Language of document : ECLI:EU:C:2023:681

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 14 de setembro de 2023 (1)

Processo C421/22

SIA Dobeles autobusu parks,

AS CATA,

SIA VTU Valmiera,

SIA Jelgavas autobusu parks,

SIA Jēkabpils autobusu parks

sendo interveniente:

Iepirkumu uzraudzības birojs,

VSIA Autotransporta direkcija

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Serviço de transporte público de passageiros por autocarro — Contrato previsto para 10 anos — Obrigação de serviço público — Parâmetros da compensação — Concurso»






1.        No litígio que está na origem deste pedido de decisão prejudicial, diversos operadores económicos impugnam o caderno de encargos de um concurso público para a adjudicação de um contrato de prestação de serviços públicos de transporte de passageiros por autocarro. Na sua opinião, o caderno de encargos não os protege devidamente contra o eventual aumento de determinados custos (de combustíveis, de salários e de contribuições para a segurança social) ao longo dos 10 anos de duração do contrato.

2.        O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 (2) permite «um regime de compensação» por força do qual a autoridade competente não procede à indexação periódica do preço contratual, pelos aumentos dos custos associados à prestação do serviço que estejam fora do controlo do adjudicatário.

3.        O Tribunal de Justiça pronunciou‑se a propósito da compensação correspondente às obrigações de serviço público no setor dos transportes (3), mas não abordou expressamente a questão que agora lhe é submetida.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União. Regulamento n.o 1370/2007

4.        São relevantes os considerandos 27 e 34.

5.        Em conformidade com o artigo 1.o («Objetivo e âmbito de aplicação»), n.o 1:

«1.      O presente regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito comunitário, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

Para este fim, o presente regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público».

6.        O artigo 2.o‑A («Especificação das obrigações de serviço público»), n.o 2, prevê:

«As especificações das obrigações de serviço público e a correspondente compensação do efeito financeiro líquido dessas obrigações devem:

a)      Realizar os objetivos da política de transportes públicos com uma boa relação custo‑eficácia; e

b)      Sustentar financeiramente a prestação do transporte público de passageiros em conformidade com os requisitos previstos na política de transportes públicos a longo prazo.»

7.        Nos termos do artigo 3.o («Contratos de serviço público e regras gerais»), n.o 1:

«Quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público.»

8.        O artigo 4.o («Conteúdo obrigatório dos contratos de serviço público e das regras gerais»), n.o 1, tem a seguinte redação:

«Os contratos de serviço público e as regras gerais devem:

a)      Estabelecer claramente as obrigações de serviço público, definidas no presente regulamento e especificadas nos termos do artigo 2.o‑A, que os operadores de serviço público devem cumprir, e as zonas geográficas abrangidas;

b)      Estabelecer antecipadamente, e de modo objetivo e transparente:

i)      os parâmetros com base nos quais a compensação deve ser calculada, se for caso disso, e

ii)      a natureza e a extensão dos direitos exclusivos concedidos, por forma a evitar sobrecompensações.

[…]»

9.        Nos termos do artigo 6.o («Compensações pelo serviço público»), n.o 1:

«Qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve cumprir o disposto no artigo 4.o […]».

B.      Direito nacional

10.      São aplicáveis os artigos 10.o, n.os 1 e 3, e 11.o, n.o 1, da Sabiedriskā transporta pakalpojumu likums (4); e os artigos 2.o, n.o 1, e 56.o, do Ministru kabineta 2015.gada 28.jūlija noteikumi Nr. 435 «Kārtība, kādā nosaka un kompensē ar sabiedriskā transporta pakalpojumu sniegšanu saistītos zaudējumus un izdevumus un nosaka sabiedriskā transporta pakalpojuma tarifu» (5).

II.    Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

11.      A Valsts SIA Autotransporta direkcija (a seguir «entidade adjudicante») lançou um concurso público «para a concessão do direito de prestação de serviços de transporte público em autocarros na rede de linhas a nível regional». Anunciava a celebração de um contrato público com uma duração de 10 anos com prestadores de serviços de transporte público (6).

12.      A SIA Dobeles autobusu parks (a seguir «Dobeles)» e outros operadores económicos (7) impugnaram o caderno de encargos por considerar que previa um mecanismo ilegal de compensação dos serviços de transporte público (8). Em especial, alegavam que:

—      A proposta dos proponentes deve prever o preço do serviço oferecido para os 10 anos seguintes, sem que o (futuro) contrato preveja um procedimento adequado para a revisão desse preço.

—      A única revisão de preços incluída prevê uma indexação que consideram ser insuficiente: abrange apenas três elementos (combustíveis, remuneração da mão de obra e contribuições obrigatórias para a segurança social em caso de alteração legislativa) quando existirem variações superiores a 5 % (combustível) ou a 8 % (custos salariais). Se os aumentos desses custos não excederem esses limiares, devem ser suportados pelo prestador do serviço.

—      A indexação não cobre os primeiros quatro anos da prestação do serviço e não está prevista a possibilidade de obtenção de uma compensação pelo aumento dos custos durante os três últimos anos.

13.      Em 11 de novembro de 2019, a Iepirkumu uzraudzības biroja Iesniegumu Izskatīšanas komisija (Comissão de análise das reclamações do Organismo de Supervisão da Contratação Pública, Letónia) indeferiu a reclamação apresentada pelas recorrentes.

14.      Cada uma das recorrentes interpôs recurso contencioso administrativo na Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), que lhes negou provimento por Sentença de 29 de maio de 2019. Na opinião desse tribunal, em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007 e com as Orientações da Comissão relativas à sua interpretação (9), o Estado não é obrigado a cobrir integralmente todos os custos dos prestadores de serviços de transporte público.

15.      Algumas recorrentes interpuseram recurso da sentença da primeira instância no Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) invocando, em substância, os mesmos argumentos que tinham sido utilizados nas vias administrativa e judicial anteriores.

16.      Esse órgão jurisdicional, tendo em conta os argumentos das partes no litígio, submete ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, 2.o‑A, n.o 2, e 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007 […] permitem um regime de compensação que não impõe à autoridade competente a obrigação de compensar integralmente o prestador do serviço de transporte público, através da indexação periódica do preço contratual (montante da compensação), por qualquer aumento dos custos associados à prestação do serviço que estejam fora do controlo desse prestador de serviços e que, por conseguinte, não elimina completamente o risco de o prestador de serviços incorrer em perdas que não possam ser objeto de compensação?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

17.      O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 22 de junho de 2022.

18.      Apresentaram observações escritas as recorrentes, os Governos cipriota e letão, e a Comissão Europeia.

19.      Realizou‑se uma audiência em 8 de junho de 2023, na qual participaram a Dobeles, a entidade adjudicante, os Governos cipriota e letão e a Comissão.

IV.    Apreciação

A.      Preliminares

1.      Legislação aplicável

20.      O órgão jurisdicional de reenvio considera aplicável ao litígio no processo principal o Regulamento n.o 1370/2007, pedindo a interpretação de três das suas disposições:

—      O artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, nos termos do qual o próprio regulamento «define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público».

—      O artigo 2.o‑A, n.o 2, que enuncia os objetivos das «especificações das obrigações de serviço público e a correspondente compensação do efeito financeiro líquido dessas obrigações».

—      O artigo 3.o, n.o 2, que se refere às obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais, afirmando‑se que essa disposição «não prejudica o direito de as autoridades competentes incluírem obrigações de serviço público que estabeleçam tarifas máximas em contratos de serviço público» (10).

21.      Todavia, a aplicação do Regulamento n.o 1370/2007 dependerá das características do contrato cujo caderno de encargos está em causa. Esse regulamento:

—      Visando os serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, prevê modalidades de intervenção nos regimes gerais de contratos públicos, como os regulados pela Diretiva 2014/24/UE (11) ou pela Diretiva 2014/25/UE (12).

—      Contém disposições especiais que ou substituem ou complementam as regras gerais da Diretiva 2014/24 ou da Diretiva 2014/25, consoante a diretiva aplicável preveja ou não regras nos domínios que se regem pelo referido regulamento (13).

22.      Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, em princípio, os contratos de serviço público devem ser adjudicados de acordo com as normas aprovadas nesse regulamento.

23.      No entanto, os contratos de serviços ou os contratos públicos de prestação de serviços, tal como definidos nas Diretivas 2014/24 ou 2014/25, para o transporte público de passageiros por autocarro ou elétrico, devem ser adjudicados nos termos dessas diretivas na medida em que tais contratos não assumam a forma de contratos de concessão de serviços.

2.      Obrigação de serviço público e natureza do contrato

24.      Dada a falta de clareza relativamente a este detalhe, a natureza do contrato em causa foi objeto de discussão na audiência. A Dobeles, a entidade adjudicante e o Governo da Letónia concordaram em que se tratava de um contrato de serviço público, em que o adjudicatário assumia apenas alguns riscos, e não de um contrato de concessão (14).

25.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essa opinião é correta. Para o efeito, deve ter em conta nomeadamente a transferência do risco ligado à exploração dos serviços que são adjudicados.

26.      Todas as partes estão igualmente de acordo quanto à existência de uma verdadeira obrigação de serviço público, a cujo cumprimento se destina o contrato controvertido.

27.      Uma vez dissipadas estas incertezas, concentrarei a minha análise no quadro jurídico conferido pelo Regulamento n.o 1370/2007.

B.      A compensação de serviço público, contrapartida da obrigação de serviço público

28.      O Regulamento n.o 1370/2007 entende por «obrigação de serviço público» a «imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas» (15).

29.      Expliquei noutro lugar (16) que o Regulamento n.o 1370/2007 associa uma contrapartida ao cumprimento das obrigações de serviço público que sejam onerosas para as empresas afetadas. Essa contrapartida assume a forma de compensação, ou de concessão de um direito exclusivo (17).

30.      O conceito de «compensação de serviço público» associa uma vantagem, nomeadamente de ordem financeira, à execução de uma obrigação de serviço público que implica o fornecimento de prestações sem interesse comercial.

31.      Garante‑se assim que as obrigações de serviço público, quando são onerosas, não prejudiquem financeiramente os operadores chamados a executá‑las e, em última análise, não prejudiquem a própria prestação do serviço. Nesses casos, compensações, contrapartidas de obrigações de serviço público, «[…] devem ser atribuídas para assegurar a prestação de serviços que constituam serviços de interesse geral na aceção do Tratado» (18).

32.      Em definitivo, o Regulamento n.o 1370/2007 não prevê que o custo decorrente das obrigações de serviço público deva ser suportado apenas pelos operadores de serviços de transporte: nesse caso, é provável que nenhum concordasse em prestar o serviço, por si só desprovido de interesse comercial.

1.      Montante da compensação

33.      No cálculo da compensação (ou do estabelecimento dos mecanismos e dos parâmetros para o efeito) (19), a autoridade competente deve procurar «[r]ealizar os objetivos da política de transportes públicos com uma boa relação custo‑eficácia» (20) e «[s]ustentar financeiramente a prestação do transporte público de passageiros em conformidade com os requisitos previstos na política de transportes públicos a longo prazo» (21).

34.      O Regulamento n.o 1370/2007 não impõe que a compensação cubra integralmente o custo líquido da obrigação de serviço público. Ao remeter, no seu considerando 34, para o Acórdão Altmark, recorda que, para que as compensações de serviço público não constituam uma vantagem na aceção do artigo 92.o, n.o 1, do Tratado CE (atual artigo 107.o, n.o 1, TFUE), estas compensações «não podem ultrapassar o necessário para cobrir os custos líquidos decorrentes da execução das obrigações de serviço público»(22).

35.      Na mesma ordem de ideias, o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1370/2007, exige que, tanto nos contratos de serviço público como nas regras gerais, sejam estabelecidas as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços. Esta exigência pressupõe que a autoridade competente não tem a obrigação de compensar todos os custos que o operador suporta na sequência da assunção da obrigação de serviço público.

36.      A compensação apenas parcial dos custos ligados à obrigação de serviço público traduz‑se num risco para o operador. Sempre que essa compensação esteja ligada a uma regra geral ou a um contrato adjudicado por ajuste direto, a autoridade competente deve tê‑lo em conta no âmbito do cálculo do lucro razoável relativo à execução da obrigação de serviço público (23).

37.      Além disso, a compensação ligada a uma obrigação de serviço público no setor dos transportes terrestres não deve ser excessiva. Impedir a sobrecompensação tem uma dupla razão de ser: por um lado, evita subvenções que constituam auxílios estatais; por outro, resulta em melhorias na qualidade e na eficácia do serviço.

38.      Este último objetivo é referido no considerando 27 e no ponto 7 do anexo (24)e, com uma formulação mais ampla, no já mencionado artigo 2.o‑A, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1370/2007, introduzido pelo Regulamento 2016/2338.

39.      O Regulamento n.o 1370/2007 não especifica o modo de promover a gestão eficaz do serviço de transporte através da compensação (25): as autoridades competentes dispõem de uma certa margem de manobra (26).

40.      Nas suas orientações, a Comissão adverte contra sistemas de compensação que «se limitam a cobrir os custos realmente incorridos» (ou seja, a posteriori) na medida em que «não dão grande incentivo à empresa de transportes para que siga uma política de contenção de custos ou se esforce por ganhar eficiência» (27).

41.      Sob este ponto de vista, uma compensação de montante inferior aos custos líquidos da obrigação de serviço público pode servir para incentivar uma gestão eficaz pelo operador de serviço público, encorajando‑o a reduzir os custos que controla.

42.      No âmbito dos trabalhos preparatórios do Regulamento 2016/2338 foram apresentadas alterações destinadas a proibir «o excesso» da compensação ou que esta possa «ficar abaixo do montante necessário para a cobertura do efeito financeiro líquido sobre os custos e as receitas decorrentes da execução das obrigações de serviço público» (28). Estas alterações encontraram a oposição expressa do Conselho, uma vez que eram contrárias à orientação geral (29), na medida em que descarregavam todo o risco sobre as autoridades adjudicantes e não permitiam a introdução de incentivos à eficácia na gestão do serviço (30).

2.      Compensação adequada?

43.      O Regulamento n.o 1370/2007 não contém, entre os seus artigos, nenhuma referência literal a uma compensação «adequada», «apropriada» ou «suficiente» (31). A referência a esses termos aparece no preâmbulo e, indiretamente, no anexo.

44.      No texto adotado em 2007, o considerando 27, após recordar que se deve evitar a sobrecompensação, enuncia que «[q]uando tencionar adjudicar um contrato de serviço público sem concurso, a autoridade competente deverá também respeitar regras pormenorizadas que assegurem a adequação do montante das compensações […]».

45.      No dispositivo do texto, também existe a preocupação relativa a uma subcompensação, embora, enquanto tal, se traduza exclusivamente numa referência do anexo, no que respeita ao impacto que o cumprimento da obrigação de serviço público pode ter noutras atividades do operador, ou nas suas redes (32).

46.      As Orientações da Comissão recordam que uma compensação «adequada» é necessária para evitar a erosão a longo prazo dos fundos próprios do operador sujeito à obrigação de serviço público, que o impediria de cumprir eficazmente as obrigações estabelecidas no contrato e de assegurar a prestação dos serviços de transporte de passageiros mantendo um nível de qualidade (33).

47.      A Comissão acrescenta que uma compensação não adequada origina um risco de diminuição do número de propostas apresentadas a um concurso para adjudicação de um contrato de serviço público (34).

48.      Na sua proposta de alteração do Regulamento n.o 1370/2007, a Comissão tornou explicito o imperativo de garantir a sustentabilidade financeira dos serviços de transporte público (35).

49.      Esta preocupação é manifesta no texto alterado pelo Regulamento 2016/2338. O artigo 2.o‑A, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1370/2007 insiste no facto de a compensação dever incluir, entre os seus objetivos, o de «[s]ustentar financeiramente a prestação do transporte público de passageiros em conformidade com os requisitos previstos na política de transportes públicos a longo prazo».

50.      O considerando 11 do Regulamento 2016/2338 associa a sustentabilidade financeira com o dever de compensar «adequadamente» o cumprimento das obrigações de serviço público pelos operadores.

51.      Determinar se a compensação é adequada, no sentido indicado, enquadra‑se no teste de apreciação da proporcionalidade (36) que devem superar as especificações das obrigações de serviço público para a prestação de serviços públicos de transporte de passageiros, nos termos do artigo 2.o‑A, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007.

52.      Por conseguinte, a compensação deve permitir ao operador encarregado da obrigação de serviço público concluir a sua prestação com êxito. Pelas razões que expus anteriormente, isso não significa a correspondência do seu montante com o custo financeiro líquido decorrente do cumprimento dessa obrigação.

3.      Custos (rubricas) suscetíveis de serem objeto de compensação

53.      De acordo com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, os contratos de serviço público devem prever as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços de transporte (37).

54.      Entre esses custos, essa disposição elenca, sem pretender ser taxativa, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.

55.      As primeiras propostas do regulamento obrigavam a que o operador suportasse, pelo menos, os «custos do fornecimento dos serviços objeto de um contrato de serviço público, nomeadamente os custos de pessoal, energia e manutenção e reparação dos veículos e material circulante» (38).

56.      Em contrapartida, o Regulamento n.o 1370/2007 não impõe que sejam imputados custos determinados a uma ou a outra parte; por conseguinte, não exige a compensação de custos específicos (39). A autoridade competente beneficia de flexibilidade a este respeito (40).

4.      Conclusão intercalar

57.      Uma compensação por serviço público na aceção do Regulamento n.o 1370/2007 é a que, no que respeita ao seu montante, não confere uma vantagem financeira que possa ser qualificada de auxílio estatal. Além disso, este montante deve refletir um equilíbrio entre os objetivos de uma gestão eficaz do serviço de transporte e a sustentabilidade financeira da prestação deste a longo prazo.

58.      A compensação inferior ao custo líquido do cumprimento da obrigação de serviço público não viola o Regulamento n.o 1370/2007. A transferência de riscos para o prestador de serviços não é, em si mesma, contrária a esse regulamento.

59.      A autoridade competente beneficia de um ampla margem de manobra no que respeita à decisão das rubricas a que associa ou não a compensação e, por conseguinte, relativamente a que riscos específicos são suportados pelo operador do serviço.

C.      Compensação e procedimentos de concursos

60.      Na audiência, foi colocada a questão de saber que impacto podia ter sobre a compensação o facto de a adjudicação do contrato ter sido precedida de um concurso (como acontecia no presente processo).

61.      Para estabelecer uma obrigação de serviço público, o Regulamento n.o 1370/2007 prevê dois tipos de instrumentos jurídicos: os contratos de serviço público e as regras gerais (41). Em princípio, os primeiros devem ser escolhidos quando está prevista uma compensação (42). A título excecional, no que respeita às obrigações relativas a tarifas máximas, é possível recorrer à imposição unilateral através de regras gerais (43).

62.      Em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1370/2007, as entidades adjudicantes dispõem da possibilidade de recorrer à adjudicação por ajuste direto (a um operador interno ou, sujeita a condições, a um terceiro) ou a um concurso. O nível de pormenor das disposições do Regulamento n.o 1370/2007 relativas ao método de cálculo da contrapartida varia consoante a forma como a adjudicação é realizada.

63.      O texto contém algumas diretrizes comuns. O artigo 6.o, respeitante às «compensações pelo serviço público» prevê, no seu n.o 1, primeiro período, que estas devem cumprir o disposto no artigo 4.o do Regulamento n.o 1370/2007 (44).

64.      No que respeita ao método de cálculo da compensação ligada a uma obrigação de serviço público, o Regulamento n.o 1370/2007 pronuncia‑se apenas quando esta última é imposta por via de uma regra geral ou no âmbito de um contrato cuja adjudicação é realização por ajuste direto.

65.      Por outras palavras, não existem no Regulamento n.o 1370/2007 regras específicas aplicáveis ao método de cálculo da compensação quando a adjudicação do contrato é realizada por concurso. Na minha opinião, essa ausência deve‑se ao facto de o legislador ter confiado na melhor aptidão dos procedimentos concorrenciais para atingir, por si sós, o equilíbrio entre os interesses em conflito.

66.      Neste tipo de concursos, as entidades adjudicantes são livres de incorporar, ou não, nos cadernos de encargos sistemas de revisão dos preços sob fórmulas de indexação ou semelhantes. Como declarou o Tribunal de Justiça (45) relativamente às normas nacionais que não previam a revisão periódica dos preços dos contratos após a adjudicação, o direito da União (46) não se opõe a essas normas.

67.      As Orientações da Comissão destacam, no seu n.o 2.4.1. como «[a] organização de um concurso aberto a todos os operadores, transparente e sem discriminações, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, [do Regulamento n.o 1370/2007] permitirá normalmente minimizar a compensação que as autoridades competentes terão de pagar ao prestador de serviços para obterem o nível de serviço público imposto pelo caderno de encargos, obviando assim à sobrecompensação. Neste caso, não há necessidade de aplicar as regras relativas à compensação previstas no anexo do regulamento».

68.      Neste sentido, os procedimentos concorrenciais para a adjudicação do contrato configuram‑se como sistemas adequados para a atribuição do serviço público, nas melhores condições de qualidade e de preço, a um operador económico capaz. Nesse contexto, a intervenção do regulador acaba por ser menos necessária.

69.      As Orientações da Comissão reforçam esta ideia: a interação das forças do mercado permite determinar a compensação reduzida ao mínimo (47), de modo que a autoridade ou a entidade adjudicante podem optar pela proposta que represente o menor custo para a coletividade (ou a proposta que represente a opção mais eficaz, em termos de preço e de qualidade) (48).

70.      No Regulamento n.o 1370/2007, a convicção de que o procedimento concorrencial permite um ajustamento automático da contrapartida não está associada só à exigência de que a compensação não seja excessiva.  O concurso é também considerado apto a assegurar uma compensação adequada para garantir a sustentabilidade financeira a longo prazo dos serviços públicos de transporte de passageiros, em conformidade com os requisitos da política de transportes públicos (49).

71.      Ora, isto assenta no pressuposto de que a configuração do concurso permite uma concorrência real e efetiva, tanto do ponto de vista do procedimento como do conteúdo do contrato:

—      No que respeita ao concurso, o Regulamento n.o 1370/2007 contém poucos esclarecimentos (50). Nas Orientações da Comissão preconiza‑se a aplicação das regras específicas das diretivas relativas aos contratos públicos (51).

—      No que respeita ao conteúdo do contrato de serviço público, o artigo 4.o do Regulamento n.o 1370/2007 enumera os elementos mínimos que nele devem figurar. Considero que, por uma questão de transparência, deverão constar do caderno de encargos.

72.      Dispondo dessas informações, os operadores optam por participar ou não no concurso; se o fizerem, podem preparar a proposta integrando o preço de todos os fatores relevantes (52).

73.      O montante da compensação — ou o mecanismo e os parâmetros para a sua determinação — está obviamente incluído entre esses elementos relevantes. Se for excessivamente subestimada, pode dissuadir os potenciais proponentes ou limitar o seu número, em violação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 (53).

74.      Por conseguinte, a entidade adjudicante deve evitar incluir no caderno de encargos parâmetros de compensação que, ao tornarem a obrigação de serviço público imposta aos potenciais prestadores de serviços demasiado onerosa sem justificação objetiva, os dissuadam de participar no concurso. Quando isso acontece, o procedimento não serve o seu objetivo essencial de permitir a seleção da proposta mais vantajosa (para efeitos do cumprimento da obrigação de serviço público).

75.      Determinar se existe ou não um desequilíbrio entre prestações, e se é ou não justificado, exige uma análise caso a caso à luz dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1370/2007 através da compensação.

D.      Aplicação ao litígio

76.      No despacho de reenvio, o tribunal a quo inclui argumentos a favor e contra a pretensão dos recorrentes. Entre os primeiros, refere os seguintes:

—      O modelo escolhido e os instrumentos para a sua aplicação obrigam os proponentes a assumir um risco demasiado elevado ao fixarem o preço do serviço, ao ponto de se poder considerar que o Estado se subtrai, de facto, à obrigação de compensar adequadamente os custos associados à prestação do serviço de transporte público.

—      Não é possível prever com precisão quais serão os preços das fontes de energia (combustíveis) e os salários médios do setor ou as contribuições a pagar à segurança social numa perspetiva de 10 anos. Num regime de compensação em que existe apenas a possibilidade de recalcular corretamente os preços com intervalos de vários anos, e apenas para certas rubricas, corre‑se o risco de o aumento dos custos devido a previsões imprecisas resultar em perdas para o operador, mesmo no caso de uma atividade económica eficiente.

77.      Ainda segundo o tribunal de reenvio, entre os argumentos contrários figuram os seguintes:

—      As Orientações da Comissão colocam a tónica nas ideias de qualidade e eficiência na prestação dos serviços. As autoridades competentes devem encontrar um modelo que garanta um serviço de qualidade e que, ao mesmo tempo, motive os prestadores de serviços a melhorarem o rendimento das suas prestações. As normas de compensação previstas no Regulamento n.o 1370/2007 deixam alguma margem de manobra às autoridades competentes.

—      A abertura de um concurso público insere‑se na implementação do desenvolvimento dos serviços nacionais de transporte público na Letónia. O Estado decidiu que, ao conceber a rede única de linhas de autocarros com requisitos de qualidade uniformes, a partir de 2021, a compensação pela prestação desses serviços assente num modelo contratual que se baseará na diferença entre o preço proposto pelo transportador no concurso público e as receitas geradas pelo serviço de transporte público (54).

—      Os proponentes não estão proibidos de incluir no cálculo do preço da proposta o custo do risco por si assumido ao fixarem um preço específico para um determinado período. Por conseguinte, os proponentes não são obrigados a prever com precisão os custos que fazem parte do preço da proposta para os 10 anos seguintes, mas são encorajados a considerar qual seria o preço da proposta do proponente em condições económicas e empresariais em mutação.

—      Ainda assim, existe a possibilidade de estas considerações acerca do risco não excluírem por completo a possibilidade de o regime de compensação proposto não cobrir todas as perdas sofridas pelo operador na execução do contrato. No contexto de um concurso, é possível que, na esperança de lhes ser adjudicado o concurso, os proponentes estejam relutantes em oferecer um preço contratual que possa prevenir esse risco. Por conseguinte, é de recear que se reduza a disponibilidade ou a qualidade do serviço.

78.      Pela minha parte, em coerência com o que acima exponho, considero que nada obriga as autoridades competentes a instituir, a favor do prestador do serviço de transporte público, mecanismos de indexação integral dos custos que servem para formar o preço contratual.

79.      Com efeito, o Regulamento n.o 1370/2007 não impõe que o contrato de prestação de serviços inclua cláusulas de indexação integral, que funcionem a título de «seguro» contra aumentos dos custos dos combustíveis, dos salários ou das contribuições para a segurança social. No âmbito da sua margem de apreciação, a entidade adjudicante pode prever essa indexação em termos parciais, apenas para certos períodos e para situações em que os aumentos de custos ultrapassem um certo limite (55).

80.      Não há, repito, uma obrigação de assegurar a compensação integral de qualquer aumento dos custos associados à prestação do serviço. Por conseguinte, um regime nacional dos contratos de serviço público de transporte adjudicados por concurso público que, ao contrário do anteriormente em vigor na Letónia (56), não elimina completamente o risco de o prestador do serviço incorrer em perdas, é compatível com o Regulamento n.o 1370/2007.

81.      Não é de excluir que, ao abrigo desse modelo, ocorram situações de imputação de riscos ao operador. Todavia, considerado em abstrato, o modelo está em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007, que permite uma compensação que não seja integral, desde que constitua um incentivo à eficiência.

82.      À questão de saber se esse modelo obriga os proponentes a assumir um risco demasiado elevado no momento da fixação do preço do serviço, poderia, antes de mais, responder‑se que a participação no concurso não é obrigatória e que os candidatos devem ponderar se têm ou não interesse em participar no mesmo (57).

83.      Em segundo lugar, como já expliquei, dispondo das informações adequadas, os proponentes concebem a sua proposta à luz de todos os elementos relevantes, incluindo um aumento futuro dos custos que afetam o serviço e o prémio de risco correspondente. Devem fazer um prognóstico, para um período determinado, sobre os custos que tenham incidência no preço do serviço, incluindo aqueles em cuja evolução (quer em alta quer em baixa) não exercem nenhuma influência.

84.      Inevitavelmente, essa avaliação de custos futuros também incidirá sobre aqueles cujo aumento não depende dos operadores, ou seja, sobre os custos não diretamente ligados à «(in)eficácia operacional do transportador» (58). Mas, repito, o Regulamento n.o 1370/2007 não impõe a compensação de custos precisos. Se, como consequência desses aumentos, a compensação for inferior aos custos calculados pelo operador, este deverá realizar poupanças noutras rubricas sobre as quais tem influência.

85.      Estas considerações não obstam a que o órgão jurisdicional de reenvio, à luz das cláusulas do caderno de encargos (e dos cálculos financeiros que lhe estão subjacentes), aprecie os seus eventuais efeitos dissuasivos no âmbito global da proposta (59). A sua análise poderá levá‑lo a considerar que a compensação da obrigação de serviço público, devido à sua insuficiência manifesta, reduz a termos não razoáveis a disponibilidade ou a qualidade do serviço ou limita artificialmente o número de proponentes.

86.      O Tribunal de Justiça não se deve substituir ao órgão jurisdicional de reenvio nas suas apreciações sobre a questão de saber se o conteúdo do caderno de encargos controvertido padecia dessas deficiências e, por conseguinte, não possibilitava a seleção da proposta mais vantajosa. Tudo parece indicar que tal não aconteceu no presente processo (de facto, ocorreu a participação de diversos proponentes que apresentaram livremente as suas propostas), mas, insisto, esta constitui uma questão que apenas o órgão jurisdicional de reenvio está em condições de esclarecer.

V.      Conclusão

87.      Atendendo ao exposto, proponho que se responda ao Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) nos seguintes termos:

«O Regulamento n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2016/2338 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016,

deve ser interpretado no sentido de que

permite que, no caderno de encargos para a adjudicação, através de um procedimento concorrencial aberto, de um contrato de transporte de passageiros por autocarro, não se faça constar uma cláusula de indexação periódica de todos os custos, incluindo os que estejam fora do controlo desse prestador de serviços, como contrapartida da obrigação de serviço público objeto desse contrato.»


1      Língua original: espanhol.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1). A versão atualmente em vigor, aplicável ao presente processo, é a resultante do Regulamento (UE) 2016/2338 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016, que o altera no que respeita à abertura do mercado nacional de serviços de transporte ferroviário de passageiros (JO 2016, L 354, p. 22).


3      Recentemente, no Acórdão de 8 de setembro de 2022, AS Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:641). No que respeita ao seu precedente imediato, o Regulamento (CEE) n.o 1191/69 do Conselho, de 26 de junho de 1969, relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1969, L 156, p. 1; EE 08/01, p. 131), v. Acórdãos de 27 de novembro de 1973, Nederlandse Spoorwegen (36/73, EU:C:1973:130), num processo sobre transporte ferroviário; e de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415; a seguir «Acórdão Altmark»), de 7 de maio de 2009, Antrop e o. (C‑504/07, EU:C:2009:290), e de 3 de abril de 2014, CTP (C‑516/12 a C‑518/12, EU:C:2014:220), em matéria de transporte por autocarro.


4      Lei dos Serviços de Transporte Público.


5      Decreto do Conselho de Ministros n.o 435, de 28 de julho de 2015, relativo ao procedimento de determinação e compensação de perdas e despesas relacionadas com a prestação de serviços de transporte público e à tarifação desses serviços.


6      O anúncio de concurso tinha o número de referência AD 2019/7. O processo 2019/S 138‑340153 foi publicado no suplemento ao JOUE de 19 de julho de 2019 (JO 2019, S 138, p. 1).


7      A AS CATA, a SIA VTU Valmiera, a SIA Jelgavas autobusu parks e a SIA Jēkabpils autobusu parks (a seguir, conjuntamente com a Dobeles, «recorrentes»).


8      Na audiência, a entidade adjudicante explicou que as receitas do prestador de serviços são compostas por duas rubricas: a) o montante pago pelos passageiros no momento da aquisição do título de transporte e b) uma compensação financeira a cargo do Estado, correspondente à diferença entre o preço do serviço proposto pelo adjudicatário na sua proposta e o preço obtido pela venda de bilhetes aos passageiros.


9      Comunicação da Comissão Orientações para a interpretação do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros [(JO 2014, C 92, p. 1); a seguir «Orientações da Comissão»]. Estas orientações não têm valor injuntivo.


10      Na realidade, tendo em conta os factos deste litígio, o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007 não é pertinente para a sua resolução.


11      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).


12      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243).


13      Acórdão de 20 de setembro de 2018, Rudigier (C‑518/17, EU:C:2018:757, n.o 49).


14      A entidade adjudicante confirmou que o Decreto do Conselho de Ministros n.o 435, de 28 de julho de 2015, aqui aplicável, difere daquele que, no Acórdão de 10 de novembro de 2011, Norma‑A e Dekom (C‑348/10, EU:C:2011:721), foi examinado pelo Tribunal de Justiça para afastar a qualificação de «concessão» do contrato então em causa. Naquela situação, o adjudicatário não assumia a totalidade ou, pelo menos, uma parte significativa do risco ligado à exploração.


15      Artigo 2.o, alínea e), do Regulamento n.o 1370/2007.


16      Conclusões do processo Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:180, n.o 38).


17      O artigo 2.o, alínea f), do Regulamento n.o 1370/2007 considera como tal o «direito que autoriza um operador de serviço público a explorar determinados serviços de transporte público de passageiros numa linha, rede ou zona específica, com exclusão de outros operadores de serviços públicos».


18      Considerando 34 do Regulamento n.o 1370/2007.


19      O Regulamento n.o 1370/2007 não menciona uns ou outros sistemas de cálculo. No litígio, o debate incide sobre a indexação dos preços, mas este constitui apenas mais um dos modelos possíveis para o cálculo da compensação e, em última análise, para contrabalançar os eventuais efeitos negativos que a execução da obrigação de serviço público acarrete para o adjudicatário do contrato.


20      Artigo 2.o‑A, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1370/2007. De acordo com o anexo, a compensação deve ser modulada de modo que incentive uma gestão eficaz do serviço. Esta indicação pode ser entendida como uma expressão concreta do objetivo de eficácia.


21      Artigo 2.o‑A, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1370/2007. Numa formulação mais clara, considerando 11 do Regulamento 2016/2338.


22      Acórdão Altmark, n.° 92 e dispositivo.


23      O anexo, ponto 6, do Regulamento n.o 1370/2007 define lucro razoável como «uma taxa de remuneração do capital que seja habitual no setor num determinado Estado‑Membro, e que deve ter em conta o risco, ou a inexistência de risco, incorrido pelo operador de serviço público devido à intervenção da autoridade pública».


24      No que diz respeito à obrigação de serviço público que ou não é contratualizada ou é‑o, mas não através de um concurso. O legislador adota a posição, a que me referirei mais adiante, de que um procedimento de adjudicação aberto conduz naturalmente a uma compensação não excessiva.


25      A Comunicação da Comissão — Enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (2011) (JO 2012, C 8, p. 15, pontos 40 e 41), refere, a título exemplificativo, dois métodos: estabelecer de antemão um nível fixo de compensação que antecipa e integra os ganhos de eficiência que se espera que a empresa obtenha ao longo do período previsto no ato de atribuição; ou definir objetivos de eficiência no ato de atribuição e fazer depender o nível de compensação da medida em que os objetivos tenham sido atingidos. Procedimentos semelhantes constavam da Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no setor do transporte de passageiros por via‑férrea, estrada e via navegável interior (Apresentada pela Comissão em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 250.o do Tratado CE) [COM(2002) 107 final], anexo, ponto 6.


26      As autoridades devem assegurar que os incentivos não excedem um nível razoável, evitando que o operador conserve proveitos de eficiência desproporcionados; e garantir que esses incentivos não obstem a que o serviço prestado seja de alta qualidade. Estas indicações constam da secção 2.4.5 das Orientações da Comissão; resultam também de uma interpretação sistemática e teleológica do Regulamento n.o 1370/2007.


27      Orientações da Comissão, secção 2.4.3.


28      Projeto de resolução legislativa do Parlamento Europeu relativa à proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 no que respeita à abertura do mercado nacional de serviços de transporte ferroviário de passageiros [(COM(2013) 0028 — C7‑0024/2013 — 2013/0028(COD)], documento A7‑0034/2014, de 16 de janeiro de 2014, alterações 10 e 40.


29      Refletida no Documento 12777/15, de 12 de outubro de 2015, do Secretariado‑Geral do Conselho às Delegações.


30      V Relatório do Secretariado‑Geral do Conselho ao Coreper, documento 13146/15, de 4 de dezembro de 2015, linha 112; e documento 5159/16, add. 1, de 15 de janeiro de 2016, linha 112. Recordo que uma proibição direta da compensação «insuficiente», proposta no âmbito dos trabalhos preparatórios da primeira versão do regulamento, também não foi bem‑sucedida: as razões desse insucesso são múltiplas e não estão necessariamente ligadas ao incentivo à eficácia. V. nota 31.


31      O projeto de resolução legislativa do Parlamento Europeu referente à Posição Comum adotada pelo Conselho tendo em vista a adoção do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho [13736/1/2006 — C6‑0042/2007 — 2000/0212(COD)], documento A6‑0131/2007, de 4 de abril de 2007, alterações 6, 14 e 18, alterava a Posição Comum no sentido de exigir que se evite a sobrecompensação ou uma subcompensação. As delegações dos Estados‑Membros mostraram‑se divididas tanto no que diz respeito à eventual inclusão da exigência (em especial, para algumas delegações, a prevenção da subcompensação, não constituía um objetivo do regulamento), como relativamente à questão de saber onde e como o fazer: v. Relatório do Secretariado‑Geral do Conselho ao Coreper, documento 7974/07, de 2 de abril de 2007, no que respeita a essas alterações. Acabaram por não ser incluídas no texto.


32      Anexo, ponto 3. Alerta‑se tanto contra a sobrecompensação como contra a «falta de compensação», indicando‑se que devem ser tidos em conta «os efeitos financeiros quantificáveis sobre as redes do operador» ao proceder‑se ao cálculo da incidência financeira líquida da obrigação de serviço público.


33      Orientações da Comissão, secção 2.4.8.


34      Ibidem.


35      Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 no que respeita à abertura do mercado nacional de serviços de transporte ferroviário de passageiros, COM(2013) 28 final, considerando 5, e artigo 2.o‑A, n.o 4. Os estudos e consultas que apoiaram o texto centravam‑se no transporte ferroviário, que é também o objetivo principal da alteração do Regulamento n.o 1370/2007. Todavia, dada a sua redação, o alcance da proposta neste ponto é geral.


36      A obrigação de serviço público, enquanto intervenção no mercado, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, tal como entendido no âmbito do direito da União: deve ser justificada, adequada para atingir o objetivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para o alcançar.


37      A mesma obrigação impõe‑se às regras gerais, que não são objeto do presente reenvio prejudicial. Sobre o conceito, v. nota 41.


38      Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no setor do transporte de passageiros por via‑férrea, estrada e via navegável interior [COM(2000) 7 final], artigo 6.o, alínea b); e Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no setor do transporte de passageiros por via‑férrea, estrada e via navegável interior (Apresentada pela Comissão em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 250.o do Tratado CE) [COM(2002) 107 final], artigo 6.o, alínea b).


39      Uma disposição que não permita flexibilidade na repartição dos custos pode ser impraticável, como alertava o Comité Económico e Social no seu Parecer sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no setor do transporte de passageiros por via‑férrea, estrada e via navegável interior» (JO 2001, C 221, p. 31), ponto 5.1.1.


40      Outro exemplo dessa flexibilidade consta do artigo 2.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1370/2007, que autoriza a autoridade competente a agrupar os serviços prestados a preços que permitem cobrir os custos e os outros que não permitem cobrir os custos.


41      Definidos, respetivamente, nas alíneas i) e l) do artigo 2.o do Regulamento n.o 1370/2007. O contrato de serviço público reflete um «acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público». A regra geral implica uma «medida que é aplicável sem discriminação a todos os serviços de transporte público de passageiros de um mesmo tipo numa determinada zona geográfica».


42      Artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007: «[q]uando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público».


43      Artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007: «Em derrogação do n.o 1, as obrigações de serviço público destinadas a estabelecer tarifas máximas para o conjunto dos passageiros ou para determinadas categorias de passageiros podem também ser objeto de regras gerais […]».


44      Nos termos desta disposição, qualquer contrato de serviço público, tal como uma regra geral, deve: «[…] b) [e]stabelecer antecipadamente, e de modo objetivo e transparente: i) os parâmetros com base nos quais a compensação deve ser calculada, se for caso disso, e ii) a natureza e a extensão dos direitos exclusivos concedidos, por forma a evitar sobrecompensações. […] c) [e]stabelecer as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços […]».


45      Acórdão de 19 de abril de 2018, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑152/17, EU:C:2018:264, n.os 29 a 31).


46      Tratava‑se então da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 1251/2011 da Comissão, de 30 de novembro de 2011 (JO 2011, L 319, p. 43), e dos princípios gerais subjacentes. Atualmente, a Diretiva 2014/24 refere‑se no seu considerando 111 à indexação como uma possibilidade: «Deverá ser conferida às autoridades adjudicantes, nos próprios contratos, a possibilidade de preverem modificações do contrato através de cláusulas de revisão ou opção, mas essas disposições não lhes deverão conferir um poder de apreciação ilimitado […]. Deverá, por conseguinte, ser especificado que, em cláusulas de revisão ou opção redigidas de forma suficientemente clara, poderão, por exemplo, ser previstas indexações de preços […]». Considerandos com a mesma redação figuram nas Diretivas 2014/23 e 2014/25.


47      N.o 2.4.2 das Orientações da Comissão. Outra demonstração de que o concurso atua como elemento de determinação autónoma da compensação, através do jogo da oferta e da procura, consta do n.o 2.4.3., onde, no respeitante ao conceito de lucro razoável, a Comissão se refere à hipótese de existir «uma remuneração de mercado geralmente aceite para um dado serviço», uma vez que «essa remuneração de mercado constitui a melhor referência para a compensação, na ausência de um convite a concorrer».


48      O critério do «menor custo para a coletividade» não figura no Regulamento n.o 1370/2007. O Acórdão Altmark utiliza‑o no seu n.o 93, mas não no dispositivo. Segundo a Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais da União Europeia à compensação concedida pela prestação de serviços de interesse económico geral [JO 2012, C 8, p. 4 (comunicação SIEG)], deve ser interpretado no sentido de que permite optar pela proposta com o preço mais baixo, ou pela que corresponde à melhor relação qualidade‑preço. Embora estas indicações digam respeito ao artigo 106.o TFUE, não vejo inconveniente em que, relativamente a este aspeto, sejam transpostas para o artigo 93.o TFUE.


49      Remeto para o considerando 11 do Regulamento 2016/2338: «No caso de contratos de serviço público que não sejam adjudicados por concurso, o cumprimento das obrigações de serviço público pelos operadores deverá ser adequadamente compensado […]». O sublinhado é meu.


50      Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007, o concurso «deve ser aberto a todos os operadores, deve ser imparcial e deve respeitar os princípios de transparência e de não discriminação». O considerando 9 refere‑se também ao princípio da proporcionalidade. O procedimento de adjudicação deve respeitar os princípios do TFUE, independentemente de serem referidos no articulado.


51      Secção 2.3.2.


52      Poderão igualmente, se o considerarem pertinente, tomar medidas para se protegerem contra as contingências do mercado (por exemplo, subscrevendo um seguro contra aumentos futuros dos preços dos produtos e dos serviços a utilizar).


53      Quando a obrigação de serviço público é contratualizada, o desequilíbrio excessivo, em benefício da entidade adjudicante, das respetivas obrigações contratuais pode restringir a concorrência, uma vez que, regra geral, os operadores económicos não estarão dispostos a suportar perdas.


54      Satiksmes ministrijas informatīvais ziņojums «Par reģionālās nozīmes sabiedriskā transporta pakalpojumu attīstību 2021.‑2030.gadam» (Documento informativo do Ministério dos Transportes «Sobre o desenvolvimento dos serviços de transporte público de importância regional para o período 2021‑2030»), disponível em http://tap.mk.gov.lv/mk/tap/?pid=40473219. O caderno de encargos objeto do litígio foi publicado em 2019; na audiência, a entidade adjudicante e o Governo letão explicaram que então já era possível aplicar o novo modelo de financiamento (descrito nesse documento informativo) a contratos que seriam executados a partir de 2021. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o caderno de encargos de 2019 era regulado pelo novo sistema ou pelo anterior.


55      V. n.o 66 das presentes conclusões.


56      Despacho de reenvio, n.o 13: «A alteração está relacionada com o facto de, até agora, os prestadores de serviços operarem principalmente em condições sem risco, uma vez que o Estado compensava todos os custos (aumento dos preços, diminuição da procura). No entanto, para assegurar uma utilização mais eficiente dos fundos públicos, deve‑se garantir que sejam sobretudo os próprios prestadores de serviços de transporte os interessados em alcançar os objetivos comerciais». Como afirmei na nota 54, será o órgão jurisdicional de reenvio a decidir se a fiscalização jurisdicional do caderno de encargos deve ser efetuada à luz dos critérios legislativos em vigor antes ou depois de 2021.


57      Na audiência, tanto a Dobeles como a entidade adjudicante e o Governo letão confirmaram a participação de diversos proponentes (entre os quais os recorrentes) no processo de adjudicação cujo caderno de encargos foi impugnado.


58      Expressão utilizada pela Dobeles, n.o 11 das suas observações escritas.


59      Na realidade, deveria ser a própria entidade adjudicante, confrontada com indícios como a falta de propostas, uma única proposta ou a apresentação generalizada de propostas que não correspondam às suas previsões, a questionar‑se se as condições do caderno de encargos são inaceitáveis na prática.