Language of document : ECLI:EU:T:2022:85

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

23 de fevereiro de 2022 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Concorrência — Mercados dos serviços internacionais de distribuição expresso de pequenas encomendas no EEE — Concentração — Decisão que declara a concentração incompatível com o mercado interno — Anulação da decisão por um acórdão do Tribunal Geral — Remissão global para outros documentos — Fundamentos ou alegações arguidos por um terceiro noutro processo — Provas juntas com a réplica — Falta de justificação do atraso — Inadmissibilidade — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares»

No processo T‑540/18,

ASL Aviation Holdings DAC, com sede em Swords (Irlanda),

ASL Airlines (Ireland) Ltd, com sede em Swords,

representadas por N. Travers, SC, H. Kelly, K. McKenna e R. Scanlan, solicitors,

demandantes,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, P. Berghe, M. Farley e R. Leupold Henning, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objeto, com base no artigo 268.o TFUE, um pedido de indemnização pelos danos sofridos pelas demandantes por causa da ilegalidade da Decisão C(2013) 431 da Comissão, de 30 de janeiro de 2013, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.6570 — UPS/TNT Express),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, R. da Silva Passos, I. Reine, L. Truchot e M. Sampol Pucurull (relator), juízes,

secretário: E. Artemiou, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A partir de 26 de abril de 2012, a TNT Express NV (a seguir «TNT») acionou, na perspetiva da sua fusão com a United Parcel Service, Inc. (a seguir «UPS»), negociações com a ASL Aviation Holdings DAC, anteriormente denominada ASL Aviation Group Ltd, e a ASL Airlines (Ireland) Ltd, anteriormente denominada Air Contractors Ireland Ltd, com vista a ceder a estas (a seguir, em conjunto, «ASL» ou «demandantes») as suas atividades de transporte aéreo. A razão de ser destas negociações era a proibição de entidades de países terceiros, como a UPS, explorarem serviços de transporte aéreo na União Europeia, em conformidade com o artigo 4.o, alínea f), do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

2        Em 26 de junho de 2012, a Comissão Europeia publicou um aviso de notificação prévia de uma concentração (processo COMP/M.6570 — UPS/TNT Express) (JO 2012, C 186, p. 9), nos termos do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), conforme executado pelo Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004 (JO 2004, L 133, p. 1).

3        Em 15 de novembro de 2012, as demandantes celebraram com a TNT dois acordos (a seguir, em conjunto, «acordos de 2012»):

–        o acordo de aquisição intitulado «UPS‑SPA» (a seguir «acordo UPS‑SPA»), segundo o qual, após a finalização da operação entre a UPS e a TNT, a ASL adquiriria 100 % da TNT Airways SA/NV e da Pan Air Lineas Aereas SA;

–        o acordo de serviços intitulado «UPS‑ATSA», segundo o qual, após a finalização tanto da operação entre a UPS e a TNT como do acordo UPS‑SPA, a ASL prestaria durante cinco anos serviços de transporte aéreo à UPS e a terceiros por meio dos ativos aéreos da TNT Airways adquiridos pela ASL em aplicação do acordo UPS‑SPA.

4        A data de entrada em vigor dos acordos de 2012 era fixada em 1 de fevereiro de 2013, sem prejuízo da declaração pela Comissão da compatibilidade da operação de concentração entre a UPS e a TNT com o mercado interno.

5        Em 16 de novembro de 2012, a UPS informou a Comissão da celebração dos acordos de 2012.

6        Em 11 de janeiro de 2013, a Comissão informou a UPS de que tencionava proibir a operação de concentração projetada entre ela e a TNT.

7        Em 14 de janeiro de 2013, a UPS publicou essa informação através de um comunicado de imprensa.

8        Em 30 de janeiro de 2013, a Comissão adotou a Decisão C(2013) 431, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.6570 — UPS/TNT Express) (a seguir «decisão controvertida»). A Comissão considerou que a operação de concentração entre a UPS e a TNT constituiria um entrave significativo a uma concorrência efetiva nos mercados dos serviços em causa em quinze Estados‑Membros, a saber, na Bulgária, na República Checa, na Dinamarca, na Estónia, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, em Malta, nos Países Baixos, na Polónia, na Roménia, na Eslovénia, na Eslováquia, na Finlândia e na Suécia.

9        Por comunicado de imprensa do mesmo dia, a UPS anunciou que renunciava à operação de concentração projetada.

10      Em 5 de abril de 2013, a UPS interpôs no Tribunal Geral um recurso de anulação da decisão controvertida, registado sob o número T‑194/13.

11      Em 12 de maio de 2015, a Comissão publicou uma versão não confidencial da decisão controvertida.

12      Em 4 de julho de 2015, a Comissão publicou um aviso de notificação prévia de uma concentração (processo M.7630 — FedEx/TNT Express) (JO 2015, C 220, p. 15), relativo à operação pela qual a FedEx adquiriria a TNT.

13      Em 8 de janeiro de 2016, a Comissão adotou a decisão que declarava uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo M.7630 — FedEx/TNT Express), tendo sido publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2016, C 450, p. 12), respeitante à operação entre a FedEx e a TNT.

14      Em 5 de fevereiro de 2016, a FedEx e as demandantes celebraram um acordo para a aquisição, por estas últimas, dos ativos aéreos da TNT, bem como um acordo de prestação de serviços de transporte aéreo para a FedEx.

15      Por Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144), o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida.

16      Em 16 de maio de 2017, a Comissão interpôs recurso do Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144), ao qual o Tribunal de Justiça negou provimento por Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service (C‑265/17 P, EU:C:2019:23).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2018, as demandantes propuseram a presente ação.

18      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, o presidente do Tribunal Geral, por Decisão de 17 de outubro de 2019, nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, reatribuiu o processo a um novo juiz‑relator, afetado à Sétima Secção.

19      Sob proposta da Sétima Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

20      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção) deu início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões às partes por escrito. As partes responderam a essas questões nos prazos fixados.

21      Na audiência, as demandantes declararam reduzir o quantum do seu pedido de indemnização devido a elementos ocorridos posteriormente à propositura da ação, o que ficou registado na ata da audiência.

22      As demandantes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar a Comissão responsável, nos termos do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, pelos danos sofridos, no montante de 93 881 731 euros, ou qualquer outro montante que o Tribunal Geral venha a fixar, em razão da ilegalidade da decisão controvertida;

–        condenar a Comissão no pagamento de juros de mora, a contar da data da prolação de acórdão na presente lide até pagamento integral, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as operações principais de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais, calculados sobre a quantia de 93 881 731 euros, ou sobre qualquer outra quantia que o Tribunal entenda adequada; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar a ação improcedente;

–        condenar as demandantes nas despesas.

 Questão de direito

24      As demandantes pedem reparação pelos lucros cessantes resultantes da impossibilidade de executar os acordos de 2012 celebrados com a TNT, devido à adoção da decisão controvertida, que declarou a operação entre a UPS e a TNT incompatível com o mercado interno.

25      Em apoio desse pedido, as demandantes invocam a violação suficientemente caracterizada dos seus direitos fundamentais e dos direitos da UPS pela Comissão (primeiro e segundo fundamentos), a existência de erros graves e manifestos na apreciação pela Comissão da concentração entre a UPS e a TNT (terceiro fundamento), antes de alegar que essas ilegalidades lhes causaram diretamente um dano (quarto fundamento) e proceder à avaliação deste (quinto fundamento).

26      A Comissão objeta que a ação prescreveu parcialmente e é ainda parcialmente inadmissível e, em todo o caso, improcedente.

 Observações preliminares

27      Nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções».

28      Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União assenta na reunião de três pressupostos cumulativos, a saber, que a norma jurídica violada tenha por objeto conferir direitos aos particulares e que a violação seja suficientemente caracterizada, que esteja demonstrada a realidade do dano e, por último, que exista um nexo de causalidade direto entre a violação da obrigação que incumbe ao autor do ato e o dano sofrido pelas pessoas lesadas (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 117; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.os 39 a 42). O caráter cumulativo desses pressupostos implica que, quando um deles não esteja preenchido, não existe responsabilidade extracontratual da União (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, EU:C:1999:402, n.os 63 e 64, e de 15 de junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, C‑237/98 P, EU:C:2000:321, n.o 54).

29      No caso presente, refira‑se que a argumentação das demandantes relativa à violação caracterizada dos seus direitos fundamentais e da UPS pela Comissão e à existência de erros graves e manifestos na apreciação pela Comissão da concentração entre a UPS e a TNT diz respeito ao primeiro pressuposto da responsabilidade extracontratual da União, ao passo que a argumentação relativa ao facto de essas ilegalidades lhes terem causado diretamente um dano e à avaliação desse dano visam, respetivamente, o terceiro e segundo pressupostos.

30      Antes de examinar o primeiro pressuposto, há que definir a relação entre a presente ação de indemnização e o recurso no processo T‑834/17.

31      As demandantes sustentam que os acordos de 2012 foram rescindidos devido à adoção da decisão controvertida, pela qual a Comissão se opôs à operação entre a UPS e a TNT. Tendo essa decisão sido anulada pelo Tribunal Geral em razão da violação dos direitos de defesa da UPS, as demandantes consideram que a adoção ilegal da decisão controvertida é a causa direta da impossibilidade de executar os acordos de 2012, essenciais à execução da concentração entre a UPS e a TNT. As demandantes alegam que, devido a essa decisão ilegal, foram privadas do lucro que esperavam auferir com esses acordos, ou, pelo menos, da possibilidade de com eles poderem auferir esse lucro. As demandantes pedem, assim, a reparação dos lucros cessantes que consideram ter sofrido.

32      As demandantes invocam, em substância, duas ilegalidades como factos geradores da responsabilidade extracontratual da União. A primeira é relativa à violação dos direitos fundamentais, em especial os direitos de defesa da UPS resultantes da não comunicação pela Comissão do modelo econométrico utilizado na decisão controvertida para analisar os efeitos da concentração sobre os preços. Essa ilegalidade foi declarada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144). A segunda ilegalidade alegada reside nos erros de apreciação da concentração entre a UPS e a TNT alegadas pela UPS na sua ação de indemnização no processo T‑834/17. Esses erros são relativos à análise dos efeitos da concentração nos preços, dos ganhos de eficiência e da situação da FedEx.

33      As demandantes sustentam, assim, que a violação dos direitos de defesa da UPS declarada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144), e os erros de apreciação alegados pela UPS em apoio da sua ação de indemnização no processo T‑834/17 demonstram que a Comissão cometeu violações suficientemente caracterizadas. A este respeito, invocam os estreitos laços entre a presente ação de indemnização e a da UPS no processo T‑834/17 e explicam ter tido um acesso muito limitado às apreciações da Comissão, por não terem intervindo em apoio do recurso de anulação da UPS no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144). Na audiência, as demandantes declararam aceitar o facto de a sua ação estar estreitamente ligada à ação intentada no processo T‑834/17.

34      É à luz destas observações preliminares que devem ser examinadas as alegadas violações suficientemente caracterizadas que viciam a decisão controvertida, conforme desenvolvidas nos três primeiros fundamentos da ação.

 Quanto ao primeiro pressuposto da responsabilidade extracontratual da União

35      Uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares fica demonstrada quando implique uma violação grave e manifesta, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação, sendo os elementos a tomar em consideração a esse respeito, nomeadamente, a complexidade das situações a resolver, o grau de clareza e de precisão da norma violada e a extensão da margem de apreciação que a norma violada deixa à instituição da União [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 50, e de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 30].

36      A exigência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito da União decorre da necessidade de uma ponderação entre, por um lado, a proteção dos particulares contra os comportamentos ilegais das instituições e, por outro, a margem de manobra que deve ser reconhecida a estas últimas para não paralisar a sua ação (Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 34).

37      Esta ponderação revela‑se tanto mais importante quanto a Comissão é chamada a definir e a pôr em prática a política da União em matéria de concorrência e dispõe para esse efeito de um poder discricionário (Acórdão de 23 de abril de 2009, AEPI/Comissão, C‑425/07 P, EU:C:2009:253, n.o 31).

38      É verdade que facilitar que seja acionada a responsabilidade da União alargando o conceito de violação suficientemente caracterizada do direito da União a qualquer incumprimento de uma obrigação legal que, por mais lamentável que seja, pode ser explicado, nomeadamente através de condicionalismos objetivos da Comissão, poderia comprometer, ou mesmo inibir, a ação dessa instituição em matéria de controlo de concentrações. Contudo, deve estar aberto um direito à reparação para as pessoas que sofreram danos resultantes do comportamento da Comissão quando este se traduz num ato que, sem justificação nem explicação objetivas, é manifestamente contrário à norma jurídica e gravemente prejudicial aos interesses dessas pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão, T‑351/03, EU:T:2007:212, n.os 123 e 124, e de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão, T‑212/03, EU:T:2008:315, n.os 42 e 43).

39      Esta definição do limiar da responsabilidade extracontratual da União protege a margem de manobra e a liberdade de apreciação de que, no interesse geral, a Comissão deve beneficiar, tanto na determinação da oportunidade das suas decisões como na sua interpretação e aplicação das disposições pertinentes do direito da União em matéria de concorrência, sem, no entanto, fazer suportar por terceiros as consequências de incumprimentos flagrantes e indesculpáveis (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão, T‑351/03, EU:T:2007:212, n.o 125).

40      Assim, só a constatação de uma irregularidade que, em circunstâncias análogas, uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido permite gerar responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 43).

 Quanto à alegada violação suficientemente caracterizada dos direitos fundamentais da UPS e das demandantes

41      As demandantes alegam que a violação dos direitos de defesa da UPS declarada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144), constitui uma violação suficientemente caracterizada suscetível de gerar responsabilidade extracontratual da União, o que a Comissão contesta.

42      É verdade que foi declarado que a Comissão tinha violado os direitos de defesa da UPS ao não lhe comunicar a versão final do seu modelo econométrico, o que levou à anulação integral da decisão controvertida (Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão, T‑194/13, EU:T:2017:144, n.os 221 e 222).

43      Há que lembrar, porém, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Geral, é necessário que a proteção conferida pela norma invocada em apoio de uma ação de indemnização seja efetiva no que respeita à pessoa que a invoca e, portanto, que essa pessoa esteja entre aquelas a quem essa norma confere direitos. Não pode ser admitida como fundamento para a indemnização uma norma que não protege o particular contra a ilegalidade que invoca, mas sim outro particular (Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Nikolaou/Comissão, T‑259/03, não publicado, EU:T:2007:254, n.o 44; de 14 de dezembro de 2018, East West Consulting/Comissão, T‑298/16, EU:T:2018:967, n.o 142; e de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.o 77).

44      Ora, no caso, as demandantes invocam a violação dos direitos processuais da UPS como fundamento do seu pedido de indemnização, o que, tendo em conta os elementos acima recordados no n.o 43, não pode ser aceite.

45      No entanto, as demandantes afirmam que, ao agir ilegalmente em relação à UPS, a Comissão violou também diretamente os seus direitos fundamentais, nomeadamente os que resultam dos artigos 16.o, 17.o e 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

46      Todavia, é pacífico que as demandantes não participaram no procedimento de controlo da concentração entre a UPS e a TNT, mesmo apesar de o artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004 e o artigo 11.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 802/2004 lhes permitirem ser ouvidas nesse procedimento. Em resposta às questões do Tribunal Geral sobre este ponto na audiência, as demandantes confirmaram que não tinham participado no procedimento apesar de terem a possibilidade de o fazer utilizando essa via. Nestas condições, as demandantes não podem invocar a violação, pela Comissão, dos seus direitos processuais, incluindo os referidos no artigo 41.o da Carta, por ocasião de um procedimento no qual optaram por não participar.

47      Em todo o caso, refira‑se igualmente que o dever de diligência que incumbe à Comissão por força do artigo 41.o da Carta implica que a administração deve agir com cuidado e prudência, sem que, no entanto, lhe incumba afastar qualquer prejuízo que resulte para os operadores económicos da realização de riscos comerciais normais [Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 93]. Ora, o risco de a operação projetada não obter aprovação prévia da Comissão é inerente a qualquer procedimento de controlo de concentrações (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.o 203). Nestas condições, as demandantes não podem, portanto, invocar uma falta de diligência da Comissão a seu respeito.

48      No que respeita à alegada violação da liberdade de empresa e ao direito de propriedade, consagrados nos artigos 16.o e 17.o da Carta, basta observar que as demandantes se limitaram à simples enunciação desse fundamento de ilegalidade, sem a apoiarem em nenhum argumento jurídico. Na falta de qualquer argumentação destinada a pôr em causa a validade do regime de controlo das concentrações resultante do Regulamento n.o 139/2004, há que lembrar que, como acima se indica no n.o 47, o risco de uma decisão de incompatibilidade com o mercado interno é inerente a qualquer procedimento de controlo.

49      Tendo em conta estes elementos, a argumentação relativa à violação suficientemente caracterizada dos direitos fundamentais das demandantes e da UPS pela Comissão não tem fundamento e deve, por conseguinte, ser rejeitada.

 Quanto à alegada existência de erros graves e manifestos na apreciação da operação entre a UPS e a TNT

50      Em apoio desta argumentação, as demandantes afirmam, remetendo para os argumentos e pedidos da UPS no processo T‑834/17, que a decisão controvertida estava ferida de erros graves e manifestos de apreciação, sem os quais os acordos de 2012 poderiam ter sido executados. Alegam, a título subsidiário, que, ao proibir a concentração notificada e assim as impedir de aplicarem os referidos acordos, a Comissão violou os artigos 16.o e 17.o da Carta.

51      Num primeiro momento, há que verificar se a presente argumentação é admissível, tendo em conta a remissão para os articulados da UPS pelas demandantes, por um lado, e o facto de esta só parecer assentar num relatório de peritagem, apresentado como anexo à réplica, por outro.

–       Quanto à remissão para os fundamentos e argumentos suscitados pela UPS no processo T834/17

52      Devido aos estreitos nexos entre a presente ação de indemnização e a da UPS no processo T‑834/17, as demandantes convidam o Tribunal Geral a tomar como referência os fundamentos de direito e elementos de facto invocados pela UPS nesse processo. Alegam, a este respeito, que tiveram um acesso muito limitado às apreciações da Comissão, uma vez que não intervieram em apoio do recurso de anulação da UPS.

53      A Comissão objeta que as demandantes não desenvolveram a sua argumentação a este respeito com toda a clareza exigida. Limitaram‑se a afirmar que, sem ilegalidades brevemente alegadas, a operação entre a UPS e a TNT teria sido aprovada, permitindo‑lhes assim tirar proveito dos acordos de 2012. Segundo a Comissão, não tendo desenvolvido a sua própria análise jurídica e junto provas aos autos em apoio da sua argumentação, as demandantes não podem remeter o Tribunal Geral para as observações da demandante no processo T‑834/17.

54      A esse respeito, recorde‑se que, nos termos do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados.

55      A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, essa exposição sumária dos fundamentos do demandante deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao tribunal competente pronunciar‑se sobre a ação (Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 41).

56      A petição deve, portanto, explicar o fundamento em que se baseia a ação, pelo que a sua simples declaração abstrata não cumpre os requisitos do Regulamento de Processo (v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, Gold East Paper e Gold Huasheng Paper/Conselho, T‑444/11, EU:T:2014:773, n.o 93 e jurisprudência aí referida).

57      No caso, a argumentação em causa consiste essencialmente em remeter para a leitura da petição apresentada pela UPS no processo T‑834/17.

58      Ora, aceitar a admissibilidade de fundamentos não contidos de forma expressa na petição pelo facto de terem sido suscitados por um terceiro noutro processo, para o qual se remeteu na petição, seria permitir que se contornassem os requisitos imperativos do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, acima lembrados (Acórdão de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, EU:T:2005:455, n.o 64).

59      Com efeito, há que sublinhar que a identidade das partes, em particular do demandante, nos dois processos é uma condição essencial da admissibilidade de fundamentos alegadamente suscitados através de uma remissão para os articulados noutro processo (Acórdão de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, EU:T:2005:455, n.o 67).

60      As demandantes alegam, porém, que as circunstâncias do presente processo diferem das que estiveram na origem do Acórdão de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão (T‑209/01, EU:T:2005:455), na medida em que a remissão da Honeywell dizia claramente respeito a fundamentos de direito, ao passo que, na presente ação, as demandantes não se baseiam nos fundamentos de direito suscitados pela UPS, mas sim nos factos pertinentes do processo.

61      Contudo, basta observar que, contrariamente ao que alegam as demandantes, a sua petição contém uma remissão geral para a ação intentada pela UPS no processo T‑834/17 para demonstrar que a Comissão cometeu vários erros graves e manifestos na sua apreciação de mérito da concentração entre a UPS e a TNT, que viciavam a validade da decisão controvertida, no respeitante à análise da concentração de preços, à apreciação dos ganhos de eficiência, à apreciação da competitividade da FedEx e à análise da proximidade da concorrência. Essa remissão coincide com o enunciado dos fundamentos e dos principais argumentos que figura na Comunicação da ação proposta em 29 de dezembro de 2017 no processo T‑834/17, conforme publicada no Jornal Oficial (JO 2018, C 72, p. 41).

62      Resulta do exposto que a remissão global efetuada pelas demandantes para a petição apresentada pela UPS no processo T‑834/17 é inadmissível.

63      Por outro lado, na medida em que as demandantes alegam só terem obtido acesso muito limitado às apreciações da Comissão para redigir a petição, basta recordar que, como acima indicado no n.o 46, as demandantes não participaram no procedimento de controlo da concentração entre a UPS e a TNT, apesar de terem a possibilidade de o fazer. Além disso, reconhecem não ter pedido em nenhum momento para intervir em apoio dos pedidos de anulação da UPS no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144).

–       Quanto à admissibilidade do relatório Copenhagen Economics

64      Em anexo à réplica, as demandantes juntam aos autos um relatório de peritagem da Copenhagen Economics, intitulado «Assessment of economic analysis of the European Commission in the UPS‑TNT case» (Avaliação da análise económica da Comissão no processo UPS‑TNT), datado de 8 de julho de 2019. A Comissão opõe‑se à apresentação extemporânea desse relatório, que considera injustificada. Pede que esse documento seja julgado inadmissível.

65      As demandantes alegam que esse relatório é admissível. Não constitui uma prova nova, mas reúne elementos de prova já apresentados no Tribunal Geral. A sua apresentação justifica‑se pela necessidade de responder à contestação e de assegurar o seu direito de audiência.

66      Há que lembrar que, nos termos do artigo 76.o, alínea f), do Regulamento de Processo, a petição deve conter as provas e os oferecimentos de prova, se a tal houver lugar. O artigo 85.o, n.o 1, do Regulamento de Processo dispõe que as provas e os oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados. O artigo 85.o, n.o 2, deste regulamento acrescenta que, em apoio da sua argumentação, as partes podem ainda apresentar ou oferecer provas na réplica e na tréplica, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

67      Embora, de acordo com a regra de preclusão prevista no artigo 85.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, as partes devam justificar o atraso na apresentação das suas provas ou oferecimentos de provas novas, o juiz da União tem o poder de fiscalizar o fundado do motivo do atraso na apresentação dessas provas ou desses oferecimentos de prova e, consoante o caso, o seu conteúdo e tem igualmente, se essa apresentação tardia não for suficientemente justificada ou fundamentada, o poder de não as admitir. A apresentação tardia, por uma parte, de provas ou de oferecimentos de prova pode, nomeadamente, ser justificada pelo facto de essa parte não poder dispor anteriormente das provas em questão ou se a apresentação extemporânea da parte contrária justificar que o processo seja completado, de modo a que seja assegurado o respeito do princípio do contraditório (Acórdão de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, não publicado, EU:C:2020:713, n.o 41).

68      No caso, as demandantes afirmam na réplica ter junto aos autos o relatório da Copenhagen Economics para demonstrar, nomeadamente, que o critério da Comissão, tanto no que respeita à falta de comunicação do modelo econométrico final à UPS como ao recurso inadequado a esse modelo para decidir, quanto à substância, que a concentração notificada devia ser proibida, se afasta de forma tão fundamental das melhores práticas e da sua própria prática nos processos anteriores e posteriores que isso torna o seu critério na decisão controvertida manifestamente irrazoável.

69      Decorre, assim, da réplica que esse relatório visa apoiar a argumentação relativa à existência de erros graves e manifestos na apreciação pela Comissão da concentração entre a UPS e a TNT, em apoio da qual as demandantes não desenvolveram, na petição, nenhuma argumentação para além de uma remissão geral para os fundamentos e argumentos da UPS no processo T‑834/17, nem apresentou nenhuma prova. Daqui resulta que as demandantes apresentaram tardiamente o relatório da Copenhagen Economics, sem justificação, e sem que esse relatório possa ser considerado contraprova ou ampliação do oferecimento de provas apresentadas na sequência de uma contraprova da parte contrária.

70      Nestas condições, o relatório Copenhagen Economics deve ser declarado inadmissível devido à sua apresentação tardia e injustificada.

71      Não tendo as demandantes invocado qualquer elemento em apoio dos erros de apreciação alegadamente cometidos pela Comissão para além da remissão para os fundamentos e argumentos da UPS no processo T‑834/17 e o relatório da Copenhagen Economics, há que observar que a argumentação relativa à existência de erros graves e manifestos na apreciação pela Comissão da concentração entre a UPS e a TNT não tem suporte.

72      Por conseguinte, essa argumentação deve ser rejeitada na íntegra.

73      Não tendo as demandantes demonstrado a existência de violações suficientemente caracterizadas que viciem a decisão controvertida, não está preenchido um dos três pressupostos cumulativos exigidos para gerar responsabilidade extracontratual da União, pelo que a ação é improcedente.

74      Tendo em conta todos estes elementos, julga‑se improcedente a ação sem que seja necessário examinar a argumentação das demandantes, exposta no âmbito do quarto e quinto fundamentos, destinada a demonstrar a existência de um dano e de um nexo de causalidade. Sendo improcedente a ação, não há que conhecer da questão de saber se os pedidos deduzidos pelas demandantes estão prescritos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 1961, Meroni e o./Alta Autoridade, 14/60, 16/60, 17/60, 20/60, 24/60, 26/60 e 27/60 e 1/61, EU:C:1961:16, p. 341).

 Quanto às despesas

75      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as demandantes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      Julgase improcedente a ação.

2)      A ASL Aviation Holdings DAC e a ASL Airlines (Ireland) Ltd são condenadas nas despesas.

Papasavvas

Da Silva Passos

Reine

Truchot

 

      Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de fevereiro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.