Language of document : ECLI:EU:T:2000:158

SENTENÇA DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

21 de Junho de 2000 (1)

«Acção de indemnização - Responsabilidade extracontratual - Leite - Imposição suplementar - Quantidade de referência - Produtor que subscreveu um compromisso de reconversão - Cessão de exploração»

No processo T-429/93,

Madeleine Amélie Le Goff, residente em Plounevezel (França),

Liliane Ropars, residente em Rouziers-de-Touraine (França),

Jacqueline Ropars, residente em Gleize (França),

Marie-Christine Ropars, residente em Guerlesquin (França),

Gisèle Ropars, residente em Morlaix (França),

Madeleine Ropars, residente em Glomel (França),

Louise Ropars, residente em Saint Laurent-du-Maroni (Guiana Francesa)

Joseph Ropars, residente em Laniscat (França),

na qualidade de herdeiros de Edmond Ropars, representados por C. Larzul e F. Buffet, e, mais tarde, por A. Delanoé, advogados no foro de Rennes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 398, route d'Esch,

demandantes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por A. M. Colaert, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção-Geral dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimentos, 100, boulevard Konrad Adenauer,

demandado,

que tem por objecto um pedido de indemnização, baseado nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actuais artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE), dos prejuízos sofridos por Edmond Ropars pelo facto de ter sido impedido de comercializar leite em aplicação do Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), na versão completada pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.° C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

(juiz singular)

juiz: R. M. Moura Ramos,

secretário: J. Palacio González, administrador

vistos os autos e após a audiência de 28 de Janeiro de 2000,

profere a presente

Sentença

Enquadramento regulamentar

1.
    Em 1977, confrontado com um excedente de produção de leite na Comunidade, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1078/77, de 17 de Maio de 1977, que institui um regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtoslácteos e de reconversão dos efectivos bovinos de orientação leiteira (JO L 131, p. 1; EE 03 F12 p. 143). Este regulamento oferecia aos produtores a possibilidade de subscreverem um compromisso de não comercialização de leite, ou de reconversão dos efectivos leiteiros, durante um período de cinco anos, em contrapartida do pagamento de um prémio.

2.
    Apesar da subscrição desses compromissos por numerosos produtores, a situação de produção excessiva persistia em 1983. O Conselho adoptou, por isso, o Regulamento (CEE) n.° 856/84, de 31 de Março de 1984 (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61), que altera o Regulamento (CEE) n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146). O novo artigo 5.°-C deste último diploma institui uma «imposição suplementar» sobre as quantidades de leite entregues pelos produtores que ultrapassem uma «quantidade de referência».

3.
    O Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), fixou a quantidade de referência para cada produtor, com base na produção entregue durante um ano de referência, a saber, o ano civil de 1981, sem prejuízo da possibilidade, para os Estados-Membros, de escolherem o ano civil de 1982 ou o ano civil de 1983. A República Francesa escolheu este último ano como ano de referência.

4.
    Os compromissos de não comercialização subscritos por certos produtores no quadro do Regulamento n.° 1078/77 cobriam os anos de referência escolhidos. Não tendo produzido leite durante estes anos, não lhes pôde ser atribuída uma quantidade de referência nem, consequentemente, puderam comercializar qualquer quantidade de leite isenta da imposição suplementar.

5.
    Por acórdãos de 28 de Abril de 1988, Mulder (120/86, Colect., p. 2321, a seguir «acórdão Mulder I»), e von Deetzen (170/86, Colect., p. 2355), o Tribunal de Justiça declarou inválido, por violação do princípio da confiança legítima, o Regulamento n.° 857/84, na versão completada pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208).

6.
    Em cumprimento destes acórdãos, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 764/89, de 20 de Março de 1989, que altera o Regulamento n.° 857/84 (JO L 84, p. 2). Por aplicação deste regulamento modificativo, os produtores que tinham subscrito compromissos de não comercialização receberam uma quantidade de referência dita «específica» (também chamada «quota»).

7.
    A atribuição desta quantidade de referência específica estava sujeita a diversas condições. Algumas dessas condições, que diziam respeito, nomeadamente, ao momento em que expirava o compromisso de não comercialização, foram declaradas inválidas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 11 de Dezembro de 1990, Spagl (C-189/89, Colect., p. I-4539), e Pastätter (C-217/89, Colect., p. I-4585).

8.
    Na sequência destes acórdãos, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1639/91, de 13 de Junho de 1991, que altera o Regulamento n.° 857/84 (JO L 150, p. 35), que, suprimindo as condições declaradas inválidas, permitiu a atribuição aos produtores em questão de uma quantidade de referência específica.

9.
    No acórdão de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, a seguir «acórdão Mulder II»), o Tribunal de Justiça declarou a Comunidade responsável pelos danos causados a determinados produtores de leite que haviam sido impedidos de comercializar leite em consequência da aplicação do Regulamento n.° 857/84, por terem subscrito compromissos em aplicação do Regulamento n.° 1078/77.

10.
    No seguimento deste acórdão, o Conselho e a Comissão publicaram, em 5 de Agosto de 1992, a comunicação 92/C 198/04 (JO C 198, p. 4). Nesta comunicação, as instituições, depois de terem lembrado as implicações do acórdão Mulder II, e com o objectivo de dar pleno efeito a este, afirmaram a sua intenção de adoptar as modalidades práticas de indemnização dos produtores interessados. Até à adopção destas modalidades, as instituições comprometeram-se a renunciar, relativamente a qualquer produtor que tivesse direito a uma indemnização, a invocar a prescrição a que se refere o artigo 43.° do Estatuto CEE do Tribunal de Justiça. No entanto, o compromisso estava sujeito à condição de que o direito à indemnização não estivesse ainda prescrito à data da publicação da comunicação ou à data em que o produtor se tivesse dirigido a uma das instituições.

11.
    Em seguida, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2187/93, de 22 de Julho de 1993, que prevê uma indemnização a favor de determinados produtores de leite ou de produtos lácteos que foram temporariamente impedidos de exercer a sua actividade (JO L 196, p. 6). Este regulamento prevê a concessão de uma indemnização, calculada em termos fixos, destinada aos produtores que, em certas condições, tenham sofrido prejuízos no quadro da aplicação da regulamentação visada pelo acórdão Mulder II.

Factos que deram origem ao litígio

12.
    Edmond Ropars, que era explorador agrícola em Kervézec (França), subscreveu um compromisso de reconversão dos seus efectivos de orientação leiteira para a produção de carne, no quadro do Regulamento n.° 1078/77, pelo qual renunciou a produzir leite durante um período de quatro anos a começar em 1 de Fevereiro de 1980.

13.
    Reformou-se em 31 de Dezembro de 1983. A sua esposa, igualmente signatária desse compromisso, substituiu-o na gestão da exploração até 11 de Junho de 1986. Nessa data, o seu genro, o Sr. Carmes, assumiu a gestão da exploração e, mais tarde, Edmond Ropars, em 29 de Setembro de 1987, retomou esta em virtude de uma lei nacional que lhe permite cumular a sua reforma com o exercício de uma actividade económica.

14.
    Em 17 de Novembro de 1987, Edmond Ropars fez um pedido ao prefeito do Departamento de Finistère para que lhe fosse atribuída uma quantidade de referência. Esse pedido foi indeferido por decisão do prefeito de 27 de Novembro de 1987, com fundamento em que não tinha produzido leite em 1983.

15.
    Na sequência de um recurso interposto por Edmond Ropars, a decisão de indeferimento foi anulada em 2 de Março de 1989, por sentença do tribunal administratif de Rennes (França), em virtude de o regulamento comunitário em que se baseava ter sido declarado inválido pelo Tribunal de Justiça.

16.
    Em 9 de Janeiro de 1990, com fundamento nessa sentença, Edmond Ropars solicitou de novo a atribuição de uma quantidade de referência ao Ministro da Agricultura Francês, bem como uma indemnização do seu prejuízo. Esse pedido foi objecto de um acto tácito de indeferimento. Aos recursos interpostos dessa decisão foi negado provimento, primeiro, pelo tribunal administratif de Rennes, em 28 de Abril de 1993, em virtude de Edmond Ropars ser reformado e de, por conseguinte, não poder pretender obter uma quota e, mais tarde, pelo Conseil d'État (França), em 30 de Abril de 1997, em virtude de nem o prefeito nem o Ministro da Agricultura serem competentes para a atribuir. A única autoridade competente de harmonia com a legislação francesa era o Office national interprofessionnel du lait et de produits laitiers (Organismo Nacional Interprofissional do Leite e dos Produtos Lácteos (a seguir o «Onilait»).

17.
    Em 31 de Dezembro de 1991, Edmond Ropars cessou a sua actividade agrícola.

18.
    Em 26 de Janeiro de 1995, o Onilait indeferiu o seu pedido com vista a obter uma indemnização de harmonia com o Regulamento n.° 2187/93.

19.
    Na sequência do acórdão do Conseil d'État, já referido no n.° 16, Edmond Ropars, em 10 de Maio de 1997, apresentou um pedido ao Onilait a fim de obter uma quota.

20.
    Por decisão de 11 de Setembro de 1997, esse pedido foi indeferido em virtude de o direito à quota se ter extinguindo quando o Sr. Carmes abandonou a exploração em 1987. Edmond Ropars interpôs recurso dessa decisão para o tribunal administratif de Rennes, o qual se não pronunciou ainda.

Tramitação do processo e pedidos das partes

21.
    Por petição apresentada em 27 de Junho de 1991 na Secretaria do Tribunal de Justiça, Edmond Ropars propôs a presente acção. O processo foi registado sob o número C-167/91.

22.
    Por decisão de 14 de Setembro de 1993, o Tribunal de Justiça suspendeu a instância até à prolação do acórdão que pôs termo à instância nos processos apensos C-104/89 (Mulder e o./Conselho e Comissão) e C-37/90 (Heinemann/Conselho e Comissão).

23.
    Por despacho de 27 de Setembro de 1993, o Tribunal de Justiça remeteu o processo para o Tribunal de Primeira Instância, em conformidade com o disposto no artigo 3.° da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1), na versão alterada pela Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE

do Conselho, de 8 de Junho de 1993 (JO L 144, p. 21).

24.
    Por despacho de 10 de Fevereiro de 1999, o presidente da Quarta Secção Alargada, após ter ouvido as partes durante a reunião informal de 30 de Setembro de 1998, ordenou prosseguimento do processo nos autos em causa.

25.
    Por decisão de 6 de Julho de 1999, os autos foram remetidos a uma secção composta por três juízes.

26.
    Edmond Ropars faleceu em 29 de Novembro de 1998. A sua esposa e sete dos seus filhos declararam devidamente prosseguir a acção na qualidade de herdeiros.

27.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e convidou os demandantes a responder por escrito a algumas questões.

28.
    Em conformidade com as disposições dos artigos 14.°, n.° 2, e 51.° do Regulamento de Processo, a Quarta Secção atribuiu o processo ao juiz Moura Ramos, para decidir na qualidade de juiz singular.

29.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do tribunal durante a audiência de 28 de Janeiro de 2000.

30.
    Os demandantes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    Condenar a Comunidade a pagar-lhes uma indemnização de 461 949,60 francos franceses (FF), com acréscimo de juros à taxa de 8% ao ano, a contar da propositura da acção, e uma soma de 180 000 FF correspondente à desvalorização das terras agrícolas que foram vendidas;

-     condená-la a suportar a totalidade das despesas de processo e a pagar-lhes uma soma de 40 000 FF a título de reembolso de despesas recuperáveis;

-    suspender a instância até que o tribunal administratif de Rennes se tenha pronunciado sobre o recurso interposto da decisão do Onilait de 11 de Setembro de 1997.

31.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar a acção improcedente;

-    condenar os demandantes nas despesas do processo.

Quanto ao pedido de suspensão da instância

32.
    Na medida em que a decisão do tribunal administratif de Rennes só poderia ter influência na extensão do dano alegado pelos demandantes

e não sobre a questão da responsabilidade da Comunidade, há que indeferir o pedido de suspensão da instância.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

33.
    Os demandantes alegam que Edmond Ropars sofreu um prejuízo em consequência da não atribuição de uma quantidade de referência por aplicação do Regulamento n.° 857/84, cuja invalidade foi declarada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Mulder I. Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou também, no acórdão Mulder II, que esse regulamento violava a confiança legítima dos produtores que tinham subscrito compromissos de não comercialização ou de reconversão e que contavam, no termo desses compromissos, retomar a produção de leite. Nestas circunstâncias, a reparação do dano causado incumbe ao Conselho.

34.
    Segundo os demandantes, nos termos do acórdão Mulder II, Edmond Ropars reunia todas as condições para obter uma indemnização. É facto assente que respeitou plenamente o seu compromisso de reconversão e que, posteriormente, manifestou expressamente a sua vontade de retomar a produção de leite, quando estava ainda em actividade, ao formular um pedido de atribuição de quota ao prefeito do Departamento de Finistère em 17 de Novembro de 1987.

35.
    Os demandantes referem que, apesar de Edmond Ropars se ter reformado antes do termo do compromisso, a sua mulher sucedeu-lhe na gestão da exploração e, na medida em que ela era igualmente signatária desse compromisso, não houve nessa ocasião, cessão de exploração.

36.
    Os demandantes consideram que Edmond Ropars sofreu dois tipos de prejuízo. O primeiro decorrente do facto de não ter produzido leite até ao fim da sua actividade, em 31 de Dezembro de 1991. O segundo constituído pela desvalorização imobiliária das suas terras agrícolas, uma vez que não podia obter uma quantidade de referência. Salientam, a esse propósito, que Edmond Ropars vendeu 12 ha 53 a 9 ca de terreno pela soma de 120 000 FF, quando uma parcela de tal dimensão era anteriormente avaliada em 180 000 FF.

37.
    Os demandantes contestam finalmente a afirmação de que o seu pedido prescreveu, na medida em que Edmond Ropars interrompeu a prescrição, ao propor a acção.

38.
    Na altura da resposta às questões escritas do Tribunal, os demandantes sustentaram que Edmond Ropars nunca tinha, na realidade, cessado de trabalhar na sua exploração e que tinha sido sempre o verdadeiro explorador da quinta de Kervézec.

39.
    O Conselho sustenta, em primeiro lugar, que o pedido dos demandantes não tem fundamento, em segundo lugar, que, em grande parte, prescreveu e, em terceiro lugar, que o montante do prejuízo alegado está sobreavaliado.

Apreciação do Tribunal

40.
    Só há lugar à responsabilidade extracontratual da Comunidade por danos causados pelas instituições, prevista no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288, segundo parágrafo, CE), se estiver reunido um conjunto de condições, no que toca à ilegalidade do comportamento censurado, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle e o./Conselho e Comissão, 197/80 a 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, Recueil, p. 3211, n.° 18, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80).

41.
    No que toca à situação dos produtores de leite que subscreveram um compromisso de não comercialização, há lugar a responsabilidade da Comunidade face a cada produtor que tenha sofrido um dano reparável pelo facto de ter sido impedido de entregar leite em aplicação do Regulamento n.° 857/84 (acórdão Mulder II, n.° 22).

42.
    Esta responsabilidade funda-se na violação da confiança legítima que os produtores, incitados por um acto da Comunidade a suspender a comercialização de leite, por um período limitado, no interesse geral e em contrapartida do pagamento de um prémio, podiam depositar no carácter limitado do seu compromisso de não comercialização (acórdão Mulder I, n.° 24, e acórdão von Deetzen, já referido, n.° 13). No entanto, o princípio da confiança legítima não se opõe a que, sob um regime como o da imposição suplementar, sejam impostasrestrições a um produtor pelo facto de não ter comercializado leite durante um determinado período, anterior à entrada em vigor do referido regime, por razões estranhas ao seu compromisso de não comercialização (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 1999, Böcker-Lensing e Schulze-Beiering/Conselho e Comissão, T-1/96, Colect., p. II-1, n.° 41).

43.
    Os demandantes invocam uma privação ilegal de quantidade de referência entre 1 de Abril de 1984 e 31 de Dezembro de 1991, que seria consequência da aplicação do Regulamento n.° 857/84. Este teria frustrado a expectativa legítima de Edmond Ropars de retomar a produção leiteira no termo do seu período de reconversão.

44.
    Nas circunstâncias do caso em apreço, há que examinar, em primeiro lugar, se as alegações dos demandantes destinadas a fundamentar o direito a indemnização procedem, nomeadamente, no que toca à existência de um comportamento ilegal das instituições e à realidade do prejuízo.

45.
    A este propósito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, compete à parte que põe em causa a responsabilidade da Comunidade apresentar provas concludentes quanto à existência ou à extensão do prejuízo que invoca e demonstrar o nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento de que acusa as instituições comunitárias (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1998, Somaco/Comissão, C-401/96 P, Colect., p. II-2587, n.o 71).

46.
    Em seguida, deve salientar-se que, mesmo admitindo a tese segundo a qual Edmond Ropars, em nenhum momento, na realidade, cedeu a sua exploração desde a sua reforma em 31 de Dezembro de 1983 e prosseguiu a sua actividade agrícola após essa data, os demandantes são sempre obrigados a aduzir a prova de que este tinha a intenção de produzir leite no termo do seu período de reconversão.

47.
    Ora, resulta dos autos que Edmond Ropars não recomeçou a produção de leite no termo do seu compromisso, em 1 de Fevereiro de 1984, apesar de o Regulamento n.° 857/84 ter só entrado em vigor em 1 de Abril de 1984. Em seguida, resulta claro que ele solicitou uma quantidade de referência apenas em 17 de Novembro de 1987. Finalmente, não está demonstrado que Edmond Ropars tenha feito diligências susceptíveis de provar a sua intenção de retomar a produção de leite no termo do período de reconversão.

48.
    Nestas circunstâncias, os demandantes não poderão pretender que Edmond Ropars tinha uma confiança legítima na possibilidade de retomar a produção de leite, susceptível de ter sido frustrada pela legislação comunitária em causa.

49.
    Se é verdade que Edmond Ropars manifestou a intenção de produzir leite em 1987 quando do seu pedido de uma quantidade de referência, não é menos verdade quenão podia depositar uma confiança legítima na possibilidade de retomar essa produção numa qualquer data futura. Com efeito, no domínio das organizações comuns de mercado, cujo objecto comporta uma constante adaptação em função das variações da situação económica, os operadores económicos não têm fundamento para criar uma confiança legítima de que não serão sujeitos a restrições decorrentes de eventuais normas relativas à política de mercado ou à política de estruturas (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1987, Frico, 424/85 e 425/85, Colect., p. 2755, n.° 33, Mulder I, n.° 23, e von Deetzen, já referido, n.° 12, e o acórdão Böcker e Schulze-Beiering/Conselho e Comissão, já referido, n.° 47)).

50.
    Resulta do que precede que não poderá haver lugar a responsabilidade da Comunidade em relação a Edmond Ropars devido à aplicação do Regulamento n.° 857/84, sem que seja necessário verificar se as outras condições de tal responsabilidade estão preenchidas.

51.
    Além disso, também não há que examinar a questão da prescrição.

52.
    Resulta de tudo o que precede que a acção deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

53.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte contrária o tiver requerido. Tendo os demandantes sido vencidos, devem ser condenados nas despesas, em conformidade com os pedidos do Conselho.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (juiz singular),

decide:

1.
    O pedido de suspensão da instância é indeferido.

2.
    A acção é julgada improcedente.

3.
    Os demandantes são condenados nas despesas.

Proferida em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Junho de 2000.

O secretário

O juiz

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: francês.