Language of document : ECLI:EU:C:2012:339

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de junho de 2012 (*)

«Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CEE) n.° 1408/71 — Artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a) — Artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE — Trabalho temporário num Estado‑Membro diferente daquele em cujo território a atividade é habitualmente exercida — Prestações familiares — Legislação aplicável — Possibilidade de concessão de prestações para filhos pelo Estado‑Membro onde o trabalho temporário é efetuado, mas que não é o Estado competente — Aplicação de uma regra anticúmulo de direito nacional que exclui essa prestação caso seja recebida uma prestação comparável noutro Estado»

Nos processos apensos C‑611/10 e C‑612/10,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisões de 21 de outubro de 2010, entrados no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2010, nos processos

Waldemar Hudzinski

contra

Agentur für Arbeit Wesel — Familienkasse (C‑611/10),

e

Jaroslaw Wawrzyniak

contra

Agentur für Arbeit Mönchengladbach — Familienkasse (C‑612/10),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, J. Malenovský, M. Safjan e A. Prechal (relator), presidentes de secção, G. Arestis, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J.‑J. Kasel e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de dezembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de W. Hudzinski e J. Wawrzyniak, por N. Lamprecht, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Fehér, K. Szíjjártó e K. Veres, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO L 117, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), bem como das regras do Tratado FUE em matéria de livre circulação dos trabalhadores e do princípio da proibição da discriminação.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem W. Hudzinski à Agentur für Arbeit Wesel — Familienkasse (Agência do emprego de Wesel — Caixa de prestações familiares) e J. Wawrzyniak à Agentur für Arbeit Mönchengladbach — Familienkasse (Agência do emprego de Mönchengladbach — Caixa de prestações familiares), a propósito da recusa de concessão de prestações para filhos na Alemanha.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O primeiro e quinto considerandos do Regulamento n.° 1408/71 têm a seguinte redação:

«Considerando que as normas de coordenação das legislações nacionais sobre segurança social se inscrevem no âmbito da livre circulação das pessoas e que devem, por isso, contribuir para a melhoria do nível de vida e das condições de emprego;

[...]

Considerando que é conveniente, no âmbito desta coordenação, garantir no interior da Comunidade aos trabalhadores dos Estados‑Membros, às pessoas que deles dependam e aos seus sobreviventes, a igualdade de tratamento perante as diferentes legislações nacionais;»

4        O oitavo a décimo considerandos desse regulamento enunciam:

«Considerando que convém subordinar os trabalhadores assalariados e não assalariados que se deslocam no interior da Comunidade ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, por forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem decorrer;

Considerando que importa limitar na medida do possível o número e o âmbito dos casos em que, por derrogação à regra geral, uma pessoa está sujeita simultaneamente à legislação de dois Estados‑Membros;

Considerando que, para melhor garantir a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores ocupados no território de um Estado‑Membro, é conveniente determinar como legislação aplicável, em regra geral, a legislação do Estado‑Membro em cujo território o interessado exerce a sua atividade assalariada ou não assalariada;»

5        O artigo 13.° do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Regras gerais», prevê:

«1.      Sem prejuízo do disposto no artigo 14.°‑C e 14.°‑D, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação será determinada em conformidade com as disposições do presente título.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° a 17.°:

a)      a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[...]»

6        O artigo 14.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade assalariada, não sendo pessoal do mar», dispõe:

«A regra enunciada no n.° 2, alínea b), do artigo 13.° é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

1)      a)     A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro, ao serviço de uma empresa da que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado‑Membro a fim de aí efetuar um trabalho por conta desta última continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento;

[...]»

7        Nos termos do artigo 14.°‑A do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade não assalariada, não sendo pessoal do mar»:

«A regra enunciada no n.° 2, alínea b), do artigo 13.° é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

1)      a)     A pessoa que normalmente exerça uma atividade não assalariada no território de um Estado‑Membro e que efetua um trabalho no território de outro Estado‑Membro continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que o período previsível deste trabalho não exceda doze meses;

[...]»

8        Sob o título III, capítulo 7, do Regulamento n.° 1408/71, o artigo 73.° deste último, intitulado «Trabalhadores assalariados ou não assalariados cujos membros da família residam num Estado‑Membro que não seja o Estado competente», dispõe:

«O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado‑Membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado‑Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste, sem prejuízo do disposto no anexo VI.»

9        Figura igualmente no referido capítulo 7 o artigo 76.° do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Regras de prioridade em caso de cumulação de direitos a prestações familiares por força da legislação do Estado competente e da legislação do Estado‑Membro de residência dos membros da família», que prevê:

«1.      Sempre que, durante o mesmo período, para o mesmo membro da família e por motivo do exercício de uma atividade profissional, estejam previstas prestações familiares na legislação do Estado‑Membro em cujo território os membros da família residem, o direito às prestações familiares devidas por força da legislação de outro Estado‑Membro, eventualmente em aplicação dos artigos 73.° e 74.°, será suspenso até ao limite do montante previsto pela legislação do primeiro Estado‑Membro.

2.      Se não for introduzido qualquer pedido de prestações no Estado‑Membro em cujo território residem os membros da família, a instituição competente do outro Estado‑Membro pode aplicar as disposições do n.° 1, como se as prestações fossem concedidas no primeiro Estado‑Membro.»

10      O artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão modificada e atualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 647/2005 (a seguir «Regulamento n.° 574/72»), sob a epígrafe «Regras aplicáveis aos trabalhadores assalariados ou não assalariados em caso de cumulação de direitos às prestações familiares ou abonos de família», prevê:

«1.      a)      O direito às prestações familiares ou abonos de família devidos nos termos da legislação de um Estado‑Membro, segundo a qual a aquisição do direito a tais prestações ou abonos não depende de condições de seguro, emprego ou atividade não assalariada, fica suspenso quando, no decurso do mesmo período e em relação ao mesmo membro da família, forem devidas prestações, quer por força unicamente da legislação nacional de outro Estado‑Membro quer em aplicação dos artigos 73.°, 74.°, 77.° ou 78.° do Regulamento, até ao limite do montante dessas prestações.

      b)      Todavia, se for exercida uma atividade profissional no território do primeiro Estado‑Membro:

i)      No caso das prestações devidas, quer por força unicamente da legislação nacional de outro Estado‑Membro quer nos termos dos artigos 73.° ou 74.° do Regulamento, pela pessoa que tem direito às prestações familiares ou pela pessoa a quem são concedidas, o direito às prestações familiares devidas, quer por força unicamente da legislação nacional desse outro Estado‑Membro quer nos termos destes artigos, fica suspenso até ao limite do montante das prestações familiares previsto pela legislação do Estado‑Membro no território do qual reside o membro da família. As prestações pagas pelo Estado‑Membro no território do qual reside o membro da família ficam a cargo desse Estado;

[...]»

 Direito alemão

11      O § 62 da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz, a seguir «EStG»), sob a epígrafe «Beneficiários», dispõe, no seu n.° 1:

«No que se refere aos menores na aceção do § 63, tem direito às prestações familiares, nos termos da presente lei, qualquer pessoa:

1.      que tenha o seu domicílio ou o seu lugar de residência habitual no território nacional, ou

2.      que, embora não tenha o seu domicílio ou o seu lugar de residência habitual no território nacional,

a)      esteja integralmente sujeita ao imposto sobre o rendimento, por força do § 1, n.° 2, ou

b)      seja considerada como estando integralmente sujeita ao imposto sobre o rendimento, por força do § 1, n.° 3.»

12      Nos termos do § 65 da EStG, sob a epígrafe «Outras prestações para filhos»:

«1.      As prestações para filhos não são pagas a um filho que beneficie de uma das seguintes prestações, ou que beneficiaria das mesmas se fosse apresentado um pedido nesse sentido:

1)      abonos para filhos, previstos na legislação em matéria de acidentes, ou ajudas financeiras concedidas pela legislação relativa às pensões de reforma;

2)      prestações para filhos concedidas no estrangeiro e equiparáveis às prestações para filhos a cargo ou a uma das prestações mencionadas no n.° 1;

[...]

2.      Se, nos casos referidos na primeira frase do ponto 1 do n.° 1, o montante ilíquido da outra prestação for inferior ao montante das prestações para filhos previstas no § 66 [da EStG], será paga essa diferença, desde que seja pelo menos no valor de cinco euros.»

13      O § 66 da EStG prevê regras relativas ao nível das prestações para filhos e às modalidades de pagamento destas.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

14      W. Hudzinski, de nacionalidade polaca, reside na Polónia, onde trabalha como agricultor não assalariado. Está abrangido pelo regime de segurança social deste Estado‑Membro.

15      Entre 20 de agosto e 7 de dezembro de 2007, W. Hudzinski esteve empregado como trabalhador sazonal numa empresa hortícola na Alemanha. No que diz respeito ao ano de 2007, foi considerado, a seu pedido, como integralmente sujeito ao imposto sobre o rendimento na Alemanha.

16      Para o período em que trabalhou na Alemanha, W. Hudzinski requereu, para os seus dois filhos que residem igualmente na Polónia, o pagamento das prestações para filhos, ao abrigo dos §§ 62 e seguintes da EStG, no montante de 154 euros por mês, por cada filho.

17      A Agentur für Arbeit Wesel — Familienkasse indeferiu este pedido e a reclamação da decisão de indeferimento. Tendo sido igualmente negado provimento ao recurso da decisão de indeferimento da sua reclamação, W. Hudzinski interpôs então um recurso de «Revision», no órgão jurisdicional de reenvio, do acórdão proferido em primeira instância.

18      J. Wawrzyniak, de nacionalidade polaca, vive com a sua mulher e a filha de ambos na Polónia. Está inscrito no regime de segurança social polaco.

19      Entre fevereiro e dezembro de 2006, J. Wawrzyniak trabalhou na qualidade de trabalhador destacado na Alemanha. No que diz respeito ao ano de 2006, foi, juntamente com a mulher, integralmente sujeito ao imposto sobre o rendimento na Alemanha.

20      Quanto ao período em que trabalhou na Alemanha, J. Wawrzyniak pediu para a sua filha, ao abrigo dos §§ 62 e seguintes da EStG, o pagamento das prestações para filhos, num montante de 154 euros por mês. A sua mulher estava inscrita no regime de seguro de doença na Polónia, exclusivamente, incluindo no referido período. Recebeu para a sua filha, designadamente nesse período, uma prestação no montante mensal de cerca de 48 PLN, ou seja, cerca de 12 euros.

21      A Agentur für Arbeit Mönchengladbach — Familienkasse indeferiu o pedido de J. Wawrzyniak e a reclamação da decisão de indeferimento. Tendo sido igualmente negado provimento ao recurso da decisão de indeferimento da sua reclamação, este interpôs então um recurso de «Revision», no órgão jurisdicional de reenvio, do acórdão proferido em primeira instância.

22      Nos seus recursos no Bundesfinanzhof, W. Hudzinski e J. Wawrzyniak defendem que decorre do acórdão de 20 de maio de 2008, Bosmann (C‑352/06, Colet., p. I‑3827), que os §§ 62 e seguintes da EStG continuam a ser aplicáveis, ainda que, por força do Regulamento n.° 1408/71, a República Federal da Alemanha não seja o Estado‑Membro competente em conformidade com o artigo 14.°‑A, n.° 1, alínea a), desse regulamento, no caso de W. Hudzinski, e do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do referido regulamento, no caso de J. Wawrzyniak.

23      Além disso, J. Wawrzyniak alega que o seu direito a uma prestação para filhos na Alemanha também não está excluído pelas disposições conjugadas dos n.os 1, primeira frase, ponto 2, e 2 do § 65 da EStG, na medida em que estas disposições são incompatíveis com o direito da União e que, de qualquer modo, não são aplicáveis no domínio abrangido pelo Regulamento n.° 1408/71.

24      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em primeiro lugar, que o contributo do acórdão Bosmann, já referido, deve ser entendido no sentido de que um Estado‑Membro, mesmo que não seja competente nos termos dos artigos 13.° e seguintes do Regulamento n.° 1408/71, tem, contudo, a possibilidade de conceder prestações familiares a um trabalhador migrante, em aplicação do seu direito nacional.

25      Todavia, segundo este mesmo órgão jurisdicional, decorre do referido acórdão que tal possibilidade só deve ser admitida em determinadas hipóteses.

26      Em primeiro lugar, um Estado‑Membro não competente nos termos dos artigos 13.° e seguintes do Regulamento n.° 1408/71 só dispõe dessa possibilidade se, como era o caso no processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido, uma prestação familiar dever ser concedida por esse Estado a fim de evitar que um trabalhador sofra uma desvantagem, no plano jurídico, pelo facto de ter exercido o seu direito de livre circulação.

27      Ora, os litígios nos processos principais não dizem respeito a essa hipótese, uma vez que W. Hudzinski e J. Wawrzyniak não sofreram nenhuma desvantagem, no plano jurídico, pelo facto de terem trabalhado a título temporário na Alemanha.

28      Com efeito, em conformidade com os artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, a legislação em matéria de segurança social que lhes é aplicável mantém‑se inalterada, pelo que, no que respeita ao período de trabalho temporário na Alemanha, ficaram sujeitos à legislação polaca.

29      Assim, não podiam ter perdido o benefício das prestações para filhos mais vantajosas, previstas pelo direito alemão, uma vez que nunca tiveram direito a essas prestações.

30      O órgão jurisdicional de reenvio considera, em segundo lugar, que as situações em causa nos processos principais diferem noutro aspeto importante daquele que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido. Com efeito, ao contrário da situação em causa neste último processo, nos processos principais, a República Federal da Alemanha não é o Estado‑Membro da residência dos filhos. Coloca‑se, então, a questão de saber se este elemento constitui outra condição que limita a faculdade do Estado‑Membro não competente de conceder prestações familiares a um trabalhador migrante.

31      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se coloca igualmente a questão de saber se a referida faculdade não se devia limitar às hipóteses em que não existe direito a prestações familiares comparáveis, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro competente, à semelhança da situação em causa no processo em que foi proferido o acórdão Bosmann, já referido, mas ao contrário das situações em causa nos casos concretos, nos quais os trabalhadores beneficiam dessas prestações no Estado‑Membro competente.

32      Em seguida, ainda que se admita que, ao contrário do ponto de vista do órgão jurisdicional de reenvio, o Estado‑Membro não competente dispõe, em casos como os dos processos principais, da faculdade de conceder prestações familiares, mesmo que esses casos sejam fundamentalmente diferentes do que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido, coloca‑se a questão de saber se o direito da União, em particular as disposições do Tratado em matéria de livre circulação dos trabalhadores ou o princípio da proibição da discriminação, se opõe a uma regra como a que decorre do § 65 da EStG, por força da qual apenas são concedidas prestações para filhos se o interessado não tiver direito a prestações comparáveis no Estado‑Membro competente.

33      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio observa que se, ao contrário do seu entendimento, esta última questão devesse igualmente receber uma resposta afirmativa, coloca‑se ainda a questão de saber como resolver o cúmulo dos direitos daí resultante.

34      Nestas condições, no processo C‑611/10, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 ser interpretado no sentido de que priva o Estado‑Membro não competente nos termos desta disposição da faculdade de conceder prestações familiares, segundo o seu direito nacional, ao trabalhador assalariado que esteja apenas temporariamente empregado no seu território, quando nem o próprio trabalhador nem os seus filhos têm domicílio ou residência habitual nesse Estado não competente?»

35      No processo C‑612/10, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 ser interpretado no sentido de que priva o Estado‑Membro não competente nos termos desta disposição, para cujo território um trabalhador assalariado tenha sido destacado e que também não é o Estado‑Membro de residência dos filhos desse trabalhador, da faculdade de conceder prestações familiares ao trabalhador destacado, quando este não sofre um prejuízo jurídico em consequência do seu destacamento para este Estado‑Membro?

2)      No caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro não competente, para cujo território um trabalhador assalariado tenha sido destacado, só tem a faculdade de conceder prestações familiares caso não exista no outro Estado‑Membro um direito a prestações familiares comparáveis?

3)      Em caso de resposta negativa a esta questão:

Nesse caso, as disposições do direito […] da União opõem‑se a uma disposição jurídica nacional como a que decorre do artigo 65.° […] da EStG, que exclui o direito a prestações familiares quando uma prestação comparável é ou deveria ser paga no estrangeiro caso fosse apresentado um pedido nesse sentido?

4)      Em caso de resposta afirmativa a esta questão:

Como deve ser resolvida a situação de cumulação entre o direito no Estado competente, que é simultaneamente o Estado de residência dos filhos, e o direito no Estado não competente, no qual não residem os filhos?»

36      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 2011, os processos C‑611/10 e C‑612/10 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à única questão no processo C‑611/10 e às duas primeiras questões no processo C‑612/10

37      Com a sua única questão no processo C‑611/10 e as duas primeiras questões no processo C‑612/10, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro que, ao abrigo dessas disposições, não é designado como Estado competente conceda prestações para filhos, em conformidade com o seu direito nacional, a um trabalhador migrante que efetue um trabalho temporário no seu território, em circunstâncias como as dos processos principais, incluindo quando se verifique, em primeiro lugar, que o trabalhador em causa não sofreu nenhuma desvantagem, no plano jurídico, por ter exercido o seu direito à livre circulação, uma vez que conservou o seu direito a prestações familiares da mesma natureza no Estado‑Membro competente, e, em segundo lugar, que nem esse trabalhador nem o filho para o qual a prestação é pedida residem habitualmente no território do Estado‑Membro onde foi efetuado o trabalho temporário.

38      A este respeito, há que observar que, como o órgão jurisdicional de reenvio referiu com razão, a legislação aplicável à situação dos recorrentes nos processos principais, no que diz respeito ao seu direito a prestações familiares, é determinada, respetivamente, pelos artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71.

39      Com efeito, é pacífico que, em aplicação do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, J. Wawrzyniak, durante o período inferior a doze meses em que esteve destacado na Alemanha, continuou sujeito à legislação do Estado‑Membro em cujo território a sociedade para a qual habitualmente trabalha tem a respetiva sede, a saber, a legislação polaca.

40      Do mesmo modo, não oferece dúvidas que, em aplicação do artigo 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, W. Hudzinski, no que diz respeito ao período que não excede doze meses durante o qual exerceu uma atividade profissional na Alemanha, continuou a estar sujeito à legislação do Estado‑Membro no território do qual exerce habitualmente uma atividade não assalariada, a saber, a legislação polaca.

41      Assim sendo, importa lembrar que, segundo jurisprudência constante, as disposições do título II do Regulamento n.° 1408/71 que determinam a legislação aplicável aos trabalhadores que se deslocam no interior da União Europeia vão nomeadamente no sentido de os interessados estarem, em princípio, sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de forma a evitar as cumulações de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí possam resultar. Este princípio encontra expressão, designadamente, no artigo 13.°, n.° 1, deste regulamento (v., designadamente, acórdão de 14 de outubro de 2010, Schwemmer, C‑16/09, Colet., p. I‑9717, n.° 40 e jurisprudência referida).

42      Além disso, uma vez que o artigo 48.° TFUE prevê uma coordenação das legislações dos Estados‑Membros, e não a sua harmonização, as diferenças substanciais e processuais entre os regimes de segurança social de cada Estado‑Membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas neles inscritas, não são afetadas por essa disposição, continuando cada Estado‑Membro a ser competente para determinar, na sua legislação, no respeito do direito da União, os requisitos de concessão das prestações de um regime de segurança social (v., designadamente, acórdão de 30 de junho de 2011, da Silva Martins, C‑388/09, Colet., p. I‑5737, n.° 71 e jurisprudência referida).

43      Neste contexto, o direito primário da União não pode garantir a um segurado que uma deslocação para outro Estado‑Membro seja neutra em matéria de segurança social. Assim, a aplicação, eventualmente por força das disposições do Regulamento n.° 1408/71, de uma regulamentação nacional que seja menos favorável no plano das prestações de segurança social pode, em princípio, estar em conformidade com as exigências do direito primário da União em matéria de livre circulação das pessoas (v., por analogia, acórdão da Silva Martins, já referido, n.° 72).

44      Decorre desses princípios que os recorrentes nos processos principais que se deslocaram de um Estado‑Membro para outro para aí efetuar um trabalho, no caso concreto a República Federal da Alemanha, só têm, em princípio, direito às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado‑Membro, única legislação aplicável por força do Regulamento n.° 1408/71, ainda que, como é o caso em apreço, estas sejam menos favoráveis do que as prestações da mesma natureza previstas pela legislação alemã.

45      Embora as autoridades alemãs não sejam obrigadas, por força do direito da União, a conceder a prestação para filhos em causa nos processos principais, coloca‑se todavia a questão de saber se este direito se opõe à possibilidade dessa concessão, tanto mais que, como resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça, se afigura que, em virtude da legislação alemã, os recorrentes nos processos principais podem beneficiar desta prestação apenas por terem estado integralmente sujeitos ao imposto sobre o rendimento ou por terem sido considerados como tal, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

46      A este respeito, como o Tribunal de Justiça recordou no n.° 29 do acórdão Bosmann, já referido, as disposições do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretadas à luz do artigo 48.° TFUE, que se destina a facilitar a livre circulação dos trabalhadores e implica, designadamente, que os trabalhadores migrantes não percam direitos a prestações de segurança social nem sofram uma redução do seu montante pelo facto de terem exercido o direito à livre circulação que o Tratado lhes confere.

47      Do mesmo modo, no n.° 30 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que o primeiro considerando do Regulamento n.° 1408/71 refere que as normas de coordenação das legislações nacionais sobre segurança social que constam desse regulamento se inscrevem no âmbito da livre circulação das pessoas e devem contribuir para a melhoria do seu nível de vida e das suas condições de emprego.

48      Foi à luz destes elementos que, no n.° 31 do acórdão Bosmann, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que, em circunstâncias como as do processo que deu lugar a esse acórdão, o Estado‑Membro de residência não pode ser privado da possibilidade de conceder prestações familiares às pessoas que residem no seu território. Com efeito, embora, por força do artigo 13.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro esteja sujeita à lei desse Estado, mesmo residindo no território de outro Estado‑Membro, a verdade é que esse regulamento não impede o Estado da residência de conceder prestações familiares a essa pessoa, nos termos da sua legislação nacional.

49      No n.° 32 desse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça acrescentou que o princípio da aplicabilidade exclusiva da legislação designada por força das disposições do título II do Regulamento n.° 1408/71, recordado no n.° 41 do presente acórdão, não pode servir de fundamento para excluir que um Estado‑Membro, que não é o Estado competente e que não subordina o direito a uma prestação familiar a condições de emprego ou de seguro, possa conceder essa prestação a uma pessoa que reside no seu território, uma vez que a possibilidade dessa concessão decorre efetivamente da sua legislação.

50      Nos presentes processos, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que determine se a possibilidade assim reconhecida, em circunstâncias como as do processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido, a um Estado‑Membro que não é o Estado competente por força das disposições do título II do Regulamento n.° 1408/71, de conceder uma prestação familiar a uma pessoa que reside no seu território deve ser igualmente admitida em situações como as que estão em causa nos processos principais, não obstante o facto de estas diferirem, em muitos aspetos, da situação em causa no processo que deu origem ao referido acórdão Bosmann.

51      Em primeiro lugar, quanto à pertinência da circunstância de os recorrentes nos processos principais não terem perdido direitos a prestações de segurança social nem sofrido uma redução do respetivo montante por terem exercido o seu direito à livre circulação, uma vez que conservaram o seu direito a prestações familiares no Estado‑Membro competente, essa circunstância não pode, por si só, excluir que um Estado‑Membro não competente detenha a possibilidade de conceder essas prestações.

52      Com efeito, embora, no n.° 29 do acórdão Bosmann, já referido, o Tribunal de Justiça tenha indicado que os trabalhadores migrantes não devem perder direitos a prestações de segurança social nem sofrer uma redução do montante destas por terem exercido o direito à livre circulação que o Tratado lhes confere, esta indicação é formulada expressamente a título de exemplo das implicações possíveis do artigo 48.° TFUE e da finalidade desta disposição para a interpretação do Regulamento n.° 1408/71.

53      Além disso, esta indicação, que deve ser compreendida à luz da especificidade do processo principal que deu origem ao referido acórdão, tem uma importância secundária relativamente ao princípio, recordado em primeiro lugar no referido número desse mesmo acórdão e que é jurisprudência constante, segundo o qual as disposições do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretadas à luz do objetivo do artigo 48.° TFUE, que é contribuir para o estabelecimento de uma liberdade de circulação dos trabalhadores migrantes tão completa quanto possível (v., nomeadamente, acórdão da Silva Martins, já referido, n.° 70 e jurisprudência referida).

54      A este respeito, importa igualmente recordar que decorre do primeiro considerando do Regulamento n.° 1408/71 que este visa contribuir para a melhoria do nível de vida e das condições de trabalho dos trabalhadores migrantes.

55      Ora, neste âmbito, o Tribunal de Justiça decidiu que seria ir além do objetivo do Regulamento n.° 1408/71 e ao mesmo tempo exceder os objetivos e o âmbito do artigo 48.° CE interpretar este regulamento no sentido de que proíbe que um Estado‑Membro conceda aos trabalhadores e aos membros da sua família uma proteção social mais ampla do que a decorrente da aplicação do referido regulamento (acórdão de 16 de julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski, C‑208/07, Colet., p. I‑6095, n.° 56).

56      Com efeito, a regulamentação da União em matéria de coordenação das legislações nacionais de segurança social, tendo em conta, designadamente, os objetivos que lhe estão subjacentes, não pode, salvo exceção expressa conforme com esses objetivos, ser aplicada de modo a privar o trabalhador migrante ou os seus sucessores do benefício das prestações concedidas por força apenas da legislação de um Estado‑Membro (v., nomeadamente, acórdão da Silva Martins, já referido, n.° 75).

57      Tendo em conta estes elementos, há que concluir que não pode ser excluída uma interpretação dos artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 que permita a um Estado‑Membro conceder prestações familiares numa situação, como as dos processos principais, em que o trabalhador migrante não perdeu o benefício das prestações de segurança social nem sofreu uma redução do montante destas pelo facto de ter exercido o seu direito à livre circulação, uma vez que manteve o seu direito a prestações familiares da mesma natureza no Estado‑Membro competente, porque essa interpretação é suscetível de contribuir para a melhoria do nível de vida e das condições de trabalho dos trabalhadores migrantes, ao conceder‑lhes uma proteção social mais lata do que a que decorre da aplicação do referido regulamento, e concorre assim para a finalidade dessas disposições, que consiste em facilitar a livre circulação dos trabalhadores.

58      Em segundo lugar, as referências, no acórdão Bosmann, já referido, à residência do trabalhador migrante no território do Estado‑Membro não competente ao qual a prestação familiar é pedida explicam‑se pela circunstância de que, no processo que deu origem a esse acórdão, o recorrente no processo principal tinha direito a essa prestação pelo único motivo da sua residência nesse Estado por força do § 62, n.° 1, da EStG, sem que essa disposição subordine tal direito a condições de emprego ou de seguro.

59      Por conseguinte, trata‑se de referências ao fundamento do direito à prestação familiar em causa na legislação nacional do Estado‑Membro em questão e, em especial, ao elemento de conexão relativo à residência que aí figura.

60      Todavia, o § 62, n.° 1, da EStG prevê que tem igualmente direito à prestação para filhos qualquer pessoa que, embora não tenha domicílio ou lugar de residência habitual no território nacional, tenha estado integralmente sujeita ao imposto sobre o rendimento ou tenha sido considerada como tal.

61      É este segundo elemento de conexão que está em causa nos presentes processos principais.

62      Ora, na medida em que, em virtude do direito nacional, os dois elementos de conexão que figuram no § 62, n.° 1, da EStG constituem, enquanto tais, os fundamentos do direito à prestação para filhos, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a referência, no acórdão Bosmann, já referido, ao elemento de conexão relativo à residência do trabalhador migrante não pode implicar que um Estado‑Membro que não é o Estado competente ao abrigo das disposições do título II do Regulamento n.° 1408/71 só possa conceder uma prestação familiar se esse direito for reclamado com fundamento nesse elemento de conexão e que essa possibilidade seja, em contrapartida, excluída numa situação em que é o fator de conexão alternativo que é aplicável.

63      Nesse contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se também quanto à pertinência da circunstância de, nas situações em causa nos processos principais, ao contrário da que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido, o filho não residir no território do Estado‑Membro não competente onde é reclamada uma prestação para esse filho.

64      A este respeito, há que concluir que, no acórdão Bosmann, já referido, o Tribunal de Justiça não se refere à existência, na situação em causa, desse elemento de conexão com o território do Estado‑Membro não competente para fundar a conclusão de que esse Estado tem a possibilidade de conceder prestações familiares.

65      Por último, há que concluir que, numa situação como a que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão Bosmann, já referido, a residência do trabalhador migrante e a do filho no território do Estado‑Membro não competente constituem elementos de conexão precisos e particularmente restritos, tendo em conta, sobretudo, a natureza da prestação em causa.

66      Nos presentes processos principais, a conexão das situações em causa com o território do Estado‑Membro não competente ao qual são pedidas as prestações familiares consiste na sujeição integral ao imposto no que diz respeito aos rendimentos decorrentes do trabalho temporário efetuado nesse Estado‑Membro. Essa conexão assenta num critério preciso e pode ser considerada suficientemente restrita, tendo em conta igualmente o facto de que a prestação familiar reclamada é financiada por receitas fiscais.

67      Nestas circunstâncias, não se afigura que a concessão desta prestação, nas situações dos processos principais, que não está subordinada a condições de trabalho ou de seguro, seja suscetível de afetar de maneira desmesurada a previsibilidade e a efetividade da aplicação das regras de coordenação do Regulamento n.° 1408/71, exigências relativas à segurança jurídica que protegem igualmente os interesses dos trabalhadores migrantes e para as quais contribui, de resto, o princípio, recordado no n.° 41 do presente acórdão, que consiste na aplicabilidade em princípio exclusiva da legislação do Estado‑Membro designado, em virtude dessas regras, enquanto Estado competente.

68      Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à única questão no processo C‑611/10 e às duas primeiras questões no processo C‑612/10 que os artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro que não é designado, ao abrigo dessas disposições, como Estado competente conceda prestações para filhos, em conformidade com o seu direito nacional, a um trabalhador migrante que efetue um trabalho temporário no seu território, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, incluindo quando se verifique, em primeiro lugar, que o trabalhador em causa não sofreu nenhuma desvantagem, no plano jurídico, por ter exercido o seu direito à livre circulação, uma vez que conservou o seu direito a prestações familiares da mesma natureza no Estado‑Membro competente, e, em segundo lugar, que nem esse trabalhador nem o filho para o qual essa prestação é reclamada residem habitualmente no território do Estado‑Membro onde o trabalho temporário foi efetuado.

 Quanto à terceira e quarta questões no processo C‑612/10

69      Com a sua terceira e quarta questões no processo C‑612/10, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, em especial as regras anticúmulo enunciadas no artigo 76.° do Regulamento n.° 1408/71 e no artigo 10.° do Regulamento n.° 547/72, as regras do Tratado em matéria de livre circulação dos trabalhadores e o princípio da proibição da discriminação, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação, numa situação como a que está em causa no processo principal, de uma regra de direito nacional como a que decorre do § 65 da EStG, que exclui o direito às prestações para filhos quando uma prestação comparável deva ser paga noutro Estado ou devesse sê‑lo se fosse apresentado um pedido neste sentido.

70      A este respeito, uma vez que resulta do exame das duas primeiras questões no processo C‑612/10 que o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a República Federal da Alemanha, que não é o Estado competente nos termos dessa disposição, tem a possibilidade, mas não a obrigação, de conceder prestações para filhos, em conformidade com o seu direito nacional, a um trabalhador destacado que efetue um trabalho temporário no seu território, esse Estado deve, em princípio, poder igualmente decidir, como observou o órgão jurisdicional de reenvio, se e, se for caso disso, de que forma entende ter em conta a circunstância de que, no Estado‑Membro competente por força da referida disposição, no caso concreto a República da Polónia, existe um direito a uma prestação comparável.

71      No entanto, embora, numa situação como a que está em causa no processo principal, a legislação de um Estado‑Membro não competente preveja um direito a uma prestação familiar que confere uma proteção social suplementar ao trabalhador migrante, por este ter estado integralmente sujeito ao imposto sobre o rendimento nesse Estado ou por nele ter sido considerado como tal durante o período em que efetuou aí um trabalho, eventuais regras anticúmulo prescritas por essa legislação, como as que decorrem do § 65 da EStG, não podem ser aplicadas quando se verifique que essa aplicação é contrária ao direito da União.

72      Assim, no acórdão Schwemmer, já referido, a que se referem os recorrentes nos processos principais, o Tribunal de Justiça decidiu que, na situação em causa no processo principal, a regra anticúmulo enunciada no artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 deve ser interpretada no sentido de que o direito à prestação para filhos, devido nos termos do direito alemão, não pode ser parcialmente suspenso, aplicando o § 65, n.° 1, da EStG, até ao limite do montante que devia ser recebido na Suíça.

73      Todavia, há que concluir que a situação em causa no processo principal não está sujeita à referida regra anticúmulo nem, de resto, à regra prevista no artigo 76.° do Regulamento n.° 1408/71, uma vez que não diz respeito a uma hipótese de cúmulo de direitos previstos pela legislação do Estado‑Membro de residência do filho em causa com os que decorrem da legislação do Estado‑Membro de emprego designado como Estado competente em virtude do referido regulamento (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bosmann, n.° 24, e Schwemmer, n.os 43 e 51).

74      Com efeito, no processo principal, a República da Polónia é simultaneamente o Estado‑Membro de residência do filho em causa e o Estado‑Membro de emprego do trabalhador destacado, que é designado como Estado competente em virtude do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, a saber, o Estado‑Membro no território do qual a sociedade para a qual aquele trabalha habitualmente tem a sua sede.

75      Daqui decorre que as regras anticúmulo enunciadas no artigo 76.° do Regulamento n.° 1408/71 e no artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 não se podem opor à exclusão, no caso concreto, do direito a uma prestação para filhos em aplicação de uma regra nacional anticúmulo como a que decorre do § 65 da EStG.

76      Todavia, a aplicação dessa regra anticúmulo de direito nacional num processo como o principal, na medida em que parece implicar, como resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça, não uma diminuição do montante da prestação até ao limite do de uma prestação comparável recebida noutro Estado mas a exclusão dessa prestação, é suscetível de constituir uma desvantagem importante que afeta, de facto, muito mais trabalhadores migrantes do que trabalhadores sedentários que exerceram a totalidade das suas atividades no Estado‑Membro em causa, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

77      Com efeito, são sobretudo os trabalhadores migrantes que são suscetíveis de beneficiar, de resto em montantes potencialmente muito diferentes, de prestações comparáveis noutro Estado, em especial no seu Estado‑Membro de proveniência.

78      Essa desvantagem afigura‑se tanto menos justificada quanto a prestação em causa no processo principal é financiada por receitas fiscais e quanto, segundo a legislação nacional em causa, o recorrente no processo principal tem direito a essa prestação pelo facto de ter estado integralmente sujeito ao imposto sobre o rendimento na Alemanha.

79      A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que a finalidade dos artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE não seria alcançada se, na sequência do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes devessem perder as vantagens de segurança social que lhes são asseguradas unicamente pela legislação de um Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão da Silva Martins, já referido, n.° 74 e jurisprudência referida).

80      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os artigos 45.° TFUE a 48.° TFUE, do mesmo modo que o Regulamento n.° 1408/71, adotado para lhes dar execução, têm designadamente por objeto evitar que um trabalhador que fez uso do seu direito de livre circulação seja, sem justificação objetiva, tratado de forma mais desfavorável do que aquele que efetuou toda a sua carreira num único Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão da Silva Martins, já referido, n.° 76 e jurisprudência referida).

81      Por conseguinte, a desvantagem mencionada no n.° 76 do presente acórdão, ainda que possa ser explicada pelas disparidades das legislações de segurança social dos Estados‑Membros, que subsistem apesar da existência de regras de coordenação previstas pelo direito da União, é contrária às exigências do direito primário da União em matéria de livre circulação dos trabalhadores (v., designadamente, por analogia, acórdão da Silva Martins, já referido, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida).

82      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo objetivo do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça e como o órgão jurisdicional de reenvio recordou, consiste em promover a livre prestação de serviços, ao evitar que uma empresa estabelecida no território de um Estado‑Membro seja obrigada a inscrever os seus trabalhadores, normalmente sujeitos à legislação de segurança social desse Estado, no regime de segurança social de outro Estado‑Membro, para onde são enviados para desempenhar trabalhos de duração limitada no tempo, o que tornaria mais complicado o exercício, por parte de tal empresa, dessa liberdade fundamental (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 10 de fevereiro de 2000, FTS, C‑202/97, Colet., p. I‑883, n.os 28 e 29).

83      A este respeito, há que concluir que a exclusão do benefício da prestação para filhos que resulta da aplicação, na situação em causa no processo principal, de uma regra nacional anticúmulo como a que decorre do § 65 da EStG não visa evitar as despesas e as complicações administrativas que uma alteração da legislação nacional aplicável podia implicar para as empresas de outros Estados‑Membros que destacam trabalhadores para a Alemanha.

84      Com efeito, é pacífico que a prestação em causa no processo principal é concedida sem que as empresas de que dependem esses trabalhadores sejam obrigadas a contribuir para o financiamento dessa prestação e sem que lhes sejam impostas formalidades administrativas nesse contexto.

85      Cumpre, consequentemente, responder à terceira e quarta questões no processo C‑612/10 que as regras do Tratado em matéria de livre circulação dos trabalhadores devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação, numa situação como a que está em causa no processo principal, de uma regra de direito nacional como a que decorre do § 65 da EStG, na medida em que esta implica não uma diminuição do montante da prestação até ao limite do de uma prestação comparável recebida noutro Estado mas a exclusão dessa prestação.

 Quanto às despesas

86      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Os artigos 14.°, n.° 1, alínea a), e 14.°‑A, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro que não é designado, ao abrigo dessas disposições, como Estado competente conceda prestações para filhos, em conformidade com o seu direito nacional, a um trabalhador migrante que efetue um trabalho temporário no seu território, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, incluindo quando se verifique, em primeiro lugar, que o trabalhador em causa não sofreu nenhuma desvantagem, no plano jurídico, por ter exercido o seu direito à livre circulação, uma vez que conservou o seu direito a prestações familiares da mesma natureza no Estado‑Membro competente, e, em segundo lugar, que nem esse trabalhador nem o filho para o qual essa prestação é reclamada residem habitualmente no território do Estado‑Membro onde o trabalho temporário foi efetuado.

2)      As regras do Tratado FUE em matéria de livre circulação dos trabalhadores devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação, numa situação como a que está em causa no processo principal, de uma regra de direito nacional como a que decorre do § 65 da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz), na medida em que esta implica não uma diminuição do montante da prestação até ao limite do de uma prestação comparável recebida noutro Estado mas a exclusão dessa prestação.

Assinaturas


** Língua do processo: alemão.