunstância para não fixar uma percentagem das vendas relevantes superior no cálculo do montante da coima aplicada às recorrentes.

373    Por último, há que ter em conta que a Comissão, no caso em apreço, subdividiu o período da infração em três fases, para efeitos do cálculo do valor das vendas relevantes, e fixou um valor médio para todo o período da infração (v. n.os 31, 156 e 158, supra). Este método constitui uma derrogação à regra contida no n.° 13 das orientações de 2006, segundo o qual são normalmente tomadas em conta as vendas realizadas pela empresa no último ano completo da sua participação na infração. A Comissão justificou essa derrogação explicando, nos considerandos 664 a 667 da decisão impugnada, que só dispunha de provas diretas de práticas colusórias relativamente a determinados construtores automóveis quanto aos períodos «de fortalecimento» e de «declínio» do cartel e que isso justificava que só fossem consideradas vendas relevantes nesses dois períodos as vendas de vidro automóvel aos referidos construtores. Ora, foi ao valor das vendas calculado desse modo que foram aplicadas as taxas fixadas pela Comissão em aplicação dos n.os 21 e 23 das orientações de 2006 e o montante adicional. Daí resulta que o método de cálculo adotado pela Comissão permitiu que o montante da coima aplicada à empresa constituída pela Saint‑Gobain e pela Compagnie refletisse melhor a gravidade da infração cometida por essa mesma empresa, apreciada no seu conjunto, em conformidade com a jurisprudência acima referida recordada no n.° 354.

374    Quanto ao argumento de impossibilidade de a Comissão fixar um montante adicional inferior a 15%, confunde‑se, no essencial, com a terceira alegação e será, por isso, examinado nesse quadro.

375    A segunda alegação não pode, portanto, proceder.

376    Com a sua terceira alegação, a Saint‑Gobain acusa a Comissão de ter aumentado o montante da coima que lhe foi aplicada por reincidência, quando o montante de base da coima já contém um fator de dissuasão, ou seja, o montante adicional. Segundo a Saint‑Gobain, esse cúmulo vai além do necessário para assegurar o respeito das regras da concorrência da União.

377    Contudo, esta argumentação não colhe.

378    Por um lado, há que recordar que o efeito dissuasivo da coima não visa apenas afastar da reincidência a empresa em causa, o que faz parte do domínio da prevenção especial. A Comissão também tem o poder de decidir o nível das coimas com vista a reforçar o seu efeito dissuasor a título geral, nomeadamente quando as infrações de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes e devam ser consideradas graves, o que é do domínio da prevenção geral (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral Tate & Lyle e o./Comissão, referido no n.° 370, supra, n.° 134, e de 13 de setembro de 2013, Total Raffinage Marketing/Comissão, T‑566/08, n.° 460). É uma preocupação dessa natureza que está refletida no ponto 25 das orientações de 2006, que prevê que seja incluída no montante de base da coima uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, a fim de dissuadir as empresas sequer de participarem em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção.

379    Ora, a capacidade da Comissão de prevenir de forma geral as infrações ao artigo 81.° CE seria ameaçada se esta não pudesse tomar em conta o objetivo de dissuasão na fixação do montante de base da coima, uma vez que é este montante, obtido na primeira fase da fixação da coima, que é suposto refletir a gravidade da infração em função dos seus elementos específicos, tais como a sua natureza, a quota de mercado acumulada de todas as partes em causa, a extensão geográfica da infração e a sua implementação ou não (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2011, Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, T‑348/08, Colet., p. II‑7583, n.° 264 e a jurisprudência aí referida).

380    Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a dissuasão constitui uma finalidade da coima e uma exigência geral que guia a Comissão ao longo de todo o cálculo do montante da mesma. Assim, o objetivo de dissuasão não exige necessariamente que esse cálculo seja caracterizado por uma etapa específica destinada à avaliação global de todas as circunstâncias relevantes para efeitos de realização dessa finalidade (acórdãos do Tribunal Geral, BASF/Comissão, referido no n.° 119, supra, n.° 226, e de 8 de outubro de 2008, Carbone Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colet., p. II‑2661, n.° 131).

381    Por conseguinte, se a exigência de dissuasão constitui a justificação da aplicação de um agravamento da coima por reincidência (v., neste sentido, acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 309, supra, n.° 293), a Comissão podia validamente tomar em consideração o objetivo de dissuasão igualmente na fase do cálculo do montante de base da coima, aplicando um montante adicional (v., por analogia, acórdão UPM‑Kymmene/Comissão, referido no n.° 324, supra, n.° 137). Refira‑se ainda a esse respeito que, embora a inclusão de um montante adicional no montante de base da coima e o agravamento do montante de base em função da reincidência prossigam, cada uma, um objetivo de dissuasão, são, em contrapartida, justificados por considerações distintas. Assim, em conformidade com o raciocínio acima exposto nos n.os 378 e 379, o montante adicional, a propósito do qual a própria redação do ponto 25 das orientações de 2006, tanto em francês como em inglês e em alemão («inclura», «will include» e «fügt hinzu»), sugere ter caráter automático quanto às infrações flagrantes (v., neste sentido, acórdão Team e o./Comissão, referido no n.° 362, supra, n.° 117), destina‑se a que o montante de base da coima reflita a particular gravidade dos acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de quotas de mercado e de limitação da produção, ao passo que o agravamento por reincidência tem por objetivo punir com maior dureza o comportamento ilícito de empresas que revelam uma propensão para se afastarem das regras da concorrência.

382    Com a sua quarta alegação, a Saint‑Gobain sustenta que a Comissão devia ter tomado em consideração dois fatores complementares na fixação do montante da coima, a saber, por um lado, a decisão Vidro Plano, na qual foi punida por uma infração ao direito da concorrência da União menos de um ano antes da adoção da decisão impugnada, e, por outro, a crise económica excecional que atingia o setor automóvel no momento em que a decisão impugnada foi adotada.

383    Antes de mais, quanto a tomar em consideração a decisão Vidro Plano no cálculo da coima, refira‑se que a Saint‑Gobain de nenhum modo demonstrou ou mesmo alegou que esta visava punir a mesma infração ao direito da concorrência que conduziu à adoção da decisão impugnada. Ora, já foi decidido que a existência de mercados de produtos diferentes, embora próximos, é um critério pertinente para efeitos da determinação do alcance e, portanto, da identidade das infrações ao artigo 81.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Coletânea, n.os 118 a 124, e Jungbunzlauer/Comissão, referido no n.° 354, supra, n.os 309 a 314).

384    Seguidamente, quanto à referência feita pela Saint‑Gobain à redução de 33% do montante da coima concedida pela Comissão a uma das empresas referidas, designadamente, pela Decisão Grafites Especiais, não é relevante para o caso presente. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é unicamente definido pelo Regulamento n.° 1/2003, tal como aplicado à luz das orientações, e que a Comissão não está vinculada pelas apreciações que fez anteriormente (v. n.° 245, supra). As decisões referentes a outros processos só podem ter caráter indicativo no que respeita à eventual existência de discriminações, pois é pouco provável que os dados circunstanciais desses processos, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colet., p. I‑4405, n.° 60 e jurisprudência aí referida). Assim, a redução do montante da coima aplicada à SGL Carbon AG, designadamente, na Decisão Grafites Especiais, era justificada por uma conjugação de fatores, a saber, não só o facto de essa empresa já ter sido punida pouco tempo antes por uma infração ao direito da concorrência da União mas também a situação financeira muito desfavorável que enfrentava, como também o facto de não se encontrar em situação de reincidência (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, referido no n.° 383, supra, n.os 405 e 406). Ora, a Saint‑Gobain não apresentou nenhum elemento concreto suscetível de demonstrar que se encontrava numa situação financeira comparável no momento da adoção da decisão recorrida. Acresce que, como resulta da análise acima feita nos n.os 300 a 334, a Saint‑Gobain encontrava‑se em situação de reincidência quando a Comissão adotou a decisão impugnada.

385    Ainda quanto à crise económica excecional no mercado automóvel no momento da adoção da decisão impugnada, que teria agravado de forma significativa o impacto real da coima na Saint‑Gobain, esse facto, admitindo‑o demonstrado, é irrelevante para o caso. Com efeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, na determinação do montante da coima, a Comissão não tem que levar em conta a situação financeira deficitária de uma empresa, pois isso equivaleria a oferecer uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colet., p. I‑5977, n.° 105; v. acórdão do Tribunal Geral de 29 de novembro de 2005, Union Pigments/Comissão, T‑62/02, Colet., p. II‑5057, n.° 175, e a jurisprudência aí referida).

386    A este respeito, é irrelevante que essas dificuldades financeiras, que se podem concretizar por uma degradação dos indicadores económicos e contabilísticos da empresa ou mesmo por uma situação financeira deficitária, tenham origem num contexto de crise que afete os mercados em que essa empresa tem atividade.

387    Em primeiro lugar, essa crise, em princípio, tem maior impacto nas empresas menos adaptadas às condições do mercado. Em segundo lugar, uma eventual obrigação de a Comissão tomar em consideração qualquer situação de crise económica para reduzir o montante das coimas aplicadas em matéria de infrações ao artigo 81.°, n.° 1, CE poderia afetar significativamente a eficácia da proibição contida nessa disposição, uma vez que é frequente os cartéis nascerem nos momentos em que um setor tem dificuldades (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão, T‑127/04, Colet., p. II‑1167, n.° 122). Por último, em terceiro lugar, as circunstâncias como uma diminuição contínua da procura ou a capacidade de produção excedentária que daí pode resultar, mesmo que estivessem demonstradas, são riscos inerentes a qualquer atividade económica e que, em si mesmos, não caracterizam uma situação estrutural ou conjuntural excecional a ter em conta na fixação do montante da coima (v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 97, supra, n.° 414).

388    Daqui resulta que improcede igualmente a quarta alegação.

389    Com a sua quinta alegação, por último, a Saint‑Gobain alega que a coima que lhe foi aplicada é desproporcionada por ir muito além de uma coima ótima.

390    Basta recordar, a este respeito, que, nos seus acórdãos de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão (T‑329/01, Colet., p. II‑3255, n.° 141, e T‑59/02, referido no n.° 271, supra, n.° 130), o Tribunal considerou que se a coima viesse a ser fixada num nível que se limitasse a anular o benefício do cartel não teria um efeito dissuasor. Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que, no seu cálculo financeiro e na sua gestão, as empresas têm racionalmente em conta não só o nível das coimas que lhes poderão ser aplicadas em caso de infração mas também o nível de risco de deteção do cartel. Além disso, se a função da coima fosse reduzida à mera supressão do lucro ou dos ganhos esperados, não se teria suficientemente em conta o caráter ilícito do comportamento em causa nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, reduzir a coima a uma simples compensação do prejuízo causado negligenciaria, para além do efeito dissuasor que só pode visar comportamentos futuros, o caráter repressivo dessa medida face à infração concreta efetivamente cometida. Assim, tanto o efeito dissuasor como o efeito repressivo da coima justificam que a Comissão possa aplicar uma coima que, em função das circunstâncias do caso concreto, pode ultrapassar substancialmente o montante dos ganhos esperados pela empresa.

391    Daí resulta que a quinta alegação deve ser julgada improcedente e, com ela, a segunda parte do fundamento.

c)     Quanto à terceira parte, relativa à insuficiente consideração da não contestação da materialidade dos factos pela Saint‑Gobain, violação do princípio da não discriminação e fundamentação insuficiente

 Argumentos das partes

392    A Saint‑Gobain alega que a Comissão violou o artigo 23.°, n.° 2, alínea a), e o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, ao não reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada unicamente com o fundamento de não ter invocado circunstâncias atenuantes na sua resposta à comunicação de acusações. A necessidade dessa redução no caso vertente resulta não só da jurisprudência mas também do ponto 29 das orientações de 2006, bem como do n.° 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002. Assim, segundo a Saint‑Gobain, a Comissão deveria ter tido em conta o facto de que, ao contrário de outras empresas envolvidas, não contestou, na referida resposta, a materialidade dos factos que lhe eram imputados na comunicação de acusações.

393    Segundo a Saint‑Gobain, essa atitude diminui o grau de gravidade do seu comportamento, uma vez que essa não contestação foi amplamente utilizada pela Comissão para demonstrar a infração na decisão recorrida. É irrelevante, a este respeito, que a Saint‑Gobain não tenha expressamente pedido que se tomasse esse fator em consideração como circunstância atenuante no inquérito, uma vez que a Comissão deveria ter tido em conta todos os factos dos quais tinha conhecimento no momento da adoção da decisão impugnada.

394    A decisão impugnada viola igualmente o princípio da não discriminação na medida em que a Comissão concedeu o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002 à requerente de clemência, sem examinar se o montante da coima aplicada à Saint‑Gobain podia igualmente ser reduzido à luz dessa comunicação. De resto, isso contrasta com a prática administrativa anterior da Comissão.

395    A Saint‑Gobain sustenta ainda que a decisão recorrida está ferida de insuficiência de fundamentação, pois deveriam ser aí referidas as razões que justificavam o não reconhecimento da sua não contestação dos factos como circunstância atenuante.

396    Por último, a Saint‑Gobain convida o Tribunal, a título subsidiário, a exercer a sua competência de plena jurisdição no caso em apreço, reduzindo o montante da coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada, a fim de ter em conta a sua cooperação no inquérito.

397    A Comissão indica, antes de mais, que a acusação que lhe é feita de não ter tido em conta a não contestação da materialidade dos factos pela Saint‑Gobain carece de base factual. Alega ter efetivamente analisado se a não contestação da materialidade dos factos por essa empresa justificava uma redução.

398    A Comissão alega, seguidamente, que a mais‑valia ligada à cooperação da Saint‑Gobain não pode ser sobrestimada, uma vez que a falta de contestação do quadro factual da decisão impugnada por esta última serviu principalmente para corroborar as declarações da requerente de clemência e os factos apurados no inquérito. Por outro lado, a Saint‑Gobain contestou alguns aspetos da qualificação jurídica dos factos constitutivos da infração, ou mesmo determinados factos.

399    Além disso, a Saint‑Gobain não invocou nenhuma circunstância excecional capaz de justificar que se tomasse em consideração a sua cooperação fora do regime de clemência. A este respeito, o Tribunal confirmou, no seu acórdão de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, acima referido no n.° 69, que uma simples não contestação da materialidade dos factos por uma empresa envolvida num cartel ilícito não dá origem a uma redução do montante da coima que lhe deve ser aplicada. Esta conclusão não pode ser posta em causa pela prática decisória anterior da Comissão, que se baseia na sua Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação relativa à clemência de 1996»).

400    A Comissão contesta ainda que a sua decisão esteja insuficientemente fundamentada quanto a esse ponto. Considera que resulta de modo suficientemente claro do raciocínio constante das decisão recorrida a respeito da não contestação da materialidade dos factos pela requerente da clemência que essa falta de contestação não podia em caso algum conduzir a uma redução do montante da coima aplicada à Saint‑Gobain.

401    Por último, a Comissão considera que nenhuma razão justifica, no caso presente, que o Tribunal reduza o montante da coima aplicada à Saint‑Gobain no âmbito da sua competência de plena jurisdição.

 Apreciação do Tribunal Geral

402    Esta vertente deve ser analisada procedendo‑se a uma distinção entre, por um lado, a possibilidade de uma redução do montante da coima ao abrigo dos pontos 20 a 23 da comunicação sobre a cooperação de 2002 e, por outro, uma redução do montante da coima a título de circunstância atenuante fora do programa de clemência, por aplicação do ponto 29 das orientações de 2006.

403    Antes de mais, quanto à comunicação sobre a cooperação de 2002, aplicável ratione temporis ao caso presente, refira‑se que nela a Comissão precisou as condições com base nas quais as empresas que cooperam com ela no inquérito sobre um cartel podem ser dispensadas da coima ou beneficiar de uma redução do montante da coima que lhes seria aplicada.

404    Assim precisa‑se, no ponto 20 da comunicação sobre a cooperação de 2002, que as empresas que não preencham as condições de isenção da coima, previstas na secção A da referida comunicação, podem, todavia, beneficiar de uma redução do montante da coima que de outra forma lhes seria aplicada. Resulta dos termos do ponto 21 da referida comunicação que, «[p]or forma a poder beneficiar desta redução, a empresa deve fornecer à Comissão elementos de prova da infração presumida, que apresentem um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na posse da Comissão e deverá pôr termo à sua participação na infração presumida o mais tardar na altura em que apresenta tais elementos de prova».

405    O Tribunal Geral declarou recentemente que, no quadro do programa de clemência previsto na comunicação sobre a cooperação de 2002, o procedimento de concessão de imunidade total em matéria de coimas a uma empresa inclui três fases distintas, consistindo a primeira delas num pedido que empresa interessada apresenta à Comissão (acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2011, Deltafina/Comissão, T‑12/06, Colet., p. II‑5639, n.os 111 e 112).

406    Sob o título «Aspetos processuais», os pontos 24 e 25 da comunicação sobre a cooperação de 2002 indicam o seguinte:

«24. As empresas que desejem beneficiar de uma redução do montante da coima devem fornecer à Comissão elementos de prova do cartel em questão.

25. A empresa receberá uma confirmação de receção emitida pela Direcção‑Geral da Concorrência, com indicação da data em que os elementos de prova relevantes foram apresentados. A Comissão não tomará em consideração quaisquer elementos de prova apresentados por uma empresa tendo em vista a redução do montante da coima, antes de ter tomado posição relativamente a qualquer pedido existente de imunidade condicional em matéria de coimas, relativamente à mesma infração presumida.»

407    Resulta da redação destas passagens da comunicação sobre a cooperação de 2002 que, para poder beneficiar de uma redução do montante da coima ao abrigo do programa de clemência instituído pela referida comunicação, uma empresa deve apresentar à Comissão um pedido nesse sentido e fornecer‑lhe elementos de prova relativos a um alegado cartel que afete a concorrência na União. Esta interpretação do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 é tanto mais justificada quanto se sabe que o programa de clemência apresenta uma exceção às consequências ligadas em princípio ao apuramento fixação da responsabilidade das empresas culpadas de infrações ao artigo 81.° CE. Embora possa revelar‑se oportuno conceder um tratamento favorável às empresas que cooperam com a Comissão nos inquéritos sobre os cartéis secretos que afetam a União, esse tratamento deve ser reservado às empresas que respeitem de forma escrupulosa as condições processuais e substantivas previstas na comunicação sobre a cooperação de 2002.

408    Ora, no caso, a Saint‑Gobain não requereu expressamente o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002 no decurso do inquérito e limita‑se a alegar que não contestou a materialidade dos factos que lhe eram imputados na sua resposta à comunicação de acusações. Neste contexto, não se pode acusar a Comissão de não ter tentado saber se a Saint‑Gobain podia beneficiar de uma redução do montante da coima ao abrigo dessa comunicação. Esta conclusão não é afetada pelo facto de a abordagem seguida no caso em apreço pela Comissão ser diferente de uma prática decisória anterior, uma vez que esta não pode, de qualquer modo, servir, só por si, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. n.° 245, supra). Daqui resulta igualmente que o fundamento relativo à falta ou insuficiência de fundamentação sobre este ponto não é procedente.

409    É irrelevante, a este propósito, que o Tribunal Geral tenha declarado no passado que, para beneficiar de uma redução do montante da coima pela não‑impugnação dos factos, uma empresa deve expressamente informar a Comissão de que não pretende contestar a materialidade dos factos, depois de ter tomado conhecimento da comunicação de acusações (acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colet., p. II‑2223, n.° 303), o que realmente aconteceu no caso presente, e que, no caso de tal pedido ter sido formulado, cabia à Comissão, sendo caso disso, expor as razões pelas quais mesmo assim considerava não ser de conceder uma redução do montante da coima a esse título (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colet., p. II‑1181, n.° 415, e de 30 de setembro de 2009, Hoechst/Comissão, referido no n.° 326, supra, n.os 98 e 99).

410    Com efeito, essas conclusões estavam estreitamente relacionadas com o facto de a comunicação relativa à clemência de 1996 prever, no n.° 2 do ponto D intitulado «Redução significativa da coima», que a não contestação da materialidade dos factos em que a Comissão baseava as suas acusações podia dar origem a uma redução do montante da coima que teria sido aplicada na falta de cooperação. Como acertadamente sublinha a Comissão nos seus articulados, essa regra deixou de surgir na comunicação sobre a cooperação de 2002, que menciona unicamente, para além da hipótese de uma imunidade, a possibilidade de uma redução do montante da coima no caso de uma empresa fornecer à Comissão «elementos de prova que apresentem um valor acrescentado significativo relativamente àqueles de que [...] já dispõe».

411    Quanto à alegação de violação do princípio da não discriminação, dado que a requerente de clemência, ao contrário da Saint‑Gobain, beneficiou de uma redução do montante da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação de 2002, não pode ser acolhida. É certo que a Comissão não pode, na apreciação da cooperação por parte dos membros de um cartel, violar o princípio da igualdade de tratamento (acórdão do Tribunal Geral de 6 de maio de 2009, Wieland‑Werke/Comissão, T‑116/04, Colet., p. II‑1087, n.° 124), que se opõe a que situações comparáveis não sejam tratadas de igual modo, salvo se esse tratamento for objetivamente justificado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 2009, Audiolux e o., C‑101/08, Colet., p. I‑9823, n.° 54 e jurisprudência aí referida). Tendo em conta, porém, o raciocínio acima exposto nos n.os 406 a 408, há que considerar que a Saint‑Gobain e a requerente da clemência não se encontravam numa situação comparável à luz da comunicação sobre a cooperação de 2002.

412    Em seguida, no que se refere às circunstâncias atenuantes referidas no n.° 29 das orientações de 2006, há que observar que a Saint‑Gobain critica, no essencial, a Comissão por não ter tido em conta a regra enunciada no quarto travessão do referido número, segundo o qual o montante de base da coima pode ser reduzido quando «a empresa em causa colabora efetivamente com a Comissão, fora do âmbito de aplicação da comunicação [sobre a cooperação de 2002] e para além das suas obrigações legais de cooperação».

413    No entanto, esta alegação não colhe.

414    A este respeito, refira‑se que o n.° 29, quarto travessão, das orientações de 2006, à semelhança do ponto 3, sexto travessão, das orientações de 1998, admite a possibilidade de se tomar em conta como circunstância atenuante a colaboração efetiva da empresa no processo fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação e para além das suas obrigações legais de cooperação.

415    Todavia, no caso dos cartéis secretos, a Comissão tem razão em só a título excecional aplicar o n.° 29, quarto travessão, das orientações de 2006. Com efeito, a aplicação dessa disposição não pode ter como consequência privar a comunicação sobre a cooperação do seu efeito útil. Ora, resulta claramente da referida comunicação que esta define o quadro que permite recompensar, pela sua cooperação na investigação da Comissão, as empresas que são ou foram partes nos cartéis secretos que afetam a União. Daí resulta que as empresas só podem, em princípio, obter uma redução do montante da coima ao abrigo da sua cooperação quando preencham as condições previstas na referida comunicação (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2011, Quinn Barlo e o./Comissão, T‑208/06, Colet., p. II‑7953, n.os 270 e 271).

416    É por isso que, por exemplo, a Comissão pode reservar a aplicação do ponto 29, quarto travessão, das orientações de 2006 à empresa que tenha sido a primeira a fornecer‑lhe informações que lhe tenham permitido alargar o seu inquérito e levar a cabo as medidas necessárias para demonstrar a existência de uma infração mais grave ou uma infração de duração mais longa (v., por analogia, acórdão Quinn Barlo e o./Comissão, referido no n.° 415, supra, n.° 272 e jurisprudência aí referida).

417    O presente processo entra efetivamente no âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002, a qual visa, no seu n.° 1, os casos de cartéis secretos entre empresas e que consistam em fixar preços e repartir mercados, incluindo através da manipulação de concursos. Daí resulta que a Comissão tem razão ao alegar que a aplicação do ponto 29, quarto travessão, das orientações de 2006, deveria, nesse caso, ser excecional.

418    Ora, o Tribunal Geral observa que nem no inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada nem no âmbito do presente recurso a Saint‑Gobain explicou em que medida o simples facto de não ter contestado a materialidade de determinados factos preenchia essa condição.

419    Em primeiro lugar, a Comissão tem razão ao entender que tomar em conta a não contestação dos factos como circunstância atenuante pode pôr em perigo a mudança da sua política de clemência levada a cabo através da adoção da comunicação sobre a cooperação de 2002, que se caracteriza nomeadamente pela circunstância de um facto dessa natureza deixar de justificar, em princípio, uma redução do montante da coima (v. n.° 410, supra).

420    Em segundo lugar, mesmo nos casos em que se aplicava a comunicação relativa à clemência de 1996, já foi decidido que, quando uma empresa, a título da cooperação, mais não faz do que confirmar, de modo menos preciso e expresso, algumas das informações já fornecidas por outra empresa a título da cooperação, o grau da cooperação prestada por esta empresa, ainda que possa não ser destituído de uma certa utilidade para a Comissão, não pode ser considerado comparável ao da primeira empresa quando forneceu as referidas informações. Com efeito, uma declaração que se limita a confirmar, em certa medida, uma declaração já ao dispor da Comissão não facilita significativamente a sua tarefa e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título de cooperação (v., por analogia, acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 97, supra, n.° 455).

421    A este respeito, o Tribunal observa que, como resulta do considerando 120 da decisão recorrida, as provas utilizadas pela Comissão para demonstrar a existência do cartel e o seu funcionamento são essencialmente constituídas por documentos apreendidos pela Comissão nas inspeções que levou a cabo nas instalações das diferentes empresas envolvidas, em fevereiro e março de 2005, bem como por declarações prestadas pela requerente de clemência, apoiadas em documentos contemporâneos dos factos. A não contestação da materialidade dos factos pela Saint‑Gobain, conforme se verifica no considerando 456 da decisão impugnada, foi utilizada pela Comissão para corroborar certos factos deduzidos de outros elementos em sua posse (v., a este respeito, designadamente, os considerandos 127, 146 a 148, 165, 187, 218‑255 a 277, 297 a 299, 312, 313, 316, 317, 328, 329, 337, 338 e 388 da decisão impugnada).

422    Daí resulta que a Saint‑Gobain não tem razão quando sustenta que, com a sua não contestação dos factos, forneceu à Comissão um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova que esta já tinha em seu poder.

423    Portanto, não colhe a alegação da Saint‑Gobain relativa ao facto de a Comissão não ter tido o seu grau de cooperação em conta como circunstância atenuante fora do quadro jurídico da comunicação sobre a cooperação de 2002.

424    Isto não é posto em causa por uma eventual prática decisória anterior. Com efeito, o facto de a Comissão ter considerado, noutros processos, que determinados elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior, pois essa prática não serve, só por si, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. n.° 245, supra, e acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, referido no n.° 97, supra, n.° 395).

425    É igualmente irrelevante que tivessem podido ser aplicadas coimas de nível globalmente inferior nos termos das anteriores orientações sobre a cooperação. Com efeito, a aplicação eficaz das normas da concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política, pelo que as empresas envolvidas num procedimento administrativo que possa dar origem a uma coima não podem ter qualquer confiança legítima em que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas anteriormente praticado ou num método de cálculo dessas coimas (v. n.os 276 e 277, supra).

426    Quanto à alegação de falta de fundamentação, pelo facto de a decisão impugnada não revelar as circunstâncias que permitem compreender por que razão não pôde a Saint‑Gobain beneficiar de uma redução do montante da coima ao abrigo do ponto 29 das orientações de 2006, também não pode prosperar.

427    A este respeito, há que recordar que, no que diz respeito à fixação de coimas por violação do direito da concorrência, a Comissão cumpre o seu dever de fundamentação quando indica na decisão os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração cometida, sem ter que fazer constar aí uma exposição mais detalhada ou os números relativos ao modo de cálculo da coima (v., neste sentido, acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, referido no n.° 148, supra, n.° 66). O caráter suficiente dessa fundamentação deve ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários possam ter em obter explicações (v. acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 1994, AWS Benelux/Comissão, T‑38/92, Colet., p. II‑211, n.° 26 e jurisprudência aí referida). Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato respeita as exigências do artigo 253.° CE deve ser não só apreciada à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.° 146, supra, n.° 63).

428    No caso, a Saint‑Gobain, na sequência da receção da comunicação de acusações, não pediu à Comissão que lhe aplicasse uma redução do montante da coima com base numa eventual cooperação ao abrigo do ponto 29, quarto travessão, das orientações de 2006. Além disso, a Saint‑Gobain não podia ignorar, por um lado, que a circunstância atenuante prevista no ponto 29, quarto travessão, das orientações de 2006, tendo em conta a sua redação, apenas se aplica fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 e, por outro, que, tendo em conta a natureza do cartel em causa, este entrava no âmbito de aplicação da referida comunicação. Por último, tendo em conta nomeadamente os considerandos 56 a 59 e 127 da decisão recorrida, há que considerar que a Saint‑Gobain podia compreender que a Comissão se baseara, nomeadamente, nas declarações da requerente de clemência como prova da infração em causa e que essas declarações tinham sido feitas antes do envio da resposta da Saint‑Gobain à comunicação de acusações.

429    Daí resulta que a Saint‑Gobain, pela leitura da decisão impugnada, estava em condições de compreender por que razões a Comissão não lhe concedeu uma redução do montante da sua coima a título da circunstância atenuante prevista no ponto 29, quarto travessão, das orientações de 2006 e que, portanto, a decisão impugnada não está ferida de insuficiência ou falta de fundamentação a este respeito.

430    A terceira parte do fundamento é, pois, improcedente.

431    À luz da análise do fundamento no seu conjunto, há que decidir que este é procedente apenas na parte relativa à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que a Comissão aí teve em conta a decisão Vidro Plano (Itália) para dar por provada a circunstância agravante de reincidência da Compagnie e da Saint‑Gobain.

B —  Processo T‑73/09

432    A título preliminar, refira‑se que, na análise do recurso no processo T‑56/09, já se procedeu ao exame de vários fundamentos ou argumentos suscitados pela Compagnie no processo T‑73/09. É o que sucede, em primeiro lugar, com o fundamento relativo a uma violação do direito a um tribunal independente e imparcial, em segundo lugar, com o fundamento relativo a uma violação do princípio da pessoalidade das penas em razão da imputação à Compagnie de uma infração cometida por uma das suas filiais, em terceiro lugar, com o fundamento relativo à violação dos princípios da irretroatividade das penas e da proteção da confiança legítima e, por último, em quarto lugar, com o fundamento relativo a uma aplicação incorreta do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 no que se refere à reincidência como circunstância agravante e a uma violação do princípio da proporcionalidade.

433    Os desenvolvimentos que seguem dizem respeito, portanto, unicamente ao fundamento relativo, em substância, a uma violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que a Comissão cometeu um erro na apreciação do volume de negócios que deve servir de referência para efeitos do cálculo do limite da coima e, por outro, a uma violação dos direitos de defesa e falta de fundamentação.

 Argumentos das partes

434    Com este fundamento, a Compagnie acusa a Comissão de não ter procurado, na decisão impugnada, elementos que demonstrassem que a totalidade do volume de negócios do grupo Saint‑Gobain podia ser tida em conta no cálculo do limite da coima fixado no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, esta disposição, conforme interpretada pelo juiz da União, não permite a aplicação de uma coima superior a 10% do volume de negócios da empresa em causa, definida como uma entidade económica única. Ora, segundo a Compagnie, resulta da decisão impugnada que esta apenas visa práticas respeitantes a certas atividades do grupo Saint‑Gobain abrangidas pelo seu polo «Vidro» e não as outras atividades do grupo, que constituem empresas distintas.

435    Daí resulta, segundo a Compagnie, que a Comissão devia calcular o limite da coima limitando‑se ao volume de negócios do polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain. Se tivesse sido assim, a coima não teria ultrapassado, em todo o caso, o montante de 560 milhões de euros. A Compagnie deduz daqui que a coima que lhe foi aplicada, solidariamente com a Saint‑Gobain, é excessiva e desproporcionada.

436    Uma vez que a Comissão não fornece nenhuma explicação a este respeito na decisão impugnada, essa decisão está, além disso, ferida de falta de fundamentação.

437    Na réplica, a Compagnie alega ainda que, uma vez que a comunicação de acusações não indicava que se justificava tomar em conta todo o volume de negócios do grupo Saint‑Gobain devido à existência de uma presunção de influência determinante sua sobre todas as suas filiais, não teve a possibilidade de fazer valer utilmente os seus direitos a esse respeito antes da adoção da decisão impugnada. Daí resulta que a Comissão agiu em violação dos seus direitos de defesa.

438    A Comissão opõe‑se a estas críticas. Alega, antes de mais, que, na decisão impugnada, só tomou em consideração o volume de negócios global do grupo Saint‑Gobain para determinar se havia que aplicar o limite de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Recorda, em seguida, que, de acordo com jurisprudência assente, esse limite deve ser calculado com base no volume de negócios acumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que cometeu a infração ao artigo 81.° CE, pois apenas esse volume de negócios dá uma indicação da importância e da influência dessa empresa no mercado. Em sua opinião, resulta de jurisprudência assente que, no cálculo desse limite, a Comissão pode tomar em consideração o volume de negócios consolidado da sociedade‑mãe à cabeça da empresa que participou na infração. Esse número inclui o volume de negócios das diversas filiais do grupo, sem que seja necessário atribuir formalmente a responsabilidade pela infração a todas as empresas que o compõem.

439    Ora, no caso, a Comissão demonstrou suficientemente que a Compagnie exerce uma influência determinante na política comercial das suas filiais e que, por conseguinte, essas diversas sociedades constituem, no seu conjunto, uma empresa. Assim, o cálculo do limite referido no número anterior devia ser efetuado por referência ao volume de negócios consolidado de todo o grupo Saint‑Gobain. É irrelevante, a este respeito, que a Compagnie realizasse um reduzido volume de negócios próprio, uma vez que o volume de negócios global do grupo Saint‑Gobain aparece nos seus relatórios anuais. Além disso, o limite de 10% não se aplica ao volume de negócios realizado com a atividade em causa a que respeita diretamente a infração nem aos ganhos realizados no decurso da infração nem ao volume de negócios realizado unicamente pela parte do grupo Saint‑Gobain à qual pertencem as filiais diretamente responsáveis pela infração no ano anterior à decisão.

440    A Comissão opõe‑se à alegação de falta de fundamentação quanto ao cálculo do limite da coima previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Alega que o referido limite se refere ao volume de negócios da empresa visada por uma decisão punitiva tomada ao abrigo do referido regulamento. Por conseguinte, a Compagnie, na sua qualidade de destinatária da decisão impugnada, estava em condições de verificar se a coima que lhe era aplicada ultrapassava esse limite.

441    Por último, quanto à alegação de violação dos direitos de defesa, feita na réplica, a Comissão considera que se trata de um fundamento novo e, portanto, inadmissível. De qualquer forma, alega que os direitos de defesa da Compagnie não foram violados no caso presente, uma vez que não tinha que lhe comunicar quaisquer indicações concretas a respeito do nível das coimas que previa aplicar‑lhe ou o volume de negócios que seria utilizado para verificar se não era excedido o limite máximo previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. A Comissão acrescenta que, de acordo com a jurisprudência, indicou, na comunicação de acusações, a qualidade em que imputava à Compagnie os alegados factos.

 Apreciação do Tribunal Geral

442    A título preliminar, há que observar que, pela referência que faz ao artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais no seu articulado complementar, em apoio do presente fundamento, a Compagnie não invoca nenhum fundamento ou alegação novos relativamente aos fundamentos e alegações que formulou na petição. Consequentemente, este argumento é admissível, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 301.

443    Quanto ao mérito, há que recordar seguidamente que, como resulta da análise acima feita nos n.os 206 a 247, foi com razão que a Comissão, no caso presente, imputou à Compagnie o comportamento ilícito da Saint‑Gobain.

444    O presente fundamento suscita a questão do sentido a dar ao conceito de volume de negócios da «empresa» participante na infração a que se refere o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, numa situação em que, por um lado, a Comissão imputa corretamente a uma sociedade‑mãe a responsabilidade pelo comportamento ilícito de uma ou várias das suas filiais com atividade num determinado setor económico e, por outro, a referida sociedade‑mãe detém outras filiais com atividade em setores diferentes e a respeito das quais não foi dada por provada a influência determinante da sociedade‑mãe na decisão controvertida. Como refere a Compagnie, do critério seguido quanto a este ponto depende, no caso em apreço, a declaração de uma eventual ultrapassagem do limite da coima que lhe foi aplicada conjunta e solidariamente com a Saint‑Gobain.

445    A este respeito e antes de mais, há que julgar improcedente a alegação da Compagnie de falta de fundamentação quanto ao montante do volume de negócios utilizado pela Comissão como referência para verificar se a coima que aplicou à empresa constituída pela Compagnie e pela Saint‑Gobain ultrapassava ou não o limite previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

446    Com efeito, na medida em que o limite máximo em causa visa o volume de negócios da empresa ou da associação de empresas que cometeu a infração, que é a destinatária da decisão, essa empresa ou associação de empresas tem, por hipótese, a possibilidade de verificar o respeito deste limite. Com efeito, não só é de esperar que essa empresa ou associação de empresas tenha conhecimento desse limite legal, mas também que conheça o montante do seu próprio volume de negócios. Por conseguinte está em condições de apreciar se o limiar de 10% foi ou não excedido pelo montante da coima que lhe foi aplicada, não obstante a falta de qualquer explicação sobre esse ponto na decisão que lhe aplicou a sanção. Daí resulta que não é necessária qualquer fundamentação específica quanto à aplicação do referido limite (acórdão do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2006, FNCBV/Comissão, T‑217/03 e T‑245/03, Colet., p. II‑4987, n.os 237 e 238).

447    De qualquer modo, refira‑se que, no décimo terceiro considerando da decisão recorrida, a Comissão indicou designadamente que o volume de negócios consolidado total do grupo Saint‑Gobain tinha sido, em 2007, de 43,4 mil milhões de euros e que o volume de negócios realizado pela Saint‑Gobain, durante o mesmo exercício, fora de 5,611 mil milhões de euros. Por outro lado, como resulta dos considerandos 593 a 623 da decisão impugnada, a Comissão, imputou a infração cometida pela Saint‑Gobain à Compagnie, uma vez que a Comissão concluiu nomeadamente, no considerando 622 da decisão impugnada, que as diversas filiais do grupo Saint‑Gobain envolvidas na infração formavam uma única empresa com a Compagnie. De resto, a Comissão lembrou, no considerando 710 da decisão impugnada, que, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a coima não podia exceder 10% do volume de negócios total realizado durante o exercício social anterior, por cada empresa ou associação de empresas participante na infração. Por último, resulta, pelo menos implicitamente, dos considerandos 710 a 712 da decisão impugnada, que a Comissão, no caso, considerou que a coima aplicada solidariamente à Saint‑Gobain e à Compagnie não ultrapassava esse limite.

448    Assim, há que considerar que a Compagnie tinha a possibilidade de compreender, através da leitura da decisão impugnada, que era por referência ao volume de negócios consolidado do grupo Saint‑Gobain e em razão da influência determinante exercida pela Compagnie na política comercial da Saint‑Gobain que a Comissão tinha verificado se a coima aplicada a esta empresa ultrapassava ou não o limite previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

449    Em seguida, quanto à alegação de ultrapassagem do limite máximo previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, importa desde logo recordar que o limite máximo do montante da coima previsto nessa disposição pretende evitar que sejam aplicadas coimas que as empresas, face à sua dimensão, determinada pelo volume de negócios global, ainda que de modo aproximativo e imperfeito, não tenham a possibilidade de pagar. Trata‑se, pois, de um limite, uniformemente aplicável a todas as empresas e articulado em função da dimensão de cada uma, que visa evitar coimas de um nível excessivo e desproporcionado (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 116, supra, n.os 280 e 281; v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, Knauf Gips/Comissão, T‑52/03, não publicado na Coletânea, n.° 452). Assim, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 apenas proíbe que a Comissão aplique uma coima que exceda o limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa, limite máximo esse determinado por referência ao exercício social anterior à data da decisão (acórdãos Sarrió/Comissão, referido no n.° 149, supra, n.° 85, e Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, referido no n.° 86, supra, n.° 593).

450    Esse limite de 10% deve ser calculado com base no volume de negócios acumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que agiu como empresa na aceção do artigo 81.° CE, uma vez que só o volume de negócios acumulado das sociedades que a compõem pode constituir uma indicação da dimensão e do poder económico da empresa em questão (acórdãos do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colet., p. II‑1487, n.os 528 e 529; de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.° 90; e de 16 de novembro de 2011, Sachsa Verpackung/Comissão, T‑79/06, não publicado na Coletânea, n.° 107). Assim, de acordo com a jurisprudência, a Comissão não cometeu qualquer erro ao tomar como referência para o cálculo do limite da coima o volume de negócios consolidado da sociedade mãe em causa, na falta de elisão da presunção da influência determinante por ela exercida na política comercial da ou das filiais envolvidas na infração (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, referido no n.° 210, supra, n.° 91; ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 288; de 5 de outubro de 2011, Transcatab/Comissão, T‑39/06, Colet., p. II‑6831, n.° 129; e de 12 de outubro de 2011, Alliance One International/Comissão, T‑41/05, Colet., p. II‑7101, n.° 166).

451    Além disso e como alega acertadamente a Comissão, o limite previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 tem um objetivo distinto e autónomo relativamente ao que resulta dos critérios da gravidade e da duração da infração (acórdão Knauf Gips/Comissão, referido no n.° 449, supra, n.° 452). Deste modo, a apreciação do referido limite deve ser feita por referência à dimensão e ao poder económico da empresa em causa, uma vez que esse limite visa evitar que seja aplicada uma coima que previsivelmente essa empresa não poderá pagar.

452    Ora, o volume de negócios consolidado do grupo Saint‑Gobain é mais suscetível de refletir a dimensão e o poder económico da empresa visada pela decisão impugnada de que só a parte desse volume de negócios realizada pelo polo «Vidro» desse grupo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., p. II‑491, n.° 5040, e acórdão HFB e o./Comissão, referido no n.° 450, supra, n.° 529). É irrelevante a este respeito que a Comissão não tenha demonstrado, na decisão impugnada, que a Compagnie exercia uma influência determinante na política comercial da totalidade das suas filiais.

453    Daí resulta que o simples facto de o grupo Saint‑Gobain ter atividade em diversos setores industriais, incluindo o vidro, os materiais inovadores, os produtos para a construção ou ainda o acondicionamento, não é suscetível de justificar que seja tido em conta um volume de negócios inferior ao volume de negócios consolidado do referido grupo para efeitos do cálculo do limite da coima, mesmo apesar de a infração a que se refere a decisão impugnada ser relativa apenas a um desses setores.

454    De resto, como se acima se refere no n.° 443, a Comissão demonstrou que a Compagnie formava, para efeitos da aplicação do artigo 81.° CE, uma unidade económica com o polo «Vidro» do grupo Saint‑Gobain. Em tal caso, de acordo com a jurisprudência, a Comissão pode ter em conta o volume de negócios da sociedade‑mãe, a fim de fixar a coima a um nível suficientemente dissuasor (v., neste sentido, acórdão ThyssenKrupp. Liften Ascenseurs/Comissão, referido no n.° 311, supra, n.° 445). Ora, esse objetivo seria prejudicado se, como sugere no essencial a Compagnie, só o volume de negócios das sociedades que participaram diretamente na infração pudesse servir de referência para efeitos do cálculo do limite da coima (acórdão do Tribunal Geral de 13 de setembro de 2010, Trioplast Wittenheim/Comissão, T‑26/06, não publicado na Coletânea, n.° 115).

455    Esta conclusão não é incompatível com o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral no acórdão Knauf Gips/Comissão, referido no n.° 449, supra. Nesse acórdão, o Tribunal Geral, para determinar se o volume de negócios mundial realizado pelo conjunto das sociedades do grupo Knauf podia servir de referência para o cálculo do limite da coima, examinou, por um lado, se o grupo Knauf constituía uma unidade económica na aceção do direito da concorrência e, por outro, se a Comissão havia feito prova bastante de que a Knauf Gips AG, a recorrente nesse processo, era a pessoa jurídica que, à frente do grupo Knauf, era responsável pela coordenação da ação deste (acórdão Knauf Gips/Comissão, referido no n.° 449, supra, n.° 339). Todavia, este critério era justificado nesse caso pelo facto de, na decisão cuja anulação se pretendia nesse processo, a Comissão não ter conseguido identificar uma pessoa coletiva que dirigisse o grupo de sociedades que constituíam a empresa responsável pela infração e que pudesse ser responsabilizada pelas infrações cometidas pelas diferentes sociedades que o compunham (acórdão Knauf Gips/Comissão, referido no n.° 449, supra, n.° 337). Em contrapartida, foi com razão que a Comissão, no presente processo, imputou a atuação da Saint‑Gobain à Compagnie, sociedade de topo do grupo Saint‑Gobain.

456    Por último, relativamente à alegação de violação dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão não deu à Compagnie, antes da adoção da decisão impugnada, a possibilidade de demonstrar que não exercia uma influência determinante na política comercial de todas as suas filiais, há que observar que, mesmo que fosse admissível apesar de invocada apenas na réplica, de qualquer forma não é procedente. Com efeito, como foi acima sublinhado no n.° 452, o cálculo do limite da coima aplicada à Compagnie e à Saint‑Gobain e por referência ao volume de negócios consolidado do grupo Saint‑Gobain não estava condicionado à existência de uma influência determinante da Compagnie na política comercial do conjunto das suas filiais.

457    Daí resulta que a Comissão não violou o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 ao basear‑se no volume de negócios consolidado do grupo Saint‑Gobain para determinar o limite máximo da coima que podia ser aplicada à Compagnie e à Saint‑Gobain. Ora, não se pode deixar de observar que a coima de 880 milhões de euros aplicada conjuntamente à Compagnie e à Saint‑Gobain é inferior a esse limite.

458    Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

C —  Conclusão sobre os dois recursos quanto aos pedidos de anulação

459    À luz de todas estas considerações, são procedentes os pedidos de anulação deduzidos pela Compagnie e pela Saint‑Gobain apenas na medida em que se dirigem à declaração de que a Comissão teve erradamente em conta a Decisão Vidro Plano (Itália) para dar por provada a circunstância agravante da reincidência contra elas.

III —  Quanto aos pedidos de que o Tribunal exerça a sua competência de plena jurisdição

460    A Saint‑Gobain e a Compagnie pedem ainda que o Tribunal exerça a sua competência de plena jurisdição no caso em apreço e que reduza o montante da coima que lhes foi aplicada.

461    A título preliminar, o Tribunal recorda que a competência de plena jurisdição que lhe é atribuída em matéria de concorrência pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, ao abrigo do artigo 229.° CE, lhe confere o poder de, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção que só permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato recorrido, alterá‑lo, mesmo sem anulação, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, nomeadamente alterando a coima aplicada quando a questão do seu montante for sujeita à sua apreciação (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 86 e jurisprudência aí referida; acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, referido no n.° 86, supra, n.° 692, e acórdão Romana Tabacchi/Comissão, referido no n.° 100, supra, n.° 265).

462    No caso, há que analisar sucessivamente, em primeiro lugar, o argumento da Saint‑Gobain de que se deve deduzir da base de cálculo da coima os volumes de vendas que alega ter realizado fora do EEE, em segundo lugar, o argumento da Saint‑Gobain de que os valores de vendas por ela realizados em 1999 não podem ser utilizados para o ano de 1998 para efeitos do cálculo da coima, em terceiro lugar, as consequências jurídicas a extrair, se for caso disso, da ilegalidade da decisão impugnada no que diz respeito ao facto de se ter tido em consideração a decisão Vidro Plano (Itália) para demonstrar a reincidência da Compagnie e da Saint‑Gobain e, por último, em quarto lugar, o fundamento novo suscitado na audiência pela Compagnie, relativo à inobservância do prazo razoável.

A —  Quanto aos volumes de vendas alegadamente realizados pela Saint‑Gobain fora do EEE

463    A Saint‑Gobain sustenta que as vendas que concretizou fora do EEE devem ser excluídas da base de cálculo da coima, mesmo independentemente de uma ilegalidade da decisão impugnada nesse ponto. A este respeito, baseia‑se no ponto 13 das orientações de 2006, nos termos do qual só os volumes de negócios realizados no interior do território do EEE são tidos em conta para o cálculo das coimas aplicadas em caso de infração ao artigo 81.° CE.

464    No considerando 33 da decisão recorrida, a Comissão indicou que o âmbito geográfico do mercado afetado pelo cartel controvertido correspondia ao EEE no seu conjunto.

465    Numa carta dirigida à Comissão em 28 de janeiro de 2008, em resposta a um pedido informações de 10 de dezembro de 2007, a Saint‑Gobain fez referência a montantes de volumes de negócios anuais, nos exercícios de 2001 a 2004, nomeadamente correspondente a vendas realizadas fora do EEE. Numa carta enviada à Comissão em 22 de agosto de 2008 em resposta a um novo pedido de informações desta última de 25 de julho de 2008, a Saint‑Gobain completou essas informações fazendo referência a uma parte dos montantes de volumes de negócios anuais, nos exercícios de 1999 e 2000, também correspondente a vendas realizadas, segundo essa empresa, fora do EEE.

466    Todavia, a Comissão considera que não há que deduzir dos montantes totais de volumes de negócios que lhe foram comunicados pela Saint‑Gobain as vendas alegadamente realizadas fora do EEE.

467    O Tribunal Geral, por medida de organização do processo, convidou a Saint‑Gobain a comunicar todos os documentos suscetíveis de sustentar a realidade dos volumes de negócios alegadamente realizados fora do EEE, incluindo a apresentação de contratos de venda, e a especificar a que construtores respeitam as vendas a que esses números correspondem. A Saint‑Gobain também foi convidada a responder aos argumentos apresentados pela Comissão na réplica para se opor a que os números em causa sejam deduzidos da base de cálculo da coima.

468    O Tribunal considera, antes de mais, a este propósito, que a Saint‑Gobain não tem razão quando alega que o facto de os argumentos acima referidos nos n.os 167 e 168 só terem sido apresentados pela Comissão na tréplica sugere que foi por erro que esta incluiu na base de cálculo da coima as vendas realizadas fora do EEE.

469    Com efeito, por um lado, há que lembrar que esses esclarecimentos foram prestados pela Comissão na tréplica em resposta a um fundamento novo apresentado na réplica pela Saint‑Gobain e especificamente sobre esse alegado erro. Por outro lado, nos seus pedidos de informações de 10 de dezembro de 2007 e de 25 de julho de 2008, a Comissão tinha pedido à Saint‑Gobain que lhe comunicasse o seu volume de negócios realizado no EEE em vários exercícios sucessivos. Em cada um desses pedidos, convidava a Saint‑Gobain a fornecer‑lhe, se possível, volumes de negócios certificados e a distinguir o volume de negócios realizado com cada construtor automóvel em causa. Ora, no inquérito, a Saint‑Gobain não apresentou qualquer elemento capaz de demonstrar que as percentagens de volumes de negócios que pretendia que fossem deduzidos dos valores anteriormente comunicados à Comissão correspondiam efetivamente a vendas realizadas fora do EEE.

470    Seguidamente, o Tribunal Geral observa que a Saint‑Gobain apresentou uma série de faturas ou de listas de faturação relativas a vendas realizadas fora do EEE entre 1999 e 2003. Resulta do quadro que consta do ponto 11 da carta enviada pela Saint‑Gobain ao Tribunal Geral em 12 de novembro de 2012 que os construtores de veículos em causa são [confidencial]. As peças de vidro a que se reportam essas faturas respeitam a locais de produção que, à data dos factos, estavam situados fora do EEE ([confidencial]).

471    A este respeito, em primeiro lugar, refira‑se que as faturas e as listas de faturação apresentadas pela Saint‑Gobain só permitem confirmar uma parte dos valores de vendas realizadas por esta empresa fora do EEE no período da infração. Assim, a Saint‑Gobain só apresentou faturas ou listas de faturação de 2002 e 2003 relativas a vendas de vidro a [confidencial] e a [confidencial]. Nalguns casos, nomeadamente relativos às vendas a [confidencial], nenhuma fatura foi apresentada.

472    A Saint‑Gobain tenta justificar as lacunas dos documentos do seu processo, invocando nomeadamente o decurso de um longo período desde os factos, daí decorrendo que vários documentos probatórios, contabilísticos ou outros, tenham desaparecido. Este último argumento não pode, no entanto, ser aceite. Com efeito, a Saint‑Gobain poderia ter tentado facultar documentos probatórios à Comissão durante o inquérito, o que renunciou expressamente a fazer tanto por causa do «montante relativamente fraco» das vendas em causa como das «sérias dificuldades que teria sido necessário superar para retirar do [banco de dados comerciais internacional da Saint‑Gobain] o volume de negócios relativo a essas vendas fora do [EEE]». Há que sublinhar a este respeito que, contrariamente ao que alega a Saint‑Gobain, as questões que a Comissão lhe enviou várias vezes no inquérito eram suficientemente precisas para lhe fazer compreender a necessidade de apresentar provas suscetíveis de confirmar a veracidade dos volumes de vendas fora do EEE a que se referia. A Saint‑Gobain também não tem razão quando sugere que a Comissão não chamou suficientemente a sua atenção para a importância de uma informação dos volumes de negócios por construtor. Com efeito, esta alegação é desmentida pelos textos dos questionários dirigidos à Saint‑Gobain pela Comissão em 10 de dezembro de 2007 e em 25 de julho de 2008.

473    Em segundo lugar, há que observar que, nos termos da decisão impugnada, todos os construtores acima referidos no n.° 470 foram objeto de conluio por parte dos membros do «clube». Embora a Saint‑Gobain admita, na sua resposta às questões do Tribunal, que essas vendas ocorreram parcialmente no quadro de uma relação comercial mais ampla regida por um contrato‑quadro celebrado com uma entidade do construtor situada no interior do EEE, alega, contudo, que as vendas em questão eram o resultado de contratos de fornecimento celebrados por filiais situadas fora do EEE e que o vidro foi entregue em unidades de produção situadas fora do EEE. Na audiência, a Saint‑Gobain sustentou igualmente que as centrais de compras dos grupos automóveis dentro do EEE não eram sistematicamente responsáveis pela negociação dos contratos de fornecimento.

474    No entanto, desde logo não se pode deixar de observar que a Saint‑Gobain, com a única ressalva do contrato‑quadro celebrado com a [confidencial], adiante analisado no n.° 475, não apresenta qualquer precisão quanto aos volumes de negócios mencionados no quadro que consta do ponto 10 da sua resposta escrita às questões do Tribunal Geral e que não foram realizados no quadro de uma relação comercial mais ampla regida por um contrato‑quadro celebrado com um construtor automóvel no EEE. O Tribunal Geral refere, aliás, a este respeito, que alguns dos próprios documentos apresentados pela Saint‑Gobain em resposta às questões do Tribunal ilustram o modelo comercial de centralização das aquisições ao nível dos construtores automóveis no EEE. Refira‑se, quanto a este ponto, o aviso para apresentação de propostas lançado pela [confidencial] designadamente para o fornecimento de para‑brisas com destino à unidade de produção desse construtor a [confidencial] bem como o contrato entre a Saint‑Gobain e a [confidencial], relativo ao fornecimento de vidro para a fábrica [confidencial].

475    Seguidamente, é certo que o contrato‑quadro celebrado entre a Saint‑Gobain e a [confidencial] tende a demonstrar que os volumes de negócios realizados pela Saint‑Gobain nesse contexto não o foram ao abrigo de um contrato‑quadro celebrado com um construtor estabelecido no EEE. O Tribunal refere, no entanto, que se trata do único documento apresentado pela Saint‑Gobain para confirmar os volumes de negócios mencionados no quadro que consta do ponto 10 da resposta às questões do Tribunal quanto a fornecimentos a esse fabricante em [confidencial] durante o período da infração. Na falta de mais provas, como faturas ou documentos contabilísticos, o Tribunal Geral não tem, portanto, a possibilidade de se assegurar da realidade dos números apresentados. Isto é tanto mais assim quanto o contrato celebrado entre a Saint‑Gobain e [confidencial] não fornece indicações numéricas nem quanto aos preços praticados nem quanto aos volumes de vidro resultantes desse contrato.

476    Por último, refira‑se que as vendas que a Saint‑Gobain alega ter realizado fora do EEE diziam respeito a unidades de produção de construtores automóveis em países fronteiriços do EEE, a maioria dos quais aderiram à União depois da cessação da infração. Ora, como a Comissão acertadamente alegou na audiência, não há nenhuma dúvida de que pelo menos uma parte dos veículos produzidos nessas unidades e equipados com as peças de vidro a que se refere a Saint‑Gobain no quadro acima referido foi comercializada no EEE. Por conseguinte, é razoável considerar que existe um nexo estreito entre tais vendas e o mercado interno.

477    Nestas circunstâncias, não colhem os argumentos da Saint‑Gobain para justificar uma redução do montante da coima pelo facto de uma parte dos seus volumes de negócios ter sido realizada fora do EEE.

B —  Quanto aos volumes de vendas a levar em conta no ano de 1998

478    Quanto aos volumes de negócios a ter em conta para o ano de 1998, há que lembrar que a Saint‑Gobain, no inquérito, não comunicou quaisquer volumes de negócios discriminados por construtor relativamente a esse ano. Por conseguinte, como já foi acima recordado no n.° 138, a Comissão teve em conta, para o ano de 1998, os volumes de vendas por construtor que lhe tinham sido transmitidos pela Saint‑Gobain para o ano mais próximo coberto pelo período da infração, ou seja, 1999.

479    A Saint‑Gobain sustenta, no entanto, que o mercado do vidro automóvel teve um crescimento entre 1998 e 1999 e que, portanto, na fixação da base de cálculo das coimas, ter‑lhe‑ia sido mais favorável tomar em consideração os volumes de vendas efetivamente realizados em 1998 do que tomar em conta os valores das vendas de 1999 igualmente para o ano de 1998.

480    A este respeito, há que observar que a argumentação da Saint‑Gobain é vaga e que, aliás, não tem qualquer suporte em provas. De resto, a Saint‑Gobain, tanto no inquérito como nos articulados, indicou que não estava em condições de fornecer volumes de negócios precisos, por construtor, relativamente a 1998.

481    No caso e nestas circunstâncias, para determinar os volumes de negócios de 1998, não há que seguir um critério diferente do que foi seguido pela Comissão no cálculo da coima nem há que tomar como base outros volumes de vendas diferentes dos realizados pela Saint‑Gobain em 1999.

C —  Quanto às consequências da ilegalidade da decisão impugnada no que diz respeito ao facto de se ter tomado em consideração a Decisão Vidro Plano (Itália) para demonstrar a reincidência

482    Há que decidir quanto às consequências da ilegalidade da decisão impugnada quanto ao facto de se ter tomado em consideração a Decisão Vidro Plano (Itália) com vista a demonstrar a circunstância agravante de reincidência da Saint‑Gobain e da Compagnie.

483    A título liminar, o Tribunal observa que o fundamento relativo a uma violação das regras relativas à reincidência foi suscitado tanto pela Saint‑Gobain como pela Compagnie e que esse fundamento foi julgado parcialmente procedente nos recursos por elas interpostos (v. n.os 308 a 321, supra).

484    Seguidamente, há que lembrar que, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 217, o Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, pode, se o considerar necessário, substituir a apreciação da Comissão pela sua quanto ao cálculo da coima, incluindo, portanto, quanto às consequências a extrair do facto de uma empresa ter tendência para violar as normas de concorrência da União.

485    O nível do agravamento do montante de base da coima por reincidência deve refletir a gravidade da repetição de um comportamento contrário ao direito da concorrência da União. Segundo a decisão impugnada, o agravamento de 60% do montante de base da coima justificava‑se tanto à luz da decisão Vidro Plano (Benelux) como da Decisão Vidro Plano (Itália). Tendo em conta o facto de só a primeira dessas decisões poder ser tida em consideração para efeitos de reincidência, e de, além disso, essa decisão ser temporalmente a mais distante do início da infração visada pela decisão impugnada, há que considerar que a reiteração do comportamento ilícito da Saint‑Gobain e da Compagnie apresenta uma menor gravidade do que Comissão considerou na decisão impugnada.

486    Tendo em conta estas circunstâncias, a percentagem de agravamento por reincidência deve ser reduzida para 30% e, por isso, a coima aplicada solidariamente à Saint‑Gobain e à Compagnie fixada no montante de 715 milhões de euros.

D —  Quanto ao fundamento novo suscitado pela Compagnie na audiência, relativo à inobservância de um prazo razoável

487    A Compagnie suscitou na audiência um fundamento novo, relativo à inobservância de um prazo razoável, tendo em conta a duração excessiva dos processos administrativo e jurisdicional. A Compagnie sublinha, a este respeito, que decorreram mais de sete anos entre o momento em que a Comissão adotou a primeira medida de instrução nesse processo e o momento da realização da audiência, data na qual a Compagnie aguardava ainda o acórdão do Tribunal Geral. O decurso desse período de tempo teve consequências significativas para a Compagnie devido à caução bancária que lhe foi exigida pela Comissão, a fim de evitar o pagamento imediato da coima que lhe foi aplicada. A Compagnie pede portanto ao Tribunal que altere a decisão impugnada a fim de tomar em consideração essa duração excessiva e os custos que lhe causou esse atraso.

488    A Comissão sustenta que este fundamento é inadmissível na medida em que se destina a que seja tida em conta a duração do procedimento administrativo que levou à adoção da decisão impugnada. Com efeito, segundo a Comissão, esse período já era do conhecimento da recorrente no momento da interposição do recurso, que podia, portanto, nessa fase, denunciar o seu caráter desrazoável. Seja como for, a Comissão alega que a duração do procedimento administrativo não pode ser considerada excessiva. Finalmente, resulta da jurisprudência que uma eventual duração excessiva do procedimento não pode afetar a legalidade da decisão impugnada, sem prejuízo, todavia, de uma ação de indemnização.

489    A este respeito, o Tribunal refere que, segundo o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um Tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

490    Enquanto princípio geral de direito da União, esse direito é aplicável em sede de recurso jurisdicional de uma decisão da Comissão. Foi, aliás, reafirmado no artigo 47.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, relativo ao princípio da tutela jurisdicional efetiva (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.os 178 e 179 e jurisprudência aí referida).

491    Além disso, de acordo com jurisprudência assente, a observância de um prazo razoável constitui igualmente um princípio geral do direito da União aplicável nos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência na Comissão (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet., p. I‑8725, n.° 35 e jurisprudência aí referida). Este princípio foi reafirmado, enquanto tal, no artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo o qual todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável pelas instituições, órgãos e organismos da União.

492    O artigo 41.°, n.° 1, e o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, contêm assim dois enunciados de um único e mesmo princípio de natureza processual, a saber, o princípio de que os sujeitos de direito podem esperar que seja tomada uma decisão num prazo razoável (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, n.° 285).

493    No caso em apreço, embora alegando que esse princípio foi violado, a Compagnie não alega que a duração do processo tenha tido qualquer influência no conteúdo da decisão recorrida ou que possa afetar a decisão da presente causa. Em especial, não alega que a referida duração teve qualquer efeito sobre as suas possibilidades de defesa, quer no procedimento administrativo quer no processo jurisdicional. Também não pede a anulação da decisão recorrida com base na violação alegada. Em contrapartida, a Compagnie pede que o Tribunal Geral altere a decisão da Comissão em consequência dessa violação.

494    A este respeito, há que decidir primeiro que, admitindo que a alegação de inobservância de um prazo razoável no procedimento administrativo fosse admissível apesar de não apresentada na petição, a duração do processo não pode, de qualquer forma, ser considerada excessiva nas circunstâncias do caso. Este procedimento, que começou em fevereiro de 2005 através de inspeções efetuadas pela Comissão em determinadas instalações de sociedades do grupo Saint‑Gobain, terminou com a adoção da decisão recorrida em 12 de novembro de 2008, ou seja, no termo de um prazo de cerca de três anos e dez meses. Ora, basta observar, a esse respeito, que o inquérito tinha por objeto um cartel particularmente complexo, que afetou gradualmente a quase totalidade dos construtores automóveis na União e deu origem a múltiplos contactos e reuniões. O tratamento do processo pela Comissão necessitou do exame de um grande número de questões de facto e de direito, o que demonstra o volume da decisão impugnada, que inclui 731 números e 221 páginas. Além disso, a descrição que a Comissão faz do processo que seguiu, nos considerandos 39 a 55 da decisão impugnada, não permite identificar períodos de inatividade injustificada.

495    Seguidamente, quanto à duração do processo judicial que teve como resultado a prolação do presente acórdão, importa sublinhar que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão (C‑58/12 P), que a violação, por um órgão jurisdicional da União, da sua obrigação resultante do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser sancionada mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz e de aplicação geral para invocar e sancionar uma violação dessa natureza (acórdão Groupe Gascogne/Comissão, já referido, n.os 82 e 83).

496    Daí resulta que o recurso ora interposto pela Compagnie, que visa unicamente a anulação da decisão impugnada na parte que lhe diz respeito, ou, a título subsidiário, a redução do montante da coima que lhe foi aplicada e não pode em caso algum ser equiparado a uma ação de indemnização, não constitui o quadro adequado para sancionar uma eventual violação pelo Tribunal Geral do seu dever de decidir o processo num prazo razoável.

497    Por acréscimo, há que lembrar que, nos termos do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, qualquer pessoa tem também direito a que a sua causa seja julgada por um tribunal independente e imparcial. Esta garantia, que faz parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, está também consagrada no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.

498    Segundo a jurisprudência, a garantia de imparcialidade abrange dois aspetos. Em primeiro lugar, o tribunal deve ser subjetivamente imparcial, isto é, nenhum dos seus membros deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, presumindo‑se a imparcialidade pessoal até prova em contrário. Em segundo lugar, o referido tribunal deve ser objetivamente imparcial, o que significa que deve oferecer garantias suficientes para excluir a esse respeito qualquer dúvida legítima (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 54; v., neste sentido, TEDH, acórdãos Piersack c. Bélgica de 1 de outubro de 1982, série A, n.° 53, § 30; De Cubber c. Bélgica de 26 de outubro de 1984, série‑A n.° 86, §§ 24 a 30; e Findlay c. Reino Unido de 25 de fevereiro de 1997, Recueil des arrêts et décisions, 1997‑I, § 73).

499    No caso, numa alegação de duração excessiva do presente processo jurisdicional, a Compagnie convida a Secção do Tribunal Geral responsável por este processo a apreciar se ela própria cometeu uma irregularidade processual, acumulando um atraso injustificável no seu tratamento. Essa apreciação levaria, portanto, a presente formação de julgamento a ter de determinar não só se lhe pode ser imputado um atraso, mas também, se for caso disso, se esse atraso deve ser considerado excessivo.

500    Neste contexto, há que considerar que, mesmo admitindo que o recurso de anulação tivesse constituído um quadro adequado para punir uma violação do dever de o juiz da União decidir num prazo razoável, esta formação de julgamento não poderia, em todo o caso, dar à Compagnie garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima quanto ao facto de que analisaria a alegação de duração excessiva do procedimento jurisdicional de forma imparcial (v., por analogia, acórdão de 19 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, referido no n.° 495, supra, n.° 90).

501    Daqui resulta que o presente fundamento, invocado pela Compagnie em apoio do seu pedido de alteração, deve ser julgado em parte improcedente e em parte inadmissível.

 Quanto às despesas

502    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes forem vencidas respetivamente em um ou vários pontos, ou em circunstâncias excecionais.

503    No caso vertente, os pedidos dos recorrentes foram declarados apenas parcialmente procedentes. No entanto, como a Saint‑Gobain alegou acertadamente na audiência, há que ter em conta o facto de a sua desistência de uma das alegações de erro de cálculo da coima ter ocorrido após a adoção pela Comissão de uma decisão retificativa numa fase avançada do processo, ou seja, após a audiência.

504    Além disso, o Conselho limitou a sua intervenção no processo T‑56/09 unicamente ao apoio dos pedidos da Comissão com vista à improcedência do primeiro fundamento suscitado pela Saint‑Gobain, relativo à invalidade do Regulamento n.° 1/2003. Ora, este fundamento, foi julgado improcedente.

505    O Tribunal considera, portanto, que será feita uma justa apreciação das circunstâncias do caso concreto decidindo que cada parte suportará as suas próprias despesas, com exceção do Conselho, cujas despesas serão a cargo da Saint‑Gobain.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      Os processos T‑56/09 e T‑73/09 são apensados para efeitos de acórdão.

2)      O montante da coima aplicada solidariamente à Saint‑Gobain Glass France SA, à Saint‑Gobain Sekurit Deutschland GmbH & Co. KG, à Saint‑Gobain Sekurit France SAS e à Compagnie de Saint‑Gobain SA, no artigo 2.°, alínea b), da Decisão C (2008) 6815 final da Comissão, de 12 de novembro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/39.125 — Vidro automóvel), conforme alterada pela Decisão C (2009) 863 final da Comissão, de 11 de fevereiro de 2009, e pela Decisão C (2013) 1118 final, de 28 de fevereiro de 2013, é fixado em 715 milhões de euros.

3)      É negado provimento aos recursos quanto ao restante.

4)      Cada parte suportará as suas próprias despesas, com exceção do Conselho da União Europeia, cujas despesas ficam a cargo da Saint‑Gobain Glass France, da Saint‑Gobain Sekurit Deutschland e da Saint‑Gobain Sekurit France.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de março de 2014.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

I — Quanto ao objeto da ação

II — Quanto aos pedidos principais, de anulação da decisão impugnada

A — Processo T‑56/09

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à ilegalidade do Regulamento n.° 1/2003

a)  Quanto à primeira parte, relativa à violação do direito a um tribunal independente e imparcial

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

b)  Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da presunção de inocência

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma fundamentação insuficiente e a um erro no cálculo da coima

a)  Quanto à primeira parte, relativa à insuficiência de fundamentação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

b)  Quanto à segunda parte, relativa a um erro de cálculo

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro na imputação da responsabilidade pelo comportamento ilícito da Saint‑Gobain à Compagnie, à violação dos princípios da pessoalidade das penas e da presunção de inocência, bem como a um desvio de poder

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto à admissibilidade do fundamento na medida em que é invocado pela Saint‑Gobain

Quanto ao mérito

5.  Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos princípios da irretroatividade das penas e da proteção da confiança legítima

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

6.  Quanto ao sexto fundamento, relativo ao caráter excessivo da coima

a)  Quanto à primeira parte, relativa a uma aplicação incorreta do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 no que se refere à reincidência como circunstância agravante, a uma violação do princípio da proporcionalidade e à falta de fundamentação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

— Quanto à admissibilidade dos argumentos baseados na Carta dos Direitos Fundamentais e expostos pela Compagnie no seu articulado complementar

— Quanto ao mérito

b)  Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

c)  Quanto à terceira parte, relativa à insuficiente consideração da não contestação da materialidade dos factos pela Saint‑Gobain, violação do princípio da não discriminação e fundamentação insuficiente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

B — Processo T‑73/09

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

C — Conclusão sobre os dois recursos quanto aos pedidos de anulação

III — Quanto aos pedidos de que o Tribunal exerça a sua competência de plena jurisdição

A — Quanto aos volumes de vendas alegadamente realizados pela Saint‑Gobain fora do EEE

B — Quanto aos volumes de vendas a levar em conta no ano de 1998

C — Quanto às consequências da ilegalidade da decisão impugnada no que diz respeito ao facto de se ter tomado em consideração a Decisão Vidro Plano (Itália) para demonstrar a reincidência

D — Quanto ao fundamento novo suscitado pela Compagnie na audiência, relativo à inobservância de um prazo razoável

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.